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sábado, 17 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26811: Os nossos seres, saberes e lazeres (681): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março 2025:

Queridos amigos,
Já que se permanece num dos mais belos museus de toda a Alemanha, convém apresentá-lo. O museu goza do nome do seu fundador, Johann Friedrich Städel (1728-1816), ao tempo um opulente banqueiro da cidade de Frankfurt. Apresentou a sua fortuna para estabelecer a mais antiga fundação museológica da Alemanha, o Instituto de Arte Städel, dando a possibilidade ao público de conhecer a sua coleção de pinturas, desenhos, estampas e pequenas esculturas. O foco principal da sua coleção pictórica compreende cerca de 500 obras do barroco germânico e holandês. A ideia da fundação museológica contextualiza-se no espírito do Iluminismo e do Humanismo. Este novo instituto de arte também foi posto ao serviço da educação estética, passou a promover jovens artistas, e ao longo do tempo a coleção foi aumentando com compras e doações. O edifício que alberga o museu é do século XIX, foi severamente atingido pelos bombardeamentos, mas toda a sua coleção não sofreu danos, a tempo e horas foi posta a recato. O que hoje se mostra neste apontamento é uma súmula de obras de grandes mestres da primeira metade do século XX e uma visita à exposição "Amesterdão no tempo de Rembrandt", com impecável apresentação.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 4


Mário Beja Santos

Continuo a minha visita no Museu Städel, confesso que tomei previamente a decisão de me orientar para as salas que acolhem os movimentos artísticos predominantemente dos séculos XIX e XX. No apontamento anterior referi os movimentos do século XIX, vou agora embrenhar-me no século XX, lá para meio desta incursão acabei por entrar na exposição “Amesterdão do tempo de Rembrandt”, dela também aqui se fará uma pequena referência. Nunca entendi como as correntes estéticas alemãs aparecem nos múltiplos livros da História de Arte do século XX, a um nível de meras referências, no entanto houve um conjunto de movimentos genuinamente alemães que estiveram no topo das revoluções artísticas, e não foi só o expressionismo. Como é evidente, não pretendo aqui mencionar esses diferentes movimentos, destaco algumas dessas obras que vivamente me impressionam, aparecem em salas onde também se realçam outros génios da pintura, como é o caso de Picasso. Vamos então continuar o percurso.

Porta de Brandemburgo, Ernst Ludwig Kirchner, 1929. Kirchner é um dos artistas que está em franca reabilitação, foi autor de várias experiências, esta porta de Brandemburgo é muito naïf, essa ingenuidade perpassa não só nos volumes e formas como na alteração das cores, exige simultaneamente uma leitura mais atenta e uma emoção estética a apontar para o gracioso que é dado aos conteúdos, este local mítico de Berlim é um sonho do artista.
Retrato de Fernande Olivier, Pablo Picasso, 1909. Retrato marcado pelo cubismo, dentre em breve o génio aderirá a tons azuis e rosas, modificará as formas, vai emergir no estudo das condições sociais, e depois partirá para a distorção completa das figuras, já atraído pelo abstracionismo.
Vaso Verde, Fernand Léger, 1926. Artista muito peculiar, obteve a conjugação de uma pintura um tanto hiper-realista, formas futuristas e um tratamento de organização pictórica com apelos a mecanismos; não será o caso neste quadro, uma natureza morta, sem qualquer conteúdo político, onde prevalece é uma composição quase em mosaicos e peças geométricas.
A Família do Artista, Otto Dix, 1927. Só é novo o que foi esquecido, a alteração de formas, estes olhos amendoados, um riso afetuoso mas intrigante do pai não pode fazer esquecer as distorções na pintura de El Greco ou de Bosch, com base em mensagens do que o que se passa no corpo e na mente do artista tem impacto na organização cénica, e o que parece torcido ou distorcido acaba por ser um outro modo de visualizar o real.
Kallmünz - Montanhas em Verde Claro, Wassily Kandinsky, 1903. Já vimos, no decurso desta visita ao Städel um Van Gogh que se diria improvável, ainda distantíssimo do expressionismo, o que dizer deste Kandinsky na sua primeira fase, também tão distante das gramáticas que o irão impor como uma das figuras cimeiras do abstracionismo.
Brinquedos do Walter, por August Macke, 1912. Outra peça ingénua, outro primeiro ciclo artístico, Macke, figura de proa do movimento Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul) com inspiração expressionista, corrente original que teve a sua sede em Munique.

