Nota do editor:
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
Guiné 61/74 - P25175: Faceboook...ando (51): seleção do álbum fotográfico de Nicolau Esteves, o "brasileiro de Cinfães", ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67) - II (e última)
Nota do editor:
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
Guiné 61/74 - P25174: (De) Caras (203): Nota solta (José João Domingos, ex-Fur Mil At Inf)
Nota solta
Caro Luís
Antes de mais as tuas melhoras.
Tenho tido pouca interação com o blogue mas não dispenso a sua leitura semanal. Gosto muito de seguir as publicações dos camaradas que habitualmente o fazem e que muito interesse me despertam.
Nesta altura do campeonato, em que só nos resta fazer a mala, vemos as coisas de forma diferente e, no meu caso, às vezes, assaltam-me momentos de lucidez que me espantam.
Sem preocupação de escalonar por importância é frequente concordar ou discordar de alguns “posts” ou comentários de outros camaradas sobre a temática da guerra na Guiné. Inibo-me de comentar por entender não ter grandes bases para tal até porque, e aí começa o problema, a guerra começou em 1963 e, naturalmente, as condições eram diferentes de 1973. Por outro lado, às comissões de 21/24 meses correspondiam da outra parte largos anos de guerrilha e o profundo conhecimento do terreno e a adaptabilidade ao mesmo.
Ainda na Metrópole senti que as coisas não eram levadas a sério. A vida continuava alegremente, excepto para os Pais que tinham filhos no Ultramar. Os irmãos já sabiam que mais tarde ou mais cedo iam lá parar, só não sabiam em que província e, portanto, havia que gozar a vida.
Em Leiria de passagem e depois a recruta em Santarém, onde encontrei gente de nível militar exigente mas sempre correcto, passei por Tavira onde encontrei um ambiente com ambições guerreiras mas perfeitamente anedótico onde cada um fazia o que o poder lhe permitia sem qualquer coerência.
Formação do batalhão no RI 15 em Tomar com destino à Guiné com muitos analfabetos e alguns “esperados” que, até um cego via, não tinham condições físicas para integrar uma companhia operacional.
Quando cheguei à Guiné, a Bolama, já que o “Niassa” ficou ao largo de Bissau e fomos transferidos diretamente para uma LDG (às cinco da tarde e chegámos a Bolama ao meio dia seguinte), e olhei para aquilo a primeira impressão que tive: “foi isto que estes gajos fizeram em 500 anos?”
Relativamente à guerra nunca pensei em ganhá-la porque, até outro cego via, que tal não era possível.
Descontando a diferença de armamento e da experiência em combate, com manifesta superioridade do adversário (digamos assim), o facto das unidades militares estarem em quadrícula (julgo que é assim que se diz) tornavam-nas num fácil alvo que permitia flagelações a partir das fronteiras dos países vizinhos, com intervalo para as refeições ou para satisfazer necessidades. Por vezes, apenas as valiosas intervenções das forças especiais no terreno permitiam algum descanso.
Por outro lado, as condições de vida nos aquartelamentos em que vivi eram desumanas e a fome era firme e constante, tal como a divisa do meu batalhão. Nunca percebi como é que uns se tratavam tão bem e outros passavam tão mal tendo em atenção que a dotação orçamental era semelhante.
Com o 25 de Abril a guerra na Guiné praticamente terminou tendo começado as negociações. A sobreposição do pessoal do exército colonial pelo PAIGC, pelo menos em Bissau, fez-se calmamente até Setembro, com a exceção da patifaria feita aos camaradas dos comandos africanos que ainda hoje me arrepia. Não estou em posição (nem quero) de julgar quem quer que seja mas aquela canalhice tornou a atormentar-me quando recentemente vi os Estados Unidos (e outros) abandonarem de um dia para o outro os seus colaboradores no Afeganistão.
Acabada a guerra, regresso à Metrópole, procura de emprego, constituição de família e luta constante para a sustentar o melhor possível, ambição natural de todos nós.
Após uma vida de trabalho, a almejada reforma (não venha por aí alguma patifaria) e o acompanhamento frequente dos netos, tarefa que se desempenha com alegria mas que denuncia algum cansaço próprio do avançar da idade (a pedalada começa a falhar).
