terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25219: As nossos geografias emocionais (23): O Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o Anexo, a Campolide, que eu conheci (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / Antóno Tavares / Armando Pires)

Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O saudoso Carlos Filipe (Porto, 1950-Lisboa, 2017), radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74): esteve internado 32 dias em Bissau, no HM 241, antes de ser evacuado, com hepatite, para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde iria permanecer 173 dias...

Foto (e legenda);  © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Eis alguns comentários (que republicamos) de camaradas nossos que conheceram o Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o seu anexo, em Campolide, na Rua da Artilharia Um, vulgo "Texas".

Antes, porém, convém lembrar que o HMP era constituído nos anos 60/70 por várias áreas fisicamente separadas (*), incluindo o Anexo, a Campolide, na rua  Artilharia 1.



Figura 1 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas:  a área 1 (o "núcleo histórico"), na Calçada da Estrela, contíguo ao Jardim da Estrela; a área 2 (nas traseiras da Basília da Estrela); e a área 3, delimitada pelo início da Av Infante Santo (no sentido descendente) e a Rua de Santo António à Estrela (que inclui o edifício de 12 pisos, a Casa de Saúde da Família Militar, construído já 8 em 1973).  O Anexo, a Campolide, não consta aqui desta figura.

(Com a devida vénia... Fonte: Anuário do HMP de 2004, citado por major Rui Manuel Pereira Fialho, "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", Revista Militar n.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064).


Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)

(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).

Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72. 

O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.

Imagina um Oficial de dia,  quase maneta,  e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.

No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. 

Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados. 

Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)

Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)

(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.

De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)

 (…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas,  frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. 

Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.

A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…)  (**)


Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72


(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"),  existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa. 

Isto aconteceu talvez nos finais de setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.

Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". 

Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...

Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)(**)


António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)


 (...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...

Impossível a sua descrição. (...) (**)

Armando Pires, ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70

(...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).

 Em Outubro iniciei a formação do Batalhão  [BCAÇ 2861] e em Fevereiro parti para a Guiné. 

Vamos ao Hospital. 

(i) A Estrela [HMP], após o início da guerra, foi equipada  com o que de melhor havia e nela trabalhava obrigatoriamente a nata da classe médica portuguesa. 

(ii) O Anexo de Campolide [na Rua Artilharia Um] funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os necessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialidades médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório... porque era preciso criar vagas para os casos mais graces no Hospital Principal.  

Sim, têm razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem dignididade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana. 

Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescênça os mutilados, era um lugar à parte. Digno! 

E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.

Sim, de acordo, o Director era uma besta! 

E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais. 

Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal. 

Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o meu abraço,  camarada. (...) (***)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela

(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)

Guiné 61/74 - P25218: Parabéns a você (2250): Luís Cardoso Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Nova Lamego e S. Domingos, 1967/69)

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Nota do editor

Último post da série de 26 de Fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25213: Parabéns a você (2249): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Guiné 6/74 - P25217: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte V: Angola 'versus' Guiné


Gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011)


1. Há documentos que devem merecer a nossa atenção e ser divulgados neste blogue de antigos combatentes da Guiné... É o caso do depoimento do gen Bettencourt Rodrigues (Funchal, 1918 - Lisboa, 2011), o último governador e com-chefe da Guiné, antes do 25 de Abril, prestado em 1997, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida. 

O sítio original na Net foi descontinuado. Só há pouco tempo o conseguimos recuperar através do Arquivo.pt.  Devido à sua entensão,  será reproduzido,  com negritos nossos (e itálicos), em duas parte (com a devida vénia, ao ICS - Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa). 

A primeira parte é dedicada a Angola, onde o general Bettencourt Rodrigues foi o "herói da região militar leste" (1971-1973). A segunda, à Guiné.

Os entrevistadores, já falecidos, Manuel Lucena, cientista político (1938-2015)  e Luís Salgado de Matos, sociólogo (1946-2021), foram dois brilhantes investigadores do ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Este documento também está disponível no Arquivo de História Social do ICS. Faz parte do espólio de Manuel Lucena.

Estudos Gerais da Arrábida > 
A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA

Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) 


Manuel de Lucena

Antes da eclosão da guerra Angola - e baseando-me no depoimento que concedeu a José Freire Antunes  (2) - sei que estagiou em unidades norte-americanas e esteve integrado na Divisão SHAPE. Quer falar-nos um pouco dessa experiência? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em 1952, depois de ter feito o curso de Estado Maior no Instituto de Altos Estudos Militares, o então Chefe de Estado Maior, general Barros Rodrigues, destacou-me para tirar o curso de Comando e de Estado Maior nos EUA (Kansas). Seguidamente, estagiei na 1ª Divisão de Infantaria norte-americana instalada no campo de Graffenworhr, na Alemanha Ocidental. 

Passado algum tempo, constituiu-se a Divisão SHAPE, que actuou em numerosos exercícios e manobras, dentro e fora do país, Nessa unidade, fui adjunto da 3* Repartição do Quartel General durante o período de manobras de 1953 e anos seguintes. 

Quando regressei a Portugal, estive durante algum tempo colocado em Santa Margarida, onde se começaram a aplicar os modelos e técnicas americanas ao Exército português: foi em Santa Margarida que nasceu o moderno Exército portuguesa. 

Foi talvez em 1958 que começámos a ter a percepção de que algo iria acontecer em África, fundamentalmente devido ao exemplo da guerra da Argélia e às primeiras independências na África negra. 

Por essa  altura tomaram-se certas providências tendo em vista a adaptação do Exército ao tipo de inimigo que poderia ter de vir a enfrentar. 

Enviaram-se alguns oficiais para a Argélia (Hernes de Oliveira, Almiro Canelhas, Franco Pinheiro, entre outros), a fim de se familiarizarem com os métodos de luta anti-guerrilha; mudaram-se os planos de instrução; no Instituto de Altos Estudos Militares, na Academia Militar e nas Escolas Práticas começou leccionar-se a teoria da «guerra subversiva»; em Lamego, foi criado o Centro de Instrução de Operações Especiais, especialmente vocacionado para a luta antissubversiva 

Em 1960 - o ano da independência do Congo belga -, o coronel Almeida Fernandes, então ministro do Exército, mandou uma missão do curso de Estado-Maior a Angola. Fiz parte dessa missão - era então professor no curso Estado Maior - tendo levado comigo os alunos da parte complementar do curso, Percorremos toda a fronteira Norte de Angola em duas station wagons sem que tivéssemos dado conta de algo de anormal. Angola parecia estar perfeitamente pacificada. 

