sexta-feira, 3 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8369: Convívios (346): Encontro de confraternização da Companhia Independente 763, Sesimbra, 29 de Maio de 2011 (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas” - Cufar -, 1965/66, enviou-nos notícias da festa da sua Unidade.

Encontro de confraternização da Companhia Independente 763
Sesimbra, 29 de Maio de 2011

Camaradas,

Anexo as intervenções e algumas fotos do 12º Almoço da CCAÇ 763 efectuado ontem, 29/05/2011, em Sesimbra.

Estiveram presentes 43 elementos dos "Lassas", acompanhados por esposas, filhos e netos num total de 105 pessoas.
As fotos dos oradores são:
Marília Rodrigues
Mário Fitas
Alferes Miliciano Jorge Paulos

Um Abraço,
Mário Fitas

2. Inicio com as palavras da jovem Marília Rodrigues, que foi buscar a descrição de uma operação da C.CAÇ. 763 ao diário do seu avô, Domingos Rodrigues Botas, soldado 2048/64 pertencente à citada Companhia.
Estimados senhores, camaradas de meu avô, Domingos Rodrigues Botas, soldado 2048/64 da Companhia 763.
Estimadas senhoras e senhores familiares destes homens que foram companheiros de meu avô.
Não podendo estar presente neste convívio, solicitou-me o meu avô Domingos que nós, familiares no total de sete, aqui estivéssemos em sua representação.
Resolvemos então, pegar no seu diário de guerra e trazer aqui um pouco da dolorosa experiência por ele vivida com os seus camaradas e amigos.
Peço desculpa por algum erro pois irei ler apenas o que ele escreveu.

“No dia 24 de Fevereiro partiram em coluna duas companhias, a minha e a 1500, para uma operação que consistia em fazer a limpeza à estrada que vai do cruzamento da mata de Cufar Nalú a Cobumba.



Partimos de Cufar pela 00H30, com destino ao cruzamento e seguimos para a mata de Áfiá, e, pouco antes de chegar ao local, sofremos uma estrondosa emboscada que durou das 04H00 até às sete e tal, debaixo de fogo serrado.


Pretendíamos montar segurança para uma coluna que saíra de Catió, a fim de retirar as abatizes da estrada.

Os primeiros tiros disparados do inimigo iluminavam a estrada com tal intensidade que nos cegava momentaneamente.


Logo nos primeiros tiros foi morto o Fur. Mil. Vaz, cujo corpo caiu para cima de mim.


O camarada que ia à minha frente, ao cair da viatura prendeu a arma do que estava ao lado, ficando este desarmado.


Deitamo-nos na valeta da estrada e começamos a responder ao fogo inimigo.


Dos que se instalaram na valeta do lado direito ficaram protegidos, mas os que saltaram para a valeta oposta ficaram muito expostos ao fogo do IN.

Eu, quando me instalei, verifiquei que não conseguia fazer fogo, pois a minha arma estava encravada.


A determinada altura, senti uma “porrada” num ombro, como se fosse uma pedrada. Tinha acabado de ser atingido por uma granada de mão lançada pelo inimigo, que felizmente não rebentou.


Deixei-me estar quieto e não disse nada. Passado um bocado disse para os que estavam ao meu lado se retirarem mais, porque tinha caído ali uma “coisa” que parecia uma granada de mão.

Dai a pouco já se ouvia queixumes por todo o lado.


Junto a nós tínhamos um camarada morto e tratamos de socorrer um ferido, que só passado algum tempo se ouviu dizer: “Ai.. ai… venham-me buscar!”


Fui ver quem era, mas ele não queria que eu lhe tocasse. Chamei mais alguns camaradas e levamo-lo, entre gritos de dor, pois tinha o corpo todo estilhaçado.

O fogo inimigo continuava.

O meu comandante de grupo mandou avançar a secção da retaguarda, para que nos viesse reforçar e retirasse o ferido que gemia em resultado das dores.

Só às 07H00 da manhã é que se começou a ver qualquer coisa.

Nós continuávamos sem apoio e tentamos retirar, com granadas de fumo.

Quando podemos retirar, trazíamos connosco 16 homens feridos e um morto. Havia ainda um desaparecido.

Quando eu regressei com o ferido ao comando do quartel onde se encontravam os enfermeiros, voltamos a ser atacadas fortemente.

Deitei-me, fazendo fogo com a minha arma automática, que entretanto desencravara. A certo momento esta foi atingida com uma bala no ponto de mira, cuja protecção desapareceu, ficando ainda pequenos bocados de metal por onde a bala tinha passado.

Felizmente voltei a salvar-me.

Os primeiros tiros do inimigo foram efectuados com uma arma pesada, com balas tracejantes, para melhor orientarem o tiro.

Antes de sofrermos esta emboscada, tínhamos passado por uma estrada toda armadilhada cerca de 300 homens e, por sorte, nenhuma das minas e armadilhas rebentou.