Em consequência da reforma passei a receber uma prestação anual como ex-combatente que em 2023 foi de 171,90 € (em termos líquidos transformou-se em 107,90 €). Incomoda-me recebê-la por dois motivos: porque, afinal, grande parte é devolvida a quem a paga, isto é, dá com uma mão e tira com a outra, e porque não me faz falta, seria muito mais útil para reforçar o rendimento dos muitos que mais pecisados estão.
Também tive direito ao cartão de combatente que me permitiu ter um passe gratuito para os transportes urbanos (moro em Lisboa) que pode ser utilizado em toda a àrea metropolitana. Nas outras zonas do País não sei se é útil. Quanto ao PIN e à bandeira, dispenso. Contudo, não deixo de destacar a luta dos camaradas que o conseguiram.
Provavelmente, este arrazoado não tem interesse, mas é o que de momento se pode arranjar.
Um abraço
José João Domingos
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Nota do editor
Último post da série de 9 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25052: (De) Caras (201): O cap art 'comando' Nuno Rubim (1938-2023): fotos do meu álbum (Virgínio Briote, ex-alf mil 'cmd', cmdt Gr Diabólicos, Brá, 1965/67)
Guiné 61/74 - P25173: Faceboook...ando (50): seleção do álbum fotográfico de Nicolau Esteves, o "brasileiro de Cinfães", ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 797 (Tite, São João e Nhacra, 1965/67) - Parte I
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Cmdt: Cap Inf Carlos Alberto Idães Soares Fabião
Divisa: -
Partida: Embarque em 23Abr65; desembarque em 28Abr65 | Regresso: Embarque em 19Jan67
Em 20 e 26Abr66, por troca por fracções com a CCav 677, foi colocada em S. João mantendo o pelotão de Enxudé e destacando ainda um pelotão para Jabadá, de 13Mai66 até 30Mai66.
Em 16Jan67, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 1487, a fim de efectuar o embarque de regresso.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024
Guiné 61/74 - P25172: Historiografia da presença portuguesa em África (409): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (6) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2023:
Queridos amigos,
Depois de percorrer longamente a região Sul, o tenente da Armada Real identificou a nova porção de território da Guiné portuguesa, a península de Cacine, voltou a Bolama, aproveitou para fazer inventário, seguiu para o Casamansa, região que descreve primorosamente, mesmo recorrendo a documentação do colega francês, naquela data é hasteada a bandeira francesa, Portugal perde qualquer influência na região do Casamansa. Mas o tenente Costa Oliveira não se irá despedir de qualquer maneira, refere a importância de Bolor, está em ruínas, fará imensas considerações sobre o modo de desenvolver a Guiné, escreve com elegância, revela-se um observador atentíssimo. Pena é que este registo histórico não seja alvo de revisitação, que um estudioso procedesse a comentários à luz da atualidade, o mínimo que se pode dizer de tão precioso relatório é que ele faz parte do bilhete de identidade tanto da Guiné portuguesa como da Guiné-Bissau.
Um abraço do
Mário
Um documento assombroso: Viagem à Guiné Portugueza, por Costa Oliveira (6)
Mário Beja Santos
O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhem um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, oficial da Armada Real, comissário do governo para a delimitação das possessões franco-portuguesa da costa ocidental de África. Fez-se a viagem de Bolama até ao Sul, o Tenente Costa Oliveira não esconde o seu deslumbramento com tanta beleza natural e vai perseguir com as suas ricas observações que permitem ao leitor de hoje perceber o que era a vida no Sul não só da Guiné portuguesa como da Guiné francesa.
É um relato quase em forma de diário, percorre-se toda esta zona do Sul, no fundo a comissão francesa faz a entrega histórica à comissão portuguesa da região de Cacine e percorrem-se territórios da fronteira do lado ocidental. Regressa-se a Bolama e o relato agora é sobre o Casamansa, é a vez da comissão francesa ir tomar formalmente conta da região. Costa Oliveira cita o seu colega francês M. Brosselard, ele começa por enaltecer a importância de Ziguinchor, e temos depois comentários da descida do rio Casamansa e Zinguichor, aqui se deixa o registo dado o seu inegável interesse:
“Acima de Sedhiou (Selho, em português) pode subir-se a algumas milhas além de Dianah. Deste porto às origens a distância não pode ser vencida senão por canoas ou pirogas de fundo chato. De Adeane a Dianah as duas margens são revestidas de uma luxuriante vegetação e árvores gigantescas, principalmente em Yatacounda, onde as únicas clareiras que se encontram são ocupadas pelas aldeias. A enchente vai até Selho e facilita a navegação de cúteres e goletas da ilha de Gorée. Um vapor vai em doze horas da embocadura do rio a Selho, as embarcações de vela gastam três dias.”
