sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Guiné 63/74 -P15155: Agenda cultural (426): "Desesperança no chão de medo e dor": novo llivro com meia centena de poemas recentes do escritor e jornalista guineense Tony Tcheka (n. Bissau, 1951)... Sessão de lançamento, hoje, 6ª feira, às 17h00, na Mala Posta, Odivelas (metro Sr. Roubado)... Apoio da RDP - África






Nota biográfica:



Tony Tcheka (António Soares Lopes Júnior):

(i) natural de Bissau, onde nasceu a 21 de Dezembro de 1951;

(ii)  foi um dos fundadores da União Nacional de Artistas e Escritores, da Guiné-Bissau;

(iii)  e é hoje considerado um nome de referência da literatura guineense;

(iv) tem  trabalhos em várias antologias, publicadas na Guiné-Bissau, Portugal, França, Brasil e Alemanha;

(v) também jornalista, António Soares Lopes Júnior foi redator e mais tarde diretor da RDN-Rádio Nacional da Guiné-Bissau;

(vi) foi chefe da redação e diretor do Jornal Nô Pintcha; nessa qualidade criou Bantabá, um suplemento cultural e literário;

(vii) como correspondente e analista, trabalhou com a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Tanjug e, em Portugal, com o Público, a antiga agência noticiosa ANOP, RTP-África e TSF


Fonte (texto e foto): Cortesia de estudo-K > 3/10/09 > Tony Tcheka 

Guiné 63/74 - P15154: Notas de leitura (760): "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Já falámos de chineses em Catió, temos agora judeus na Senegâmbia, terão sido influentes no comércio, fazendo articulação com que hoje chamamos os Países Baixos.
Há novos rumos da historiografia do colonialismo português em África, este livro é um excelente exemplo. Adoro a capa, a passagem do rio Corubal faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, é uma imagem soberba, a madeira da jangada parece sido cortada ontem. Interrogo-me em que zona do Corubal, talvez perto do Saltinho, hipótese a não excluir.
Tenho que bater à porta do Instituto de Investigação Científica Tropical, talvez uma caixinha de surpresas.

Um abraço do
Mário


O judaísmo na construção da Guiné de Cabo Verde, século XVII

Beja Santos

O termo Senegâmbia tem aqui vindo a ser largamente referido e conotado com um espaço situado entre o atual Senegal e a Serra Leoa, em que se fez notar a presença portuguesa no trato comercial, designadamente no tráfico de escravos. Nos últimos anos, observa-se um desenvolvimento importante na história do colonialismo português em África, há investigadores que aprofundam essa presença na Senegâmbia, é o caso de Eduardo Costa Dias, José da Silva Horta e Peter Mark. Esses estudos revelam ligações estreitas entre Cacheu e Pecixe, mais a Sul com os espaços políticos Beafadas, também com Bissau, e os eixos Cacheu-Farim e Bissau-Geba. Mas todo este espaço político-mercantil era o da Grande Senegâmbia onde os investigadores deram pela presença de comerciantes judeus, sediados no atual Norte do Senegal, atuando no rio Gâmbia e com articulações com Cacheu.

Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical investigadores portugueses e canadianos no seminário Novos Rumos na Historiografia dos PALOP, de que se publicou o livro "O colonialismo português", Coleção Estudos Africanos, Edições Húmus Lda., 2013.
Esta recensão prende-se com o trabalho apresentado por José da Silva Horta e Peter Mark, exatamente sobre o judaísmo na Guiné do Cabo Verde. Convirá que o leitor tenha em consideração o mapa que se publica, o Cabo Verde é a Sul do rio Senegal, mais ou menos em frente ao Arquipélago de Cabo Verde, pode ver-se a extensão da Grande Senegâmbia. Nos meios luso-africanos do tempo falava-se na Guiné de Cabo Verde. Começam os autores por referir que “Até muito recentemente o papel pioneiro desempenhado pela Guiné do Cabo Verde/Grande Senegâmbia na construção do Mundo Atlântico foi contornado e desvalorizado por contraste com o protagonismo nesse processo conferido a outros espaços africanos como o Golfo da Guiné e a África Central Ocidental”. E explicam a importância da região: “A vasta área da Grande Senegâmbia não só se abriu profundamente aos mercados ocidentais como respondeu plenamente aos desafios que essa abertura implicou, a qual não se ateve ao tráfico de escravos. Parte dessa resposta foi a conhecida integração de mediadores mercantis e culturais de origem sobretudo portuguesa e lusodescendente nos sistemas e modelos de relacionamento africanos pré-existentes”. O Arquipélago de Cabo Verde assumiu uma função crucial na construção dessa mediação, foi o dínamo desse trânsito cultural.

Grande Senegâmbia/Guiné do Cabo Verde do Noroeste Africano

Porém, no início do século XVII, deu-se um ponto de viragem, passaram a entrar na Guiné judeus. Até agora a historiografia falava sempre na identidade luso-africana associada ao cristianismo. Os historiadores apenas sabiam de maneira imprecisa que no século XVII, nesta Grande Senegâmbia apareceram judeus praticantes. Sucessivas investigações posteriores esclareceram a presença de judeus confessos na Guiné. E os autores explicam como se apurou este facto: “A investigação foi baseada, numa primeira fase, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e numa segunda fase nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal. Cerca de 1606-1608, estes judeus operavam na região, mantinham-se em comunicação com a comunidade de Amesterdão, a eles se juntaram cristãos novos vindos de Portugal (nomeadamente do Porto, de Cabeço de Vide no Alentejo e de Faro) eram reconhecidos como judeus, sem qualquer discriminação. Estes judeus luso-africanos visitaram ou passaram a residir nas Províncias Unidas (hoje Países Baixos), conjuntamente com mestiços ou mulatos".

Está demonstrada a presença destes judeus nas atividades comerciais com a proteção dos dignatários africanos, caso dos reis wolof e sereer. As autoridades eclesiásticas bem tentaram que estes reis prendessem os judeus e que eles fossem recambiados para Lisboa, sem sucesso. E adiantam os autores quanto à natureza do comércio praticado: “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas, nomeadamente comércio de armas brancas. A existência de um importante comércio de armas brancas nos finais do século XVI e século XVII, contribui para desconstruir o conceito de warfare cycles estribados numa mercadoria específica (cavalos) ou num tipo de arma (armas de fogo). Esta rede mercantil incluía destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob”. Os investigadores observam que este contingente de cristãos novos foi muito significativo entre a população dos lançados e outros portugueses residentes na Guiné. Eram judeus de identidade flexível, e dão o exemplo: “Em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, metamorfoseava-se em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano, transmutando-se novamente em Joshua na correspondência interna às comunidades judaicas e aos parceiros cristãos-novos em que confiava”.

