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quinta-feira, 6 de março de 2025

Guiné 61/745 - P26558: O melhor de... Valdemar Queiroz (1945-2025) - Parte II: a chegada do homem à lua, a arte do desenrascanço do 'tuga' e eu parado no meio do Geba Estreito num "barco turra", cheio de sucata, a caminho de Bissau



EUA > NASA > 14 de abril de 1969 > A tripulação da missão Apollo 11, da esquerda para a direita: Neil A. Armstrong, comandante; Michael Collins, piloto do módulo de comando; e Edwin E. Aldrin Jr., piloto do módulo lunar. Foram os primeiros seres humanos a caminhar na superfície da lua. Em 20 de julho de 1969. Fonte: NASA Human Space Flight Gallery. Imagem do domínio público,. Cortesia de Wikimedia Commons.



Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > 21 de julho de 1969 > "Efeméride: no dia que o homem chegou à Lua, eu descia o rio Geba (Bambadinca-Bissau, com passagem no célebre Mato Cão e depois na não menos temível Ponta Varela, a seguir ao Xime)... Era um barco fretado para levar material usado da tropa. Estivemos parados várias horas: primeiro por causa da maré, depois devido a avaria no motor do barco só resolvido (desenrascado) com uma peça sacada dum carro que seguia no barco para sucata. Viagem inesquecível, até ao fim da minha vida!" (*)




Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel  > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > 21 de julho de 1969, dia em que o homem chegou à lua... O Valdemar vai a caminho de Bissau, num barco civil, daqueles a que chamávamos, depreciativamente, "barco turra". (*)


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]



A CHEGADA DO HOMEM À LUA E A ARTE DO DESENRASCANÇA DO 'TUGA'



  − Estamos tramados, partiu-se uma peça do motor. Não vamos sair daqui tão cedo.

− Estou a ver que sim. Talvez se desenrasque alguma peça naquela sucata.

Diálogo entre o mestre do barco e um soldado da metrópole, depois de estarmos parados há algum tempo e já noite dentro, no meio do rio Geba Estreito, antes de passarmos no Xime, apenas interrompido pela transmissão na rádio da chegada do homem à Lua.

−  É um pequeno passo para o homem e um salto de gigante para a humanidade  disse o astronauta americano Neil Armstrong ao pisar o solo lunar.

Faz hoje 50 anos (*). Foi nas primeiras horas dia 21 de Julho de 1969,

Durante o dia 20, em Contuboel, completada a nossa CART 2479 (futura CART 11 e, mais tarde, CCAÇ 11), com os soldados africanos que tinham acabado a instrução, seguiu para Piche e eu fui destacado para ir a Bissau entregar material já usado,  utilizado na instrução de recrutas africanos.

A viagem rio Geba abaixo, de Bambadinca a Bissau, foi feita num barco civil de carga/passageiros (vulgo ‘barco turra’) que rebocava, em comboio, mais dois barcos pequenos carregados de várias mercadorias, sacos de mancarra, automóveis sinistrados e passageiros civis e alguns militares em serviço, de regresso ‘à peluda’ ou de férias.

O barco parou com problemas no motor pouco tempo depois da saída de Bambadinca, na zona do Geba Estreito, parando ao cair da noite e antes de se passar no Xime. 

Estávamos parados, já há horas, sem ninguém se aperceber do motivo, aproveitando para ouvir na rádio a pilhas a chegada do homem à Lua.

Alguns de nós não acreditavam no que ouviam, outros davam mais importância ao local em que nos encontrávamos sem saber se alguém nos fazia segurança em terra, apenas apercebendo-nos de estarmos próximo das margens, ao avistar uma luz brilhante no meio da mata e sem paciência para afugentar os mosquitos.

O nosso soldado lá conseguiu desenrascar uma peça, julgo que seria um parafuso, num dos carros sinistrados,  e que, talvez por ter sido sacada dum Peugeot e o motor do barco ser de marca francesa, adaptou perfeitamente para pôr o motor a trabalhar, embora continuássemos parados, aguardando agora a maré favorável.

E lá seguimos viagem, com a luz brilhante na mata que aparecia e desaparecia cada vez mais longe (o serpentear do percurso do rio fazia com que se avistasse o mesmo local de distância diferente), entrando no Geba largo, já ao nascer do dia,  e ainda faltando algum tempo de Bissau à vista, para o desembarque.

Não me recordo bem de ter ouvido alguém falar dos avanços da Ciência com a chegada do homem à Lua ou outra conversa sobre a atribulada viagem, mas hoje, passados 50 anos, posso gabar-me de ter ouvido a chegada do homem à Lua no meio da rio Geba, na Guiné, e presenciado um momento alto da extraordinária arte do "desenrasca" dos portugueses.

Inesquecível.

Valdemar Queiroz 
 (**)

___________________

(ii) constituiu-se no RAL 5 em Penafiel, no ano de 1968, como subunidade do BART 2866, desmembrando-se desta unidade em fevereiro de 1969, e embarcando com destino à Guiné no dia 18, aonde chegou a 25 do mesmo mês;

(iii) o percurso operacional da CART 2479 na zona leste, foi longo, fixando a sua sede em Nova Lamego, no Quartel de Baixo em setembro de 1969;

(iii) passou por Contuboel, Bissau, Contuboel, Piche, Nova Lamego, Piche;

(iv) comandante: cap mil art Analido Aniceto Pinto (1/6/1934- 27/2/2014) (trabalhou na Galp Energia, foi colega do António Levezinho);

(v) foi extinta em 18 de janeiro de 1970, passando a companhia a designar-se CART 11 [, tem cerca de 8 dezenas de referências no nosso blogue];

(vi) em maio de 1972 a CART 11 (tem d. 120 referências no blogue) passou a designar-se CCAÇ 11 [tem cerca de 4 dezenas de referências]. 

(vii) de 12 de narço a 24 de maio de 1969, no CIMC - Centro de Instrução Militar de Contuboel fizeram a recruta os seus futuros soldados, do recruramento local, bem como os da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12);

(viii) o juramento de bandeira  realizou-se em Bissau em 26/4/1969, na presença do Com-chefe, o gen Spínola;

(ix) as duas futuras companhias faziam parte da chamada "nova força africana" que estava então em formação e era muito acarinhada por Spínola;

(ix) em 18 de julho de 1969, a CART 2479 / CCART 11 foi colocada em Nova Lamego e emPiche, e a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 em Bambadincam, finda a instrução de especialidade e a IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (,dadas no CIMC).

