segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12456: Tabanca Grande (415): Júlio Martins Pereira, sold trms, CCAÇ 1439 (Enxalé, Missirá e Porto Gole, 1965/67), grã-tabanqueiro nº 635



Vídeo (1' 28''). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Associação de Desenvolvimento de Paradas, Paradas, A dos Cunhados, Torres Vedras >  15 de outubro de 2013 >  Tarde de convívio dos parentes das famílias Crisóstomo e Crispim e dos amigos e camaradas do João Crisóstomo, recém casado com a eslovena Vilma Kracun. O casal vive em Nova Iorque e está de passagem na terra natal do João, em viagem até à Eslovénia onde vão passar as festas de Natal e Ano Novo. 

Intervenção do Júlio Martins Pereira, natural de Paredes, e ex-soldado de transmissões da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), uma companhia madeirense em que o João Crisóstomo foi alferes miliciano, tal como o falecido ator Luís Zagallo. Nesta alocução, o Júlio refere as duas minas A/C em que, no dia 6 de outubro de 1966, na estrada Enxalé-Missirá, cairam dois grupos de combate da CCAÇ 1439, um que vinha de Missirá, comandado pel alf mil Zagallo, e outro que vinha em seu socorro, do Enxalé, comandado pelo alf mil Crisóstomo.

A este convívio, de que se dará mais logo o devido relato, comparaceram alguns camaradas de armas do João Crisóstomo, e amigos do blogue: para além do Júlio Martins Pereira, o Eduardo Jorge Ferreira (que é natural de Vimeiro, mas mora em A-dos-Cunhados), o Joaquim Pinto Carvalho, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e eu próprio mais as nossas companheiras... (LG)

Vídeo: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Conheci ontem, à tarde, o Júlio Martins Pereira, que vive em Campo, Valongo, e é natural de Paredes.

 Veio, com a esposa,  propositadamente do norte, fazendo 600 quilómetros (ida e volta)  para dar um abraço ao seu antigo camarada de armas, o João Crisóstomo. Soube da notícia através do nosso blogue, que ele acompanha. Achei um gesto muito bonito. Reparem: são quase 50 anos depois!... E depois da Guiné nunca mais se tinham encontrado!... Espantosamente nasceram nasceram no mesmo dia, mês e ano, 22 de junho de 1944.

O Júlio Martins Pereira tem um pequeno blogue, com dois postes, singelamente intitulado  A Minha Vida. Desse blogue autorizou-me a transcrever o texto a seguir que vai servir de apresentação do novo membro, da Tabanca Grande, nº 635. Bem hajas, Júlio! (*) (LG)




Guiné > Zona leste > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > O sold trms Júlio Martins Pereiram, natural de Paredes.


Foto: © Mário Gaspar (2012). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos  assinalados a verde:  Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor. A 1ª mina aqui referida, no texto a seguir, é accionada no percurso Missirá-Enxalé; a segunda é no troço inverso,  Enxalé-Missirá, no sítio do Mato Cão. (As duas versões, a do Júlio Martins Pereira, sold trmns da CCAÇ 1439, e a do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52,  não exatamente coincidentes) (**).

À época a que se referem os acontecimentos (6 de outubro de 1966), estava em Bambadinca a CCAÇ 1551 / BCAC 1888 (em Bambadinca, entre maio e novembro de 1966, indo depois para Fá Mandinga). Em novembro de 1966, a CCS/BCAÇ 1888 (que estava em Fá Mandinga desde maio de 1966) vem para Bambadinca  até  janeiro de 1968. O BCAÇ 1888 é substituído pelo BART 1904, em fevereiro de 1968, e este por sua vez pelo BCAÇ 2852, em outubro de 1968...

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).

2. Apresentação do novo membro da Tabanca Grande, nº 635:

Eu, Júlio Martins Pereira, soldado de transmissões nº 26523/65, fui de Lisboa para a Madeira a bordo do paquete Funchal  para o BII 19. Mas, como a companhia, a CCAÇ 1439,  já tinha partido para a Guiné,  eu e mais uns quatro soldados tivemos de aguardar por novo barco que nos levasse para Bissau para aí nos juntarmos ao resto do pessoal que,  naquela ocasião, em setembro de 1965,  já se encontrava em Bambadinca.

Uma vez aí chegados na LDM, depois de permanecermos uma noite, em pleno Rio Geba,  a meio do mesmo, entre os aquartelamentos do Enxalé de um lado e do outro o do Xime, ali consegui ver a força do famoso macaréu, aquela grande onda de água que de manhã nos acordou e que colocou novamente o barco a flutuar, e para assim podermos chegar ao nosso destino.

Aqui chegados ao batalhão, em Bambadinca,  e depois de realizadas algumas operações prós lados do Xime,  a mim foi-me atribuída a função de sempre acompanhar o comandante na árdua tarefa de transmitir e receber informações para o bom desenrolar das operações em curso, quer de terra quer do ar. 