Quando a grande bronca rebenta, - os massacres da UPA de 14 de Março -, eu estava lá em missão, juntamente com os generais Beleza Ferraz e Câmara, respectivamente CEMGFA e CEME. Em Buco-Zau (Cabinda), onde nos encontrávamos, chamaram-nos de urgência para a Luanda. Depois daqueles dois responsáveis terem regressado a Lisboa, na companhia do ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves, ainda lá fiquei uns dias. 

Manuel de Lucena: 

Qual era o propósito dessa última missão? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Tratava-se de uma simples missão de rotina, tanto quanto me recordo. Simplesmente, calhou estarmos lá aquando da eclosão da guerrilha. Depois dessa ocasião, voltei repetidas vezes a Angola, uma delas com o então major Pedro Cardoso, adjunto do Secretário-Geral da Defesa Nacional, por ocasião do cerco a Carmona. 

Em Novembro de 1961 teve lugar um acontecimento dramático: o desastre do Chitado, onde pereceu o general Silva Freire, então comandante da região militar de Angola. Pouco tempo depois, o general Holbeche Fino, designado para suceder a Silva Freire, telefona-me dizendo que gostaria de me levar para Angola como seu chefe de gabinete. 

À minha maneira, respondi-lhe que tinha dois patrões; o general Gomes de Araújo e o general Câmara Pina; se ele se entendesse com eles, muito bem, iria para Angola, Comigo foi sempre assim: basta apresentarem-me a guia de marcha e eu vou para qualquer lado. 

Luís Salgado de Matos: 

Quando em Março de 1961 rebenta a «bernarda» em Angola, o dr. Salazar não quis falar com as pessoas que lá estavam?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Pela minha parte, só falei com o Costa Gomes e o Almeida Fernandes. 

Luís Salgado de Matos: 

Não é no regresso daquela visita que os generais Beleza Ferraz e Câmara Pina classificam os incidentes em Angola como um simples caso de polícia e depois são muito criticados? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, admitia-se que o general Beleza Ferraz talvez não tivesse medido bem a gravidade da situação; e daí essas declarações menos felizes. 

Luís Salgado de Matos: 

Ainda em relação a esse ano de 1961, como viu o golpe do general Botelho Moniz? 

General Bettencourt Rodrigues: 

O general Botelho Moniz era um homem muito complicado, muito fechado sobre si mesmo. Quem não segue as regras no Exército, acaba sempre por «dar gato»

Ainda hoje não sei bem o que foi a «Abrilada». Que eles queriam derrubar o dr. Salazar e o almirante Américo Tomás é um facto - e o Craveiro Lopes até já tinha a mala feita para se instalar em Belém. Agora o que sucederia depois do golpe, isso permaneceu sempre um mistério para mim. 

Manuel de Lucena: 

Como é que o sr. general sentiu o ambiente das Forças Armadas em Angola, em 1961? Nos escalões que contavam, é evidente. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Apesar de uma certa surpresa perante a proporção que as coisas assumiram em Março de 1961, já havia um certo planeamento por parte dos responsáveis militares. O general Silva Freire, um estratega brilhante, tinha alinhavado algumas ideias para enfrentar um possível foco de subversão. 

Infelizmente, no desastre do Chitado faleceram também dois chefes de Repartição do Quartel General. Escaparam, valha-nos isso, o hoje coronel Moreira Rebelo, da 1ª Repartição, e o hoje general Salazar Braga, da 2ª Repartição. 

Em finais de 1961 tínhamos para resolver: a reconstituição Quartel General, as comunicações, a logística e a montagem do sistema de quadrícula. Ou seja, praticamente o essencial. 

O sistema de quadrícula, de inspiração francesa, surgiu-nos como o mais adequado, até porque os massacres tinham eclodido em regiões onde não existiam guarnições militares, deixando os fazendeiros num grande isolamento. 

Luís Salgado de Matos: 

O general Silva Freire era um oficial da escola francesa? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, mas era sem dúvida o nosso melhor general, um dos mais brilhantes estrategas da sua geração. Ele teve a inteligência de perceber que era através da quadrícula que poderíamos contactar com as populações, trazê-las para o nosso lado. 

Repare: a guerra dita subversiva é um conflito assimétrico; uma disputa entre dois adversários desiguais em termos de organização, recursos e implantação no terreno. 

O sistema da quadrícula adaptou-sese bem às características da guerra subversiva. Era a quadrícula que integrava o médico que fornecia os cuidados de saúde básicos, o cabo que dava a instrução primária aos indígenas, o soldado que conhecia bem os musseques, a sanzala, enfim, a tropa que ia fazendo o  «trabalhinho». 

Quando se queria bater com força, então chamavam-se as forças de intervenção. Foram ambas indispensáveis e complementares uma da outra. 

Luís Salgado de Matos: 

Diz-se que a quadrícula deixou de combater em 1965. 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não tenho essa ideia. Sinceramente. Quando voltei a Angola em 1971 (a minha missão com o general Holbeche Fino terminou em 1964), para chefiar a Zona Militar Leste, combatia-se com determinação. Tanto assim que ainda nesse ano voltou a ser possível circular à vontade nessa região.

 Manuel de Lucena: 

Entre 1961 e 1964, a ideia era cooperar e pacificar, por um lado, e bater quando necessário, por outro? 

General Bettencourt Rodrigues: 

A ideia do apaziguamento era primordial. Era a razão de ser da nossa guerra. Nunca se perseguiu uma estratégia de aniquilamento do inimigo. O nosso lema era «a conquista pelas mentes». 

Luís Salgado de Matos: 

Voltando um pouco atrás. O general Beleza Ferraz tinha ou não razão quando dizia que a situação em Angola se pacificava num ápice? Porque em 1962 as coisas estavam aparentemente controladas... 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não é tanto assim. Aquela gente era determinada, batia-se bem, tinha armamento, apoios internacionais. 

Manuel de Lucena: 

A guerrilha era então vista como um inimigo a longo prazo?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Era impossível liquidá-la de uma só vez. Repare: qual é a finalidade da guerra subversiva? Substituir uma autoridade por outra, naquele caso, portugueses por angolanos. 

Nesse aspecto, a subversão falhou: foi o 25 de Abril que nos derrubou. 