Enfim o cristianismo desempenhou nesta Senegâmbia do século XVII um papel fundamental nas relações luso-africanas mas o dado novo foi a chegada destes judeus que a partir do Norte da Senegâmbia geraram uma nova identidade, casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. As investigações continuam. E os autores finalizam assim o seu artigo: “Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social decorrentes desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15136: Notas de leitura (759): "A Educação na República Democrática da Guiné-Bissau, Análise Setorial", editado, em 1986, pela Fundação Calouste Gulbenkian (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15153: FAP (90): Para acabar de vez com o mito dos MiG em Conacri: nunca os houve no nosso tempo, garantiu-me o comandante Pombo, no convívio da Tabanca da Linha (António Martins de Matos, ten gen pilav ref)


Cascais > Estrado do Guincho > Oitavos > Almoço da Tabanca da Linha > 24 de setembro de 2015 >  Selfie de dois bravos da FAP, o António Martins de Matos e o comandante Pombo...


Foto: © António Martins de Matos  (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do António Martins de Matos


Data: 24 de setembro de 2015 às 18:41

Assunto: MiG


Caros amigos

Para terminar o assunto dos MiG

Dos postes anteriores (e foram muitos) (*), houve de tudo, MiG em Conacri, patrulhando a fronteira, picando aqui e ali, com pilotos guineenses, cubanos ou russos, em momentos cruciais escondidos ou deslocados para outras pistas (Labé), retaliando a quando da operação Mar Verde ….

Como não gosto de assuntos meio feitos, meio por fazer, tive que aprofundar o tema com quem tivesse uma visão mais completa do assunto.

E quem melhor para nos elucidar que o nosso amigo comandante José Pombo, piloto de caça e piloto dos TAGP [, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa,] durante alguns anos, e depois de 1974 amigo do Presidente da Guiné Bissau e piloto privativo do Presidente Sékou Touré durante mais uns 5 ou 6 anos ?  (Interessante que, com tantos pilotos pró PAIGC, tenha escolhido um piloto portuga.)

Aproveitei o almoço, de hoje,  da Magnífica Tabanca da Linha e abordei-o. E ele disse-me o seguinte:

(i) nunca houve qualquer MiG em Conacri;

(ii) a coisa mais parecida com um avião de caça que vira em Conacri eram os restos da asa do Fiat G 91 [R/4 5419] do falecido ten cor pilav [Almeida] Brito, que o PAIGC tinha levado a título de troféu (**);

(iii) à  excepção de Conacri, mais nenhuma pista da Guiné tinha (tem) condições para receber os MiG;

(iv) confirma que a Rússia tinha dado treino a pilotos guineenses e, já depois da independência da Guiné Bissau, oferecido a este país  2 MiG;

(v) em data que não pode precisar, ao voar de Dacar para Conacri, descobriu que, no mar e à revelia do Governo de Bissau, alguém estava a fazer exploração petrolífera na águas da Guiné Bissau; avisou Bissau, saíram os 2 MiG pilotados por guineenses, não deram com a exploração, à volta e devido ao mau tempo, esmerdaram-se os dois, um ao pé do aeroporto, outro junto à estrada de Nhacra;

(vi) com tal performance,  a Rússia nunca mais lhes deu novos aviões.

E pronto, acho que está tudo dito.

Abraços

AMM


2. Esclarecimento:


(i) António (c/c Maria João), hoje:

Dizes que o comandante Pombo foi "piloto privativo" do Sékou Touré a seguir á independência da Guiné-Bissau ?... Nas conversas que já tive com ele, não me apercebi desse facto relevante...Sabia que tinha pilotado o pequeno Falcon da presidência da Guiné-Bissau; tendo estado ao serviço do Luís Cabral e depois do 'Nino"... Provavelmente querias dizer que foi "piloto privativo" do Luís Cabral de quem, além disso, era amigo. Como era amigo do 'Nino', a quem tratava por tu (***)...

António, é importante que me confirmes este facto... Peço a ajuda da Maria João.


(ii) Maria João Rodrigues Pombo, hoje

Bom dia,

Falei agora com ele [, o meu pai,] e diz que nunca foi piloto do Sékou Touré. Disse-me que chegou a levar várias vezes o presidente de São Tomé. no avião que era do Luís Cabral e que emprestava a aeronave.

Um grande bj e bom fds! Até breve.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de setembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15103: FAP (89): Op Mar Verde: e se os MiG, que existiam de facto, mesmo que pouco operacionais, tivessem sido localizados e destruídos ? (José Matos)


(**) Vd, Fundação Mário Soares >  Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 05360.000.142
Título: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91, abatido por um míssil terra-ar Strela
Assunto: Combatentes do PAIGC junto aos destroços de um avião Fiat G-91 abatido por um míssil SA-7 Grail (Strela), que resultou na morte do piloto José Fernando de Almeida Brito, Comandante do Grupo Operacional 1201.
Data: c. Março de 1973
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: FotografiasDireitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
Arquivo Amílcar Cabral > 11. Fotografias > 3.PAIGC > Luta Armada

[Nota de LG: O documento está irremediavelmemte danificado, só se aproveitando a metade dop lado esquerdo. Tomámos a liberdade de o edirtar. Com a devida vénia...

[Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43093]

(***) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14218: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (32): Falei ao telefone com o comandante Pombo, amigo de Luís Cabral e de 'Nino' Vieira... e sobretudo um orgulhoso sobrevivente dos Strela (em 1973/74) e da "Operação Atlas", em agosto de 1961 (travessia, com uma esquadra de F-86F “Sabre”, Monte Real-Bissalanca, num total de 3888 km e o tempo de 7h50 sobre o Atlântico) (Luís Graça, com José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria)

(...) O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.

O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.

Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros, que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…

Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’, no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.

Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido . (...) 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15152: História de vida (39): Voltar finalmente, não mais rico mas diferente (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Setembro de 2015:

Carlos e Luís 
Aqui vai alguma coisa para publicação se tiver interesse.
Junto envio fotos de Fátima que foram tiradas com um telemovel. Se não tiverem qualidade eu posso tira-las com uma máquina fotográfica.

Juvenal Amado


VOLTAR FINALMENTE 

Ora cá temos a chuva que tanta falta fazia, ainda assim sempre desagradável. O vento mais agressivo baixa as temperaturas e traz-nos notícias do Outono, com a as suas folhas castanhas a esvoaçarem e a entupirem os biqueirões, a provocarem pequenas inundações urbanas, uma vez que são essas zonas mais impermeáveis à custa do betão e do alcatrão.

Dirão alguns que só faltava este a queixar-se do alcatrão nas estradas, quando andamos a protestar há tantos anos com o maus estado delas, onde os buracos fazem perigar as direcções e suspensões dos nossos carritos, comprados a prestações e a temer que antes do seu pagamento integral, já tenhamos que fazer face a despesas com oficinas, que nos custam sempre os olhos da cara.

Mas já me alonguei com estas considerações para além do que me levou hoje, que o Sol já apareceu novamente, a ganhar formigueiro e escrever sobre várias coisas da vida, quase como acontece com as conversas de circunstância com o vizinho, sobre os dias em que esteve muito calor, ou “está um bocadinho de frio não está?” Ele responderá invariavelmente “que estamos no tempo dele”. É sempre assim.