__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

21 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19999: Efemérides (309): Há 50 anos o homem chegava à lua... e eu ia caminho de Bissau, num "barco turra" que parou, no Geba Estreito, com uma avaria...Valeu-nos o proverbial "desenrascanço tuga"... Viagem inesquecível até ao fim da minha vida! (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


(**) Último poste da série > 4 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26550: O melhor de ... Valdemar Queiroz (1945-2025) - Parte I: (i) na morte do Renato Monteiro (1946-2021); (ii) Guiro Iero Bocari, o meu epílogo da guerra

quarta-feira, 5 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Não posso esconder que é quase num completo desfastio que ando a folhear estes Boletins Officiais de fim de século, os trâmites administrativos parecem dominar tudo, quem lê número após número pode ficar na ilusão de que a província está pacificada e gradualmente ocupada pela administração portuguesa. Até em 1900 se dá a notícia de que vai haver o primeiro recenseamento da população. Procurando tirar a prova dos nove, procurei ler ao pormenor que Armando Tavares da Silva escreve no seu trabalho gigante intitulado A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926 quanto à governação de Herculano da Cunha, percorre a província de um lado para o outro, informa o ministro que é saudado em todos os pontos entusiasticamente, foge às expedições militares, tem pouquíssimos efetivos e em geral gente desordeira. Se é verdade que em determinados períodos o Boletim Oficial constitui um documento esclarecedor no caso presente é um puro encobrimento das tensões e dificuldades sem número em que vivia a Guiné.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25)


Mário Beja Santos

Tenho dado a saber ao leitor que os últimos anos da década 1890 e o início do novo século registam com estranhíssima parcimónia os acontecimentos políticos que a Guiné teve. Os Boletins Officiais estão enxameados da legislação do Governo Central, tratados internacionais, e quanto ao que se passa no burgo são as costumadas nomeações e exonerações, chegadas e partidas, publicação do orçamento da província, relatos sanitários das principais povoações, etc. Vou aqui registar o que me parece mais curioso de 1900 e do início de 1901 e contrapor com a listagem de eventos que Armando Tavares da Silva elenca no seu importante acervo documental intitulado "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", 2016.

No Boletim n.º 10, de 10 de março de 1900, o boletim recolhe uma portaria do Governador Álvaro Herculano da Cunha que reza o seguinte:
“Tendo-me o régulo de Antula em abril do ano findo tido para se levar a efeito a ocupação do seu território, o que eu lhe havia prometido; e
Tendo, quando agora me veio cumprimentar, por ocasião da minha visita a Bissau, renovado o seu pedido e solicitado o cumprimento da minha promessa;
Atendendo às vantagens de ordem económica, política e administrativa, e do prestígio que, para o nosso domínio, advém da referida ocupação: hei por conveniente determinar que se ocupe o referido território, estabelecendo-se ali um posto militar de força oportunamente determinada.”


Em Lisboa, era aprovado o regulamento disciplinar das forças militares ultramarinas que veio publicado no Boletim Official n.º 31, de 4 de agosto desse ano. Não deixa de ser curioso o que ali se escreve e como tais preceitos chegaram aos nossos tempos de oficiais, sargentos e praças naquelas décadas de 1960 e 1970: a disciplina consiste na estrita e pontual observância das leis e regulamentos militares; para que a disciplina constitua a base em que judiciosamente deve firmar-se a instituição armada, observar-se-ão rigorosamente as seguintes regras fundamentais – obediências pronta e passiva, ficando o superior responsável pelas ordens que der; em ato de serviço a obediência é sempre devia ao mais graduado e na concorrência de militares com a mesma graduação ao mais antigo; todo o militar deve sofrer com resignação as fadigas e privações, conservando-se intrépido dos perigos, generoso na vitória e ciente na adversidade; todo o militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da religião, da virtude e da honra, amar a pátria, ser fiel ao Rei, guardar e fazer guardar a constituição política da monarquia, etc. etc.

Estamos agora em 1901 e o Boletim n.º 13, de 30 de março, publica um conjunto de portarias que nos levam a saber que houve uma operação em Jufunco. O 1.º tenente da Armada, Bernardo de Melo e Castro Moreira, comandante da canhoneira Cacongo, prestou relevantes serviços aos Governo, coadjuvando-o com inexcedível zelo na expedição contra o gentio rebelde de Jufunco, bombardeando eficazmente as povoações dos revoltosos, facilitando assim o desembarque dos Grumetes e concorrendo, portanto, para a vitória obtida; o 2.º tenente da Armada, Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, comandante da lancha-canhoneira Flecha, prestou relevantes serviços ao Governo, bombardeando eficazmente as povoações do revoltosos; são louvados os oficiais e praças da canhoneira Cacongo e lancha-canhoneira Flecha pela dedicação e boa vontade com que concorreram para o bom êxito da expedição contra o gentio rebelde de Jufunco. Os louvores não ficaram por aqui, foram extensivos ao comandante militar de Bissau, ao comandante militar de Cacheu e até ao diretor da alfândega em Bolama.

Fica-se com a noção de que lidos desgarradamente estes pontos aqui e acolá ao longo destes anos a Guiné parece trilhar na serenidade, foram minimizados os conflitos, pacificado o Forreá, crescem os postos militares, enfim, a ocupação do território vai de vento em pompa. Hora as coisas não se passam exatamente assim como conta Armando Tavares da Silva a partir da página 431. Herculano da Cunha não tem meios para se envolver em qualquer operação militar, viaja muito pelo território. A ilha de Bissau mantém conflitos interétnicos, rivalidades entre os régulos. O Governador fugiu sempre à resolução dos problemas da província que pudessem envolver as operações militares, escreve para Lisboa que procura exercer um magistério de influência para evitar guerras, sobretudo nos regulados da margem direita do Geba. Quando visita o Forreá, recebe queixas dos régulos; no regresso de Geba viaja até ao Xime, cujo régulo foi por ele repreendido asperamente por ter batido a uma sua mulher com um chicote e que agora vinha reclamar que fugira, tinha o desplante de pedir ao Governado que atuasse.