Como já disse, o primeiro morto que tivemos, logo no início do combate, foi um furriel que, logo nos primeiros tiros, um acertou-lhe na cabeça, tendo-lhe varado o capacete.

Quanto ao desaparecido, só demos por falta dele quando chegamos ao quartel. Como as evacuações dos feridos foram feitas de helicóptero, próximo do local da emboscada, pensamos nós que também tivesse sido evacuado.

Por fim, constatou-se que este tinha ficado por lá, no terreno da emboscada, ferido ou morto.

O corpo do Furriel Miliciano Vaz, foi colocado numa urna de chumbo comprada por nós, que foi chumbada em Cufar, seguiu para Catió, Bissau e dali para a Metrópole.

Obrigado pela atenção prestada, e as minhas desculpas se vos recordei tempos dolorosos.

3. Palavras do ex-furriel miliciano de Operações Especiais Mário Fitas:


“Caros camaradas! Queridos amigos! Companheiros da aventura que foi a participação na Guerra em terras da Guiné.

Estimadas senhoras esposas, filhos, netos e amigos destes nobres homens que, aos vinte anos, souberam cumprir a missão que a Pátria lhes exigiu.

Peço compreensão e entendimento para aquilo que vou dizer e que é de minha inteira e única responsabilidade.

Fiz a guerra com os meus companheiros na, à altura, Província Portuguesa da Guiné, internacionalmente reconhecida como tal, como parte do Estado Português.

Uma época mundialmente muito difícil.

A Guerra-fria estava no seu auge, as grandes potências digladiavam-se pelo controlo do mundo.

Em África nascia o movimento apelidado de Negritude, iniciando-se o aparecimento dos movimentos independentistas, com as potências Europeias a abandonarem de qualquer maneira África, que ficava à mercê de disputas étnicas e de que resultaram os graves problemas ainda hoje vividos.

Julgo ter cumprido o compromisso de cidadania, totalmente consciente, sem ter em consideração qual o poder político vigente na altura.

Resumi-me como disse a cumprir um dever, independentemente das minhas ideias.

Hoje passados que são 46 anos, com conhecimentos muito mais completos de toda a situação da guerra e os motivos a que a levaram, posso afirmar com firmeza que todos perdemos.

A guerra é a invenção mais estúpida da humanidade. Mas estivemos nela. Estando nela tivemos de a fazer. Opção zero: Ou matávamos ou deixavam-nos matar!

Esta preliminar explicação tem razão de ser derivado às várias situações que hoje nos são postas:

Nós soldados combatentes fomos sempre ignorados! Fomos e somos hoje achincalhados por senhores generais que estiveram na mesma guerra na Guiné, enchendo o peito de condecorações à custa do valoroso soldado Português e acusando-os de serem bandos dentro do arame farpado.

Por militares, políticos, pseudo-escritores analistas de profissão (treinadores de bancada), mas com eco em alguma comunicação social, a quem muitos de nós ajudámos a dar a liberdade de poderem falar. Somos hoje alcunhados de ter feito parte de um exército fascista.

Sobre nós são lançados labéus acusadores de termos deixado na Guiné uma miserável herança ao General Spínola.

Ignorantes do passado, ou não, dizendo a verdade: Enganam-se!

O contrário pode ser confirmado a partir da página 175 do livro: “O meu testemunho” de Aristides Pereira - Secretário-geral adjunto do PAIGC e mais tarde Presidente da Republica de Cabo Verde -, sobre a situação do PAIGC, de 1966 a 1968.

Toda essa situação foi resultante de quem actuou na Guerra antes de Spínola.

Quanto a nós! Os últimos homens de farda amarela, mas de camuflado, basta referir o descrito no prefácio de “Pami na Dondo A Guerrilheira”, página 10, cito:

“O Governador e comandante-chefe na altura, chegou a confidenciar a alguém que se tivesse seis (6) Companhias como a CCAÇ 763 o problema da guerrilha estaria resolvido.”

Quem foi alcunhado de “LASSAS” pelo próprio chefe da guerrilha no Cantanhês, Zona 11, e mais tarde Presidente da Guiné-Bissau João Bernardo Vieira (Nino)?

Cumprimos aquilo que a Pátria nos pediu e os políticos não souberam resolver. Não deitámos para o caixote do lixo quinhentos anos de História.

Só estes homens que aqui estão, poderão contar o que foi a sua juventude com uma G3 na mão, construindo um aquartelamento de raiz, porque os primeiros três meses em Cufar, foram vividos nos buracos como toupeiras.

Só quem viveu os dolorosos momentos da C.CAÇ. 763, tem autoridade para falar do que é: “Ser nobre na Paz e na Guerra” e a forma como irmãmente por nós foi tratado todo o povo da Guiné.

A História um dia mostrará toda a verdade e compreenderá os caminhos das margens do Cumbijã, das matas de Cufar Nalu, Camaiupa, Àfiá, Cachaque, Cantumane, Cabolol, Flaque Injã, Caboxanque, Cadique, Cafal, Darsalame e Cachanga.

Foram os nossos caminhos queridos camaradas! As nossas pegadas marcaram indelevelmente todos estes trajectos.