A missão francesa voltou a 24 de abril no aviso Goëland a Ziguinchor e tomou posse da aldeia portuguesa que tinha sido evacuada alguns dias antes. O pavilhão francês foi arvorado no dia seguinte de manhã na presença dos principais habitantes e saudado com 21 tiros de peça regulamentares. Mas voltemos às observações do tenente da Armada Real.
Em Ziguinchor as habitações confortáveis são raras, o mais que se pode encontrar são três ou quatro casas de negociantes construídas à europeia, as outras habitações são cubatas bastante elevadas. A ocupação de Ziguinchor regula a questão da posse do Casamansa, que se tornou de facto num rio francês. Antes de tomar posse da aldeia portuguesa, os vapores vindos da Europa descarregavam em Gorée, onde recebia os produtos do Casamansa. Doravante, estes vapores virão diretamente às pontes de Ziguinchor, esta é uma pequena colónia que parece ser destinada a capital do distrito de Casamansa; Selho conservará a sua importância militar e Carabane será o posto aduaneiro do rio. Costa Oliveira continua a invocar dados de M. Brosselard e há aqui uma observação bastante curiosa:
“A população muitas vezes mostrou a respeito do seu governador uma antipatia que se traduzia por atos de revolta. Entretanto, os portugueses manifestavam grande tolerância, haviam mesmo deixado subsistir costumes e usos pouco admissíveis sob a proteção da bandeiro de uma nação civilizada; também um dos meus primeiros atos foi suprimi-los.”
Voltemos agora ao discurso direito do Costa Oliveira, ele também se deu ao trabalho de se pronunciar sobre o Casamansa:
“A barra do Casamansa é desabrigada, cheia de escolhos, de difícil acesso a todas as embarcações, particularmente às da vela. É por isso que toda a navegação de cabotagem é feita pelos rios Cajinolle e Elinkin, e principalmente por este, mais profundo e largo do que aquele. É também por este rio, o Elinkin, que facilmente se consegue introduzir contrabando na Guiné portuguesa, como vamos explicar. Nenhum português, desconhecido daquelas tribos, se atreve a desembarcar em Bolor, e com maior razão as autoridades aduaneiras, militares ou civis. Sendo assim, como é, qualquer negociante, de Cacheu, por exemplo, pode estabelecer os seus depósitos ou armazéns, na certeza de que o fisco não o irá perturbar com as suas exigências legais! Estabelecidos os depósitos longe da ação fiscal, o resto é simples e pertence às canoas que de noite, ocultas pelas sombras dos mangais, vão rio acima descarregar os artigos que pretendem furtar aos direitos, nas pequenas sucursais espalhadas pelas margens dos rios e esteiros.”
Ocupada Ziguinchor, reunidas as comissões, e depois de longos debates, assina-se finalmente o processo verbal, Costa Oliveira regressa a Bolama e fica à espera de um paquete que o conduza a Lisboa. É neste compasso de espera que ele vai omitir opiniões e apresenta propostas, é talvez um dos pontos altos em que se revela o seu poder descritivo:
“Naquele país sem outeiros nem vales por toda a parte se navega por entre muralhas impenetráveis de viçosíssimos mangais que tapam as margens, sotopostas às verdes palmeiras de dez castas diferentes, aos corpulentos poilões, aos elevados cedros e mil outras espécies de árvores tão antigas como o solo aonde prendem. A perspetiva exterior da Guiné é, pois, encantadora; mas assim como entre essas ramagens floridas se aninham venenosas serpentes, também à sombra desse arvoredo parado se aspiram miasmas que ameaçam morte; tudo está em resistir ao primeiro combate: a vitória fica segura para sempre.
É nesses plainos intermináveis e paludosos da Guiné portuguesa que correm os rios de S. Domingos, de Geba, do Corubal, o Grande de Bolola, o Tomboli (certamente o rio Tombali), o Cubac (?), o Combilham (Cumbijã) e o Cassini (Cacine).