Durante anos defendi que a nossa terra é o sítio em que moramos com conforto, onde temos segurança, onde ganhamos o nosso sustento, tantas vezes negado na terra donde somos originários. Reconheço agora, passados que são praticamente dezena e meia de anos de ter saído do berço natal, que não é assim e que a nossa terra é sempre aquela dos nossos pais, irmãos e onde nos criamos por mais trambolhões tenhamos tido. Morar num sítio e pertencer a outro, é pois uma realidade a que não escapei como milhares de portugueses que trabalham fora do nosso país por absoluta necessidade, mas esperam voltar ao seu rincão natal um dia, de preferência bem de vida como convém.

Há uns anos, muitos regressaram com os filhos, que embora não nascidos cá, os pais entenderam assim não os perder para um país que os acolheu, mas que não é o deles. É estranha a natureza humana, na verdade pois foram de cá embora porque não tinham futuro e tudo fazem para regressar, evitando que os filhos se separem das suas raízes ancestrais.

Já em Alcobaça conheci jovens que vieram da “estranja” enviados para casa dos avós, como forma de os subtrair a uma sociedade em talvez pais nunca se tivessem querido integrar.
Em Fátima, trabalhei com alguns desses jovens regressados por imposição dos pais, e na verdade, a diferença de educação escolar, alguma dificuldade com a nossa gramática, bem como o nível de empregos disponíveis, acabou por se saldar por uma má escolha, pois não conheci algum que passasse de caixa de supermercado, ou de trabalhador fabril em fábricas à beira da falência e com salários bem modestos.

Um vizinho meu, depois de alguns anos a tentar, acabou por voltar para França com a mulher e uma filha, uma vez que o filho já não regressou, casou e por cá ficou a trabalhar numa média superfície comercial, falhadas que foram as tentativas de integração na vida escolar com bons resultados. Vieram para ficarem juntos, mas como se vê não conseguiram. Da nova leva de portugueses a procurar lá fora melhores condições, melhores salários, vamos ter que esperar se voltam ou não e como vão proceder com os filhos.

Quando estava na Guiné cheguei a fazer planos de correr o Mundo com o meu amigo “ Aljustrel”, copiando talvez os hippies, vivendo aqui e ali, trabalhando quando fosse estritamente necessário, pois a vida e a liberdade eram para ser absorvidas como o Sol na cara, sem ter que pagar por essa dádiva. Ele em parte seguiu um caminho mais parecido com isso e navegou por todos os mares mais de 30 anos. Está claro quanto à subsistência foi muito diferente. Passados que foram as conversas e planos mais ao menos amalucados no posto de sentinela, quando regressei da Guiné, emigrar nunca me passou pela cabeça, casei, trabalhei arduamente para ter para mim e para a minha família bem estar, sem muitas exigências para além do que os meus princípios humildes e solidários impunham, lutei por construir um futuro na minha terra, dar há minha filha a hipótese de frequentar a universidade, atingindo assim o grau académico que lhe possibilitasse sair da velha realidade que filho de operário seria a seguir operário. Duvido hoje que tenha feito a opção certa em cá ter ficado e, cheguei a aconselhá-la a fazer pós graduação no estrangeiro, sabendo eu que tal abriria portas ao seu não regresso, talvez à impossibilidade do convívio com ela e com filhos que eventualmente viesse a ter.

Vidas e linhas que se cruzam, o problema é que não sabemos onde cada uma delas acaba . Hoje fiz como costume a minha caminhada pelas ruas de Fátima. Quase que me despeço delas, como o Verão se despede de nós, pois em breve deverei voltar para a minha terra, onde nunca deixei de pertencer. Caminho pela estrada de Minde, passo a rotunda Sul, meto pela alameda do Santuário, passo junto da Igreja da Santíssima Trindade, Correios, vou ladeando de um lado o Santuário, de outro as lojas minúsculas, que vendem velas para todas as alturas, pés, braços, corpos inteiros em cera, bem com toda a variadas de imagens, pagelas que a atestam a devoção de quem se lá desloca para pagar assim as promessas que fez em momento de aflição.
Sigo depois pela rua das lojas onde as vendedoras com sorriso afivelado sorriso esse que não chega aos olhos, nos convidam a entrar e onde se repetem as imagens talvez de melhor qualidade, juntamente com bonés e cascóis bem com camisolas do Cristiano Ronaldo, salpicadas aqui e ali por lojas chinesas, bem como a profusão de hotéis, capacidade que não tem parado de aumentar.










Ainda não sinto saudades porque não se pode ter saudades do Futuro, mas nestes anos vi as mudanças enormes desta terra que me acolheu e onde muito gosto de estar, perdi as transformações da terra para onde vou voltar, mas aqui estive sempre de passagem, lá estão as minhas raízes mais profundas, que vão desde as recordações e amigos de minha infância, às casas onde vivi, às ruas tantas vezes percorridas, para não falar dos sítios onde descansam para sempre os meus familiares que já partiram.

Na verdade tudo me puxa para lá novamente, passados que foram os anos de que alguma rebeldia e insatisfação me fizeram procurar uma vida de sucesso noutro local. Passados que foram os tempos do trabalho com tantos avanços e recuos, Não volto mais rico, volto sim diferente.

Um abraço
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14232: História de vida (38): José da Câmara um açoriano activo na comunidade açoriana de Stoughton, nos Estados Unidos da América

Guiné 63/74 - P15151: Agenda cultural (425): Apresentação em Lisboa, na sede da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo literário de A. Marques Lopes) - Parte I



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7



Vídeo (5'  13''). Alojado em You Tube > Luís Graça


Lisboa, ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, 17 de setembro de 2015, 15h >  Lançamento do livro "Cabra-cega: do seminário para a  guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo literário de A. Marques Lopes, foto nº 1) (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp.).


Fotos (e vídeo): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.


1. A apresentação do livro esteve a cargo do nosso grã-tabanqueiro, o escritor e crític o literário, especialista na literatura da guerra colonial,  Mário Beja Santos (foto nº 2). 

Estiveram presentes alguns camaradas da Tabanca Grande:

(i) o Jaime Bonifácio Marques da Silva, que veio de propósito da Lourinhã, e fez um intervenção no final (, é o 2º da primeira fila, a contar da esquerda, foto nº 3);

(ii) o Alfredo Reis, camarada do A. Marques Lopes na CART 1690, Geba, 1967/68 (é o primeiro do lado esquerdo, na foto nº 3, mora em Santarém, e é veterinário reformado);

(iii) o Fernando Sousa, autor de Quatro Rios e um Destino" (Lisboa, Chiado Editora, 2014);

(iv) o Mário Gaspar (foto nº 6), fundador e ex-dirigente da associação APOIAR, e que fez um intervenção;

(v) o Luís R. Moreira e o Hélder Sousa (foto nº 4)...

(vi) também um camarada, de apelido Alves (se não erro), que pertenceu à CCAÇ 3, em Barro, por onde também, andou o A. Marques Lopes, na 2ª parte da sua comissão (foto nº 7).

Da ADFA, além do 2º vice-presidente da direção nacional, Manuel Lopes Dias, que estava na mesa em representação do presidente, comendador José Arruda (, ausente no estrangeiro), estavam também presentes o Rafael Vicente (se não me engano, jornalista do ELO, jornal da associação) (foto nº 5) e o Carmo Vicente, sócio fundador da ADFA, srgt mor reformado, que esteve na Guiné, por duas vezes, no BCP 12, da última vez na CCP 122, autor de "Gadamael" (livro de que ele hoje se distancia, dizendo que "a guerra, para mim,  acabou"). 

