Guiné > Bissau > Vista aérea da capital da então Província Portuguesa da Guiné > 1966 > Postal ilustrado da época. Ao centro, a Praça do Império e o Palácio do Governador. Ao fundo, o Ilhéu do Rei. Esta era a cidadezinha colonial, simpática, limpa, civilizada, mameirinha, acolhedora... que muitos de nós, ex-combatentes portugueses, conhecemos, e que dificilmente se reconhece quando se volta hoje a Bissau... Nostálgicos do Império ? De modo algum. As cidades têm dinâmicas próprias e hoje Bissau é a capital de um país-irmão, lusófono... Mas estas imagens e estas recordações são importantes para a memória e a história de todos nós... Mário Dias, ex-sargento comando, e membro da nossa Tabanca Grande, viu crescceu e modernizar-se a vilória que em 1941 destronou Bolama, enquanto capital... Foram sobretudo os anos 50 que trouxeram o progresso... (LG).
Fotografia do álbum do ex-furriel miliciano Mecânico Auto Adrião Mateus, pertencente à CART 1525 (Bissorã, 1966/67).
Fonte: © Companhia de Artilharia 1525 - Os Falcões (Bissorã, 1966/67) (Reproduzido com a devida vénia...)
"Naqueles longínquos anos da década de 50 (do século passado) cheguei à Guiné ainda adolescente. Como qualquer pessoa nessa fase da vida, também o apelo da magia africana me enfeitiçava. Trazia a cabeça cheia com as descrições fantasiosas sobre África:
- Cuidado com os leões. Há bichos perigosos por todos os lados. Os pretos são muito maus. Ainda há antropófagos. É tudo selva inóspita.
Depressa verifiquei quão erradas eram as atoardas que um pouco por todo o lado pretendiam caracterizar aquelas terras. Encontrei um povo afável, uma terra linda, linda, linda como não imaginava pudesse existir. Foi amor à primeira vista!Bissau era uma cidade pequena mas onde apetecia viver. Desfeito no meu espírito o mito de leões a rondar as casas, de selvagens canibais e de outras intimidantes tragédias, parti à descoberta da terra" (Mário Dias) (1).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Praça do Império > Monumento ao Ao Esforço da Raça > O Mário Dias, sentado no local onde, à noite, com luz eléctrica apenas das 18h às 24h, a malta nova se juntava e fazia serenatas. Era então Governador Raimundo Serrão (1951-53).
"Nos idos dos anos 50, Bissau, cidade pacata e ordeira, onde muito se trabalhava e muito nos divertíamos, era palco de cenas impensáveis de acontecerem noutro qualquer lugar. O progresso demorava a chegar. Não havia uma só rua alcatroada, uma só gota de alcatrão que fosse. A ponte-cais, que serviria para atracação dos barcos, estava ainda em construção. Os navios que quinzenalmente chegavam (nesse dia era dia de S. Vapor, como dizíamos) fundeavam ao largo, frente ao ilhéu do Rei e os passageiros e carga eram transportados para o Pijiguiti em pequenas embarcações a motor e até a remos. E o cais do Pijiguiti dessa época ainda não tinha ainda a actual cabeça que forma o T. Era um simples paredão.
"Electricidade? Luxo só possível das seis da tarde à meia-noite. Apesar disso, sentíamo-nos lá como no paraíso. Diariamente nos juntávamos para os nossos passeios pela cidade e arredores, de bicicleta ou a pé, bebíamos umas cervejas nas esplanadas, especialmente na pastelaria Império, na praça do mesmo nome (o proprietário era o senhor Estácio, tio do nosso amigo António Estácio que já interveio no blogue) no Hotel Portugal, mais conhecido por hotel do Espada (nome do proprietário) ou ainda na esplanada existente ao fundo da avenida principal na placa central que então existia. A configuração desta avenida era bem diferente daquela que os nossos amigos desta tertúlia conheceram mais tarde. A seu tempo falarei sobre isso.
"Um dos nossos pontos de encontro favoritos era na marginal, junto às ruínas de uma ponte de atracação de barcos da qual só existiam alguns pilares no meio do rio, já meio enterrados no lodo, e o encontro de onde a ponte partia. Disseram-me ter sido um navio alemão que se pôs em movimento desatracando sem que os cabos estivessem completamente soltos, que levou pedaços dessa ponte atrás de si arruinando-a. Foi antes de eu ter chegado à Guiné que assim se viu privada de uma infraestrutura indispensável. O local a que me estou a referir é onde hoje fica um pequeno largo em formato de meia-laranja existente na marginal de Bissau. Se consultarem o mapa disponível no blogue facilmente o encontrarão " (Mário Dias) (2).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Primeira rua a ser alcatroada em Bissau. O edifício à esquerda era o estabelecimento comercial conhecido por Pinto Grande, irmão de um outro Pinto conhecido por Pintosinho por ser (o estabelecimento) de menores dimensões. O Pinto Grande, embora continuando a ser chamado por esse nome, foi, durante a guerra, propriedade de um comerciante anteriormente estabelecido em Bolama, de nome Ernesto de Carvalho que o tomou de trespasse. Bolama, no arquipélago dos Bijagós, foi a capital da Província Portuguesa da Guiné até 1941 (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Avenida Teixeira Pinto, em obras de pavimentação (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Instalações do aeroporto de Bissalanca, em fase de conclusão das obras (MD).
Guiné > Bissalanca > Finais dos anos 50 > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João Rosa, o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné] , está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (MD), inckluindo eu próprio (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50> Ponte de Ensalmá, que veio permitir a ligação de Bissau a Mansoa...
Guiné > Bissau > Anos 50 > Edifício da Capitania dos Portos
Guiné > Bissau > Anos 50 > O novo liceu Honório Barreto. O antigo liceu funcionava no edifício da praça do Império que era também museu e biblioteca. Esse edifício, que ainda lá está embora quase arruinado, era por nós apelidado de chapéu de palhaço pela semelhança que o torreão central tinha com o dito chapéu (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Uma das muitas moradias que um pouco por toda a cidade de Bissau iam surgindo. Esta situava-se, e situa-se ainda, em frente à residência do Prefeito Apostólico (bispo) e nela residi durante algum tempo por ser propriedade da minha madrasta. Creio que hoje é residência de um embaixador. Qual, não sei. (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50 > O novo edifício dos correios. Anteriormente os CTT eram no edifício que se encontra do lado direito e onde continuou funcionando a Emissora da Guiné ( 1º andar ). De notar a curiosa viatura que era um dos luxuosos autocarros da época que, pela semelhança, eram conhecidos por ambulâncias. Esta (ambulância) pertencia à firma A. Brites Palma. Havia ainda, tanto quanto me recordo, outras duas empresas de transportes que faziam carreiras de autocarros (ambulâncias) para toda a Guiné. Eram o Costa, sedeado em Bissau e o Escada em Teixeira Pinto (Canchungo). Tenho a vaga ideia de existir uma outra na região de Bafatá-Gabú, propriedade de um libanês, mas não tenho a certeza. Talvez alguém me possa ajudar nesta dúvida. De notar as árvores recentemente plantadas, fruto da alteração do traçado da avenida que referi neste texto (MD).
Guiné > Bissau > Anos 50 > Perspectiva da Avenida da República, obtida a partir da torre da catedral já ao final do dia. O primeiro edifício, de que se vê pouco mais que o telhado, é a sede da uma das importantes firmes comerciais da Guiné: Nunes & Irmão. Mais ao fundo, do lado direito, o cinema UDIB e o palácio do governador na praça do Império. O edifício da Associação Comercial (hoje PAIGC) situado na mesma praça, ainda não existia (MD).
Fotos e legendas: © Mário Dias (2006). Direitos reservados.
Guiné > Bissau > 1969 > A Catedral, em postal ilustrado da época. Foto tirada talvez em dia de festa, quiçá de um
Foto: Portal do Ministério da Justiça do Governo da Guiné-Bissau (com a devida vénia...)
Guiné > Bissau > A Associação Comercial e Industrial, hoje sede do PAIGC...
Foto: Tantas Vidas, Blogue de Virgínio Briote, Lisboa (com a devdia vénia...)
Guiné > Bissau > Maio de 1966 > Cais do Pijiguiti > Postal ilustrado da época.
Foto: Tantas Vidas, Blogue de Virgínio Briote, Lisboa (com a devida vénia...)
1. Voltamos a reproduzir um texto do Mário Dias sobre a cidade de Bissau (3) que ele conheceu, como adolescente e jovem adulto, nos anos cinquenta (Publicado originalmente na 1ª Série do nosso Blogue, e hoje pouco acessível).
O Mário trabalhava na firma francesa Nosoco, antes do serviço militar (1959). Viveu na Guiné até 1966, tendo sido um dos fundadores e primeiros comandos da Guiné, e instrutor de alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande (Virgínio Briote, João Parreira e Amílcar Mendes).
É uma homenagem a Bissau, aos construtores de cidades e aos seus habitantes, é uma homenagem ao Mário (que nos fala da Bissau do seu tempo com tanta ternura contida...)... É também um desafio e um estímulo para que ele continue estas crónicas que ficaram interrompidas (1, 2, 3)... É também um convite para outros amigos e camaradas da Guiné que queiram escrever as suas impressões e mandar as suas fotos da Bissau, de hoje e de ontem... (LG)
O progresso vai chegando
por Mário Dias
Aos poucos, Bissau ia melhorando. Com o decorrer do tempo, passou a ter electricidade durante todo o dia. A velha central eléctrica, situada num edifício próximo da entrada do estádio Sarmento Rodrigues (alguns se lembrarão dele), foi substituída pela nova, instalada em edifício construído de raiz lá para os lados do rio. Que maravilha a possibilidade de se porem de lado os frigoríficos a petróleo!
A pavimentação das ruas começou, como teste, na rua onde se situavam as principais casas de comércio. Os engenheiros não conheciam bem qual seria o comportamento dos solos nem a solidez da pouca pedra que por lá se conseguia arranjar. A experiência resultou, apesar do cepticismo de alguns defensores da tese da impossibilidade de tal obra na Guiné.
A avenida que ligava o rio à Praça do Império tinha uma configuração bem diferente da actual. Possuía uma placa central, larga, cimentada, arborizada com dois renques de frondosas árvores e filas de apetecíveis bancos onde tantas vezes me sentei usufruindo de calmos crepúsculos como só África tem. O trânsito de automóveis, ainda relativamente reduzido, processava-se, assim, por faixas separadas: ascendente e descendente.
Era esta avenida O picadeiro - expressão habitualmente usada em muitas terras para definir o local, praça ou rua, por onde os habitantes normalmente passeiam e que serve igualmente de ponto de encontro. Nessa placa central existia, já perto da Casa Gouveia, um quiosque com uma esplanada muito agradável onde se bebia excelente cerveja alemã. O café do Bento, a célebre 5ª repartição, surgiu mais tarde, no jardim, precisamente como resultado deste quiosque ter sido demolido com as obras de remodelação da avenida.
Num domingo de manhã bem cedo, cerca das 8 horas, estava em casa quando ouvi, vindo dos lados da avenida que me era próxima, enorme ruído no qual sobressaía o característico som do arranque de árvores. Fui ver. Toda aquela azáfama era para mim novidade. Nunca tinha visto aquela enorme máquina que, com um simples empurrão e sem qualquer dificuldade derrubava as árvores enquanto outra, lâmina enorme e resplandecente, escavava e, num piscar de olhos, levava à sua frente a placa de cimento dos passeios, os bancos, candeeiros e tudo mais que por lá existia. Ali me quedei, embasbacado como saloio, e com grande mágoa de ver as belas árvores derrubadas, os bancos onde tantas vezes me sentara arrancados e empurrados chão fora e toda a avenida esventrada. Coisas do impiedoso progresso.
Em pouco tempo, ao contrário das obras de hoje que demoram, e demoram, e demoram, a avenida ficou pronta. Alcatroada, com duas filas de candeeiros novos que ainda hoje lá estão, e com novas árvores para substituir as arrancadas. Se me perguntarem de qual gostava mais direi, sem qualquer hesitação, do seu aspecto antigo. Podiam ter alcatroado, substituído os candeeiros de iluminação pública e proceder a outras beneficiações sem necessidade de uma alteração tão profunda. Mas quem sou eu para me digladiar com o saber dos urbanistas?!
Aos poucos, outras ruas e avenidas foram alcatroadas e concluiu-se a construção do aeroporto de Bissalanca que veio permitir ligações aéreas a Lisboa. Anteriormente, para se vir a Lisboa ou a qualquer outro ponto da Europa, tínhamos de ir num pequeno avião que saía do campo de aviação de Brá (mais tarde ali ficou instalada a Companhia de Engenharia) até Dakar, por vezes com escala em Ziguinchor, onde então se tomava o avião para Lisboa.