E assim chegamos à questão de Jufunco de que registei os louvores. Tudo começara quando se admitiu a possibilidade de impor à população o pagamento de tributos, a resposta foi o descontentamento. Herculano da Cunha queixa-se sempre que não tem tropas em qualidade e quantidade, a indisciplina é geral, as forças da província são compostas de deportados, há poucos oficiais, quando se pretende punir Jufunco, a estratégia foi bombardear as povoações e só depois intimidá-las, nada de combates em campo aberto.

As queixas contra o estado em que se encontrava a administração da província eram muitas. A população de Bolama enviou ao rei uma petição na qual pediam que Bolama fosse novamente administrada por uma câmara municipal. Os Bolamenses consideravam que estavam votados ao abandono. Eram inúmeras as carências em tudo o que era público: arruamentos, pavimentação, muros, iluminação, cemitério, prisões.

Vindo de Lisboa, Herculano da Cunha continua as suas visitas e cumprimentos de régulos. Os governantes em Lisboa devem-se ter fartado desta inoperância, Herculano da Cunha será exonerado em maio de 1900. Na véspera de deixar a Guiné envia para Lisboa um oficio em que, devido aos ataques dos Balantas de Nhacra aos Brames, pedi autorização para bombardear o território dos Balantas, isto na véspera de partir.

É nos meses finais desta governação que se inicia uma nova fase dos trabalhos de demarcação da fronteira com os territórios vizinhos de administração francesa. Tudo correu mal logo no início, isto em 1888, os delegados franceses pretendiam que se fizesse uma alteração à Convenção de 1886, substituindo o Cabo Roxo pela Ponta Varela, de onde partiria a linha de fronteira, os delegados portugueses rejeitaram a proposta. Em 1899, há novos trabalhos de demarcação, do lado português estão Oliveira Muzanty e Telles de Vasconcelos, começam pela fronteira sul, nova rutura nas negociações, os franceses queriam entrar em territórios no Forreá, só em finais de 1902 os trabalhos de demarcação serão retomados, mas o mais importante, a fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu será objeto de uma nova missão, em janeiro de 1904.

Como o leitor pode constatar entre a linguagem cinzenta da burocracia e o que se passava na província política, militar e económica, a distância era um abismo.

Nomeação do Governador em 1900, Judice Biker
Em 1897, o novo Governador chama-se Álvaro Herculano da Cunha
Oficinas da Sociedade Comercial Ultramarina, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
Serração do Sonagui, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
A Casa Gouveia em Bissau, 1920

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26530: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26556: Efemérides (451): Memórias do dia 2 de Março de 1970. O infortúnio levou a que o Fur Mil António Carvalho da CCAÇ 14, numa acção de neutralização de minas antipessoais, calcasse uma não detectada (Eduardo Estrela, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada Eduardo Estrela, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2592/CCAÇ 14, (Cuntima e Farim, 1969/71) com data de 4 de Março de 2025:

MEMÓRIAS

Eram mais ou menos 9 horas da manhã. Dois grupos de combate (ou três?) já não me lembro bem, tinham saído de Cuntima para interditarem os carreiros de infiltração do corredor de Sitató, que o PAIGC utilizava para reabastecer as suas forças no interior da Guiné. Naquela zona operacional estavam permanentemente no mato, por períodos de 48 horas, 2 ou mais grupos de combate. Na cabeça da coluna seguia um camarada do pelotão de milícias de Cuntima. Após o atravessamento do rio de Camjambari e ligeiramente a norte/noroeste da tabanca abandonada de Cabele Uale foram detectadas 8 minas anti pessoal.

O António Carvalho, que comigo completava os Fur Mils do 3.º grupo da CCaç 14, começou a executar o levantamento das malditas. Levantou 4 e quando se preparava para a 5.ª, calcou a puta da mina que não tinha sido detectada. Eram 9.

Um pandemónio, pedido de evacuação à força aérea e um jovem mutilado numa merda duma guerra feita em nome da pátria e em defesa de interesses que extravasam o respeito que a mesma nos merece.
Ainda hoje nos atormenta a questão da mina não detectada.

Posição relativa Cuntima-Tabanca de Cabele Uale
©Infogravura LG&CG - Carta Colina Norte 1:50.000

Passaram 55 anos após esse maldito 2 de março de 1970. O António Carvalho tem uma história que já me contou, de em Cuba ter sido abordado numa praia por um indivíduo que lhe confessou ter sido combatente na Guiné e ter estado nessa altura na nossa zona de Intervenção. Gostaria que ele próprio a contasse aqui no blogue mas sei que talvez seja difícil já que o Carvalho tem receio de ferir susceptibilidades com coisas que possa vir a mencionar, deste e doutros casos. Este deveria ser o local da verdade e do politicamente incorrecto mas... há resistências que prevalecem.

Para o camarada António Manuel Gaspar de Carvalho o meu abraço fraterno e que continue a ser protegido pelos bons irans.

Eduardo Estrela

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Nota do editor

Último post da série de 6 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26467: Efemérides (450): 6 de fevereiro de 1969, o desastre do Cheche: quando os relatos de futebol eram dados em direto, e efusivamente, e a guerra em diferido, resumida a telegráficas notas oficiosas

Guiné 61/74 - P26555: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (11): A fome era má conselheira... e apertava mais no tempo das chuvas, em Sangué Cabomba, subsector de Cancolim




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Carta de Bafatá (  1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Bafatá e de Sangué Cabomba a sudeste, na estrada para Galomaro e Cancolim

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)



1. O Rui Felício, um dos históricos da Tabanca Grande, é autor da série "Estórias de Dulombi", de que se publicarm 10 postes, até abril de 2013 (*). 

Está na altura de dar continuidade à série, com mais algumas "estórias" que vamos recuperando da sua página do Facebook...

 É o caso desta, que merece honras de blogue. Levou-nos algum tempo a descobrir onde ficava Cabomba. Afinal, já cá tínhamos o descritor, Sangué Cabomba. 

Espero que o Rui  não se zangue por este "roubo", que não é descarado, é discreto, sem á G3...  Digamos que é uma estória "emprestadada", já que ele se "esqueceu" de a mandar para o blogue..  É uma estória deliciosa, como é norma do autor, e que para mais envolve um outro histórico do nosso blogue, a quem saúdo: o nosso Paulo Raposo (também ele tem andado arredio das nossas lides bloguísticas). 

Um e o outro foram alf mil da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Dulombi, 1968/70). 

Vivam os "baixinhos de Dulombi"!  (Era a divisa da companhia, que pertencia ao batalhão a que eu estive adido um ano em Bambadinca.)


A DIFICIL SOBREVIVÊNCIA NA GUINÉ

Por Rui Felício


Cabomba era uma tabanca estrategicamente situada num entroncamento de picadas que ligavam Galomaro e Bangacia a Cancolim. O Paulo Raposo que antes tinha estado destacado em Campata, foi deslocado com o seu pelotão para este novo local.

Há mais de quinze dias que as chuvas tropicais intensas não paravam de varrer a zona, tornando intransitáveis os caminhos, impossibilitando o reabastecimento de viveres armazenados em Bafatá e Galomaro.

As reservas alimentares estavam na penúria e havia trinta soldados para alimentar. O Raposo, sensível a garantir o mínimo de bem-estar possivel aos militares sob a sua responsabilidade, vivia a cada dia uma preocupação maior.

Certa manhã, ciente de que tinha de encontrar uma solução de emergência, depois de em dias anteriores ter tentado sem sucesso vencer o lamaçal da picada para Galomaro, decidiu dirigir-se a uma pequena tabanca das imediações, montado num pequeno Unimog juntamente com meia dúzia de soldados.

Lá chegado, falou com o chefe da tabanca,  que sabia possuir algumas vacas. Propôs-lhe que lhe vendesse uma delas, mas o homem recusava terminantemente desfazer-se de qualquer uma das suas vacas, que, aliás, eram um sinal de riqueza do proprietário e que dela, teimosamente, não abdicava.

O Raposo insistiu, oferecendo-lhe um valor justo pela compra. Mas o chefe de tabanca estava irredutivel. Não era uma questão de preço. Simplesmente, não a queria vender.

Já impaciente, o Raposo invocou a sua autoridade militar e a necessidade absoluta de levar a vaca. Pegou num punhado de notas e, como o homem não as quisesse receber, atirou-lhas aos pés e mandou atar a vaca ao Unimog com uma corda.

Arrancou em direcção a Cabomba, em marcha lenta, com a vaca a trotar atrelada pela corda.

Chegado ao destacamento, desmontou e caminhou em direcção ao abrigo quando um soldado o abordou:

− Oh meu alferes, então e agora? Como fazemos para abater a vaca?

O Raposo, irritado com toda aquela complicada negociação, virou-se para trás, pegou na G3 e abateu a malfadada vaca.

Encarou o soldado e vociferou:

 A vaca está morta. Vê lá se também queres que seja eu a esfolá-la !

Rui Felício

NB - Que me perdoe o meu amigo Raposo. Mas estou a vender o peixe pelo mesmo preço que na altura o comprei. RF

Fonte: Página do Facebook do Rui Felício > 6 de dezembro de 2024 ·

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

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Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 23 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11447: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (10): Regresso a Samba Cumbera, a sudoeste de Galomaro, 42 anos depois...

Guiné 61/74 - P26554: Ainda o desastre do Cheche (Virgínio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e Sáo Domingos, 1967/69)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Cheche > Rio Corubal > CART 1742 > c. set 1967 / c. abr 1968 > A jangada com estrado assente em três canoas... O Abel Santos diz que a a foto é de janeiro de 1968, ou seja, um ano antes da Op Mabeco Bravios.


Foto (e legenda): © Abel Santos (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Texto enviado pelo Virgílio Teixeira (ex-mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e Sáo Domingos, 19567/69), comj data de 10 de fevereiro passado, 16:27: "Caro Luis, estive a desfolhar o meu imenso arquivo a que chamo "CTIG 67/69". E enciontro tantas coisas...  Vi este tema do Cheche, que já saiu, embora diferente há uns anos. Se vires interesse em repescar mais alguma coisa, podes dispor. Fiz uns pequenos aumentos, que na época deixei passar. Um abraço. VT."


CHECHE - AINDA ALGUNS CONTRIBUTOS PARA A TEORIA DO ACIDENTE

por Virgílio Teixeira



O DESASTRE DO CHE-CHE - PARTE I

Alguns contributos para a tentativa de, senão esclarecer, pelo menos contextualizar, no tempo e no espaço, aquele terrível acidente, que por muito tempo que ainda andemos por cá, nunca será esclarecido, é um daqueles mistérios, que ninguém quer ver revelados, é a minha opinião, sem qualquer intenção de julgar, até porque nada sei mais do que os outros.

O Abel Santos, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, e
steve em Nova Lamego e Buruntuma (julho 1967/ junho 1969). É mais antigo que eu, gostava de lhe poder perguntar se esteve lá no mesmo período que eu, em Nova Lamego (NL): 21-09-67 até 26-02-68. 


A CART 1742 fazia parte de um grupo de 17 subunidades que estiveram naquele período sob o comando do meu BCAÇ 1933. Mas e
u não conhecia bem as instalações da chamada Companhia de Baixo, em Nova Lamego.

A CART 1742, ao contrário em São Domingos, com a CART 1744, que conhecia e bem e confraternizávamos, pois, aquilo era mais pequeno. Sei que, no setor de Nova Lamego, ficou na dependência do BCav 1915, depois do meu  BCaç 1933 e ainda do BCaç 2835. 

Tomou parte em operações realizadas nas regiões de Ganguiró, Canjadude, Cabuca e Sinchã Jobel, entre outras e ainda em operações conduzidas em outros sectores da zona Leste, bem como em escoltas a Béli e Ché-Ché. Em meados de abril de 1968, foi transferida, para Buruntuma, a fim de render a CCaç 1588... Portanto, já estava no setor L5 quando se realizou a Op Mabecos Bravios e se deu o desastre de Cheche, em 6 de fevereiro de 1969. (Regressaria à metrópole em junho de 1969.)
 
Estive a ler a História da Unidade (BCAÇ 1933), todos os acontecimentos no período de Nova Lamego, e não encontro referência a muita coisa, não sei qual o critério que seguia  essa brochura.

Contudo vejo que a CART 1742 estava sediada em NL, apenas o 3º pelotão estava em Camabajá. O Abel não sei de que pelotão era.

Ele diz que a foto nº 1  é de janeiro de 1968 (*), estava eu lá, em Nova Lamego, e notava-se sempre grande burburinho com as famosas colunas para Madina e Béli, tudo se agitava à volta deste tipo de acontecimentos, eu tenho reportagens feitas de madrugada a quando da saída das colunas.

Na história da Unidade (HU) não consta por exemplo a emboscada que provocou a morte do alferes Gamboa e outros, perto de Piche, da CCAV 1662, e que foi no 4º trimestre de 67.

Como também não refere aqui um caso que muito chocou a malta em NL, a emboscada de uma coluna vinda de NL, após rebentamento de minas perto do Cheche, e na sequência da qual foi morto com uma bazuca o major Ruas, entre outros. Este acontecimento causou grande consternação, em especial à mulher e família que estavam em Bissau. Os pormenores foram-me contados por um dos meus amigos, um soldado condutor, que estava lá presente, e que eu encontro com frequência em Vila do Conde, é um empresário da Têxtil em Guimarães, que me tem muito em consideração, e que eu retribuo.

Este oficial, major Ruas, que eu conheci na messe, pertencia ao Batalhão de Engenharia, e vinha com frequência a NL, pois era o responsável pela operacionalidade da jangada da morte.

Nunca me ocorreu, mas agora pergunto: essa foto nº 1 seria já de uma nova jangada com as 3 pirogas mandada construir pelo major Ruas? Não sei mais nada.

Mas a HU que não sei quem a supervisionava, era escrita pelo tenente Albertino Godinho, mas seguia as instruções do Comando, penso eu, mas nada sei.

Falhou muita coisa que eu vi e seria objecto de uma nota, nem que fosse pequena. Constava por exemplo coisas de nenhum interesse, passo a citar:
 
  • No dia X o comandante do batalhão deslocou-se a Piche;
  • No dia Y o comandante do batalhão deslocou-se em coluna a Pirada, acompanhado pela esposa do nosso Médico, vestida a rigor de camuflado...

Esqueceram-se de mencionar, por exemplo, um facto inédito:

  • No dia Z um alferes miliciano do CA, deslocou-se a Susana, comandando um grupo de 5 homens, num barco da Engenharia denominado de Sintex, para ir levantar alguns mantimentos que não existiam em S. Domingos, sede do Batalhão. Depois de 3 ou 4 dias, regressou no mesmo barco, carregado de vários mantimentos, entre eles um saco de batatas da Manutenção militar.
  • Só que o piloto do mesmo barco, com grande experiência dos imensos rios e riachos, acabou por se perder sem se saber onde fomos parar, a uma pequena povoação de Felupes.
  • Não tendo Rádio para transmissões, o piloto fez várias tentativas por rios que nunca acabavam, até que acabou mesmo foi a gasolina dos dois motores. Sem rações de combate, sem bebidas por ali esperamos que fosse avistado um meio aéreo, que naturalmente teria sido pedido uma vez que a data de saída de Susana foi transmitida ao comando do BCAÇ 1933, mas a chegada nunca aconteceu no tempo certo.
  • Após dois dias de calor, fome e sede, lá vimos uma avioneta a rondar o nosso frágil meio de transporte e depois deu-se a evacuação, já nem me lembro como foi.
  • Sendo eu o "comandante" daquela força expedicionária, não sabia o que fazer, muito menos os outros, e passei o tempo, ou parte dele, a dormir na banheira em cima do saco de batatas.
  • Por ignorância e coisas da idade, nunca me preocupei, pois pensei sempre que nos vinham buscar, antes se possível, de sermos levados como reféns para Conacri!

A razão desta falta (referência na HU), penso eu, ainda hoje, deve-se à ocultação do facto por ter sido um oficial dos SAM a comandar aquela força militar por sítios que nunca conheci, e não tinha formação militar para isso, foi um abuso de poder do major de operações, na falta do nosso original comandante, evacuado por ferimentos em combate.

Há um cabo das transmissões que mantinha informações permanentes com a BA12 e sabia do que se passava e foi com a sua insistência que acabaram por nos encontrar, isso deu muito que falar, mas poucos sabem do que realmente se passou.

E assim os Felupes não tiveram o gosto de comer carne humana, num churrasco num sítio que só podia ter sido no cu de judas (estiy a reinar, sei que eles só praticavam o necrogafia, cortando para isso a cabeça dos inimigos). E gostava de saber em que povoação fomos parar. 

Então a HU não conta tudo, só o que for relevante para as operações militares e não só.

Isto bem contado com os pormenores que não sei, até dava uma série televisiva (...).

No dia 17 de janeiro de 1968, dá-se a operação Lince, nome dado à operação de retirada da CCaç 1589 de Madina, e substituída pela CCAÇ 1790 do meu Batalhão e do capitão José Aparício.

Esta operação de 5 dias mobilizou enormes meios humanos e materiais, e lembro-me de ter assistido à chegada dos homens daquela companhia a NL completamente pirados, com o devido respeito, tinham passado um ano naquela fogueira, isolados do mundo.

O Abel, caso tenha participado nesta operação deve saber muito mais, e pelo menos sabe mais do que eu mesmo que não tivesse estado nessa operação.

Fica aqui o meu pequeno contributo, para a história deste caso, macabro.


O DESASTRE DO CHE-CHE  > PARTE II - PASSAGEM DE TESTEMUNHO

Acerca das dúvidas aqui levantadas, o porquê de irem primeiro alguns membros das companhias e batalhões, posso esclarecer com o meu caso.

O BCAÇ 1933 tinha feito o IAO em Santa Margarida, onde estive, quando vem uma Nota para seguirem à frente alguns oficiais e sargentos, com o objectivo de passar o testemunho, era assim que se dizia. Ou seja, tomar conta do espólio deixado pelas unidades que iam ser substituídas por outras e tomar conta dos acontecimentos mais relevantes:

Assim, consta na HU que o meu BCAÇ1933, tinha a CCS, as CCAÇ 1790, 1791 e 1792. Embarcaram para a Província da Guiné gvia Aérea, num velho DC6, do tempo da 2ª guerra mundial e com carga diversa, os seguintes oficiais e sargentos:

OFICIAIS DO COMANDO E CCS:

Tenente Coronel de Infantaria, Armando Vasco de Campos Saraiva, Comandante;
Major de Infantaria, Graciano Antunes Henriques, Oficial de operações;
Alferes Mil do SAM, Virgílio Oscar Machado Teixeira, Conselho Administrativo

COMPANHIA DE CAÇADORES 1790:

Alferes Mil de Infantaria, Eurélio F. S. Amorim, Comandante de Pelotão
2º Sargento de Infantaria, Carlos de Oliveira, Comandante de Secção

COMPANHIA DE CAÇADORES 1791:

Alferes Mil de Infantaria, Antero T. Igreja, Comandante de Pelotão
2º Sargento de Infantaria, José Carlos A. Canas, Comandante de Secção

O restante pessoal do batalhão, o grosso dele, seguiu em 27 de setembro de 1967, no navio T/T Timor, chegando a Bissau em 03out67.

A CCAÇ 1792, não veio neste transporte, seguiu no Uíje um mês depois, juntamente com o BCAÇ 1932, e nunca mais esta Companhia esteve junto ao seu Batalhão orgânico.

A razão de ser desta força militar ir à frente, tem a ver com a tal passagem de testemunho, e pelo que toca aos Alferes das 2 companhias, eles são talvez dos mais antigos.

O NIM (Nº de Identificação Mecanográgico) acaba em 66 para o Eurélio, é, portanto, da inspecção de 65, nascido em 45, incorporado em 1965. Os outros são terminados também em 66 ou 65. O NIM do Igreja acaba em 65, inspecção de 64, nascido em 44, e possivelmente incorporado em 1964. Os outros são terminados em 65.

Para o meu caso, que nada tem a ver com estes, o NIM acaba em 64, inspecção de 63, nascido em 29-01-1943, e devido a adiamentos incorporado em Mafra, EPI, em 03-01-1967.

Quanto aos Sargentos, também me parece que é pela antiguidade, uma vez que os Furriéis são todos mais novos, e os 1º Sargentos eram da Secretaria, e não faziam parte destas contas.

Curiosamente, eu fui substituir o meu homólogo do BCAV 1915, do qual herdei imensos problemas, que tiveram de ser resolvidos por mim, e que ele nunca me agradeceu.

Por outro lado, o meu homólogo do BCAÇ 1932, seguiu junto das restantes tropas e não sei se os comandos foram também à frente de avião. Sei que regressou comigo, por isso fez menos um mês de comissão do que eu.

Salvo alguns lapsos, acho que dei conta da nossa situação, que era generalizada para todas as Unidades.


O DESASTRE DO CHE-CHE >  PARTE III

Cumprimento o Abel Santos, pelo desempenho e pormenor dos seus comentários, e fica claro que não quero falar em nome de ninguém e casos que não conheço no terreno.(**)

Infelizmente, nunca tive a oportunidade de viver no terreno, as experiências terríveis de combates, minas, emboscadas, apenas levei com bombardeamentos no quartel, e chegou.

Começo por dizer que não estamos aqui a julgar ninguém, nem nada, eu apenas me limitei e fazer eco daquilo que se dizia, mas nunca vi nada, porque não tinha de estar lá nem ver.

Muito menos quero fazer da minha intervenção casuística, um caso de justiça ou investigação.

O Abel não confirmou, mas pelas datas da sua estadia em Nova Lamego, estivemos lá na mesma época, sem dúvida. Como a vila era relativamente grandinha, não dava para se ver ou encontrar tanta gente que lá fazia o seu serviço militar.

Vou fazer um reparo, que pode confirmar-se ser engano, ou troca de números, pois, segundo diz, a sua CART 1742, foi substituir em 14set67 a CCAV 1963 (ou 1693?). Erro gráfico.

(i) Caso alferes Gamboa: Como disse estive com ele, conforme foto já divulgada nos postes, pouco antes da sua morte. Fiz várias vezes, colunas, entre NL-Piche - NL, e nunca aconteceu nada de especial, graças a Deus. Tive conhecimento da trágica morte deste amigo, uns dias depois, e cada um conta à sua maneira, como aliás tantas vezes aqui se contradizem uns aos outros.

E já agora, acho que não vi isso aqui escrito, mas falou-se que os terroristas, lhe arrancaram o coração, e no seu lugar colocaram os galões de tenente que ele trazia consigo, pois estava à espera da sua promoção para breve, o que nunca chegou a acontecer, infelizmente.

(ii) Caso major Pedras: conheci-o na messe de oficiais, embora diga-se que não sabia na altura qual era a sua função, o que se confirma agora, pois já falei com as minhas fontes. Este soldado condutor, que fazia parte de um grupo restrito dos petiscos, fez várias colunas para o Cheche, Medina e Beli, conduzindo a sua GMC. 

Ele contou, exactamente o que o Abel diz, o major Pedras,  do Serviço de Material, ia na viatura da frente juntamente com o furriel Jorge, da Engenharia, que nunca conheci, julgo eu. Este ex-militar contou-me há cerca de meia dúzia de anos aquilo que ele presenciou, nos termos em que contei e não vou repetir. 

Mas se o Abel estava lá, deve ter a sua versão, que, com bazuca ou com minas e armadilhas e emboscadas, o certo é que ele foi gravemente ferido e evacuado, acabando por falecer no HMP 241. E que tendo o tal soldado condutor ajudado a transportar o corpo para o Heli. Como não conheço estes factos, fico por aqui, e tanto faz para o efeito.

(iii) A jangada: Já foram aqui apresentadas várias versões do acidente mortal da fraca jangada, que nada tem a ver com essa da foto 1. Como eu não estava lá, nunca a vi, ficam as imagens que vão aparecendo nos Postes.

Com isto termino a minha intervenção.

Obrigado pela chamada aos postes desta tragédia que nunca deveria ter acontecido. E aproveito para desejra as melhoras do Abel Santos, que afinal é meu vizinho aqui do Norte.

Virgílio Teixeira
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31 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22053: Casos: a verdade sobre ...(21): a jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, já era assente em três canoas, no meu tempo, c. set 1967 / c. abr 1968 (Abel Santos, sold at, CART 1742, Nova Lamego e Buruntuma, jul 1967 / jun 1969)

(**) Vd. postes de:


2 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22059: (In)citações (183): A propósito da(s) jangada(s) do Cheche... e lembrando aqui mais mártires do Boé: o major Pedras, da Chefia do Serviço de Material, QG/CTIG, e o fur mil Jorge, do BENG 447 (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM; CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P26553: Parabéns a você (2356): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Piloto, DO e T6, da BA 12 (Bissau, 1972/73)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26541: Parabéns a você (2355): Vilma Crisóstomo, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso camarada João Crisóstomo

terça-feira, 4 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26552: Tabanca dos Emiratos (16): Visita nas férias de Natal ao antigo Ceilão, a Taprobana de "Os Lusíadas", hoje Sri Lanka (Jorge Araújo) - Parte IV

Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)



TABANCA DOS EMIRATOS

Visita nas férias de Natal ao antigo Ceilão,
a Taprobana de “Os Lusíadas”, hoje Sri Lanka

Região Centro/Sul do território do Sri Lanka onde, no interior do círculo ponteado a amarelo, se situam algumas das atracções turísticas da cidade de Ella.
Mapa do distrito de Badulla onde pertence a cidade de Ella


► Continuação do P26453 (III) (3.2.2025)

1. – INTRODUÇÃO

Com o presente texto, o penúltimo sobre este tema, damos continuidade à prometida fotorreportagem da visita ao Sri Lanka (antigo Ceilão) realizada na segunda quinzena de Dezembro último, cujo território fora conquistado e ocupado pelos portugueses durante século e meio (1505-1651), feito militar atribuído ao capitão-mor Lourenço de Almeida (Martim, c. 1480 - Chuil, Índia. 1508). Esta Parte IV volta a ter por cenário a região de ELLA, que em cingalês significa “queda de água”, cidade incluída no distrito de Badulla e na província de UVA (ver mapa acima). Situa-se a 1.041 metros de altitude, a 54 km a leste de Nuwara Eliya, a 135 km a sudeste de Kandy e a 200 km a leste da capital, Colombo (distâncias por estrada).

A cidade encontra-se numa região montanhosa com grande biodiversidade, com numerosas variedades de flora e fauna, estando coberta de florestas nubladas e plantações de chá. Devido à altitude, o clima é mais fresco do que as planícies próximas, que se avistam de Ella Gap.


2. – ATRACÇÕES TURÍSTICAS

ELLA, como referido anteriormente, é uma das cidades com maior oferta turística do interior do Sri Lanka. De entre as diferentes atracções, como foi o caso das “quedas de água de Ravana“, abordada no poste anterior (P26453), apresentamos agora algumas das imagens relacionadas com a “Ponte dos Nove Arcos” ou “Ponte dos Nove Céus” e o Caminho de Ferro a ela associado.


֎► A PONTE DOS NOVE ARCOS

♦ A “Ahas namaye palama” (“Ponte dos Nove Céus”) em cingalês, é uma ponte construída em Gotuwela, localidade situada no Distrito de Badulla, entre duas estações ferroviárias – Ella e Demodara – projecto executado durante o período designado por Ceilão britânico (British Ceylon), então uma colónia do Império da coroa britânica, mantida entre 1802 e 1948, sendo a maior do Sri Lanka, cuja bandeira e brasão dessa época se reproduzem acima.

Localizada a quase 3.100 pés (940 metros) acima do nível do mar, esta ponte de 99,6 pés (30 metros) de altura é chamada de “Ahas namaye palama”.

Esta designação simbólica significa que quando alguém passa por baixo dela e olha para cima, observa uma vista de “nove céus” através dos nove arcos, daí o nome cingalês. Esta ponte também é chamada de “A Ponte no céu” devido à sua altura.

▪ Descrição: – Esta ponte maciça foi construída inteiramente de pedras sólidas, tijolos e cimento sem usar uma única peça de aço. A ponte foi finalmente comissionada em 1921. A Ponte Demodara tornou-se num local icónico para turistas dos cinco continentes, bem como das populações do Sri Lanka, sendo uma das estruturas mais fotografadas.

Há um relato popular sobre a construção desta ponte, e que conta: - Quando as obras de construção começaram na ponte, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) irrompeu e a remessa de aço designada para este local foi apreendida e usada para projectos relacionados com a guerra. Quando a obra parou, os moradores locais apresentaram-se e construíram a ponte com tijolos de pedra sólida e cimento, sem aço.

▪ Antecedentes históricos: – Uma história um tanto desconhecida foi publicada no jornal Mawbima sobre a origem desta ponte. De acordo com esse artigo, a construção desta ponte foi dada a uma pessoa chamada PK Appuhami que vivia em Keppitipola, em Maliyadda.

De acordo com um dos seus netos, que viveu na sua casa, o avô, PK Appuhami, nasceu em 1870 e foi um baterista popular e um dançarino espantoso. Um dia, ele perdeu uma competição de percussão para outro baterista durante um evento de dança de Ritos de Thovil e voltou para casa com a tradicional fantasia de diabo.

Naquela época, a ferrovia estava a ser construída como parte da interesseira expansão da colónia britânica para as terras altas do, então, Ceilão britânico, com o objectivo de transportar chá e café das plantações para Colombo, e depois para o exterior.

Entretanto, o britânico que o vira actuar durante o evento de dança ficou admirado ao reconhecê-lo perto da Estação Ferroviária Ohiya, a 67.ª estação da linha principal (que se estende entre Colombo e Badulla, esta inaugurada em 5 de Abril de 1924, ou seja, trinta e um anos mais tarde), sendo a terceira estação ferroviária mais alta do Sri Lanka, localizada a 1.774 m acima do nível do mar e inaugurada em 1893.

Foto 1 - Estação de Ohiya inaugurada em 1893.

Depois, um relacionamento bem-sucedido entre os britânicos e PK Appuhami ajudou no sentido da construção da ferrovia naquela região fornecendo a mão-de-obra aos responsáveis pela continuação do projecto.