Há quinze dias estive com homens que a determinada altura nos acompanharam nos citados caminhos e que mandam um grande abraço de saudade para todos nós. São os homens da C.CAV. 1484.

Agora:

Para vós! Esposas, companheiras amantes e amigas!

Para vós! Filhos, netos e amigos adorados, destes “Cotas” combatentes.

Estes homens são dignos de respeito. Se a Pátria e aqueles que a não quiseram servir os tem ignorado e abandonado, aceitai-os vós pelo seu sangue suor e lágrimas com que regaram a terra vermelha, a lama dos pântanos e rios, e as águas das bolanhas da Guiné.

Viva a C.CAÇ. 763!

Vivam os LASSAS de Cufar!

4. Palavras do ex-alferes miliciano Jorge Paulos:

Caros Companheiros, Amigos e Familiares,

Mais um ano se passou sobre a última vez que nos juntámos para almoçar, confraternizar e relembrar os momentos que, em conjunto, andámos pelas terras da Guiné vivendo aquela aventura de uma guerra, rastejando nas matas e atravessando linhas de água, tarrafos e bolanhas, com água e lodo pelos pés, pela cintura ou mesmo pelo peito, em que, a todo o momento, sentíamos a presença de um “inimigo numeroso, aguerrido e bem armado”, que, naturalmente, nos causava angústias e sobressaltos que era preciso vencer.

Guerra que nunca desejámos mas que enfrentámos com determinação e coragem porque, enquanto portugueses, o país assim nos exigia. E digo exigia porque, quer quiséssemos quer não, tínhamos de ir arriscar as nossas vidas, sem que nunca nos tivessem dito bem para quê.

Porque a verdade, companheiros, é que muitos lá morreram e muitos outros ficaram afectados para toda a vida, sem que jamais o país tenha verdadeiramente reconhecido e compensado esses enormes sacrifícios.

Pelo contrário, as gerações seguintes, que tem estado de uma forma ou doutra no poder e por ele continuam a lutar, querem lá saber que a vida que hoje têm e que é incomparavelmente melhor do que foi a nossa, tenha resultado, em grande parte, do nosso sacrifício e do nosso árduo trabalho. Hoje, o que conta, é o interesse pessoal, como se pode ver pelas medidas cegas que vão ser tomadas e que afectam, entre outras coisas, as reformas, tornando a vida dos mais idosos muito mais difícil.

Quando vemos a juventude actual, que só tem tido facilidades, vir para a rua gritar que estão “à rasca”, temos de sorrir e pensar que, de facto, eles não sabem nem sonham o que é estar “à rasca”.

Mas Companheiros, não vale a pena lamentar a escuridão; o que é preciso é acender o fósforo para podermos ver de novo.

Como dizia um político francês “os pessimistas são meros espectadores, os optimistas são quem transforma este mundo”.

Habituados, como fomos, a lutar contra a adversidade, lembremos os momentos difíceis porque passámos, mas tenhamos também a satisfação de, apesar de tudo, podermos estar aqui e agora, de novo, a festejar a vida com a família e os amigos.

É bom aproveitarmos, ao máximo, estes pequenos momentos, porque também a abelha é pequena e, todavia, produz o que de mais doce existe.

Até para o ano Companheiros e felicidades para vós e para as vossas Famílias.

Viva a Companhia de caçadores 763 !!!

Jorge Paulos

____________
Nota de M.R.:

2 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Mário Fitas, eu te saúdo, só hoje tive conhecimento do encontro da tua Companhia em Sezimbra, como moro em Azeitão se tivesse tivesse sabido a tempo, tinha ido lá para te dar um abraço.
É natural que tivesse-mos pisado o mesmo chão em datas diferentes, não esqueço a tua atenção em momentos difíceis.
Aprendi que a amizade criada em momentos difíceis, é aquela que mais dura e cria laços de compreenção naqueles que exprimentaram as as mesmas dificuldades mesmo que em datas e locais diferentes. Um abraço
Dâmaso

Benito Neves disse...

Meu caro Mário e companheiros da C Caç 763. relembro que as nossas Companhias ficaram intimamente ligadas desde Junho de 1966 até à data em que vocês deixaram Cufar e as gentes que, lá, plantaram em nós a semente da saudade.
Como diz o Dâmaso,"a amizade criada em momentos difíceis é aquela que mais dura" e, na verdade, assim é.
Foi naqueles momentos muito difíceis que criámos a amizade que ainda hoje existe entre as nossas Companhias.
Ficarei sempre feliz pela continuidade dos vossos convívios.
Gostaria de ter estado convosco mas foi-me impossível. Estou certo, no entanto, de que estas duas Companhias continuarão a fazer operações em conjunto, não em Afiá ou em Cabolol, mas em qualquer outro local onde haja "tiro aos pratos".
Para todos os "lassas", nossos mestres, o meu abraço e para ti, Mário, um abração do "tamanho do Cumbidjã".
B Neves
C Cav 1484