Na embocadura do rio S. Domingos, em Chão de Felupes e no extremo de uma extensa praia de areia que para ali se estende desde a aldeia Jefunco, veem-se ainda hoje as ruínas do presídio de Bolor, que era formado por dois meios redutos horizontais e céspede e fachina sobre estacaria… miseravelmente tem caído em ruína pelo completo abandono em que tem estado aquele ponto, e, contudo, não merece tal desprezo: de toda a nossa Guiné é esta a posição mais saudável e para lá vão convalescer os doentes de Cacheu, por ser um solo de areia desassombrado de matas em derredor e exposto às virações frescas do mar; pela sua situação já indicada é ali que deveria estar a alfândega de Cacheu e talvez a força, como queria Gonçalo de Gamboa; embora ficasse Cacheu como está, uma feitoria fortificada, os habitantes aqui viveriam em perfeito sossego e livres dos contínuos rebates a que em Cacheu estão sujeitos, nada tendo a recear do gentio Felupe, que adora os brancos; além do muito arroz que se faz anualmente neste chão e de que se sustenta a praça de Cacheu (a qual morreria de fome se lhe faltasse o arroz de Bolor), concorre a este ponto todo o trato de cera e couros da grande região dos Felupes, e o da mata de Putama, o comércio de Ziguinchor por aqui passa forçosamente para ir a Cacheu e também é aqui a escala entre Bissau e Cacheu.”
O relato do tenente da Armada Real vai agora prosseguir com uma descrição muito rápida das lanchas que conviriam ao serviço da Guiné, seguir-se-ão ainda mais observações e, por fim, as conclusões, está praticamente no seu termo o relato admirável de alguém que foi assistir à chegada de uma porção de território, a região de Cacine, e ao fim da presença portuguesa no Casamansa.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 7 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25144: Historiografia da presença portuguesa em África (408): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (5) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P25171: In Memoriam (497): Maj Inf ref, Humberto Trigo de Bordalo Xavier (1935-2024): missa de corpo presente, amanhã, pelas 11h00, na igreja de Santa Cruz, em Lamego, seguindo depois o funeral para o crematório de Mangualde
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Notas do editor:
Último poste da série > 14 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25170: In Memoriam (496): Major Inf Humberto Trigo de Bordalo Xavier (1935-2024), ex-cap QEO, "ranger", CART 3359 (Jumbembém, 1971), CCAÇ 12 (Bambadinca, c. 1972) e CCAÇ 14 (Cuntima, c.1973), aqui recordado por Victor Alves (1949-2016), Joaquim Mexia Alves e António José Pereira da Costa; passa a integrar, a título póstumo, a Tabanca Grande, sob o n.º 884Guiné 61/74 - P25170: In Memoriam (496): Major Inf Humberto Trigo de Bordalo Xavier (1935-2024), ex-cap QEO, "ranger", CART 3359 (Jumbembém, 1971), CCAÇ 12 (Bambadinca, c. 1972) e CCAÇ 14 (Cuntima, c.1973), aqui recordado por Victor Alves (1949-2016), Joaquim Mexia Alves e António José Pereira da Costa; passa a integrar, a título póstumo, a Tabanca Grande, sob o n.º 884
Major inf Humberto Trigo de Bordalo Xavier, natural de Lamego (c. 1942-2024). Foto: cortesia de Joaquim Mexia Alves e da Associação de Operações Especiais
(i) O saudoso Victor Alves (1949-2016), que foi, no seu tempo, fur mil SAM na CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/73), escreveu sobre ele o seguinte:
Foram vários os factores que contribuiram para isso. Porém, o grande causador disso terá sido a vinda, para a CCAÇ 12, do Cap Humberto Trigo Bordalo Xavier, oriundo das Operações Especiais, e amigo pessoal de Spínola.
Ele soube muito bem provocar uma aglutinação e consequentemente uma união entre todos, ao ponto de estabelecer uma messe e bar para todos os militares da companhia oriundos da metrópole, sem distinção de posto...
Foi, na minha óptica, eata a principal razão da nossa união. Eu, por exemplo, como vagomestre e sempre que havia uma operação, por exemplo com saída às 4 da manhã, lá estava a dar pequeno almoço, pão quente e café à rapaziada que seguia. Assim como, mal regressassem, por exemplo, às 3 da tarde, tinham sempre a refeição com meio frango ou meio bife com acompanhamento à sua espera...