Faço agora uma pausa, mudei de andar e vou visitar uma exposição correspondente a um período áureo de Amesterdão, ao tempo de Rembrandt.

Cartaz da exposição “A Amesterdão de Rembrandt”, no Museu Städel, exposição patente até março de 2025
Interior da Bolsa de Amesterdão, Job Adriaensz. Berckheyde, ca. 1670
A grande praça e o edifício da nova câmara em construção, Johannes Lingelbach, 1656

O objetivo da exposição “A Amesterdão de Rembrandt” é mostrar como uma cidade tem múltiplas faces, já que a Amesterdão era uma metrópole pujante e a inveja da Europa. A sua economia era florescente, a população crescia rapidamente, e desenvolviam-se as artes e as ciências. O poder burguês da cidade, as enormes fortunas aparecem glorificadas num esplêndido grupo de retratos, obras de pintores da época, com destaque para Rembrandt.
Em Amesterdão, mais do que em qualquer outra cidade, os retratos de grupo eram o espelho do orgulho do poderoso grupo da elite de cidadãos, particularmente os membros das novas instituições sociais. Contudo, a prosperidade da cidade teve custos elevados porque lançou raízes nas políticas de comércio colonial e uma severa ordem social. Esta exposição mostra os lados altos e baixos deste período em imagens e histórias de uma sociedade plural onde se mostra a riqueza e a pobreza, a fortuna e a ruína, o poder e a sua destituição.

Volto agora ao século XIX e depois a uma pintura muito mais antiga.

O Apaixonado pelas Rosas, Carl Spitzweg, ca. 1847-1850. Outro nome original da pintura alemã, uma ingenuidade sofisticada, uma atmosfera romântica, Spitzweg está permanentemente a surpreender-nos, força-nos a pôr muita emoção no olhar, e veja-se esta composição, a forma como ele enche de luz a tela, só falta ao espetador ir cheirar a rosa.
Ramo florido de uma macieira, Henri Fantin-Latour, 1875. Quando, há uns bons anos, o Museu Gulbenkian organizou exposições sobre a natureza morta na pintura, Fantin-Latour foi um dos nomes convocados, acresce que Gulbenkian adquirira pintura deste requintado artista francês, este assombro de ramo florido quase a saltar de uma tela enegrecida é uma verdadeira obra-prima. A viagem continua, vamos recuar a finais do século XV na companhia de Albrecht Dürer.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 10 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26788: Os nossos seres, saberes e lazeres (680): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (204): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 3 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26810: Convívios (1028): Rescaldo do 53.º Convívio do pessoal da CCAÇ 414, levado a efeito no passado dia 27 de Abril de 2025, em Fafe (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 16 de Maio de 2025:

Bom dia Camarada
Embora com algum atraso, agradeço o seguinte post no nosso glorioso blog:

No passado dia 27 de Abril, na cidade de Fafe, aconteceu o 53.º Convívio da Companhia de Caçadores 414.
Compareceram 19 ex-combatentes e vários familiares, num total de 43 pessoas. Nestes, a viúva do saudoso comandante, à data Capitão Manuel Dias Freixo.

Foi com grande entusiasmo e fortes abraços que se iniciou o convívio na acolhedora e bonita cidade de Fafe. Antes, porém, e já todos nos respectivos lugares, de pé, procedeu-se à chamada dos camaradas que já partiram, com um sonoro “PRESENTE”.
Seguiu-se um óptimo repasto, entremeado de cómicas lembranças e fortes gargalhadas.
A despedida, após as respectivas fotografias, foi feita com um até ao ano de 2026.

Cumprimentos e um abraço para todos os tabanqueiros.
Manuel Barros Castro

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Nota do editor

Último post da série de 10 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26786: Convívios (1027): Pessoal de Bambadinca de 1968/71 (BCAÇ 2852, CCÇ 12 e outras subunidades): 29º convívio anual: Ponte de Lima, Restaurante Açude, sábado, 24 de maio, (Fernando Oliveira, que vive em Azeitão, e foi Fur Miil Pel Rec Info Op, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

Guiné 61/74 - P26809: Parabéns a você (2377): António Pinto, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 506 (Nova Lamego, Geba, Madina do Boé, Beli e Bolama, 1963/65)

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Nota do editor

Último post da série de 16 de Maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26804: Parabéns a você (2376): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Aldeia Formosa e Cumbijã, 1972/74)

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26808: (In)citações (270): O Núcleo de Arcozelo, do Concelho de Vila Nova de Gaia, dos ex-Combatentes da Guiné (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 12 de Maio de 2025:

Caro Carlos Vinhal
Para eventual publicação, caso o assunto possa ser incluído no contexto do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Junto envio um texto e seus anexos, bem como algumas fotografias. Numa delas está a Inês Allen a informar os detalhes da odisseia, que foi a construção em Empada do Campo de Futebol com o nome do seu pai, o saudoso Xico Allen e a perspetivar a sua inauguração em Abril de 2024.

Um grande abraço
Aníbal Silva


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Nota do editor

Último post da série de 2 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26754: (In)citações (269): Quem se lembra destes preços? (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Guiné 61/74 - P26807: S(C)em Comentários (66): Eletrificação - As primeiras redes de energia elétrica na Guiné nas décadas de 1930 a 1950 (ManfredStoppok)

1. Comentário de Manfred Stoppok no Poste Guiné 61/74 - P23654: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (97): os geradores militares: contributos para a história da eletricidade no território (Manfred Stoppok / José Nunes / Eduardo Estrela / Fernando Gouveia / António J. Pereira da Costa / Carlos Silva / Cherno Baldé / José Colaço / Magalhães Ribeiro / Valdemar Queiroz / Manuel Gonçalves / Luís Graça) de 29 de Setembro de 2022:

Bom dia,
Demorou, mas há algum conteúdo publicado agora. Ainda não sobre o período da guerra, mas sobre a eletrificação nas décadas 1930 a 1950.

Publiquei um pequeno artigo no jornal "O Democrata": https://www.odemocratagb.com/?p=49738

ou aqui como PDF: https://doi.org/10.15495/EPub_UBT_00008250

Agradeço mais uma vez pela assistência.
terça-feira, 13 de maio de 2025 às 08:41:00 WEST


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Nota do editor

Último post da série de 16 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26805: S(C)em Comentários (65): A "ejaculação precoce" dos jovens biafadas de Quínara que precipitaram a guerra (em Tite, 23 de janeiro de 1963), e que passaram a perna ao Amílcar Cabral e ao seu partido de grumetes (Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P26806: Notas de leitura (1797): "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado em Lisboa em 1881, no tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores… (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Temos versado a questão colonial em diferentes dimensões, aqui no blogue, a dimensão racial tem sido a menos analisada. Em plena ascensão do colonialismo africano, os antropólogos deram uma mãozinha e puseram banho lustral nos ideais civilizadores do branco, o negro era infantil, menos inteligente que o branco, um quase inapto para as artes plásticas, tribal e sorna, precisava de monitores brancos. É dentro desse contexto e recorrendo ao livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, editado entre nós em 1881, que se pode dar entendimento ao nosso olhar sobre África e o africano, quando avançamos, depois da perda do Brasil, para os sonhos do Terceiro Império, a nossa missão civilizadora associar-se-ia à exploração de riquezas, face às quais o negro era totalmente inapto, não passava de uma criança mandriona.

Um abraço do
Mário



No tempo em que se acreditava nas raças superiores e inferiores…

Mário Beja Santos

Quando o livro "As Raças Humanas", de Louis Figuier, foi editado em Lisboa, em 1881, já tinha conhecido quatro edições em França. É obra profusamente ilustrada, com elevada qualidade gráfica, o tema das raças estava no auge, as doutrinas evolucionistas, o pensamento filosófico positivista, os ideais republicanos laicos tinham entrado em colisão, daí a pergunta o que é o homem, de onde vem, se tinha ou não o papel de centro único da criação, como se tinham processado ao longo da História as migrações dos povos, etc. Figuier concluirá que a ciência não pode explicar a diferença existente entre os principais tipos da espécie humana, dirá mesmo que os homens são todos irmãos pelo sangue, que as diferentes raças eram derivadas de uma espécie única pelas modificações que o clima imprimiu no tipo positivo, competia à antropologia classificar as raças e Figuier acha que tal classificação se baseia na cor da pele, é uma apreciação de um valor secundário mas com ele pode formar-se um quadro exato e metódico dos povos habitantes da Terra. E dá um sentido à sua análise com apreciações que são hoje completamente dadas como erróneas: as medidas antropométricas constituíam a chave esclarecedora para distinguir o que essencialmente diferencia a raça branca da raça amarela, a raça amarela da raça parda, a raça parda da raça vermelha e a raça vermelha da raça negra.