Como a finalidade era aquela, não podia haver soluções de compromisso. Como é que se faz um cessar-fogo no âmbito de uma guerra subversiva? Nunca ninguém mo soube explicar até hoje. 

Utilizando uma imagem conhecida: uma mulher está grávida ou não; não pode estar apenas um bocadinho grávida…

Manuel de Lucena: 

O que o sr. general pretende dizer é que na guerra subversiva o compromisso é sempre o prelúdio da derrota de um dos lados. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Eu vou mais longe: qualquer compromisso equivale sempre a uma derrota incondicional

À guerrilha nunca interessam partilhas territoriais, soluções intermédias. É a vitória total ou nada. 

Manuel de Lucena: 

E em relação ao compromisso, quando é que se percebe que um dos lados se está a precipitar no abismo? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Veja esta hipótese: o general Spínola chegava a um entendimento com o Amílcar Cabral e conseguia chamá-lo para o Governo, oferecendo-lhe o cargo de secretário-geral ou coisa que o valha. Neste caso, quem vencia era o general Spínola porque o Governo, a autoridade, mantinha-se portuguesa. 

Luís Salgado de Matos: 

A esse respeito tenho uma espécie de teoria sentimental sobre a descolonização portuguesa. Ganhámos a guerra militarmente - com a possível excepção Guiné - mas o pais decidiu que se retirava, que não valia a pena continuar em África. 

Manuel de Lucena: 

Depois do trabalho com o general Holbeche Fino, entre 1961 e 1964, e até voltar a Angola, por onde andou o sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Estive três anos em Londres como adido militar e depois fui ministro do Exército, já com o professor Marcelo Caetano. Em 1971 fui então nomeado Comandante da Zona Militar Leste.

 Manuel de Lucena: 

Como surgiu essa sua última nomeação? 

General Bettencourt Rodrigues: Creio que foi o general Costa Gomes, meu grande amigo, que me propôs. 

Luís Salgado de Matos: 

Com quem tinha grandes afinidades tácticas, segundo julgo saber… 

General Bettencourt Rodrigues: 

Direi que partilhávamos de uma certa unidade de vistas. Em 1970-71 a situação em Angola apresentava sinais de deterioração. A subversão alastrou do Norte até ao Leste, à Lunda, ao Mochico e, o que era verdadeiramente preocupante, começara a ameaçar Nova Lisboa, o centro nevrálgico de Angola. 

Nessa altura, o general Costa Gomes decidiu remodelar o dispositivo e criar a Zona Militar Leste, que abrangia os distritos do Bié, Lunda, Mochico e Cuando Cubango. Essa sua iniciativa coincidiu com uma viagem do general Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa a Angola. 

Em conversa, o general Costa Gomes sugeriu o meu nome para a chefia do novo comando, tendo obtido a anuência do ministro. 

Manuel de Lucena: 

Entretanto, falou também com o professor Marcelo Caetano? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Exactamente. De resto, eu sempre estive muito à vontade com o professor Marcelo. Tinha sido seu ministro, conhecíamo-nos bem... Ele até dizia que eu usava uma linguagem muito pitoresca... 

Luís Salgado de Matos: 

O professor Marcelo alguma vez se confessou consigo sobre os contados secretos com o PAIGC? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Não acredite nisso... Eu não duvido que o Villas-Boas tenha ido a Londres, mas foi só ver o que é que os tipos queriam, mais nada. Havia um toque do Foreign Office e não se podia dizer que não. 

Manuel de Lucena: 

Quando falou com o professor Marcelo antes de ir para o Leste,  havia mais alguma coisa na manga, ou era apenas uma conversa normal entre o Presidente do Conselho e um antigo ministro que ia desempenhar uma importante missão militar? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Prefiro essa segunda hipótese. Para ser sincero, a conversa foi até relativamente inócua. Discutimos a delicadeza da situação militar, particularmente dramática à volta de Nova Lisboa; falámos das acções que se poderiam desenvolver junto das populações. 

Este último desiderato era, não me canso de sublinhá-lo, muito importante para nós. Nisso, o dr. Salazar e o prof. Marcelo não eram muito diferentes. 

Nas três frentes em que estivemos envolvidos, não arrasámos nada, não recorremos a bombardeamentos maciços, não seguimos uma política de terra queimada

É claro que, numa situação de conflito, há sempre uns tipos desequilibrados que podem praticar abusos. 

Luís Salgado de Matos: 

Na Argélia o uso da tortura em uma directiva explícita do Estado-Maior. O comando de pára-quedistas de Argel estava especificamente treinado para aterrorizar. 

Manuel de Lucena: 

Bem, a esse respeito há até quem fale de uma excessiva brandura por parte da tropa portuguesa. Quer comentar,  sr. general? 

General Bettencourt Rodrigues: 

É claro que quando era preciso bater, nós batíamos. No entanto, é sempre muito difícil dosear essas coisas... 

Mas fomos sempre formados para não cometer excessos. 

Manuel de Lucena: 

Sobre a sua acção no Leste, pode dizer-nos alguma coisa sobre os seus acordos com Jonas Savimbi? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Relativamente a esse assunto, entendo que não devo falar, uma vez que a pessoa em questão ainda está viva e politicamente activa. 

No entanto, esclareço que após o 25 de Abril nunca tive nada a ver nem com a UNITA, nem com o MPLA. 

Manuel de Lucena: 

O brigadeiro Passos Ramos, que nos prestou dois depoimentos em 1995 e 1996, levantou um pouco a ponta do véu sobre esses acordos. Disse-nos, nomeadamente, que houve um entendimento entre o Exército português e a UNITA com vista à formação de um santuário, que, naturalmente, funcionava contra o MPLA. 

Disse-nos também que a UNITA não era um movimento fantoche: estava bem implantada, cobrava impostos aos madeireiros, controlava áreas muito vastas - em suma, dava-nos trabalho. 

General Bettencourt Rodrigues: 

A única coisa que posso dizer é que o general Costa Gomes estava dentro desse entendimento, tal como o professor Marcelo Caetano. O que não equivale a atribuir-lhes a paternidade da ideia. 

Luís Salgado de Matos: 

O fim do 'modus vivendi' com Savimbi ficou a dever-se à inabilidade do seu sucessor? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Em certa medida. A guerra subversiva é uma guerra - como direi? - suja, pouco ortodoxa. 

Se sigo com demasiada intransigência os meus princípios - e essa foi a opção meu sucessor - não estou a jogar pelas regras do jogo. 