Foi isso que o Capitão pediu e foi isso que se fez. É evidente, dentro dos limites da guerra. Com fomos todos em rendição individual, nem sempre nos encontros conseguimos reunir todos, alguns já faleceram, outros emigraram e outros não vão porque... não.
Este ano conseguimos trazer mais duas presenças novas o que foi maravilhoso, foram eles o cabo radiotelegrafista Andrade, de Caldas da Rainha, e o cabo cripto Simões, de Lisboa. Isto quer dizer que não nos víamos há 37 anos, portanto foi muito bom.(...)
(ii) Joaquim Mexia Alves:
O Cap Bordalo Xavier, meu particularissimo amigo, é e foi na Guiné um homem de extraordinárias relações humanas, para além de um fantástico operacional, que conseguiu uma união notável com todo o pessoal, não só da CCAÇ 12 mas de outras unidades, como o meu 52.
Reside em Lamego, é major, obviamente na reserva, e é a alma da Associação de Operações Especiais. Infelizmente há muito que não contacto com ele, mas quero fazê-lo brevemente.
Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo à frente do Hotel das Termas e vejo para um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o Cap Bordalo.
Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado. A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.
Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao capitão para vir à rcepção por um motivo qualquer. Quando nos vimos, literalmente num abraço como que lhe peguei ao colo, (o Cap Bordalo Xavier é bem mais baixo do que eu, o que não é de espantar), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados.
O hall do Hotel estava cheio de gente que ficou muito espantada de me ver assim abraçado a um homem de barbas. Foi dos encontros mais emocionantes da minha vida!!! (...) (***)
(...) "Quando estava no Pel Caç Nat 52, junto a Bambadinca, tinha uma forte ligação à CCAÇ 12, não só operacional mas de amizade com todos eles, especialmente o Capitão Bordalo e os seus Alferes, de que infelizmente neste momento não me lembro do nome de nenhum.
"Para além das operações e outras actividades que íamos fazendo, sobrava-nos tempo para algumas loucuras, resultantes de algum cacimbo e do cansaço provocado pelo stress permanente, e por alguma incompetência, de quem deveria ser competente.
"Entre algumas de que lembro, fomos uma vez à noite, o Capitão Bordalo Xavier, os seus Alferes e eu, armados até aos dentes, de Unimog jantar ao Xime, pela estrada de todos conhecida e que naquela altura só se fazia em coluna protegida, mercê das emboscadas que nela tinham acontecido.
"Quando regressávamos, num alarde a roçar a loucura, talvez também ajudados por uns uísques, parávamos na estrada, no sítio das emboscadas, e voltados para a mata, aliviámos as bexigas.
"Foi um momento hilariante, mas muito intenso, que nos uniu ainda mais na amizade e companheirismo" (...). (****)
(iii) António José Pereira da Costa
Já fui a Lamego e tive dificuldade de comunicar com ele por estar completamente surdo. Encontrei-o no Clube de Lamego na sua paixão (jogar bridge).
Fui agradecer-lhe a ajuda que me deu no dia 10 de agosto de 1972, quando morreram 3 soldados da CART 3494. Os detalhes deste acontecimento estão no meu livro "A Minha Guerra a Petróleo" (Ed Chiado Books, fev 2019). (...)
Não tendo vantagem em ficar à beira do rio e debaixo de chuva torrencial, acabámos por "ser autorizados" a dirigirmo-nos a Bambadinca num percurso extremamente difícil pela bolanha. A certa altura começámos a ver uma luz para nos orientarmos. Era o Bordalo que, com um pequeno grupo da CCaç 12, trazia um petromax à cabeça para evitarmos as áreas mais alagadas.
Realizámos (a CART 3494) uma acção ("Garlopa II") com a CCAÇ 12, para Sul da zona da Ponta Varela. Fomos pela 2.ª vez a uma área que o In ocupava, usando a população como escudo humano. A CCAÇ 12 desceu pelo nosso lado direito em direcção ao Sul e, terminada a acção, retirámos pelas mesmas posições. Já no final houve um ligeiro contra-ataque sem consequências.
Sei que participou no 25 de Abril, mas não sei em que moldes. Depois de Abril, encontrámo-nos em Coimbra quando os oficiais da guarnição do Norte vieram pôr-se às ordens do brigadeiro Charais e alguns anos no breve contacto no Estado-Maior do Exército.(...)