Há ainda vários vídeos que fiz por ocasião desta sessão,  e que irei editar oportunamente, nomeadamente um com a intervenção do Beja Santos e outro com as palavras de encerramento, proferidas pelo 2º vice-presidente da ADFA, o Manuel Dias Lopes.

Foram, entretanto, vendidos nesta sessão vários exemplares do livro do A. Marques Lopes, ao preço (reduzido) de 10 euros.


2. Mensagem de hoje do A. Marques Lopes:


Ainda tenho 20 exemplares do livro "Cabra-cega, do seminário para a guerra colonial" [Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp, coleção Bio, género Biografia]. Poderei enviá-lo pelo correio para quem quiser. Custará 13, 98€ (10€ preço do livro + 3,98€ de portes). 

É um preço especial que faço para os ex-combatentes e outros amigos, pois na editora [, a Chiado, ] o preço é 19,00€ (mais portes,  se for enviado pelo correio). 

O meu NIB é 000704100093079000997

Agradeço divulgação.

Guiné 63/74 - P15150: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte IV): Op Insistir (27/10/1967): com a 5ª CCmds e dois 2 grupos de combate de cassanhos, da CART 1690


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5




Foto nº 6

Guiné > Zona Leste > Setor L2 > Geba > CART 1690 (1967/69) > Destacamento de Banjara > 1968 > O destacamento não tinha população civil e era defendido por um pelotão da CART 1690. Distava 45 km de Geba, sede da companhia.

As fotos são do ex-Alf Mil Alfredo Reis que,  tal como o António Moreira, o Domingos Maçarico e o A. Marques Lopes, era da CART 1690. Os quatro  figuram na lista dos membros da nossa Tabanca Grande. O Alfredo Reis é veterinário, reformado, vivendo em Santarém. As fotos chegaram-nos por  intermédio do A. Marques Lopes.

Na foto nº 2,  ao centro, em segundo plano, está o nosso amigo e camarada Alberto Branquinho, hoje advogado e escritor, ex-alf mil op esp da CART 1689 / BART 1914,  que foi encontrar, em Banjara, o seu amigo e condiscípulo do liceu de Santarém, o alf mil Alfredo Reis, da CART 1690 / BART 1913. Aceitam-se legendas para as fotos...

Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007).  Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



Mais três textos de A. Marques Lopes, publicados no poste P40, em 3/6/2005: Sinchã Jobel IV, V e VI (*):

Continuação da publicação desta série, "Jogos de Cabra-Cega: Sincha Jobel", com a reedição de alguns postes do A. Marques Lopes, que tem por objeto central a descoberta e a tentativa de destruição, pelas NT, de Sinchã Jobel, uma base ("barraca") do PAIGC, em pleno coração da Guiné, na zona leste, no regulado de Mansomine, entre Mansambé e Geba. 

São os postes nº 35, 36, 39, 40, 45 e 763, originalmente inseridos na I Série, e como tal como pouco lidos e conhecidos... Fizemos a revisão de texto (e atualizámos o texto de acordo com a ortografia em vigor). (*)

Estes "jogos de cabra-cega" fazem parte da trama do romance que o A. Marques Lopes lançou, recentemente, em junho passado, sob a chancela da Chiado Editora (capa ao lado). O autor, João Gaspar Carrasqueira, é pseudónimo literário. Aiveca, a personagem central do romance, é o "alter ego" do A. Marques Lopes. A editora meteu o livro na sua coleção "Bios", classificando-a como "biografia" e não como "romance"... Na realidade, é uma autobiografia ficcionada, de 582 pp.

Lembram-se do jogo da cabra-cega, do nosso tempo de infância e de escola? "Tapam os olhos ao que é apontado para ser cabra-cega, Dão-lhe várias voltas para perder o sentido de orientação. Dão-lhe empurrões para o desorientar ainda mais e não saber para onde se virar" (, preâmbulo do livro). A vida (e a guerra) é um jogo de cabra-cega.

Por mais de uma vez, o A. Marques Lopes usa o termo "cassanho" que não vem nos dicionários de língua portuguesa. Era sinónimo de "tropa macaca", confirma-me ele. Alguém se lembra também de o usar no TO da Guiné ? Se sim, vamos nós grafá-lo.


Guiné > Zona leste > Carta de Bambadinca (1955) > 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel, no regulado de Massomine.  Banjara e Mansambá ficavam, a noroeste, Geba e Bafatá a sudeste, Bambadinca  a sudoeste.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)



1. Foi a operação que se fez a seguir àquela em que entraram dois grupos de comandos, e que ficou em águas de bacalhau... Esta foi feita com cassanhos, só, e deu o que vão ler.

A operação foi comandada do PCV (Posto de Controlo Volante) pelo Comandante do Agrupamento. O Agostinho Francisco da Câmara (e não Camará), morto na operação, era açoriano e do meu grupo de combate; o Armindo Correia Paulino, aqui referido, também era do meu grupo de combate, o Bigodes, como lhe chamávamos, um minhoto que foi, mais tarde, aprisionado pelo PAIGC em Cantacunda e que acabou por morrer no cativeiro, em Conacri.

Um esclarecimento: os nomes das operações nesta zona começavam todos por "I" ou por "J".

"17. Op Imparável. 15 de 16 de Outubro de 1967:

"Situação particular:

"O IN tem-se revelado no regulado de Mansomine não só durante as operações, como em ataques a tabancas e aquartelamentos. Possui um acampamento na região de Sinchã Jobel que lhe serve de base às suas acções.

"Missão:

-Golpe de mão ao acampamento de Sinchã Jobel seguido de uma batida na região.

"Força executante:

Dest A - CCAV 1748.

Dest B - CCAÇ 1685 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL/CMIL 3.

Dest C -CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL/CMIL 3.

"Desenrolar da acção:

Em 15, às 4h30, o Dest C saiu autotransportado de Geba, em direção a Sare Madina, progredindo apeadamente em direção a Sucuta que atingiu às 08h45. Instalou-se no orla junto à bolanha, tendo mantido essas posições até 16 de outubro, às 10h30.

"Durante a noite de 15 para 16 fomos flagelados com 4 tiros de morteiro e rajadas de armas ligeiras automáticas. Cerca das 03h00 foi avistado um helicóptero IN que sobrevoou o acampamento IN.

"Quando o Dest A iniciou a travessia da bolanha, a 16, às 9h00, o mesmo foi atacado por tiros de morteiro e rajadas de armas ligeiras automáticas, tendo o Dest B e C feito fogo de morteiro às minhas ordens, sobre o IN instalado na margem oposta. 

Este Dest não conseguiu atravessar a bolanha, o mesmo sucedendo ao Dest B embora, quando este último tentou a travessia, já tivesse apoio aéreo (ATAP). O PCV ordenou então ao Dest C para nomear uma secção e tentar a travessia da bolanha às 11h30. Esta secção atravessou a bolanha sob fogo IN e com apoio aéreo dos T-6 chegando ao outro lado da bolanha às 12h45.