Luís Salgado de Matos: 

Mas essa inflexão face à UNITA terá tido o assentimento do ministro, não?

 General Bettencourt Rodrigues: 

Não sei. Mas note que o Leste de Angola é um sítio remoto. Naquele conflito gozávamos de uma grande margem de autonomia. 

Manuel de Lucena: 

Quando estive exilado, falei uma vez com um homem do MPLA, um mestiço, Castro Lopo, que se confessou muito impressionado com as dificuldades que o movimento então experimentava na Frente Leste. Dificuldades sobretudo ao nível dos abastecimentos - vinha tudo de muito longe, da Zâmbia, por exemplo, forçando-os a longas caminhadas…

 General Bettencourt Rodrigues: 

Precisamente. Por outro lado, eram essas as vantagens dos terroristas na Guiné. Mas o Governo Zâmbia não regateava apoios à subversão. À semelhança, aliás, de alguns lobbys norte-americanos, como o American Comitte for Africa

Quem tocava no Caminho de Ferro de Benguela era a UNITA, o que não convinha nada à Zâmbia, um país de hinterland com acesso ao mar bloqueado. Isso dava-nos um grande trunfo sobre o Kaunda. É por isso que chamei à guerra subversiva uma guerra suja: cada um dos lados combatia com manhas e artimanhas. 

Manuel de Lucena: 

Nesse sentido, o acordo com a UNITA revestía-se de um carácter eminentemente prático; quanto muito implicaria uma integração de quadros dirigentes daquele movimento na administração portuguesa. É isso? 

General Bettencourt Rodrigues: 

Sim, é mais ou menos isso. 

Luís Salgado de Matos: 

Passando agora para a Guiné (...)

(Continua em próximo poste)

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Notas dos entrevistadores:

1 José Manuel Bettencourt Rodrigues (n. 1918): Oficial de Infantaria. Ministro do Exército (1968-70). Comandante da Zona Militar Leste de Angola (1971-73). Sucedeu a Spínola como governador da Guiné (1973-74). 

(2) José Freire Antunes, A Guerra de África, 1° vo1. Lisboa; Círculo de Leitores, 1996. 

(Revisão / fixação de texto, negritos, itálicos, para efeitos de publicação neste blogue: LG)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P25216: Notas de leitura (1670): "A Cidade Que Tudo Devorou", por Amadú Dafé; Nimba Edições, 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Se um grande romance é uma história bem contada, Amadú Dafé recebe a cotação máxima com esta "A Cidade Que Tudo Devorou", vamos embrenhar-nos na cidade de Bissau, palco de assassinatos, guerra civil, roubalheiros de toda a ordem, ninho de paixões, corredor da droga, cenário de mística, mundo dos balobeiros, conversas entre mortos e vivos; uma Bissau desmazelada, onde impera o caos, um povo surpreendentemente resignado com décadas de desgovernação; e uma arquitetura literária de primeiríssima água, os sonhos de Amílcar Cabral não se cumpriram mas os guineenses roubaram-nos muito bem a língua, este belíssimo romance é a prova provada de que a língua se renova, se universaliza na identidade que lhe é dada pelo escritor em nome da fala comum dos povos que são a matéria prima da sua escrita. É com muito orgulho que vejo alcandorado Amadu Dafé ao lado de Abdulai Sila, Mia Couto, Pepetela, Luandino Vieira, Ondjaki, João Paulo Borges Coelho, entre outros. Que nos surpreenda mais com outras gemas literárias, são os meus sinceros votos.

Um abraço do
Mário



Paraninfo para um escritor maior da literatura luso-guineense (1)

Mário Beja Santos

Já conhecia um livro belíssimo de Amadú Dafé, Ussu de Bissau, uma denúncia corajosa do desvio de crianças guineenses para o tráfico sexual e escravatura, só lamento que esta joia quase seja mantida no anonimato, possui uma tessitura muito própria, uma construção subtil que confirma que não há esmalte literário se a história não é bem contada e não a retivermos como valor no edifício dos nossos princípios.

A obra que acaba de dar à estampa coloca-o ao nível dos primeiros nomes da literatura da Guiné a alcandora-o a expoente entre as figuras principais da literatura lusófona. Ele pega numa frase do investigador António Duarte Silva para construir a radiografia da Guiné atual, centra-se em Bissau, A Cidade Que Tudo Devorou, Nimba Edições, 2022. A urdidura das peripécias que ele vai narrar investem no realismo mágico, há para ali uma língua portuguesa que é desossada, recebe injeções de crioulo, desce ao terreno da laterite, mete golpismo, assassinatos, delinquência, gente que conversa com fantasmas, paixões desmesuradas, desmonta-se o machismo, aquele maldito mercado da droga, ali se fala sem cessar das crianças misteriosamente desaparecidas do arquipélago dos Bijagós. São narrativas que se entrepõem, há falas para irmos até ao abismo das mentes e perceber o que move N’Sunha Sprança, Sonya, Lante Ndam Kdutar, Tabaco, Almirante, Kanserá Só, todos a contracenar num palco dramático, porque este primor literário não é só uma radiografia, é o espelho de uma tragédia, onde se fala permanentemente do caos em que vive uma nação mas onde os jovens ainda têm uma réstia de esperança.


É literatura da modernidade, as mulheres são mostradas fora da submissão, mas não se deixa de mostrar a moral vigente:
“Estava feliz. Não teria mais de suportar aquele ardente desejo de ser casada, aquela pressão social de ter de encontrar um homem bom, pressão esta que lhe fez espécie desde que se formou badjuda. Era ela e eram todas as outras mulheres da terra. Mesmo aquelas que tinham, pela alcunha, uma premonição menos favorável, ansiavam pelo aparecimento de um homem para casamento. A sorte da mulher é na porta do casamento, dizia-se. Um dos mais fortes sinais de machismo e misoginia enraizados nesta sociedade, é este castramento de sonhos e construção de dependências. As mulheres só podem sonhar com casamento; são frágeis e sensíveis e por isso precisam de alguém que cuidasse delas. Já os homens podem sonhar alto, almejar riquezas, lutar pelo poder e desposar mulheres, várias. Podem juntá-las na mesma casa, como peças de mobiliário, e podem consigná-las a casa um, casa dois, casa três, ou a vários lares a seu bel-prazer, sem lhes atribuir a propriedade da própria felicidade. Conseguem-no em nome da mentira e a custo de uma manipulação desenfreada. A troco das dependências e fragilidades a que elas se sujeitam.”
A conversa entre mãe e filho é palpitante, o pai morrera de forma tão dramática, vivia tão arredio da paixão da mãe que esta guardou no espírito a imagem de um homem que já não lhe pertencia.

