1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 16 de Abril de 2009:
Amigo Vinhal
Segue mais uma Viagem… que relata aligeirada mas fielmente, uma situação complicada com pormenores que julgo jamais esquecer, na sua essência.
Um abraço amigo
Luís Faria
Bula – um mês complicado (2)
Emboscada bem montada
Dias após a Op. Borboleta, com o meu 2.º GComb fomos de novo palmilhar Ponta Matar a desígnios da Op. Bajudinha.
Como sempre, saída à noite, entrada na mata ao amanhecer, progressão com atenção redobrada sem facilitar, evitando o mais possível os trilhos e clareiras, ouvidos atentos aos sons ambiente e sua alteração, sentidos alerta e prontos a reagir, enfim aplicando as medidas possíveis de segurança que íamos aprimorando com a experiência.
Por termos tido uma instrução de Tropa Especial , o Castro e eu considerávamos que a segurança do Grupo era maior indo um de nós, por norma, em primeiro ou segundo lugar na fila o que também nos permitia melhor controlar o andamento na progressão e evitar ou corrigir mais rapidamente, possíveis riscos de itinerário. Não nos demos mal com este sistema e usámo-lo durante toda a comissão (O Fontinha também o usou no 4.º GComb)
Pela hora de almoço o pessoal, mantendo as posições parou numa zona de árvores de grande porte e com alguns baga-baga, aproveitando para comer algo e descansar. Até aqui… tudo a correr bem.
Menos cansados e já reabastecidos, recomeça-se o andamento em mata folgada, comigo em segundo lugar, Barros a meio e Castro na retaguarda. A dada altura, por a mata ser extremamente fechada, fomos obrigados a seguir num antigo trilho de viaturas, que após uma curva à direita, desembocava numa pequena bolanha e ladeando-a dividia-se virando à esquerda na orla, e seguindo em frente em trilho mais estreito.
Tomadas as devidas precauções, avançamos a descoberto, situação que não me agradou, mas era forçosa e já perto da bifurcação, rebenta a emboscada à minha esquerda, com violência, apanhando-me e a uma dezena de rapazes em campo aberto, obrigando-nos a atirar para o chão, usando como protecção relativa o rebordo alteado do desnivelamento do trilho com a bolanha, (ver croquis)
Croquis da emboscada (Op. Bajudinha – Ponta Matar )
Estendidos no chão, ripostamos sem que o restante pessoal mais atrasado pudesse intervir eficazmente - à excepção talvez do Cancêlo e seu morteiro e do Augusto com os seus dilagramas - por causa da mata quase impenetrável que os ladeava e impossibilitava a movimentação de envolvimento.
De súbito vejo levantarem-se salpicos de terra a escassos palmos à frente da minha cabeça e o sentido da sua deslocação indica-me que os tiros vêm das árvores que estão à minha retaguarda. Rodo sobre o corpo e faço uma série de tiros para a única árvore que considerei passível de acoitar o atirador (3.ª vez que me aconteceu uma situação do género. A primeira no Choquemone, a segunda uns dias atrás nesta mesma zona de Ponta Matar) que, ou por ter sido atingido ou se sentir detectado, deixou de os fazer.
Ao rodar de novo para a posição inicial, ouço e vejo um rebentamento de morteiro no trilho mais estreito que estava no enfiamento da picada, logo seguido de um outro e mais outro, cada vez mais próximos de nós!! Era óbvio que havia um morteiro IN no trilho estreito, que não conseguia ver, mas que vinha alongando o tiro na nossa direcção. (ver croquis)!!!
Gritei para o Pessoal:
- Morteiro!!… saiam do trilho !!
Deitado passei-me para o outro lado do rebordo, no que fui seguido pela rapaziada. Mais três ou quatro morteiradas caíram já na zona e acabaram, fazendo-nos um ferido – creio que o 1.º Cabo Castanhas, (já tinha sido ferido no Choquemone) - tendo sido evacuado por heli.
… Julgo que, com a chegada de apoio aéreo e do heli para evacuação, tudo acaba.