"As 15h00 os Dest A e C tinham atravessado a bolanha e preparavam-se para progredir em direção ao acampamento IN. Antes de iniciarem a progressão teve de se rebentar uma armadilha A/P, constituída por uma granada do LGF. Os dois Dest A e C atingiram a clareira de Sinchã Jobel pelas l6h40, onde se estabeleceu que o Dest C, reforçado por um Gr Comb do Dest ,  iria fazer o ataque ao acampamento IN.

"Pelas 17h00, caiu-se numa emboscada montada pelo IN. Tentou-se anular a emboscada, que seria conseguido senão fosse a hora tardia, a incapacidade de duas armas pesadas (LGF e Mort 60) e algumas G-3 encravadas do Dest C. Outra razão talvez decisiva e que fez com que as NT não calassem a emboscada,  foi o facto de o Dest A não ter envolvido o IN devido ao fogo cerrado do morteiro 60 e 82 do IN.

"Além destas armas, o IN possuía armas automáticas individuais, 3 MP [metralhadoras pesadas] e alguns lança-roquetes ou LGF (Não sei precisar). Uma das MP foi calada pelo nosso LGF [bazuca]. Vários contras para nos surgiram durante a emboscada: O nosso bazuqueiro (passe o termo) Soldado Agostinho Câmara que estava a fazer um fogo certeiro, foi atingido mortalmente (note-se que este LGF era o único que estava a fazer fogo). 

Foi o soldado enfermeiro Alípio Parreira que se encontrava próximo e que estava a fazer fogo com a ML [, metralhadora ligeira] MG-42 (para a qual o referido soldado se oferecera como voluntário),  pegar no LGF e continuar a fazer fogo com ele. Nesta altura tive que pegar na MG-42 e fazer fogo com ela. Logo a seguir tive que me dirigir à retaguarda a fim de falar com o PCV que me chamava.

"Quando regressei à frente verifiquei que o já referido soldado enfermeiro recomeçara a fazer fogo com a ML MG-42 e que passado mais alguns momentos ficou impossibilitado de fazer fogo devido a uma avaria, ao mesmo tempo que o soldado enfermeiro e o municiador eram feridos por estilhaços. Mesmo assim este soldado enfermeiro veio para a retaguarda, onde agarrou no morteiro 60 e continuou a fazer fogo com o mesmo.

"Foi-me impossível continuar o ataque ao acampamento IN, em virtude de se terem esgotado as munições que levava, as armas pesadas não funcionarem, a noite já ter caído por completo e desconhecermos o terreno. Deve notar-se, contudo, que nesta altura já o IN dava sinais de fraqueza e, segundo alguns soldados nativos que se encontram juntamente comigo na frente, estarem a gritar que tinham que fugir.

"Para retirar, pedi auxilio ao Dest A que foi à frente, permitindo que o Dest C retirasse para fora da zona de morte, donde protegeu a retirada do Dest A. Já fora da zona de morte, verifiquei que não se tinham trazido os mortos, pelo que enviei novamente à zona de morte alguns soldados para os trazerem. Tal não foi possível, visto estarem armas automáticas do IN apontadas para o local onde se encontravam os corpos. 

"Ainda foram abatidos a tiro de G-3 dois elementos IN, um destes pretendia agarrar o soldado Armindo Correia Paulino, quando este estava a arrastar um dos nossos mortos para a retaguarda e que se salvou devido ao aviso oportuno do soldado Saliu Baldé e que permitiu ao primeiro soldado citado abater esse elemento IN, ao mesmo tempo que o soldado citado abatia um segundo elemento IN, que se encontrava armado e estava a proteger o outro elemento IN abatido.

"Seguidamente efetuou-se a retirada (e friso mais uma vez que esta teve de ser feita devido ao Dest C ter esgotado as munições e as armas avariadas), tendo o IN vindo em nossa perseguição até à bolanha onde os últimos elementos a atravessá-la (o Dest C) foram alvejados por rajadas de armas automáticas.

"Após a travessia da bolanha verifiquei que o Dest B já não se encontrava em Sucuta. Os Dest A e C atingiram Sare Madina pelas 02h00 de 17 [de outubro de 1967], onde aguardaram viaturas do Dest C que os transportaram para Geba, tendo uma viatura do Dest C seguido para Bafatá com os feridos mais graves.
O A. Marques Lopes no lançamento do seu livro,  em Lisboa, ADFA, 17
 de setembro de 2015.  Foto de LG.

"Resultados obtidos:

-Baixas sofridas pelo IN:  Mortos confirmados 8 e baixas prováveis numerosas.

-Foi destruída uma armadilha A/P e destruída ou danificada uma MP.

"Comentários:

"O plano de ação inicial não foi cumprido. Se tivesse sido, o acampamento IN teria sido destruído porque o Dest A conseguiu chegar a 50 metros do acampamento IN sem ser detetado.


"Nota:

"Em 27 de Agosto de 1967 foi recebida uma noticia C2 em que referia que o IN tinha sofrido 54 mortos e muitos feridos ainda não controlados.

"As NT tiveram tarefa bastante penosa no regresso devido a terem que transportar 12 feridos graves e 22 ligeiros por as evacuações não poderem ser feitas de helicóptero durante a noite.»


2. Poder-se-ia pensar que, agora, com a 5ª Companhia de Comandos é que vai ser!... Mas não foi. Este é o relatório da CART 1690, o dos comandos não o conheço e não sei o que disse. 

Fizeram a batida e não viram nada, com as coordenadas tão bem definidas... o que me parece é que não era ali exatamente. Além de que o IN não terá visto vantagem em confrontar-se com os comandos, também admito. Mas veja-se como a 5ª Companhia de Comandos se põe a andar, deixando para trás dois grupos de combate de cassanhos...

A operação foi comandada do PCV pelo Comandante do Agrupamento.


"18. Op Insistir. 27 de Outubro de 1967


"Situação particular:

"Desde abril de 1967 que o IN se tem revelado nos regulados de Mansomine e Joladu. Durante a Op Imparável foi finalmente localizado de forma segura o acampamento de Sinchã Jobel que se situa em: 1455 1210 E9-76 [são as coordenadas topográficas].

"Missão:

- Ataca e destrói o acampamento IN de Sinchã Jobel.

"Força executante:


Dest A - 5ª Companhia de Comandos

Dest B - CART l690 ( a 2 Gr Comb) + 1 PEL MIL 109/C MIL 3

"Desenrolar da ação:

"Em D pelas 05h00 o Dest B saiu autotransportado de Geba em direcção a Sare Madina, progredindo depois até em direção a Sucuta que atingiu às 08h15. Instalou-se na orla da bolanha não conseguindo qualquer comunicação através do rádio com Geba ou Bafatá para informar a nossa posição. Cerca das 09h45 foi feito fogo de morteiro de amas ligeiras afim de atrair a atenção do IN naquela direção.

"Após o bombardeamento da FA [Força Aérea] e por ordem do PCV, um grupo de combate iniciou a travessia da bolanha onde permaneceu até que o Dest A fez a batida ao objetivo regressando em direção ao Dest B.

"Gorando-se o encontro do Dest A com o Dest B, por ordem do PCV o Dest B retirou da bolanha vindo juntar-se ao Dest A que já regressava a Sare Madina.

