terça-feira, 22 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15138: O nosso querido mês de férias (1): Maio de 1969: nessa altura o bilhete de ida e volta, na TAP, custava 4 mil escudos (Paulo Raposo, ex-alf mil Inf, MA, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Galomaro e Dulombi, 1968/70)

1. Testemunho de Paulo Raposo (ex-alf mil inf, com a especialidade de minas e armadilhas, da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Galomaro e Dulombi, 1968/70) (*)

Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997, pp. 31-35.(*)

[O Paulo Raposo com o pai, no Grande Hotel, em Bissau, numas miniférias; em maio de 1969, foi a vez do filho ir a Lisboa gozar sua licença de 30 dias]



FÉRIAS EM MAIO DE 1969

por Paulo Raposo


E chegou a altura das minhas férias. Eu recebia ao todo 6.600$00, dos quais ficava na Guiné com 2.200$00, e ainda me sobrava dinheiro pois não havia onde gastar. Os restantes 4.400$00 ficavam em Lisboa e o meu pai ia levantá-los à Estefânia. Nessa altura, o bilhete de ida e volta a Lisboa, na TAP custava 4.000$00 (**).

Pedi dinheiro ao meu pai, fiz a marcação das passagens, no Sr. Palma, o representante da TAP, em Bissau. De Bafatá para Lisboa fui na TAG [Transportes Aéreos da Guiné]. Ainda na pista e antes de embarcarmos no Heron, diz-me um rapaz que também seguia para Bissau, que aquele avião embora de alta segurança e usado para transporte do Eisenhower durante a guerra, tinha grande turbulência, mesmo com céu limpo. Julguei que ele brincava. Disse-me depois que era da PIDE. Mas era verdade. De Bafatá para Bissau, aquele avião parecia um canguru.

Chegado a Bissau, instalei-me no Grande Hotel para no dia seguinte, de madrugada, apanhar o avião para Lisboa. Com a excitação das férias, nada dormi naquela noite. De madrugada, levantei-me e tomei um táxi para o aeroporto de Biassalanca.

Conforme disse atrás, a TAP só ia a Bissau duas vezes por semana. Quando ia, era o dia do São Boeing. Toda a gente que prestava serviço em Bissau ia ver o avião, para ver quem chegava e quem partia, e encher os olhos com as meninas da TAP.

Já sentadinhos no Boeing 727, voámos para Lisboa. O voo durou 4 horas que nunca mais passavam. A alegria e a excitação eram tantas, que a bordo fechavam o bar. Vim a saber depois que isto era hábito especialmente nos voos da Guiné.

Curiosamente, depois do bar ter fechado, nós que já estávamos um bocado apanhados pelo clima, continuávamos a tocar nas campainhas do avião, mas sem sucesso.

Nesta altura dirijo-me ao que eu julgava ser um comissário, e digo-lhe que não são formas de tratar o pessoal que estava no buraco. Era o co-piloto, o Ricardo Silva Pires, e caímos nos braços um do outro. Hoje é um prestigiado comandante da TAP. Eu vivi até aos meus 10 anos na Rua João Penha, em Lisboa, e ele vivia mesmo do outro lado da rua. Chegava-se a casa dele através de umas escadinhas, onde julgo que hoje há um bar. Todos os dias o pai dele, que trabalhava na Papelaria Fernandes, nos levava para o Liceu Pedro Nunes.

Depois de dormitar um pouco para pôr em ordem o equilíbrio, chegámos por fim a Lisboa. Passada a alfândega, depois de termos escondido as garrafas de whisky, que custavam 75$00 na Guiné, lá estava toda a família e os amigos. Naquele tempo era assim. Menciono apenas alguns, a família Albarraque, Cardoso de Oliveira, Campos Rodrigues e Palma Carlos.

Meu pai mostrou-me o relógio dele. Desde a sua estada na Guiné ainda não tinha mudado as horas do relógio. Ainda não se tinha desligado da sua estadia em Bissau. Foi uma grande alegria ir para casa, tomar banho, dormir na minha cama, comprar o jornal, que subira de preço, para 1$50, e poder sair à rua sem perigo. Foram quatro semanas estupendas passadas no mês de Maio.

A 5.ª e última semana já não sabia ao mesmo. Comecei a contar os dias e novamente recomeçava a ansiedade. No princípio de Junho, à 1 da manhã, regressei no mesmo avião da TAP.

Durante estas férias morre a minha avó Ana, que vivia connosco. Parece que esteve à minha espera. Era uma Senhora muito especial, não sabia dizer mal de ninguém. Embora tivesse ficado privada de sair por efeito de uma trombose que tinha tido, tinha o quarto sempre repleto de visitas. Sempre foi assim toda a vida.

No aeroporto outra vez as despedidas, mas já não íamos para o desconhecido, já sabíamos o que nos esperava. De novo a família e os amigos de sempre a despedirem-se de nós. Vim a saber que depois de eu entrar para o avião, pois naquela altura assistia-se a tudo do varandim do 1.º andar do aeroporto, o meu pai ficou agarrado a uma coluna, a chorar como uma criança.

A viagem de regresso nada tinha de alegre. Dormi até chegarmos a Cabo Verde, de madrugada, para uma escala do avião. Comandava o avião o comandante Simões, visita de sempre da família amiga Simões de Almeida e Palma Carlos, relações que já vinham do tempo dos meus avós.
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Notas do editor:

(*) Excerto do poste de 21 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal

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