1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67):
Meus caros camaradas:
Aqui vai a minha mensagem de parabéns para o "Luís Graça & Camaradas da Guiné", nosso querido blogue, a propósito do seu 8º aniversário, penso que a 23/4.
Gostava que o texto fosse ilustrado mas não o consegui fazer.
Se acharem que este "pastel" de letras merece edição...
Um grande abraço, bem merecido, para os seus editor e co-editores.
Manuel Joaquim
OS NÓS E OS LAÇOS*
Olá, meu querido blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”!
Neste teu oitavo aniversário venho dar-te os parabéns e falar-te de nós e de laços. Sabes? És um blogue de “nós”. De nós (és nosso, dos teus membros) e de outros nós, mais ou menos apertados, mais ou menos difíceis de desatar. Olha alguns:
Nós de enredo de dramas, de histórias que poderão ser História. Nós de embaraço, de estorvo. Nós de garganta, de emoção. Nós, em certos “pontos” da trama, difíceis de desatar. Nós corredios ou mesmo nós cegos.
És também um blogue de laços: laços que também são nós mas de outro tipo, são laços de fraternidade e de ternura, laços de união, laços de memória(s) e de emoções, laços de relacionamento(s) e de amizade(s).
Em ti já há nós desatados e laços afetivos, ténues ou fortes, enfeitados ou não, mais ou menos apertados, mas que nos apertam com afagos e carícias que a amizade e a camaradagem agradecem. Laços que nos ajudam a manter-nos vivos, que nos amparam na nossa sociabilidade, para alguns difícil, na solidariedade entre antigos combatentes e entre estes e a sociedade onde estão inseridos.
Lendo-te ou participando no teu espaço, há “velhos soldados” que dão conta desses nós desatados, desses laços afetivos a reafirmarem-se e a crescer, ou a nascer, assentes num certo passado comum, num manancial de emoções coletivas resultantes de vivências similares suportadas num determinado teatro de guerra.
O tempo, inexorável, provoca o esquecimento, arrasa mesmo muitas memórias. Tu, blogue, és um guerreiro lutando contra esse esquecimento, contra o abandono e a menorização dos feitos, das missões, dos cometimentos de muitas centenas de milhares de jovens portugueses sacrificados numa guerra, guerra esta que só acabou há 37 anos mas que parece esquecida ou está mesmo esquecida, tanto politicamente como socialmente. Este facto é mesmo um enigma social e político, tendo em atenção que o número de antigos combatentes vivos, mais os seus familiares diretos, será seguramente superior a três milhões de portugueses. Eis mais um nó mas este é mesmo um nó górdio. Não deves ser capaz de o desfazer nem deve haver herói que o faça!
Ao desatares nós de isolamento e de incomunicabilidade, ao criares condições de sociabilidade que fazem em nós nascer ou restaurar laços de fraternidade e de camaradagem (somos camarigos, sabes?), ao sustentares as nossas afinidades como combatentes no mesmo teatro de guerra, tens conseguido levar-nos a uma aproximação que nos revigora, nos acalma, nos conforta, nos torna mais conscientes daquilo que nos aconteceu durante um determinado tempo da nossa juventude.
Eu sei e sinto que me ajudaste na criação de laços que me reforçaram as qualidades como ser humano. Eu sei e sinto que me ajudaste a desatar alguns nós em memórias incómodas, doloridas ou confusas, aclarando factos e trazendo muita paz ao meu, muito íntimo, “tribunal da razão”, nós esses que me ataram a coisas que, na altura, me pareceram importantes mas que hoje já o não são.
Também sinto que entre nós, antigos combatentes, há ainda quem carregue muito peso daqueles anos de chumbo passados em África. Não sei porquê mas acredito que tenhas servido, estejas ou venhas a servir para amenizar esse peso ou até a tirá-lo das costas de alguém.
Com o avançar da idade (eu já fiz 70), e se não tivermos cuidado, nós os que te frequentamos e te sustentamos, iremos inadvertida e inconscientemente deslizando numa suave rampa de isolamento crescente. É afinal o que nos espera, à maior parte de nós, se tivermos uma vida longa. Temos de lutar contra a velocidade do deslizamento na tal rampa e, para isso, é preciso fugir do isolamento para viver com os outros, comunicar, participar, partilhar, aproveitar no dia a dia as pequenas coisas que nos animem, que nos sobressaltem, que nos façam sentir vivos, que nos possam saciar a sede de viver.