"Em Sare Madina, o Dest B seguiu em viaturas para Geba onde chegou cerca das l6h30.»


3. Esta [operação] nunca entendi. Como continuo a não entender qual foi o "sucesso” da Op Insistir. Foi comandada do PCV.

«19. Op Instar. 28 de Outubro de 1967.

"Situação particular: a do planeamento operacional da Op Insistir.

"Missão: explorar o sucesso da Op Insistir; bater a região de Sinchã Jobel

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1790
Dest B - CART 1690 (a 2 Gr Comb ref. c/PEL MIL 109/C MIL 3

"Desenrolar da acção:

"Pelas 06h15 iniciou a progressão para Sucuta que atingiu cerca das 08h00. Após instalado o pessoal junto à bolanha, um Gr Comb por ordem do PCV cambou a bolanha instalando-se do outro lado, onde emboscado aguardou a chegada do Dest A. Na passagem da bolanha, após a junção dos 2 Dest. em Sucuta fez-se a progressão para Sare Madina onde o Dest B logo seguiu de viaturas para Geba aonde chegou cerca das 16h00.»
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5 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14700: Os jogos de cabra-cega: Sinchã Jobel (A. Marques Lopes) (Parte II): Depois de uma noite, perdido, na bolanha, de 24 para 25 de junho de 1967, "é tão bom estar vivo e saber onde estou e o que quero!... Bora, Braima, bora, rapaziada, toca a sair daqui"...

Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá

1. Parte XIV de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 21 de Setembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XIV

Fuzileiros, páras e felupes

A acabar de chegar a Brá, uma carta em cima da cama.

“Caro Alferes
Já antes da sua partida para a zona de Cuntima estava prevista uma operação na área do Ingoré, base de Campada. A ideia é o seu grupo embarcar nos helis até Teixeira Pinto, onde aguardará indicações para intervir.

Não será um golpe de mão clássico, visto que as notícias não definem bem a localização. Como as forças empenhadas são numerosas procurar-se-á o IN de dia, no caso de não se encontrar de noite. Pormenores da operação ser-lhe-ão dados pelo Tenente-Coronel H. Calado. A data prevista é de 3 para 4. Felicidades, um abraço, cap. Leandro.”


Cena do filme. Um descampado enorme, palmeiras desgarradas aqui e além, a mancha de militares a surgir ao longe numa nuvem de pó, a lembrar-lhe a cavalaria dos filmes de coubóis no cinema Batalha do Porto, só não bateu palmas porque as trazia ocupadas, a G3 numa mão, a Sudayev1, apanhada momentos antes, na outra.

Um pelotão de páras junto aos helis, mais as forças do batalhão do Tenente-Coronel Calado, dispersas aqui e além, e Felupes2 com a pila à mostra, conhecidos antropófagos locais, armados de arcos e setas envenenadas. As palmeiras, o fumo e os pós no ar, cheiros de pólvora e as cores da Guiné numa tarde a aproximar-se do fim.

Tinham saído do aeroporto de Bissalanca às 6h00 montados nos helis e cerca de uma hora depois estavam em Susana, no norte, mesmo junto à fronteira. Depois ficaram ali à espera que os outros destacamentos envolvidos fizessem saltar a caça. Pelo rádio foi acompanhando a guerra em directo. Houve tempo para meterem uma bucha, para passarem pelas brasas, e chegaram até a pensar que regressariam sem chegarem a entrar em acção até o atento Dornier confirmar que o IN estava a retirar, disperso em pequenos grupos, por locais diferentes.


É agora, dêem-lhes caça! Ordem para embarcarem já passava das 13. Dez ou quinze minutos depois, dispostos aos pares, os helis largaram-nos numa bolanha em Cassum.

Mal puseram os pés no chão foram recebidos com fogo muito alto, algumas rajadas de PPSHs e Kalashs.

Dirigiram-se para norte, a caminho da fronteira, junto a um carreiro pisado de fresco, até que os dois homens da frente fizeram alto e deram indicações para o pessoal se ajoelhar. O chefe do grupo, que seguia logo a seguir, chegou-se ao Jamanca e ao Kássimo e viu um guerrilheiro atrás de uma palmeira, aflito, a olhar para todos os lados, arma a brilhar nas mãos, para camarada fazer fogo no tuga danado, só podia ser.

A equipa da frente dividiu-se em duas parelhas, rodearam-no, o olhar dele não parava e não os via, um apareceu-lhe de frente, o outro do lado direito, o guerrilheiro não atirou a arma para o chão como lhe mandaram, uma voz algures deve tê-lo distraído, hesitou, o Kássimo, a 20 metros para aí, atirou. Deram uma volta pela zona, o PCA montado no Dornier em contacto a dizer-lhes que os avistaram, que estavam em cima da fronteira, que retirassem pelo mesmo caminho, o rádio a ouvir-se melhor agora, e que mais, que mais apanharam? Mais nada?
A voz do cavaleiro do ar a achar que era pouco resultado para tanta gente.
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Notas:
1 - Pistola-Metralhadora “Sudayev” cal. 7,62 mm M-943
2 - Grupo étnico que compreende as populações existentes no Sul de Casamance e São Domingos na Guiné, entre os rios Casamance e o Cacheu. Os felupes dedicam-se à pesca, à cultura do arroz, da mandioca e da batata-doce.

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O que se terá passado em Catió? 

Esgueiraram-se pelo caminho, a olhar para um lado e para o outro, as sombras da lua atrás deles, o barulho do gerador a ajudá-los. Encostaram-se ao pré-fabricado, colados à parede, ficaram assim um bocado, a luz acesa no quarto, janela com cortinado pequeno. 
Deve estar lá dentro, sussurra um para o outro. Este a espreitar entre os cortinados, a rir-se, mão na boca. Olhó o filho da puta! 

Deixa ver, diz o outro, mete os olhos e vê os óculos, a pele muito branca, em pelota, gordinho, barriga em cima da cama, as nádegas redondas, salientes, para o ar. 
Qué que o filho da puta tá a fazer, todo nu, de cu pró ar? Tá a jogar às cartas? 
São cartas com gajas nuas, tão todas espalhadas na cama! 
Ai o cabrão! E agora? 
Agora, pá, deita-se qualquer merda pró chão, para fazer barulho. Esse vaso, isso, esse serve, ali junto à porta pró gajo sair. 
Estrondo lá fora, cacos a partirem-se. Não está vento, o que será? Põe-se a pé, enfia as calças, as botas. Coração aos saltos, vai abrir a porta, volta a fechar, que esquecimento! Pistola na mão, abre outra vez a porta, espreita para um lado, para o outro. Um barulho na esquina, pareceu-lhe, pé ante pé, aí foi ele, o militar destemido em direcção à esquina.

No hospital em Bissau o tenente-coronel lembrava-se de pouco. Estrelas, muitas na cabeça entrapada e não se lembrava de muito mais, não. O major do QG insistia, mas meu tenente-coronel há-de se lembrar de mais alguma coisa. 