Uma outra obra de grande importância e que em muito veio facilitar o acesso ao interior foi a ponte de Ensalmá, na estrada que liga a Mansoa, evitando-se a jangada que anteriormente servia para atravessar o canal que separa a ilha Bissau do continente. O local da “cambança” era na antiga estrada para Nhacra que passava por Santa Luzia.
Esta ponte foi, na a época, considerada uma bela obra de engenharia por ter o tramo central móvel, permitindo a sua elevação sempre que houvesse uma embarcação a navegar por aquele ponto do canal, de grande importância para o transporte de mercadorias, produtos agrícolas e pessoas. O sistema que fazia erguer o tabuleiro era, assaz, engenhoso e simples não necessitando de motor ou dispositivo semelhante. Um simples contrapeso movimentado ao longo de enorme barra que acompanhava exteriormente o tabuleiro, era o responsável pelo “milagre”. Talvez algum dos camaradas da tertúlia tenha chegado a observar directamente como isto acontecia sempre que uma embarcação passava.
Segundo recentemente me informaram, esta ponte já não é usada, pois uma outra foi construída para a substituir, e pelo canal, completamente assoreado, já não passam barcos. Mas fica o registo para a história.
O primeiro troço de estrada a receber alcatrão foi entre Bissalanca e Ensalmá e resumia-se a uma estreita faixa ao centro com largura somente para um carro. Quando duas viaturas se cruzavam, cada uma delas era forçada a passar com um dos rodados pela borda da estrada não alcatroada. Mais tarde, o alcatrão alargou e estendeu-se até Mansoa.
Pode dizer-se que o desenvolvimento da Guiné, começou a avançar, embora timidamente, a partir de meados da década de 50. Novos edifícios iam sendo construídos e surgiam as infra-estruturas indispensáveis ao progresso.
Outras obras importantes para o progresso de Bissau foram realizadas. As novas instalações da Alfandega e armazéns portuários junto à nova ponte cais, o novo hospital, (hoje Simão Mendes) a nova estação dos correios, renovação de toda a iluminação pública, abertura de novas ruas e avenidas, o quartel dos bombeiros, o novo cinema da UDIB, a sede do Benfica, a sede da Associação Comercial (hoje do PAIGC) e demais realizações que estavam, embora lentamente e com muito atraso, a trazer Bissau para a civilização.
Por ter falado no novo cinema da UDIB, será lógica a pergunta:
- E antes não havia cinema?
Claro que havia mas as condições em que acontecia dão vontade de rir. O cinema tinha lugar num armazém, mais barracão que armazém, pertencente à Casa Gouveia e situado no quarteirão onde ficava a sede dessa empresa comercial, na rua que a separava do BNU. Cadeiras de madeira tosca, desconjuntadas, chão de cimento todo fragmentado, escuro e abafado mas que, às quintas, sábados e domingos faziam as nossas delícias.
Com esta atabalhoada narrativa podem os caros amigos desta tertúlia fazer uma pequena ideia de como era a Bissau dos tempos que antecederam a guerra.
Nesta pequena crónica referi apenas os aspectos urbanísticos. Darei conta, brevemente, da vida laboral e lúdica desses tempos.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite
(2) Vd. poste de 19 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador
(3) Vd. poste de 15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau
3 comentários:
Mário Dias e tertúlia em geral, nesses tempos coloniais e românticos que verdadeiramente só são perfeitamente compreensíveis por quem os viveu, a guerra de libertação já tinha começado: Agostinho Neto, Amilcar etc. já tinham iniciado os preparativos para a "guerra de libertação", e que não terminou no 25 de Abril.
A guerra dos nossos Oficiais, sargentos e praças, deste grande blog, bem datado o inicio e fim, que durante 13 anos chamámos de "Guerra do Ultramar", que ia do Minho a Timor, acabou com o "idílio", não só do Mario Dias, branco colon, mas tambem de muitos fidjo di terra, que vivem hoje entre nós, e que bastante falta faziam em Bissau.
Um abraço,
Antº Rosinha
A cidade,no seu todo, é a casa do Homem. Que genial Urbanista falaria assim da Cidade, de uma cidade qualquer.Só quem ama assim uma cidade, só quem a sente como sua casa a descreve assim. Lindo, para mim e ,se me é permitido, o nosso Camarada Mário Dias pode dar a volta "ao mundo das cidades"...a dele é Bissau...com um pouco de nostalgia? É natural...Um abraço do TM
Um testemunho muito importante sobre a cidade de Bissau na década de 50 do século XX.
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