E vamos viajar a partir da raça branca, um tal ramo europeu onde destacam as famílias teutónica, latina, eslava (do Norte do Sul), fino-húngara, grega; passa-se para o ramo aramaico e o leitor permitir-me-á que avance para a raça negra. Escreve Figuier:
“A raça negra distingue-se pelos seus cabelos pouco compridos e lanosos, pelo nariz achatado, pela maxila saliente, pelos lábios grossos, pelas pernas arqueadas, pela cor preta ou cinzenta carregada. Estes povos vivem nas regiões centrais e meridionais da África, nas partes meridionais da Ásia e da Oceânia.
Os habitantes da Guiné e do Congo são muito pretos, mas os Cafres são apenas cinzentos-escuros e parecem-se com os Abissínios. Os Hotentotes e os Bosquímanos são amarelados comos os chineses, posto que tenham as feições e a fisionomia dos negros.”


Figuier enuncia os Cafres e os Hotentotes e assim chegamos aos negros:
“Os negros ocupam uma grande parte da África Central e Meridional, a Senegâmbia, a Guiné, uma parte do Sudão Ocidental, a Costa do Congo, assim como a extensa região que ainda há pouco quase completamente desconhecida entre a Costa do Congo a Oeste e a Este da Costa de Moçambique e do Zanzibar, são os lugares habitados pelos negros propriamente ditos. A Guiné e o Congo são as terras clássicas dos negros. É ali que vivem os representantes desta raça com as feições mais características e repelentes. Julga-se que a invasão na África dos povos asiáticos e europeus, tendo-se sempre feitos pelo istmo do Suez e pelo Mar Vermelho, os negros foram empurrados para o Oeste do continente africano. Os habitantes da Guiné e do Congo serão, pois, os descendentes e os representantes contemporâneos dos negros primitivos.

(…) A fisionomia do negro é de tal modo característica que é impossível o não reconhecer à primeira vista, mesmo quando o indivíduo tivesse a pele branca. Os seus lábios proeminentes, a fronte curta, os dedos salientes, os cabelos lanosos, a pouca barba, o nariz largo e achatado, o queixo retraído, os olhos redondos dão-lhe um aspeto particular entre todas as demais raças humanas. Muitos têm as pernas arqueadas, quase todos pouca barriga de perna, os joelhos flexionados, o corpo inclinado e o andar preguiçoso. Podemos acrescentar que nesta raça o tronco tem menos largura que nas outras raças, que os braços são proporcionalmente um pouco mais compridos, que as pernas têm uma curvatura assaz sensível e que a barriga das pernas é um pouco achatada. A cavidade óssea da bacia é muito mais estreita no negro do que no europeu, mas é mais larga no sentido do osso sacro, o que torna para as negras fáceis os partos. Segundo medidas exatas, a bacia superior é 1/4 mais larga no europeu do que no negro. Também as coxas dos negros diferem das dos brancos: no primeiro são sensivelmente achatadas. O pé participa desta fieldade das formas. O vício de conformação que entre nós isenta do serviço militar, o pé chato, não só para o negro não é uma deformação, mas é também um caráter constante.