O saudoso cap inf op esp QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier , natural de Lamego, no TO da Guiné, foi comandante de: (i) CART 3359 (Jumbembém, 1971/73),, subunidade do BART 3844, "Bravos e Sempre Leais" (Farim, 1971/73; (ii) CCÇ 12 (Bambadinca, c. 1972); e CCAÇ 14 (Cuntima, c. 1973).
A Ordem da Liberdade, criada em 1976, destina-se a "distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação da Pessoa Humana e à causa da Liberdade". (*****)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25169: In Memoriam (495): major inf ref Humberto Trigo de Bordalo Xavier, ex-cap op esp QEO, CART 3359 (Jumbembém, 1971), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1972) e CCAÇ 14 (Cuntima, 1973); era natural de Lamego (c. 1948-2024) (Joaquim Mexia Alves)
(**) Vd. poste de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1832: Convívios (15): CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971-73), 2 de Junho de 2007, Azeitão: o 34º encontro anual (Victor Alves)
(*****) Vd. poste de 18 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24411: (In)citações (250): Sou amigo do ex-cap QEO Bordalo Xavier, ex-cmdt da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72); fui a Lamego pagar-lhe uma dívida de gratidão; sei que participou no 25 de Abril de 1974 mas não sei qual foi o seu papel (António J. Pereira da Costa, cor art ref)
Guiné 61/74 - P25169: In Memoriam (495): Major Inf ref Humberto Trigo de Bordalo Xavier, ex-cap op esp QEO, CART 3359 (Jumbembém, 1971), CCAÇ 12 (Bambadinca, 1972) e CCAÇ 14 (Cuntima, 1973); era natural de Lamego (1935-2024) (Joaquim Mexia Alves)
A triste notícia foi nos dada pelo António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAÇ 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974)].
Foi ele que nos reencaminhou para a página do Facebook do Joaquim Mexia Alves, cujo texto se reproduz com a devida vénia:
Sou hoje confrontado com o falecimento do “meu capitão” Bordalo, que nunca chegou a ser “meu capitão”, mas era e foi sempre o meu capitão Bordalo.
Quando fui enviado a comandar tropas guineenses, muito especialmente o Pelotão de Caçadores Nativos 52, conheci em Bambadinca o então cap Bordalo, que era o comandante da Companhia de Caçadores 12, constituída também por militares guineenses, enquadrados por oficiais e sargentos da então metrópole.
Ambos tínhamos o curso de Operações Especiais (ele bem antes de mim), hoje conhecidos como Rangers.
A amizade entre os dois foi imediata e a nossa maneira de ser e de pensar tornou-nos extremamente unidos.
O capitão Bordalo era um homem simples, sem alardes (como são sempre os grandes homens), e um combatente extraordinário, que galvanizava as suas tropas por ser sempre o primeiro a liderar, mas também o primeiro a defender aqueles que estavam debaixo das suas ordens e, isso mesmo, incutiu em mim, o que nos trouxe alguns “amargos de boca” com alguns superiores nossos.
Nunca servi directamente sob as suas ordens, mas fizemos algumas operações militares conjuntas da sua CCaç.12 com o meu Pel Caç Nat 52.
Numa altura em que as condições de vida a que eu com outros estávamos sujeitos, o cap Bordalo foi o garante da minha “sanidade mental”, com o seu apoio sempre próximo, franco e amigo.
Retenho na memória, há uns anos em Monte Real, quando eu estava ao fim da tarde a jogar ténis no campo frente ao Hotel das Termas e vejo parar um carro e dele sair uma pessoa que me pareceu o cap Bordalo.
Achei que não podia ser, mas roído pela curiosidade pedi desculpa ao meu parceiro e fui perguntar ao porteiro do Hotel quem era a pessoa que tinha chegado.
A resposta deu como certa a minha suposição. Não o via desde a Guiné.
Imediatamente pedi ao porteiro que ligasse para o quarto e pedisse ao capitão para vir à recepção por um motivo qualquer.
Quando nos vimos, demos num abraço em que literalmente lhe peguei ao colo (o cap Bordalo Xavier era bem mais baixo do que eu), e ficámos ali não sei quanto tempo abraçados, com as lágrimas nos olhos.
O hall do Hotel estava cheio de gente, que ficou muito espantada por me ver assim abraçado a um homem de barbas.