E entra em cena N’sunha, e em simultâneo com a paixão de jovens fala-se do morto, Lante Ndam Kdutar, há pouco tempo houvera uma guerra civil em Bissau, vamos saber o que aconteceu: “Ficou claro, mais tarde, para os que se juntaram aos dois oponentes nesta barbarice, de que tinham arriscado a vida em vão. Mataram civis inocentes, pilharam armazéns e desgraçaram o país, deixando-o refém nas mãos dos políticos mal preparados, por causa de um cisme absurdo. Foi vendida a todos a ideia de uma divergência sobre a venda de armas aos insurretos do país vizinho, porém, por maior que seja a montanha, jamais envergará o Sol.” Lante apresentou-se no quartel de Mansoa, assistiu à crueldade de uma chacina dementada: “Quando as tropas da junta militar invadiram aquele quartel, não fizeram reféns nem presos de guerra. Os corpos mortos dos chamados aguentas, crianças e jovens guineenses que lutaram ao lado dos militares estrangeiros, vindos do Senegal e da Guiné-Conacri, para a junta governamental, foram largados nas ruas para os jagudis, os cães, gatos e corvos se alimentarem. A cidade tresandava a sangue podre e a almas desabrigadas.” É nesta altura que Lante vai conhecer uma rapariga de seu nome Sán’nan. Gozando de uma vida familiar às direitas, é nessa altura envolvido numa operação golpista, o móbil é o assassinato do presidente da República, por portas e travessas o presidente escapa e é levado para uma tabanca, cena hilariante, da mais refinada tragicomédia, os papagaios vão botando palavrões, o presidente disserta sobre a classe política, nunca diz explicitamente de que etnia fala, mas tece um comentário cheio de vitríolo: “Esta gente, por natureza, vive pelo poder. Embora durante a nossa luta de libertação se tenham mantido esquivos, porque eram os grandes aliados dos colonizadores, disfarçando-se sempre de comerciantes desinteressados, sempre tiveram o poder em mira. São uma espécie de camaleões venenosos e conseguem disfarçar com uma perícia do caralho… Até a sua religião, que é de uma particularidade diferente da das crenças nacionais, fá-los passar despercebidos.”

E, mais adiante: ”Depois da nossa independência e ao verem-se perseguidos pelo partido que os considerou traidores, por terem sido aliados dos colonizadores, enveredaram-se pela estratégia de espionagem, disseminação de intrigas e conspirações nas fileiras das nossas forças armadas e nas nossas estruturas políticas, em busca da recuperação dos privilégios perdidos ao longo das últimas décadas (…) Nunca aceitaram Cabral como um herói. Ainda hoje veneram os seus líderes que há séculos fizeram aquelas incursões de ocupação desta região e acabaram por transformar toda a zona num lugar de confusões, conspirações e instabilidades, a partir das quais dominaram os planaltos à volta dos rios, essenciais para a pastorícia e o comércio. A verdade, porém, é que foram sempre uma minoria nesta zona, mas com a estratégia de dividir para reinar, tomaram conta de tudo e de todos.” O presidente deposto acaba baleado.


Mudamos agora de campo de ação. Alguém, inominado, está a ordenar papéis, veio até à Guiné numa missão tão mística quanto divina, veio para impedir uma guerra civil iminente, leva uma existência entre o pretérito, o presente e o futuro, é assumidamente a filha de um fantasma e conta-nos onde começou este sonho messiânico, como chegou à Guiné-Bissau, vamos agora navegar entre feitiçaria, doenças do foro da saúde mental, há espaço para as almas do outro mundo e conversação com os mortos, esse alguém veio seguramente de Portugal. E parece que estamos a mudar de cenário, vamos conhecer o balobeiro de Bissilanka, voltamos a ouvir falar em Sán’nan e apresenta-se Sprança: “Cresci como Sprança, sem o é, porque o é, transfigurado de raiva, também da minha parte, expulsou esse alguém, afastando-o dali, fisicamente.” Sprança conheceu N’Sunha Badjuda junto ao pátio da escola de djembrem (barraca), ao lado da casa do General Anónimo, ela acaba por ter por ele embeiçamento, há sempre fantasmagoria, chegou a hora de mostrar a importância dos irans, cabe a N’Sunha a narrativa: “Dizia que ao crescerem juntos, os poilões, habitat natural dos irans, passam os dias a competir, cada um a querer ser o melhor, a tentar captar mais a atenção do resto da floresta e ver-se mais cortejado pelos animais. Entregam-se ao som do vento para verem quem dança melhor. Atiram-se de cabeça desgrenhada às trovoadas, à prova de oposição contra os raios piromaníacos e contra as tempestades devastadoras. Enquanto uns penetram o solo até ao manto, outros engrossam as suas raízes para a superfície. Se uns alargam os ramos para abraçar toda a floresta, outros aumentam o verdume das suas folhas para cromatizar todo o ambiente.”

Aqui se interrompe a recensão, segue no próximo número, adverte-se o leitor que estamos perante um caso muito sério do que melhor existe na literatura luso-guineense.

Leitura imperdível.

(continua)

Bissau, feira de Bandim em hora de ponta
Apreensão de cocaína na Guiné, imagem retirada do site VOA Português – Voz da América, com a devida vénia
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Nota do editor

Último post da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25204: Notas de leitura (1669): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (13) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela


Fachada do Hospital Militar Principal,  Lisboa, â Estrela, s/d .  



Hospital Militar Principal de Lisboa 
(Igreja e antigo Convento de Nossa Senhora da Estrela)


Fonte: Adapt de Município de Lisboa


1. Quantos de nós passaram por aqui, pelo HMP, que não se resumia a este antigo edif´ciio conventual ?  Do complexo hospitalar da Estrela, fazai ainda parte o Anexo de Campolide... Algns andaram pelo HMP , em tratamento, recuperação e convalescença, um, dois ou até mais anos...  

Importa então relembrar a história do antigo Hospital Militar Principal (HMP) (que encerrou definitivamente em 2013) (*)... 

O edifício  (qeu vemos na foto) começou por ser,   originalmente,  um convento beneditino, fundado em 1572 e dedicado a Nª Sra. da Estrela. 

Em 1615, muito próximo deste, é fundado o Mosteiro de S. Bento da Saúde (no sítio onde é hoje o Palácio de São Bento) (**) . O primitivo convento da Estrela será, entretbato, transformado em colégio e casa de estudo da Ordem.

Em 1624 construiu-se no Convento das Janela Verdes, o Hospital Real Militar da Corte, mais tarde transferido para o colégio de Nossa Senhora da Estrela, passando a designar-se por Hospital Militar de Lisboa.

Com a Restauração e a guerra peninsular, a partir de 1640, desenvolve.se o Serviço de Saúde Militar e criam-se Hospitais de Guarnição.

O edifício da Estrela, tal como outras construções da cidade, fortemente abalado pelo terramoto de 1 de novemvro de 1755. Anos depois, em 1797, passa para as mãos do Estado, acolhendo um hospital militar que será utilizado por tropas auxiliares britânicas (ma também pelas tropas de Junot).

Em 1836, por parecer da 
Comissão de Saúde Militar, o  Hospital Militar Permanente instala-se definitivamente no edifício da Estrela.

Com a evolução dos tempos o Hospital foi alargando as suas instalações e em 1898 anexou-se a ala que dá para a Rua de S. Bernardo, para no ano seguinte alguns dos seus serviços serem instalados na "cerca" do Convento do Sagrado Coração de Jesus (Basílica da Estrela).

Em 1926, passa a designar-se Hospital Militar Principal. No ano seguinte, na "cerca",nas traseiras da Basílica da Estrela, será instalada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM)-

Posteriormente, com a abertura da Avenida Infante Santo, em 1950, ficou a referida "cerca" dividida ao meio: os pavilhões de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e o Laboratório de Análises Clínicas vão ficar no lado nascente (lado esquerdo da Infante Santo, quando se desce); o Bloco Operatório e o Pavilhão da Família Militar, construído na década de 1940, situam-se no lado poente (lado direito da Infante Santo, no sentido descendente) (***)

Sem entrar em detalhes, sobre a sua estrutura física e orgânica, que se foi alargando ao longo do tempo, o HMP (constituído por diversas áreas e diversos edificios, e com graves problemas de circulação "intra-hospitalar") vai ter um papel importante durante a guerra de África (1961/75). 
Faz parte das "geografias emocionais" de alguns de nós (****).

Em 1961, o Aquartelamento de Campolide deixou de ser ocupado pelo Regimento de Artilharia n.º 1, sendo aí instalado o Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, anexo do HMP (conhecido como o Anexo de Campolide), face ao grande número de evacuados do Ultramar.

Em 18 de Outubro de 1973 foi inaugurado a Casa de Saúde da Família Militar, localizada na "cerca" do hospital, com 12 pisos.

Em 1991 procedeu-se à concentração hospitalar dos três corpos de edifícios dispostos em volta do Largo da Estrela, de forma a permitir a alienação do referido Anexo de Campolide que se tornou desnecessário.

Durante a década de 90 o Hospital responde aos desafios da medicina moderna efectuando obras e melhoramentos em diversas áreas. O Hospital Militar de Belém como hospital complementar, integra os seus serviços clínicos no funcionamento hospitalar global.

Em 2009, avançava-se com um projeto para a criação de um Hospital Único das Forças Armadas. Porém, o Hospital Militar da Estrela acabaria por fechar em 2013. O seu destino ficou incerto. 

Anos depois, em 2022, o antigo convento e depois hspital militar, adjacente ao Jardim da Estreka, reabriu portas como espaço cultural, com o nome “House of Neverless” , prometendo eventos, workshops e formações. Tem dois pisos dedicados ao teatro e um terceiro para a academia. 
 
Fontes: 
Adaptado de página do Exército > Hospital Militar Principal > Historial

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25210: Os nossos seres, saberes e lazeres (616): Visita técnica no âmbito da minha Ordem Profissional, a OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos), à chamada "Linha Circular" do Metro de Lisboa (Hélder Valério de Sousa)

(**)  Mosteiro de São da Saúde de Lisboa > Historial 

(...) O Mosteiro de São Bento da Saúde de Lisboa era masculino, e pertencia à Ordem e Congregação de São Bento.

Também designado por Mosteiro de São Bento da Saúde de Lisboa, Mosteiro de São Bento de Lisboa, Mosteiro de São Bento o Velho.

Em 1581, os monges beneditinos que estavam instalados no Mosteiro de Nossa Senhora da Estrela de Lisboa, decidiram construir um novo edifício, na quinta da Saúde, também em Lisboa.

Em 1598, foram iniciadas as obras, pelo Geral da Ordem Beneditina, frei Baltazar de Braga, segundo o projecto do arquitecto Baltazar Álvares.

Em 1615, a 8 de Novembro, a comunidade transferiu-se para a quinta da Saúde. A invocação do Mosteiro teve a sua origem nesta nova residência, o qual viria a ser designado por São Bento de Lisboa ou por São Bento da Saúde de Lisboa.

A partir de 1755, os monges foram obrigados a ceder uma parte das suas instalações para vários fins. De 1755 a 1856, e de 1769 a 1772, foi sede da Patriarcal de Lisboa. Em 1757, e nos anos seguintes, serviu de instalação à Academia Militar. Em 1796 e 1798, serviu de prisão de pessoas notáveis. Entre 1797 e 1801, serviu de instalação ao Batalhão de Gomes Freire de Andrade. Entre 1756 e 1990, acolheu o Arquivo da Torre do Tombo.

Em 1822, os monges tiveram de abandonar o mosteiro, indo para o Mosteiro de São Martinho de Tibães de onde regressaram em 1823.

Em 1833, abandonaram o edifício definitivamente quando este foi cedido para local de reunião das Cortes Constituintes.

Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo.

Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional.

Localização / freguesia: Lapa (Lisboa, Lisboa) (...)


(***) Vd. artigo "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", do major Rui Manuel Pereira Fialho, publicado na Revista Militar N.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064)

Guiné 61/74 - P25214: Efemérides (430): O "making of" do livro de Spínola, "Portugal e o Futuro", publicado há 50 anos (revelações do biógrafo, Luís Nuno Rodrigues)


Luís Nuno Rodrigues - "Spínola:Biografia".
Lisboa. A Esfera do Livro, 2010,  748 pp.. il.