(…) A cor da pele tira à fisionomia do negro toda a beleza. O que dá graça à cara do europeu é cada parte do rosto ter o seu colorido próprio. As maçãs do rosto, o nariz, a fronte, o queixo, têm, no branco, tons particulares. Na fisionomia do negro tudo é negro. As sobrancelhas, negras como o rosto, perdem-se na cor geral. Apenas há um tom diferente na linha de contacto dos lábios. A pele dos negros é muito porosa e tanto que os poros se apresentam de modo visível. Nem todos os negros têm a pele dura, pelo contrário, pelo contrário, alguns têm-na macia e acetinada. O que há de desagradável na pele do negro é o cheiro nauseabundo que exala suando. Estas emanações são tão difíceis de suportar como as que são exaladas de certos animais. A natureza apropria o negro às regiões em que vive. Em geral, o seu temperamento é linfático. O seu andar vagaroso, a sua preguiça invencível, impacientam o europeu, que não pode compreender tanta indolência. Os negros são menos sensíveis que os europeus à influência de excitantes. A aguardente, a mais forte, o rum, a pimenta, os mais irritantes condimentos francamente excitam a inércia do seu palato.”


Chegámos agora à contundente questão da inteligência e da inferioridade racial. Socorrendo-se de argumentos antropomórficos hoje dados como anacrónicos, Figuier refere o ângulo facial, a fronte muito inclinada para trás, as maxilas muito proeminentes e classifica:
“Aproximava-se do macaco, cujo ângulo facial, nos macacos antropomorfos, tais como o orangotango e o gorila, é de 50º. Esta fraqueza relativa de inteligência que nos é revelada pela pequenez do ângulo facial dos negros vai ser confirmada por nós, examinando-lhe o cérebro. (…) A inferioridade intelectual do negro é evidente na sua fisionomia sem expressão nem mobilidade. O negro é uma criança e como uma criança é impressionável, inquieto, sensível ao bom tratamento suscetível de dedicações, mas, em certos casos, sabendo também odiar e vingar-se. Os povos da raça negra que existem no interior de África, os estados de liberdade mostram-nos pelos seus hábitos e pelo estado do seu espírito que não podem passar de além da vida de tribo. Além disso, em muitas colónias custa tanto tirar bom resultado da educação dos negros, a tutela dos europeus é-lhe de tal modo indispensável para lhe manter os benefícios da civilização, que a inferioridade da sua inteligência, comparada com a do resto da humanidade, é um facto incontestável.”

Instituiu-se assim a inferioridade do negro, a plena dependência do civilizado, a fatalidade da sua anatomia, a sua indolência masculina pondo a mulher a trabalhar como escrava, as suas crendices em divindade secundárias, a crença no poder do acaso. E, de repente, Figuier descobre que os negros possuem muitas vezes uma extraordinária memória, uma extrema facilidade para aprender as línguas, o seu enorme talento nas imitações. Os negros, enfatiza Figuier, são rebeldes às artes plásticas, mas são muito sensíveis à música e à poesia. E conclui dizendo que a família negra tem menos inteligência que qualquer outra família humana e que é preciso dar muito tempo aos negros libertos para viverem numa igualdade com outras raças.

Era esta a doutrina que alimentava o pensamento colonialista e que efetivamente só se começou a desmoronar no fim da Segunda Guerra Mundial. O racismo mudou de figura, está associado a uma religião eleita, a certos fundamentalismos monoteístas, à emergência do nacionalismo de base racial e ao terror das migrações que assolam a Europa e a América do Norte; mas não sejamos ingénuos, os chineses não querem contaminações com outros grupos populacionais… O racismo diminuiu, tem uma face muito obscura, mas está muito longe de se ter extinguido.

Três imagens retiradas do livro de Louis Figuier
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Nota do editor

Último post da série de 12 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26793: Notas de leitura (1796): "Pára-quedistas em Combate 1961-1975", por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26805: S(C)em Comentários (65): A "ejaculação precoce" dos jovens biafadas de Quínara que precipitaram a guerra (em Tite, 23 de janeiro de 1963), e que passaram a perna ao Amílcar Cabral e ao seu partido de grumetes (Cherno Baldé)


Mapa da Guiné-Bissau: destaque, a vermelho, para a região de Quínara (adotamos a grafia que era usada pela cartografia militar portuguesa). Fonte: adapt de Wikipedia, com a devida vénia...

Segundo o Cherno Baldé, a palavra (e a grafia) "Quínara" é portuguesa e resultou da corruptela da palavra "Guínala" que designava uma parte dos três principais reinos biafadas do séc. XIX, criados em consequência do deslocamento destes que, empurrados pelas guerras de conquista dos fulas em revolta contra o jugo mandinga/soninqué na segunda metade do séc. XIX, depois de mais de 6 séculos de submissão e escravidão na região oeste africana da Senegâmbia.(*)
 


1. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente e assessor para as questões etno-linguísticas (**)

Caro amigo Luís Graça, a tua questão  é: "Porque os biafadas de Quínara foram juntar-se à guerrilha?"..