Passados uns tempos, recebi uma convocatória para um encontro de Rangers em Lamego e decidi meter-me no carro e fazer a viagem.
Quem estava a receber os camaradas de armas era, como não podia deixar de ser, o então major Bordalo.
Mais um abraço daqueles que faz tremer o chão, e a “obrigação” de imediatamente me fazer sócio da AOE – Associação de Operações Especiais que, com um padrinho como ele, não podia de forma nenhuma recusar.
Seguiram-se anos de vários encontros em Lamego, até que a vida com as suas voltas, não me permitiu, ou eu não me disponibilizei para isso, e deixámos de nos encontrar.
Repetidamente me prometi a mim mesmo que iria a Lamego dar-lhe um abraço novamente e repetidamente o comodismo me “impediu” de o fazer, o que hoje, neste dia, me dói verdadeiramente no coração e na vida.
Podia ficar horas a escrever, a falar sobre o cap Bordalo, de como ele era um homem de coração grande, como era um verdadeiro comandante que comandava pelo exemplo, como era um amigo sempre pronto a me apoiar, mas também a fazer ver os erros que eu ia cometendo, como me safou de levar uma punição pela minha forma de reagir a ordens sem sentido, enfim, de como me fez mais homem, mais militar, mais oficial, mais amigo.
Ontem escrevia sobre as lágrimas. Hoje as lágrimas são minhas, e sim, um homem chora e eu choro a saudade de um homem bom que tornou a minha vida melhor.
À sua família o meu sentido abraço.
A ti (agora trato-te por tu), meu capitão Bordalo, até já, quando nos encontramos no cantinho do céu que recolhe os Rangers no seu eterno descanso
Marinha Grande, 13 de Fevereiro de 2024
Joaquim Mexia Alves
Publicado em: https://queeaverdade.blogspot.com/
e na página do Facebook do Joaquim Mexia Alves (14 de fevereiro de 2024, 15:08)
(Seleção / revisão e fixação de texto / itálicos: LG)
Nota de LG: O ex-Alf Mil Op Esp Joaquim Mexia Alves esteve na Guiné, entre dezembro de 1971 e e dezembro de 1973, tendo pertencido à CART 3492 (Xitole), ao Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa). Nunca esteve sedeado em Bambadinca, mas sim no Rio Udunduma e no Mato Cão, destacamentos do Sector L1 (Bambadinca). Ia de vez em quando à sede do Batalhão (BART 3873, 1972/74), a que estava adida a CCAÇ 12, do Cap QEO Xavier Bordalo.Sabemos que o Cap QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier, natural de Lamego, começou por ser, no CTIG, o comandante da CArt 3359 (Jumbembém, 1971/73), do BART 3844, "Bravos e Sempre Leais" (Farim, 1971/73. Foi depois substituído pelo Cap Mil Inf Francisco Luís Olay da Silva Dias.
Foi igualmente, neste período, o 3º comandante, por ordem cronológica, da CCAÇ 12 (1969/1974), mas em data que não podemos precisar (1971/72, ou 1972/73), subunidade da guarnição normal do CTIG que teve os seguintes comandantes, por ordem cronológica:
Cap Inf Carlos Alberto Machado de Brito (maio 69/março 1971);
Cap Inf Celestino Ferreira da Costa;
Cap QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier;
Cap Mil Inf José António de Campos Simão;
Cap Mil Inf Celestino Marques de Jesus.
A CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime) foi extinta em 18/8/1974.
Cap Inf José Luís de Sousa Ferreira
Cap Inf José Augusto da Costa Abreu Dias
Cap QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier
Cap Inf José Clementino Pais
Cap Inf Mário José Fernandes Jorge Rodrigues
Cap Inf Vítor da Silva e Sousa
Alf Mil Inf Silvino Octávio Rosa Santos
Cap Art Vítor Manuel Barata
Fonte: CECA, 7.° Volume, Fichas das Unidades, Tomo II
Guiné, 1ª edição, Lisboa, 2002.
Recordaremos aqui, em próximo postel as referências elogiosas que lhe foram feitos em vida por camaradas que o conheceram de mais perto (Victor Alves, António José Pereira da Costa, Joaquim Mexia Alves...). Para já deixamos aqui a expressão da nossa tristeza e os votos de condolências à família natural e à família "ranger".
___________Nota do editor: