quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15152: História de vida (39): Voltar finalmente, não mais rico mas diferente (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Setembro de 2015:

Carlos e Luís 
Aqui vai alguma coisa para publicação se tiver interesse.
Junto envio fotos de Fátima que foram tiradas com um telemovel. Se não tiverem qualidade eu posso tira-las com uma máquina fotográfica.

Juvenal Amado


VOLTAR FINALMENTE 

Ora cá temos a chuva que tanta falta fazia, ainda assim sempre desagradável. O vento mais agressivo baixa as temperaturas e traz-nos notícias do Outono, com a as suas folhas castanhas a esvoaçarem e a entupirem os biqueirões, a provocarem pequenas inundações urbanas, uma vez que são essas zonas mais impermeáveis à custa do betão e do alcatrão.

Dirão alguns que só faltava este a queixar-se do alcatrão nas estradas, quando andamos a protestar há tantos anos com o maus estado delas, onde os buracos fazem perigar as direcções e suspensões dos nossos carritos, comprados a prestações e a temer que antes do seu pagamento integral, já tenhamos que fazer face a despesas com oficinas, que nos custam sempre os olhos da cara.

Mas já me alonguei com estas considerações para além do que me levou hoje, que o Sol já apareceu novamente, a ganhar formigueiro e escrever sobre várias coisas da vida, quase como acontece com as conversas de circunstância com o vizinho, sobre os dias em que esteve muito calor, ou “está um bocadinho de frio não está?” Ele responderá invariavelmente “que estamos no tempo dele”. É sempre assim.

Durante anos defendi que a nossa terra é o sítio em que moramos com conforto, onde temos segurança, onde ganhamos o nosso sustento, tantas vezes negado na terra donde somos originários. Reconheço agora, passados que são praticamente dezena e meia de anos de ter saído do berço natal, que não é assim e que a nossa terra é sempre aquela dos nossos pais, irmãos e onde nos criamos por mais trambolhões tenhamos tido. Morar num sítio e pertencer a outro, é pois uma realidade a que não escapei como milhares de portugueses que trabalham fora do nosso país por absoluta necessidade, mas esperam voltar ao seu rincão natal um dia, de preferência bem de vida como convém.

Há uns anos, muitos regressaram com os filhos, que embora não nascidos cá, os pais entenderam assim não os perder para um país que os acolheu, mas que não é o deles. É estranha a natureza humana, na verdade pois foram de cá embora porque não tinham futuro e tudo fazem para regressar, evitando que os filhos se separem das suas raízes ancestrais.

Já em Alcobaça conheci jovens que vieram da “estranja” enviados para casa dos avós, como forma de os subtrair a uma sociedade em talvez pais nunca se tivessem querido integrar.
Em Fátima, trabalhei com alguns desses jovens regressados por imposição dos pais, e na verdade, a diferença de educação escolar, alguma dificuldade com a nossa gramática, bem como o nível de empregos disponíveis, acabou por se saldar por uma má escolha, pois não conheci algum que passasse de caixa de supermercado, ou de trabalhador fabril em fábricas à beira da falência e com salários bem modestos.

Um vizinho meu, depois de alguns anos a tentar, acabou por voltar para França com a mulher e uma filha, uma vez que o filho já não regressou, casou e por cá ficou a trabalhar numa média superfície comercial, falhadas que foram as tentativas de integração na vida escolar com bons resultados. Vieram para ficarem juntos, mas como se vê não conseguiram. Da nova leva de portugueses a procurar lá fora melhores condições, melhores salários, vamos ter que esperar se voltam ou não e como vão proceder com os filhos.

Quando estava na Guiné cheguei a fazer planos de correr o Mundo com o meu amigo “ Aljustrel”, copiando talvez os hippies, vivendo aqui e ali, trabalhando quando fosse estritamente necessário, pois a vida e a liberdade eram para ser absorvidas como o Sol na cara, sem ter que pagar por essa dádiva. Ele em parte seguiu um caminho mais parecido com isso e navegou por todos os mares mais de 30 anos. Está claro quanto à subsistência foi muito diferente. Passados que foram as conversas e planos mais ao menos amalucados no posto de sentinela, quando regressei da Guiné, emigrar nunca me passou pela cabeça, casei, trabalhei arduamente para ter para mim e para a minha família bem estar, sem muitas exigências para além do que os meus princípios humildes e solidários impunham, lutei por construir um futuro na minha terra, dar há minha filha a hipótese de frequentar a universidade, atingindo assim o grau académico que lhe possibilitasse sair da velha realidade que filho de operário seria a seguir operário. Duvido hoje que tenha feito a opção certa em cá ter ficado e, cheguei a aconselhá-la a fazer pós graduação no estrangeiro, sabendo eu que tal abriria portas ao seu não regresso, talvez à impossibilidade do convívio com ela e com filhos que eventualmente viesse a ter.

Vidas e linhas que se cruzam, o problema é que não sabemos onde cada uma delas acaba . Hoje fiz como costume a minha caminhada pelas ruas de Fátima. Quase que me despeço delas, como o Verão se despede de nós, pois em breve deverei voltar para a minha terra, onde nunca deixei de pertencer. Caminho pela estrada de Minde, passo a rotunda Sul, meto pela alameda do Santuário, passo junto da Igreja da Santíssima Trindade, Correios, vou ladeando de um lado o Santuário, de outro as lojas minúsculas, que vendem velas para todas as alturas, pés, braços, corpos inteiros em cera, bem com toda a variadas de imagens, pagelas que a atestam a devoção de quem se lá desloca para pagar assim as promessas que fez em momento de aflição.
Sigo depois pela rua das lojas onde as vendedoras com sorriso afivelado sorriso esse que não chega aos olhos, nos convidam a entrar e onde se repetem as imagens talvez de melhor qualidade, juntamente com bonés e cascóis bem com camisolas do Cristiano Ronaldo, salpicadas aqui e ali por lojas chinesas, bem como a profusão de hotéis, capacidade que não tem parado de aumentar.










Ainda não sinto saudades porque não se pode ter saudades do Futuro, mas nestes anos vi as mudanças enormes desta terra que me acolheu e onde muito gosto de estar, perdi as transformações da terra para onde vou voltar, mas aqui estive sempre de passagem, lá estão as minhas raízes mais profundas, que vão desde as recordações e amigos de minha infância, às casas onde vivi, às ruas tantas vezes percorridas, para não falar dos sítios onde descansam para sempre os meus familiares que já partiram.

Na verdade tudo me puxa para lá novamente, passados que foram os anos de que alguma rebeldia e insatisfação me fizeram procurar uma vida de sucesso noutro local. Passados que foram os tempos do trabalho com tantos avanços e recuos, Não volto mais rico, volto sim diferente.

Um abraço
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14232: História de vida (38): José da Câmara um açoriano activo na comunidade açoriana de Stoughton, nos Estados Unidos da América

3 comentários:

Juvenal Amado disse...

Camaradas quando escrevi estava a chover e a bem chover, quem havia de dizer que o Verão se ia prolongar e que a nos ia apetecer era dar uns mergulhos e beber umas bem frequinhas.

Espero que o meu escrito não tenha feito ninguém cancelar as férias junto ao Mar

:-)

Um abraço e não se esqueçam dos óculos de Sol

Bispo1419 disse...

Gostei, muito. Grande abraço, caro Juvenal

Hélder Valério disse...

Caro Juvenal

Só agora me foi dado ler este teu trabalho.
Há nele um aparentemente grande desencanto. E porque não?
Se ao (quase) fim de uma vida de trabalho e de esperança no futuro, num Homem e numa Sociedade melhores, se assiste a um forte retrocesso da humanidade, como não se há-de estar assim desencantado?
E porque não procurar as raízes? Pode, como dizes, ter também havido alterações na 'terra natal', com as quais te possas agora não te identificar, mas não há mal em procurar.
Os meus pais, também depois de algumas voltas foram acabar os seus dias na aldeia natal (que, por acaso, também é a minha) e não se deram mal.

Li que andaste a percorrer as ruas de Fátima em jeito de despedida. Não digas 'nunca mais' pois isso depende de muita coisa e nem sempre se consegue controlar tudo.

Abraço
Hélder S.