 1. O biógrafo de Spínola, o académico Luís Nuno Rodrigues, tem algumas revelações interessantes sobre as peripécias da publicação do livro "Portugal e o Futuro" (pp. 211-221),  mas também sublinha e analisa o seu impacto na época (pp. 221-243).

Para os nossos leitores, que não leram (por falta de tempo, interesse, oportunidade, etc.) a volumosa biografia de Spínola, de 748  pp.,  aqui ficam algumas "notas de leitura" (tópicos, apontamentos, pequenos excertos)... 

Refira-se que a obra foi objeto de recensão bibliográfica por parte do nosso camarada Mário Beja Santos, que no entanto dedica apenas uma ou duas linhas ao livro "Portugal e o Futuro" (*).


Retomei há dias a leitura deste notável trabalho, esquecido na prateleira. O exemplar que possuo, tem a seguinte amável dedicatória:

"Ao Luís Graça, com estima e consideração do Luís Nuno Rodrigues. Lx, 2 de abril de 2010."


2. Sobre o biógrafo convirá dizer, resumidamente, o seguinte:

Luís Nuno Rodrigues:

(i) Professor Catedrático do Departamento de História do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa;

(ii) Diretor do Centro de Estudos Internacionais (CEI-Iscte) e do Mestrado e Doutoramento em Estudos Internacionais, na mesma instituição;

(iii) Doutorado em História Americana pela Universidade do Wisconsin e em História Moderna e Contemporânea (especialidade História das Relações Internacionais na Época Contemporânea) pelo ISCTE-IUL.

Além disso, (iv) é autor de 9 livros e coordenador de outros 8, tendo publicado 55 capítulos de livros ou entradas em obras coletivas e mais de 30 artigos em revistas especializadas;

(v) A sua obra "Kennedy-Salazar: A Crise de Uma Aliança. As Relações Luso-Americanas entre 1961 e 1963", publicada em 2002, foi galardoada com os Prémios Fundação Mário Soares e Aristides Sousa Mendes;

(vi) Entre outras publicações, conta-se este livro, "Spínola", publicado pela Esfera dos Livros em 2010.



António de Spínola - "Portugal e o Futuro".

Lisboa: Arcádia, 1974, 243 pp.



3. O "making of" do livro "Portugal e o Futuro" (pp. 211/222):

O biógrafo aponta para meados de 1971 a ideia de Spínola começar a escrever um livro que fosse um contraponto às "teses integracionistas" (relativamente ao império colonial português), defendidas por Franco Nogueira (1918-1993), diplomata e antigo ministro Ministo dos Negócios Estrangeiros, no último governo de Salzar ("As Crises e os Homens", Lisboa: Ática, 1971, 545 pp.).

Uma parte significtiva das ideias que Spínola irá defender em "Portugal e o Futuro", incluindo a sua "tese federalista",  já estaria contida num documento enviado a Marcelo Caetano, em 1970 ("Algumas Ideias sobre a Estruturação Política da Nação") (pág. 212).

(...) "Nos últimos meses de 1971 e ao longo de 1971, Spínola escreveu vários capítulos, recebeu textos escritos por colaboradores seus e oficiais que mais de perto com ele trabalhavam, aperfeiçoou  textos em revisões constantes e com múltiplas colaborações" (pág. 212).

O seu novo chefe de gabinete, José Blanoco (que sucedeu a Nunes Barata), recebeu das mãos do general um primeiro texto, datilografado a dois espaços, com centena e meia de páginas. Instado a ler e a comentar, ter-se-á limitado a exclamar: "Isto é uma bomba".

O texto continuaou a ser trabalhado ao longo de 1972, usando Spínola um gravador para onde ditava  as suas emendas, notas, comentários e acrescentos.

Em julho de 1972 escreveria a vários dos seus amigos, em Lisboa, manifestando a sua intenção de publicar um livro, ainda em título: caso dos general Venâncio Deslandes (1909-1985) e  do ministro da Marinha, Manuel Pereira Crespo (1911-1980). Este terá pedido ao amigo,  "encarecidamente",  que nada publicasse sem primeiro falar com ele... O que ele concordou,  acrescntando que  também iria submeter o livro "à prévia leitura do presidente do Conselho" (pág. 213).

Foi nas férias de verão, no Luso, em 1973,  que ficou cncluída a versáo final. O "fiel sargento Gonçalves", de Cavalaria, bateu o texto à máquina.  Francisco Spínola, o irmão do autor, encarregou-se da revisão do texto, e coube a José Blanco, que veio de propósito da Guiné, propor um ou mais títulos. Da lista de doze títulos, Spínola escolheria o último, "Portugal e o  Futuro" (pág. 214).

Depois começaram os contactos com o editor. O contrato com a editora Arcádia  foi assinado em outubro de 1973. Paradela de Abreu ofereceu um aval, do Banco Totta & Açores, para garantir  os direitos de 20% dos  direitos sobre cinquenta mil exemplares da 1ª edição.

O general encarregou-se de  garantir o fornecimento de papel necessário para a publicação do livro, no que contou com a colaboração do António Champallimaud (para o qual Spínola havia trabalhado em tempos, na Siderurgia).

O livro começou a ser composto em várias tipografias (!)... Spínola insistia com o editor que  a data de publicação "poderia ser de um momento para o outro" (sic)... Por outro lado, a ideia era garantir que, caso viesse a ser proibido, fosse possível salvar a maior parte dos exemplares, e depois vendè-los clandestinamente (pág. 215).

Houve cinco revisões finais do livro feitas pelo punho do autor. Nas pp. 215/221, o biógafo faz uma sinopse do livro, que retomaremos mais tarde. (**)

Fiquemos, entretanto, com este excerto do texto que dá início ao cap. 4 ("O Futuro de Portugal"):

(...) "A saída de António Spínola da Guiné representava o fim de uma era, não apenas da política portuguesa naquele território mas, também, do modo português de conduzir as guerras em África. Durante um breve momento, no início dos anos 1970, as Forças Amadas portuguesas tinham conseguido dar 'credibilidade a Portugal em todos os teatros de guerra', conseguindo criar uma janela de oportunidade, um 'compasso de espera', que permitia a condução de negociações sobre o problema colonial português. Na Guiné, esta situação era particularmente visível." (...) (pág. 199),


Citando John Cann, Spínola na Guiné conseguira refrear, em 1970,  o ímpeto do PAIGC e originar um verdadeiro "impasse", com  a sua liderança forte e carismática e o seu programa "Por Uma Guiné Melhor". Mas a correlação de forças começa a desequilibrar-se em 1973. Em Angola , os generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues tinham obtido praticamente uma "vitória militar". E em Moçambique foi só depois de 1970 que a situação se começou a deteriorar...