Na minha opinião, eles aspiravam ao poder, ao regulado/regência sobre os outros grupos, eles queriam reinar sobre os outros  à imagem e semelhanca dos mandingas, seus modelos e inspiradores,  que governaram o território durante séculos. 

No território da Guiné, da época, todos queriam o poder (ser rei, régulo ou djagra) o que, aliás acontecia um pouco por todos os lados em África e no mundo.

Os objetivos do PAIGC só mais tarde, após o congresso de Cassacá (1964), começaram a ser claramente expostos aos guerrilheiros e à população sob a sua dependência, antes disso muitos, sobretudo mandingas e biafadas, pensavam que a luta estava a ser feita no sentido de recuperar o poder das mãos de fulas e portugueses. 

Para esses grupos em especifico, particularmente mandinga, Cassacá foi uma desilusão e o início do seu desengajamento paulatino, com uma migração massiva para o Senegal (Casamansa) e a Gâmbia.


Arafan Mané
A assimilação vs integração dos biafadas na cultura e religião dos mandingas não aconteceu por acaso, o factor político pode ter sido uma motivação muito importante, da mesma forma que dentro do mimetismo religioso dos reis (mansas) mandingas do Mali (mais tarde Sudão Ocidental Francês) estava a vontade de levar uma vida calma, religiosamente bem servida dos comerciantes árabes que atravessavam o Sahara para vir à procura dos produtos locais (ouro e marfim). 

O único grupo que conhecia minimamente os objectivos do PAIGC e tinham ido voluntária e de forma consciente para a luta (ao mato) eram de facto os cabo-verdianos e crsitãos/grumetes de Bissau e estes eram muito poucos para fazer a guerra, pelo que Amílcar Cabral sempre esteve reticente em relação ao início da luta e os jovens biafadas de Quínara (onde se incluiam os Arafan Maná, Malam Sanhá, Quemo Mané, entre outros), influenciados pelos mais velhos, estavam cheios de ambição, mas com pouca formação intelectual e informação sobre o mundo e obrigaram a cúpula do partido a decidir avançar com a guerra no território da Guine que, aliás, já outros partidos (MLG e FLING) já tinham iniciado no Norte.


 (Revisão / fixação de texto, título do poste: LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)

(**) Vd. poste de 15 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26801: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VIII

(***) Último poste da série > 14 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26688: S(C)em Comentários (64): o blogue da Tabanca Grande, segundo Carlos Matos Gomes (1946-2025)

Guiné 61/74 - P26804: Parabéns a você (2376): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Aldeia Formosa e Cumbijã, 1972/74)

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Nota do editor

Último post da série de 10 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26785: Parabéns a você (2375): Henrique Matos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26803: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (28)

Foto 220 > Janeiro de 1972 > Piscina de Nhacra > João Moreira
Foto 221 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 222 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira
Foto 223 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira junto a um bagabaga (monte feito pelas formigas)
Foto 224 > Janeiro de 2972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné
Foto 225 > Janeiro de 1972 > João Moreira > Estrada de Nhacra para Cumeré
Foto 226 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Fonte do Vale
Foto 227 > Janeiro de 1972 > Nhacra > João Moreira > Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné, com anti-aéreas

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de8 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26780: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (27)

Guiné 61/74 - P26802: Ser solidário (284): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (13): Apresentação do projecto na Sede da Associação Macaréu, dia 31 de Maio de 2025, pelas 18h30, Rua João das Regras, 151 - Porto. Também uma oportunidade para experimentar a gastronomia e ouvir música da Guiné-Bissau (Renato Brito)

1. Mensagem com data de 12 de Maio de 2025 do nosso amigo Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, trazendo até nós a Cartolina número 13 que divulga a apresentação do projeto no Porto no dia 31 de maio.
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Nota do editor

Último post da série de 1 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26752: Ser solidário (283): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (12): O regresso à Guiné-Bissau em fevereiro de 2025 traduziu-se no cumprimento de vários objectivos do projecto (Renato Brito)