Tínhamos ultrapassado uma dura emboscada, mas desta vez e no meu entender, concebida para arrumar com uma série de nós, o que só não aconteceu graças a Deus, à calma fria e experiência que cada vez mais íamos adquirindo.
Ao que deduzi e aprendi, o IN detectou-nos e conhecedor do terreno , apercebendo-se de que tínhamos entrado naquele antigo trilho de viaturas, sabia que não tínhamos outra saída que não fosse desembocar na bolanha. Daí ter tido tempo mais que suficiente para nos armar aquela emboscada tão bem montada!
De novo confirmei que em progressão na mata, os trilhos, picadas, clareiras eram de evitar a todo o custo, se queríamos ter mais hipótese de regressar pelo próprio pé e… SOBREVIVER . Era também para isso que lá estávamos!
Nota: O 1.º Cabo Castanhas foi um dos que, muito merecidamente foi distinguido com o Prémio Governador.
Um abraço à Tertúlia
Luís Faria
Bula (Ponta Matar) – Op. Bajudinha - Sold. Seno com a G3 do evacuado
Bula (Ponta Matar) – Op. Bajudinha - Evacuação
Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Por temos noção do risco, por actuarmos como nos instruiram em Lamego e termos sabito transmitir aos nossos homens regras básicas,foram certamente, um dos factores que contribuiram para o bom desempenho da CCAÇ 2791.Um abraço para ti e também, para o Castro e restante "jericada".
Aquele abraço,transmitido a toda a 2791(FORÇA).
JORGE fONTINHA
Tertulianos que me leram
Na foto deve ser lido:"Sold.Seno com G3 do evacuado" e não conforme está expresso,por lapso.
Ao comentario do Fontinha atrevo-me a acrescentar que por causa talvez desse desempenho tambem fomos "usados e abusados" como se confirmou posteriormente em T.Pinto.
Era bem verdade que na tropa do nosso tempo(agora não sei)o melhor era não dar na vista!!!
Um abraço à ti e à Tabanca
Luis Faria
Mais uma contribuição exemplar, como já nos habituára, do camarada Luís Faria, um dos muitos brilhantes operacionais da Guiné.
Julgo ser altura de colocar uma pergunta minha, face ao cuidado com que ele se refere sempre sobre o comportamento em operações por mais simples que possam parecer.
Quando me obrigaram a colocar três galões nos ombros, atirando para cima de mim uma enorme responsabilidade, sem me darem a preparação adequada (ou será que em menos de 90 dias úteis, sem descontar os feriados, se faz um Capitão para enfrentar uma luta de guerrilhas?) eu nunca me perguntei se os quadros e soldados das unidades por onde passei tinham tido uma preparação adequada, porque desconhecendo como se ministrava essa preparação (não se esqueçam que cumpri o seviço obrigatório antes do início da Guerra e na Arma de AA), porque julgava que isso era ponto assente. Parti do princípio, pois, que seriam eles que estavam em condições de o fazer e não eu.
Agora, pelo contacto que fui adquirindo na Tabanca, verifico que, se calhar, uma grande maioria estariam nas mesmas condições do que eu. Só aqueles que adquiriram preparação nas Operações Especiais, estariam em igualdade com os das Forças de Elite (Paras, Comandos e Fuzos).
Por esse motivo, o que esperavam de nós os altos Comandos Militares e o Governo?
Poerque não preparavam todas as Tropas convenientemente?
Cada vez me interrogo mais sobre as responsabilidades dos Altos Chefes de então...
Abraços
Jorge Picado
Jorge Picado
Antes de mais ,agradeço-te as palavras elogiosas ,mas não merecidas já que de brilhante nada tive.
Operacional fui e para ser franco, gostei.
Por ter medo (conseguia dominá-lo),não facilitava nem deixava que o fizessem com a segurança,unica hipótese a meu ver,de aumentar a probabilidade de regresso dos meus Homens e minha,sem males de maior.
Um abraço
Luis Faria
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