Houve algum problema com alguém lá do Batalhão em Catió? Não houve? Não desconfia de ninguém? E em Teixeira Pinto, recorda-se de alguma coisa? Houve alguns casos disciplinares não houve, meu tenente-coronel? 

Problemas, sim, um ou outro, todos temos, mão na cabeça dorida. 

Meu coronel, tem que haver qualquer antecedente, qualquer história para trás, qualquer coisa, veja se se lembra! 

Eu estava em cima da cama com o mapa da zona de Catió, estava a analisá-lo, a ver as referências, a assinalar a disposição inimiga, pareceu-me ouvir o barulho de qualquer coisa a partir, um ruído de passos na esquina, não, não me lembro de mais nada, a cabeça dói-me muito. 

Na rede suspensa nas duas árvores do jardim, Teresa tinha posto o livro de lado, estendeu os olhos para longe, para a rua com pouco movimento àquela hora. Viu um jipe dos comandos, um soldado ao volante, pareceu-lhe o Alegre, deixa lá ver quem é que está na Ultramarina. Pôs-se a pé, olhos para a rua, portão aberto, rua abaixo a correr. 

Então! Estava ali a estudar e tu aqui! 
Pareceu-lhe uma menina, mais pequena. Olá, Teresa! Fica-te bem essa saia branca, os ténis brancos também. 
Nem disseste que ias nem que chegaste, nunca mais apareceste! 
A Dora faz anos no sábado, queres ir? 
O Alegre a apontar para o relógio, está na hora, meu alferes. 

Foi então ao QG tratar de um assunto qualquer. E quando passava junto à secção de Justiça um camarada, em jeito de brincadeira, claro, perguntou-lhe quando tinha sido a última vez que estivera em Catió. Catió? Porquê? Porque o teu nome foi falado a respeito do caso de Catió! Qual caso? 

No jeep, de regresso a Brá, a cabeça não parou. Não escondia o gozo que lhe dava imaginar como tudo teria sido e intrigava-o alguém ter pensado que ele seria capaz de tal safadeza. 

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Casamento com data marcada

O alferes adjunto do capitão para os assuntos administrativos, tinha assumido o comando do grupo “Vampiros”. O Vilaça andava com o moral apagado, há meses que não saía. Vou sair na próxima, dizia alto, chegava-se à véspera e não, não consigo, pá, não estou em condições. Passou a ser tema de conversa entre os outros chefes de grupo, que combinaram colocar a questão ao capitão. 

O que é que nós podemos fazer se ele não quiser? A psiquiatria não é bem assim, não podemos empurrá-lo para lá se não for da vontade dele. É melhor mantê-lo debaixo de olho, ocupá-lo com trabalhos aqui dentro, que há muito para fazer, enquanto o tempo vai passando e a evolução dele também nos dá tempo para arranjar a melhor solução. E vejam se ele bebe só água. 

O Vilaça levantava-se quando calhava, à tarde ia para Bissau, regressava quase de manhã ou mais cedo se alguém o trouxesse. De início, os outros não atribuíram grande importância, o quadro a agravar-se alertou-os para medidas imediatas que o capitão encarava agora. 

Agora o Luís, também? Num dos primeiros dias de Abril entrou-lhe no quarto, sem mais nada, desembaraçado como de costume, é pá, olha, estás convidado para o meu casamento. É pá, ouviste o que te disse ou não? 

Que dependia, se a data coincidisse com a estadia dele na metrópole, teria muito gosto. 
Que não era na metrópole mas na Guiné. Não é brincadeira nenhuma não senhor, vou-me casar com a Lurdes. 
Lurdes? Que Lurdes? 


À entrada da messe, em Brá, com o Luís 

O Luís era oriundo de famílias bem colocadas, o pai, médico com nome numa cidade do litoral, era uma pessoa muito respeitada, bem relacionado, até com as irmãs do Dr. Salazar, a quem media as tensões quando elas iam passar o mês de Agosto à Figueira. 

Medrara no enorme areal com as ondas a rebentarem lá ao fundo, sempre junto da namorada, cresceram e estudaram no liceu local até se separarem com promessas, ela a terminar o curso, ele a caminho da Guiné. Mantiveram-se em contacto o tempo todo, numa fúria de cartas para lá e para cá. 

No regresso de férias viera encantado, saudoso, morto por regressar de vez à metrópole e consumar o que tinha deixado a meio. Agora, a dois meses do fim da comissão, mudara de ideias? 

A Lurdes. A Lurdes era uma moça nascida em Bissau, aí dos seus 23 anos mais ou menos um, com raízes familiares em Cabo Verde, tu cá tu lá com as autoridades locais, as colonialistas e as outras. Tinham ou dizia-se que tinham propriedades no Gabú, em Bafatá, arrozais inteiros no leste e no sul, agora ao abandono ou nas mãos da guerrilha, plantações de abacaxi, mato, comércio em várias localidades, uma das famílias com mais teres que havia naquela zona da Guiné. 

Morena, um metro e setenta para aí, alta para os padrões locais, cabelos loiros, olhos irrequietos, esverdeados, figura atraente, foi um ai mal se viram. O Luís entrou logo em casa, lá nisso ele fazia jus à imagem que tinha de não recuar perante nada, inimigo ou amigo, tanto se lhe dava. 
Até àquela altura, ao que se sabia até então, sempre mantivera alguma distância em relação às beldades locais, o eterno noivo da que lá na metrópole, pacientemente aguardava a chegada do seu mais que tudo. 

Nunca se souberam grandes pormenores de como evoluiu a relação, mas não é difícil a gente imaginar, o Luís a acabar a comissão, as forças a irem-se, as fraquezas a virem, e não se sabe mais porque o Luís não era de grandes falares sobre assuntos dessa natureza. 

Ia marcar a data, logo diria. Seria em Bissau, os pais dela iam tratar de tudo, falar ao Bispo, o Governador ou um representante deveria estar presente, outras autoridades do pró e do contra também, iria ser certamente o acontecimento social mais importante do ano na capital da Guiné. 
E os camaradas a olhar para ele, a magicar, isto é a sério? Uma coisa tão repentina, o tipo não estará embrulhado? Não será melhor a gente ver o que se passa? 

Juntaram-se cá fora na cidade, trocaram impressões, estabeleceram o plano principal e outro alternativo, o objectivo assente logo desde o início, todos de acordo que aquele casamento só se faria com o conhecimento antecipado dos pais do Luís, a não ser que o fizessem por cima dos outros dois alferes, que o Vilaça estava fora dos campeonatos todos. 

Abordaram com tacto o capitão. Desconfiado, olhos dentro dos óculos castanhos, não mostrou grande interesse no caso, que se tratava de um assunto particular e, em assuntos destes era partidário da não ingerência. 

Cá fora os dois, parecendo-lhes que do capitão não viria grande ajuda decidiram pôr a família ao par, os pais, claro. Jogaram à porra, calhou a um o cumprimento da missão, telefonar ao pai do Luís. 