Quando a construção chegou a um vale entre duas colinas, os engenheiros britânicos ficaram preocupados devido a um atoleiro no fundo desse vale. Ancorar com segurança as colunas de uma ponte ao solo era o (um) problema. PK Appuhami, nessa altura, havia garantido a confiança aos engenheiros e pediu-lhes para lhe entregar, a si, a construção dessa enorme ponte. Depois de, no início, ver rejeitada a sua proposta, os engenheiros finalmente concordaram em entregar essa tarefa gigantesca a Appuhami.

O cingalês começou a trabalhar por volta de 1913, onde os seus homens começaram por derrubar grandes pedras nessa abertura até que elas preenchessem o fundo e então ele construiu as colunas de tijolos nesse leito de pedra. O trabalho ficou concluído em cerca de um ano e o custo da construção foi tão baixo que os britânicos não tinham certeza da integridade estrutural da ponte.

PK Appuhami garantiu que se deitaria sob a ponte na primeira viagem de comboio através dela e, reza a história, que ele cumpriu a promessa quando a linha ferroviária foi inaugurada.

Com base na tradição da região, consta-se que os ingleses procederam ao pagamento do soldo, carregando ele quatro carroças cheias de moedas de prata de Colombo, e que depois decidiu oferecer refeições aos moradores de Parabedda e Puranwela durante dois dias, além de dar a cada um deles uma moeda de prata.


3. – FOTOGALERIA

As fotos que se seguem sevem para enquadrar o texto acima.
Foto 2 – Ponte dos Nove Arcos
Foto 3 – Ponte dos Nove Arcos
Foto 4 – Comboio repleto de passageiros com uma carruagem sem cobertura
Foto 5 – O mundo é pequeno… encontro de uma família de portugueses conhecidos.
Foto 6 – À aproximação do comboio todos querem ficar com uma recordação.
Foto 7 – A passagem do comboio para mais uma recordação.
Foto 8 – O comboio em direcção da ponte
Foto 9 – Imagem à procura de uma legenda.
Foto 10 – Depois do comboio… circulam os visitantes.
Foto 11 – Escadaria de acesso à linha férrea, com dezenas de degraus.
Foto 12 – E a caminhada continua até à Ponte dos Nove Arcos.

Continua…

Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita Saúde.
Jorge Araújo
24FEV2025

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Nota do editor

Post anterior de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26453: Tabanca dos Emiratos (15): Visita nas férias de Natal ao antigo Ceilão, a Taprobana de "Os Lusíadas", hoje Sri Lanka (Jorge Araújo) - Parte III

Guiné 61/74 - P26551: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (1) Formação do BCAV 2867 - Partida para a Guiné e Chegada a Bissau

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


1 - FORMAÇÃO DO BCAV 2867

No início de Dezembro de 1968 apresentei-me no Regimento de Cavalaria n.º 3, em Estremoz, a fim de ser integrado no Batalhão de Cavalaria 2867, destinado a servir na Guiné. A companhia seria a CCAV 2484. Porém, no primeiro dia de permanência em Estremoz, encontrei o alferes Luís Martinho, que trabalhava comigo na Tranquilidade e que iria fazer parte da CCAV 2483. Sugeriu a hipótese de eu solicitar a transferência de companhia, a fim de ficarmos juntos. Contactei o furriel vaguemestre da 2483, o Vasconcelos, que aceitou o pedido, até porque na 2484 também tinha alguém conhecido. Formalizado o pedido aos capitães das duas companhias, concretizou-se a transferência. Fui colocado na CCAV 2483, os futuros CAVALEIROS DE NOVA SINTRA.
Meses depois senti na pele que a troca me saíra cara. Isto porque fomos destacados para o aquartelamento de Nova Sintra, numa região inóspita, de difícil acesso, sem população, num aquartelamento sem condições e de muitos conflitos. Enquanto isso, ao Vasconcelos saiu a sorte grande. Foi para Jabadá, aquartelamento sobranceiro ao rio Geba, com instalações condignas e com menos sobressaltos.
Estremoz > Regimento de Cavalaria n.º 3
Desfile em Estremoz


2 - PARTIDA PARA A GUINÉ

A 23 de Fevereiro de 1969 partimos de Lisboa no navio Uíge. Tive na despedida, no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, a presença do conterrâneo e amigo Belmiro Barbosa, que prestava serviço militar em Lisboa. A viagem durou cinco dias e correu bem, salvo o vomitar do primeiro dia. Todas as noites havia uma sessão de cinema e o pessoal empoleirava-se sobre todo o convés.

Navio Uíge
A despedida no Cais
A bordo
Refeição a bordo


3 - CHEGADA A BISSAU
Bissau à vista
O cais de Bissau
Início da avenida principal

Chegamos a Bissau na manhã do dia 1 de Março de 1969. Desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento de Brá. No trajeto, na berma da estrada, os miúdos vendo que éramos novatos, estendiam o dedo indicador e diziam “salta periquito, salta “. Periquito é sinónimo de novato.
Chegados a Brá fomos encaminhados para as casernas destinadas à minha companhia. Dada a elevada temperatura e humidade, a que não estávamos habituados, encharcamos a farda de suor. Andava eu e o inseparável amigo Lima, furriel de transmissões à procura dum chuveiro, quando dei de caras com o primeiro Arcozelense. Era o Neca Camarinha, meu colega de carteira na escola primária. Ele já estava na Guiné há alguns meses e destacado em Bambadinca, na Intendência e ocasionalmente em Bissau.
À noite fui ao centro da cidade ter com o André, de Miramar, encontro previamente marcado pelos nossos pais que eram amigos. Ele prestava serviço na Força Aérea, na base de Bissalanca. Num café/cervejaria, próximo ao cais civil, estivemos a comemorar o encontro, comendo ostras e bebendo umas canecas de cerveja. Às tantas comecei a ouvir rebentamentos de granadas, som que se percebia vir do outro lado do larguissímo rio Geba e dizia o André “é para ali que tu vais “. Não foi o melhor cartão de visita, mas deu para entender o que me esperava.

Quartel de Brá
Salta periquito
Estrada de acesso a Brá

(continua)
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Nota do editor

Vd. post de 25 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26526: Tabanca Grande (567): Aníbal José Soares da Silva, grão-tabanqueiro n.º 898, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2483/BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70)