De Bambadinca fomos para o Enxalé e daqui uns foram para Missirá e outros para Porto Gole. Eu fui para Missirá, no pelotão comandado pelo já falecido alferes [Luís] Zagallo. Na ocasião a morada no continente do alf Zagallo era na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. 

No dia 6 de outubro de 1966, por volta das 7 horas da manhã,  íamos nós de Missirá a caminho do Enxalé em coluna com um jipe e um unimogue, íamos buscar alimentos e outros produtos pró pessoal. Depois de passar o cruzamento que dava para Finete, aproximadamente, 800 metros à frente havia uma poça d’água. O jipe que ia na frente desviou-se, nesse jipe ia o motorista, o alf Zagallo, o enfermeiro e mais dois soldados. A  seguir ia o unimogue que não se desviou da poça d’água e ai rebentou a mina. Na frente,  no unimogue,  ia o furriel  Mano, de pé,  do lado esquerdo do condutor e ao lado deste mais 2 ou 3 soldados, na parte de trás. Nos bancos laterais onde eu ia, iam os bancos completos.

Rebentada a mina, eis que alguns de nós tal como eu, encontrámo-nos dentro daquela cratera,  cheia de lodo e gasóleo.  Nós,  sem armas, os mais conscientes ainda conseguímos  gatinhar para encontrar armas para nos defendermos de qualquer eventualidade, no meio de toda aquela gritaria, todos aqueles berros,  os choros, todos aqueles, mortos e feridos... Apesar de tudo só ouvimos lá longe uma rajada de costureirinha, a querer dizer-nos algo sobre o que nos tinha acontecido...

Como não houve mais nenhuma reação, demos início à procura e recolha dos nossos mortos e feridos. Estes encontravam-se espalhados, quer no capaim encharcado de cacimbo (orvalho noturno),  quer nos destroços do unimogue que ficou virado em sentido contrário e retirado da cratera.

Ainda hoje me lembro de ter retirado um camarada nosso,  pegá-lo por baixo dos braços e encostá-lo ao taipal para que outros o pusessem no chão. Era preciso retirá-los daquele sofrimento e acalmá-los e procurar todos os outros. Entretanto o jipe onde ia o alf Zagallo  volta para trá. Passado aquele tempo de possível reação [do IN ], entretanto, eu já tinha ido procurar os meus/nossos companheiros, quando fui ter com o alf  Zagalo, e lhe disse onde estavam alguns dos nossos mortos e feridos, incluindo o furriel Mano,  todo esventrado, esfacelado,  só a carne dava sinais porque ainda estava quente. A partir daqui começamos a recolher os restos dos mortos, e a pô-los no fundo do jipe, por cima os feridos mais graves, a estes amarrámos ligaduras do enfermeiro para que não caíssem com o andamento do jipe, que  ia transformado num autêntico carro de horrores.

Iniciada a marcha de retorno, esta na direção de Finete, fui eu, então a pé, desde o local da mina até Finete. A correr, sozinho com a arma em bandoleira para pedir socorro, uma vez aí, no cimo daquela grande bolanha, frente a Bambadinca. O comandante das tropas aí aquarteladas, depois de me ouvir, mandou 4 soldados [africanos] acompanharem-me até Bambadinca, para pedir socorro, mas ao mesmo tempo começam a imitir mensagens para o interior da bolanha no sentido de avisarem, a muita população que ali estavam a trabalhar,  que tinha rebentado uma mina ali perto. E estes,  em debandada,  encaminham-se para o rio Geba para fugirem para Bambadinca a bordo. Claro,  das canoas,  aí tive de pedir que retirassem cincio elementos da população para que eu e os meus quatro  camaradas que me acompanhavam pudéssemos chegar ao batalhão que aí estava aquartelado [, em Bambadinca]. 

Dali fui pedir apoio a Bissau para virem os helicópteros, e também à minha companhia CCAÇ 1439. Prá companhia fui eu que fiz o ponto da situação. Ali, o comando do batalhão fornece-me um rádio para que eu pudesse comunicar com os helicópteros e as respetivas frequências para uma boa comunicação.

Entretanto quando eu e os 4 soldados pretos iniciámos a marcha de regresso a Finete em plena bolanha e já com o roncar dos helicópteros e eu a sintonizá-los no meu rádio, eis que ouço um forte rebentamento e logo peço aos pilotos dos hélios que se possível passassem pela zona de Mato Cão, pois que o rebentamento ouvido instantes atrás podia ter a ver com a  CCAÇ 1439 que vinha em nosso socorro. Infelizmente veio logo a seguir a confirmação dos pilotos dos hélios,  que era verdade, a CCAÇ 1439 tinha tido no dia 6 de outubro de 1966 duas minas,  as duas não muito longe uma da outra... Aí em Finete ainda consegui falar com os pilotos dos Hélios, aquando das evacuações da 1ª mina,  a quem pedi que comunicassem a Bissau a pedir evacuação rápida para o pessoal que estava em Mato Cão,  na 2ª mina.