Espero que continues a apoiar-nos neste campo. Precisamos de comunicação para termos mais e melhor saúde, principalmente mental. Comunicar é importante até para desatarmos muitos nós que transportamos na alma e que nos infernizam a vida e para criar laços que nos enfeitem as “prendas” que a mesma vida nos pode oferecer.
Tu és um desses veículos de comunicação que podemos (devemos) aproveitar. Repito o que já disse sobre ti há uns tempos atrás (P 5932): “este blogue é uma câmara de gritos (de saudade, de alegria, de tristeza, de horror, de perdão, de expiação, de amor-próprio, de vaidade, de humildade, de dádiva, de amizade, de solidariedade, de revolta, de vazio ... )”.
Não tenho dúvidas, perante o volume do que tenho lido no teu espaço, que és também um meio de terapia, coletiva e individual. Desejo que os teus frequentadores se não inibam e que participem para lá da simples leitura ou consulta, não tendo receio de se exporem, de relatarem memórias ou estados de alma, de opinarem sobre o que lhes (nos) desagrada ou não.
A finalizar, vê lá se atendes estes meus desejos:
Que continues a desatar nós, incluindo os nós na garganta que, tanto tempo depois, ainda possamos conservar ou outros que venhamos a ter.
Que aclares os pedaços de memória que nos possam ainda incomodar, contextualizando-os à época dos factos, de modo a podermos lidar melhor com eles.
Que nos ajudes a criar ou a manter vivos sentimentos positivos quanto à nossa passada vida de combatentes.
Que cries, recries e sustentes laços afetivos entre nós, teus membros.
Que continues a ser um veículo para nos situarmos melhor como cidadãos de um país que pouco nos liga, para nos ajudar a viver melhor e a fortalecer a nossa vivência social, para nos ajudar a ver o futuro com um olhar mais confiante, na certeza de sermos acompanhados por novos amigos no nosso esforço para seguirmos em frente, serenos perante o que fomos e fizemos na nossa juventude tão sacrificada.
Muitos parabéns, meu querido Blogue!
Festejo os teus oito anos de vida! E faço força para que tenhas uma vida longa, muito longa! Essa vida ser-te-á alimentada pelos teus atuais e futuros membros e leitores que, como se de horta se tratasse, te cultivam e cultivarão para produzires frutos que continuem a desatar nós e a criar laços afetivos entre todos os frequentadores do teu espaço.
Por falar em horta, é altura de homenagear os teus trabalhadores permanentes que são também teus editor e co-editores. Sem eles, sem a sua vigilância sobre o teu crescimento, sem a sua atenção no ordenamento da plantação e em acudir à rega quando a seca ameaça, seria o fim da “horta”, o teu fim. E tu não podes morrer tão novo! Para eles, também, um grande abraço de admiração e de agradecimento.
Muitos parabéns! Feliz aniversário!
Manuel Joaquim
*Título de um romance de António Alçada Batista, “Os Nós e os Laços”, reedição Ed. Presença, 2000 (com a devida vénia, aqui usado).
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9795: Tabanca Grande: oito anos a blogar (8): Tabanqueiro da primeira hora, totalista dos nossos 7 encontros nacionais (David Guimarães)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Gostei e mando-te um abração.
Há nós e nós; com ou sem laço, de memória ou cegos, górdios e etecetera.
Nós, em laços de afectos e amizades, feitas lá ou já cá. Nós...
Ab T.
Caro Manuel Joaquim
Fiquei preso ao teu abraço fraternal, feito com mestria inexcedível...tão bem urdido.
Os meus parabéns para Ti e para o nosso blogue.
Joaquim L.Mendes Gomes
Caro amigo Manuel Joaquim:
Quero aqui expressar e de forma indeleve que o teu texto é simplesmente extraordinário!
Parabéns!!
Deu para respirar fundo e ouvir as batidas do coração.
Passa bem, mesmo muito bem.
Rui Silva
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