Quando regressa definitivamente à Metrópole, Spínola trazia imenso prestígio político e militar, a nível nacional e internacional. Era um general que tinha ganho batalhas. Tinha mostrado, além disso, que havia "soluções políticas" para o impasse da guerrs, tendo encetado negociações com o PAIGC e o Senegal, que Lisboa iria desautorizar. Quando regressa, o governo de Marcello Caterno está prisioneiro da extrema direita do regime, completamente desfasado da realidade e sem qualquer visão estratégica. Tem dificuldade em arranjar um general que fosse capaz de suceder a Spínola. Com relutância, Bettencourt Rodrigues aceita... es tá preparado para "sacrificar" a minúscula Guiné para salvar as joias da coroa do Império (Angola e Moçambique)... Por isso, "Portugal e o Futuro" é uma bomba de relógio que veio apressar a agonia de um regime.

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

12 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15752: Notas de leitura (808): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Útimo poste da série > 23 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25203: Efemérides (429): Foi há 50 anos, em 22/2/1974, que saiu o livro de Spínola, Portugal e o Futuro um livro que se tornou um "best-seller", que toda a gente comprou e que poucos leram e entenderam, mas que abalou um regime...

Guiné 61/74 - P25213: Parabéns a você (2249): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

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Nota do editor

Último post da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25202: Parabéns a você (2248): José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69)

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25212: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (6): "A Laidinha"


A LAIDINHA

adão cruz


A Laidinha veio ao mundo nos arredores de Paris, filha de emigrantes portugueses. Nasceu sem vislumbre de futuro, como toda a gente. Mas, na sua cabecita, o futuro foi-se acoitando, calmo e decidido. Seria cabeleireira.

Por volta dos vinte anos, já os cabelos se enrolavam e desenrolavam habilmente nos seus dedos. Arranjou um namorico com guita, que tinha um Porsche. Não dava uma para a caixa, mas roncava de Porsche de manhã à noite. Só queria marmelada, mas a Laidinha virou a tigela e deu um pontapé na marmelada. Nunca mais se encostou a um homem. A mãe até dizia que ela parecia que nem tinha vontades de mulher.

Um dia… apaixonou-se por um velho. Um velho a quem cortava o cabelo e arranjava as unhas. Um senhor. Não era feio, era muito simpático, professor de astronomia, não tinha família e contava coisas muito bonitas! Falava-lhe de tudo aquilo que ela não sabia e nunca sonhara: poesia, arte, música, coisas do Universo.

Um dia, levada por um impulso das entranhas, espetou-lhe um beijo na testa. Outro dia, depôs-lhe docemente um beijo nos lábios. Viveram juntos durante dez anos. Dez anos de felicidade.

O velho morreu. A casa, o telescópio, a biblioteca e uma pequena fortuna ficaram para a Laidinha.

Um dia, a Laidinha resolveu vir a Portugal visitar a terra natal dos pais. Ela adorava o mar e ficou por cá. Comprou uma casa, mandou vir os livros e o telescópio. Escreveu um livro de poemas e pintou uma dezena de quadros.

Depois de uma penosa gravidez teve uma filha, ninguém sabe de quem. Um dia escarrou sangue. O cardiologista diagnosticou uma estenose mitral severa. Foi operada e depois reoperada.

Dois anos depois morreu com cancro da mama e sem ponta de cabelo onde enrolar a saudade dos seus dedos. Tinha quarenta e dois anos e chamava-se Adelaide.

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Nota do editor

Último post da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25184: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (5): "A Maria nunca mais apareceu"

Guiné 61/74 - P25211: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (106): Apresentação da Base de Dados Externa de apoio ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (Abílio Magro / Carlos Vinhal)



APRESENTAÇÃO DA BASE DE DADOS EXTERNA DE APOIO AO BLOGUE
LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ (LG&CG)
E
PROGRAMA INFORMÁTICO DE PESQUISAS DIVERSAS

APRESENTAÇÃO


O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné atingiu uma dimensão tal que levou o nosso Amigo & Camarada Abílio Magro, com alguns conhecimentos de programação informática (php), autodidata e completamente amador, a ceder um espaço da sua hospedagem num servidor onde criou uma Base de Dados Externa de Apoio ao Blogue.

Este post tem por missão apresentar e incentivar os leitores do Blogue LG&CG a navegar na Base de Dados Externa, desenvolvida pelo nosso camarada e amigo.

São estas as páginas que vão encontrar no programa, com acesso pela barra de menu, presente em todas elas (topo e rodapé):

1 - HOME (Introdução)
2 - PÁGINA PRINCIPAL (listagens de marcadores por tipo);
3 - PÁGINA DOS ÓBITOS DE MILITARES NO T.O. DA GUINÉ
4 - PÁGINA DE PESQUISAS DE ÓBITOS NAS VÁRIAS TABELAS DE DADOS
5 - PESQUISAS DE ÓBITOS POR UNIDADE MILITAR
6 - PESQUISAS DE ÓBITOS POR DATA DA OCORRÊNCIA
7 – INSTRUÇÕES

Na HOME PAGE - Página de introdução ao programa informático de pesquisas na Base de Dados Externa do Blogue “LG&CG”, existe, na coluna do centro, uma breve descrição das várias pesquisas proporcionadas aos visitantes e que constam, resumidamente, de listas de marcadores ordenados por tipos e alfabeticamente e listas de óbitos no T.O. da Guiné, organizadas de modo a permitir pesquisas por nome, por concelho de nascimento, por unidade militar e por data da ocorrência.

O acesso ao programa pode ser efectuado através de 'clique' nas fotos da aba esquerda deste blogue que fazem referência a este assunto, ou através do endereço: https://www.amagro.net/LG&CG.

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Esperamos que desfrutem da informação constante nesta Base de Dados, que permite uma pesquisa mais rápida dos conteúdos. O Blogger não é prático, o que leva muitas vezes até os próprios editores a recorrerem a buscas no Google.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último post da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25152: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (105): Na Morte do Coronel Nuno Rubim (Alfredo Pinheiro Marques / Centro de Estudos do Mar)