A quantidade de soldados mortos e feridos não sei ao certo, só procurando nos arquivos do BII 19, no Funchal. Digo eu, ou então o capitão, comandante da companhia, ou o alf Freitas ou o alf Crisóstomo, ou o 1º  da secretaria ou o cripto, tantos, tantos outros que podem confirmar tudo isto.

Júlio Martins Pereira



Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldado Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. No regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do fur mil op esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por falta de assistência.(**)

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Enxalé > CCAÇ 1439 > Set de 1966 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - Eu [, Alf Mil Henrique Matos, Cmdt Pel Caç NaT 52]; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão [Pel Caç Nat 52]. Foto do Fur Mil Viegas, do Pel Caç Nat 54. Cortesia e legenda do Henrique Matos

Foto (e legenda): © Henrique Matos (2010). Todos os direitos reservados.

3. Ficha de unidade:

CCAÇ 1439: Mobilizada pelo BII 19, partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967. Esteve em Xime, Bambadinca, Enxalé (com destacamentos em Porto Gole e Missirá) e Fá Mandinga. Comandante: cap mil  inf Amândio Manuel Pires.

(...) No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna [da CCAÇ 1439] que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.

Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontrámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes
A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância. (...)

(...) Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão. (...)

2 comentários:

Luís Graça disse...

Mandei a seguinte mensagem ao Júlio, com conhecimento ao Jo~so Crisóstomo (CCAÇ 1439), que amanhã estará em Paris, até sábado, e aos históricos comandantes do Pel Caç Nat 52, Henrique Matos (1966/68) e Mário Beja Santos (1968/70), dois camaradas que muito nos honram, sentando-se connosco, à sombra do poilão da Tabanca Grande:

Júlio: Tive muito prazer em conhecer-te ontem. Espero que tenhas chegado bem a casa. Apreciei o teu gesto: vir à nossa região, o Oeste, fazer 600 km, para dar um abraço a um camarada, o João Crisóstomo.

Um dia deste pode ser que te bata à porta. Como te disse, passo aí muitas vezes, a caminho do Marco de Canaveses.

Tens, doravante, um lugar sentado sob o poilão da Tabanca Grande. Depois publico o resto da tua história.

Manda-me, se puderes, a página (digitalizada) da tua caderneta limitar com o averbamento da Cruz de Guerra de 4ª classe com que foste agraciado pelo teu ato de coragem: vieste do local do rebentamento da mina, a meio da estrada entre Missirá e Enxalé, sozinho, de G3 em bandoleira, até Finete e Bambadinca, em busca de socorro...

Sobre as minas do dia 6 out de 1966 (e não 1965, como por lapso vem no teu blogue, e como tu própio me alertaste ontem; tens que emendar...), há uma pequena divergência na versão do nosso camarada Henrique Matos, que foi o 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Missirá, 1966/68).

Tu dizes que a 2ª mina foi no Mato Cão, no sentido Enxalé-Missirá, acionada pelo pelotão do alf Crisóstomo (que teria vindo, do Enxalé, sede da CCAÇ 1439, em socorro da vossa coluna). O Henrique diz que foi acionada pelo pelotão do Zagalo (, teu comandante,) no regresso, apressado, a Missirá...

O açoriano Manuel Pacheco, que também morreu, estava no Enxalé (sede), não em Missirá (destacamento)... É isso ?

Houve 2 mortos nesse dia, o fur Mano (que era operações especiais) e que estava contigo com o Zagallo em Missirá, e o açoriano que estava no Enxalé. É assim ? Confirmas ?

Depois telefono-te. Dá um beijinho à tua mulher. Um abraço fraterno e natalício.

Luís Graça

Anónimo disse...

Caro Luís
Gostei muito de ver as fotos do encontro com o nosso Crisóstomo, bem me apeteceu ir mas é um grande esticão a partir dos Algarves. Não imaginava que o Júlio viesse de tão longe.
Em relação às minas de 6/10/66 em Mato Cão, aqui vai um resumo: a 1.ª na coluna Missirá-Enxalé causou a morte do Fur Mano; a 2.ª na coluna que foi em socorro a partir do Enxalé comandada pelo Crisóstomo, tendo neste caso causado a morte do Manuel Pacheco. Foram os únicos mortos e se a memória não falha, não houve feridos com muita gravidade. Também lá fui de seguida como já relatei anteriormente.
Aproveito para te desejar bem como a todos os tabanqueiros umas Boas Festas e um óptimo 2014. Grande abraço, Henrique