Não queria acreditar, devia ser brincadeira deles. 
É verdade, doutor, sou eu que estou a falar. 
Senhor alferes, esse casamento não se faz, não se pode fazer, compreendeu? 
Tem que ser o senhor doutor a tratar do assunto, não podemos ser nós. 
Poucos dias depois soube-se que o capitão tinha chamado o noivo ao gabinete, que preparasse o grupo para uma estadia de uma a duas semanas, pelo menos, para a zona sul. 
Mas ainda agora regressámos de Farim e já vamos sair outra vez, meu capitão? 
E quem lhe disse que agora é o alferes que escala as saídas? 
Uma semana muito comprida para o Luís, quase até ao fim da comissão. E quando pôs os pés em Brá, não o perderam de vista, só o largaram quando o viram embarcar de regresso a Lisboa. 

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Ponto da situação em Brá

Os primeiros grupos, os 'Fantasmas', 'Camaleões' e 'Panteras', percorreram a Guiné de uma ponta a outra. Com o entusiasmo inicial, superaram tudo o que fossem dificuldades, empregaram-se a fundo, os resultados ultrapassaram as expectativas e eram vistos com muito apreço pelo Comandante Militar e pelo próprio Governador-Geral. 

Olha vão ali os gajos dos Comandos, a maralha a olhar para eles. Sabe-se como é, ganharam fama e respeito pelo trabalho que fizeram e por aquilo que contaram também. As comissões individuais e as baixas em combate ou por doença, começaram a fazer estragos, os grupos ficaram mais pequenos, era necessário começar novo curso de quadros, aproveitar os resistentes e formar novos grupos. 

O Major Dinis fora entretanto promovido e regressou a Lisboa.  Depois o Capitão Rubim tomara conta do Centro e foi o que se sabe. Não por incompetência militar, operacionalmente até era bem competente. Talvez uma certa dificuldade ou falta de paciência no jogo diplomático dos corredores do QG. As questões prendiam-se com a logística e com o emprego operacional dos grupos. 

Promessas e mais promessas. Resolveu bater com a porta, sem estrondo como era da sua maneira. Não se entenderam também uns com os outros, a história da Associação Comercial, os problemas disciplinares e os alferes também não ajudaram muito, a verdade tem que se dizer. 
De baixa estatura, o corpo maciço escondia uma robustez física incomum. Espantava num tipo daqueles, o jeito que tinha para o desenho, para as pinturas, para tudo que metesse mãos. O tempo vago passava-o a montar modelos de peças de artilharia, carros de combate, aviões de sonho, militares e civis, navios de guerra, desde patrulhas a porta-aviões. Tudo pintado nas cores dos originais, os nomes e tudo. Na saída, deixou-lhe ficar um porta-aviões, as outras maravilhas levou-as todas. 

Dois meses depois de ter tomado posse, o novo comandante de companhia estava a ver a história toda para trás, relatórios e actas nas mãos. 

Analisara a organização, o quadro orgânico, os efectivos, o sistema de recrutamento, as instalações, a alimentação, a administração, fardamentos, cargas. O estado moral, físico e disciplinar do pessoal. Os oficiais, sargentos e praças, os materiais, a instrução durante e depois do curso, as operações em que intervieram, antes e depois da sua tomada de posse, a forma como os grupos estavam a ser utilizados, tudo a pente fino. 

Apesar de ter poucos anos ainda como oficial, achava que, atendendo às circunstâncias próprias do povo português, o pessoal, entenda-se cabos e soldados, era quase sempre bom. Quando surgiam problemas, normalmente deviam-se à organização, frequentemente mal montada ou aos graduados, algumas vezes as duas coisas juntas. Neste caso dos Comandos da Guiné, os oficiais eram cruciais na organização, não se cansava de insistir. 

Saía com eles para o mato, acompanhava-os na instrução, fazia-lhes ver a importância do papel deles na organização, moralizava-os, até os tempos livres aproveitava para os acompanhar. 
Os alferes tinham colaborado e também neles sentiu a necessidade de falarem com ele. A agressividade incrível com que tinham sido formados e treinados, jovens de 20 e poucos! Como é possível que possam ter dois comportamentos tão distintos, no mato em contacto com o IN e umas horas depois com a PM e a população civil na cidade? 

E seria mesmo adequado que estivessem tão próximos de Bissau? Não seria mais sensato, e mais proveitoso até, que estivessem em Mansabá, em Nova Lamego, em Buba, ou num sítio desses? De quem fora a ideia, tê-los a meia dúzia de passos da cidade? 

Em alguns casos, não tinha dúvidas, tinham sido mal orientados, deixados ao sabor da intuição de cada um, sem a mínima directiva. Até achava que o produto final era positivo e, se tivessem tido orientação, os problemas disciplinares que ocorreram não teriam existido. 

Dos cinco alferes a que a companhia tinha direito, quatro comandantes de grupo e um adjunto, restavam-lhe agora dois, o sobrevivente dos chefes de grupo iniciais e o adjunto, o Caldeira, até então com mais experiência administrativa que operacional. E, pelo que tinha visto deles até agora, achava-os competentes, mereciam-lhe confiança, esperava que continuassem como até aqui na parte operacional, e se integrassem no seu estilo de comando. Contava com eles, eram as pedras base do edifício a reconstruir, dissera-lhes mais que uma vez. 

No relatório inicial que fizera para o Comandante Militar, adiantara várias propostas, pensara até que com tantas dificuldades, de tanto lado, se calhar não seria má ideia extinguir os grupos. O Brigadeiro refutou com o argumento de que, apesar de todas as dificuldades, os grupos até então existentes eram os que mais contactos tinham tido com o IN e com mais material capturado até à data. Vira os resultados das tropas especiais que a 3.ª Repartição tinha preparado para o brigadeiro, comparou-os com os fuzos, os páras e com os anteriores grupos de comandos.

 Contacto efectivo com o IN em mais de 80% das saídas para o mato. Ouvira o Brigadeiro dizer que não se podia esquecer que os Comandos, a maior parte das vezes, actuavam em áreas densas de IN, em grupos de 20 a 25 homens e às vezes menos, enquanto as outras forças não se metiam lá com efectivos inferiores a meia centena de homens. 

Nem um por cento do efectivo total das NT na Guiné, quase 10% das baixas totais causadas ao IN. Extingui-los? Não, a saída deve ser outra, o Brigadeiro a decidir-se por outra solução, para aproveitar o pessoal que restava. 

Concluíram a reunião assentando que deveria ser feito o recompletamento para manter o quadro orgânico, isolá-los em Brá, resolver a questão alimentar, ministrar o próximo curso e utilizar os grupos em operações específicas para Comandos e não para reforçar algumas guarnições em sector. 

O capitão regressara encorajado, sentira o apoio que andava a reclamar.  Depois mudou quase toda a organização administrativa, conseguiu mais praças para o recompletamento, arranjou cozinheiros, alimentação própria, obrigou-os a almoçar todos juntos, disciplinou as saídas, arranjou novas viaturas, melhorou as instalações, e conseguiu, o que não fora nada fácil, fazer aprovar as orientações e normas para o emprego dos grupos. 

Agora, todo este tempo passado, achava que valera a pena, que tinha feito bom trabalho. 
Os grupos melhoraram os resultados, os conflitos com a PM deixaram praticamente de ocorrer, nem um castigo fora necessário.

(Continua)

Texto e fotos: © Virgínio Briote
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Nota do editor

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