segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14991: O segredo de... (23): Histórias escondidas com o rabo de fora (Mário Vitorino Gaspar)

1. Em mensagem do dia 1 de Agosto de 2015, o nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) fala-nos de algumas histórias escondidas com o rabo de fora.

Caros Camaradas da Tabanca Grande

No dia 13 de Abril de 1966 apresentei-me com o Posto de Cabo Miliciano (promovido a 3 de Abril) no Regimento de Infantaria 14, em Viseu – deveria apresentar-me de manhã, mas só pelas 17H30 cheguei ao Regimento.
O Comandante do Regimento era o Tenente Coronel Carlos Faustino da Silva Duarte (antigo jogador de futebol e vencedor da Taça de Portugal em 1939). Este efectuou uma Reunião com os novos Sargentos e Oficiais novos que chegaram de manhã ao RI 14.
Fiquei na 1.ª Companhia sendo o Comandante o Capitão Amaral. O Comandante do Pelotão, sendo eu um dos Monitores, era o Alferes Miliciano Antunes. Foi para a Brigada de Trânsito posteriormente, e segundo as informações que possuo aposentou-se.
Eram Monitores um outro Cabo Miliciano Fernando e um Cabo Readmitido (PCAB/RD). Esta equipa manteve-se até Agosto de 1966. Integrado na Equipa de Natação do RI 14, treinava, mas não de início da constituição da mesma, visto não ter sido inscrito por me ter apresentado na Unidade tardiamente. Posteriormente vieram a saber que nadava, foi o próprio Comandante do Regimento o Tenente Coronel Faustino a incluir-me na equipa. Treinei o estilo de bruços.

Tudo corria às maravilhas, só que terminada uma das recrutas da minha Companhia tinha de dormir no campo para onde era transportado à noite e depois de dormir seguia de jipe para Viseu onde continuava os treinos. Isto era estranho, mas sucedeu.
No dia 4 de Julho tive de interromper os treinos, marchando para CIOE, em Lamego para frequentar o Curso de Operações Especiais, e após as provas e julgado no Anfiteatro recusei ser Ranger, regressando com mais 5 Cabos Milicianos a Viseu no dia 10. Integrado na equipa de natação, e como já não contavam com a minha participação, o Tenente Coronel Faustino, entusiasta do desporto, disse-me se me importava de treinar os 100 metros Costas. Estilo que nunca praticara, e aceitei por insistência. Difícil a missão. Teria oportunidades de conquistar um bom lugar nos 100 metros Bruços. Depois de treinarmos nas Piscinas do Luso e outras, a 20 de Julho partiu a equipa de Natação para Tomar, para participarmos nos Campeonatos de Natação da 2.ª Região Militar, na Piscina Vasco Jacob. De todos os nadadores do RI 14, só eu no dia 21 fiquei apurado para a final, terminando em 2.º lugar, mas quase todo o percurso comandei. O meu estilo de costas resumia-se à posição, não batia crawl, complicado por movimentar-me na água só com a força, e grande, de braços. O Júri eliminou-me, sendo o seu líder a figura da terra Vasco Jacob, nome da piscina. Disse ao Comandante Faustino que não me podiam eliminar, o estilo costas é costas, e não crawl. Após protesto decidiram haver razão da minha parte. A 22 de Julho foi o bonito, era a única hipótese. Teria ganho uma medalha se tivesse participado nos 100 metros Bruços.
Complicou-se tudo por cada um ter uma opinião. Como não era nadador do estilo era difícil fazer os 100 metros, teria de dosear as forças. Mas uns diziam para puxar os 100 metros. Era impossível, disse ser melhor quanto a mim puxar os primeiros 33 metros e fazer os segundos 33 metros descansando um pouco e aplicando-me na última volta. Insistiram tanto, cada um com a sua opinião. Explicava-lhes ser possível obter a medalha por ver que somente o nadador que tinha ganho a minha eliminatória me venceria. Confundiram-me e venci os 33 metros e os 66 metros e, passados uns metros rebento. Termino em 4.º lugar e ultrapassado no final da prova.

Todos preparados para seguirmos para Viseu, pergunto a um Tenente se não seria possível darem-me uma dispensa de fim-de-semana, apanhava uma boleia para o Entroncamento e tinha comboio para casa. O Comandante Faustino, um militarista, gostava da minha atitude e passou-me uma dispensa, escrita num papel, dizendo ao Tenente para se oficializar a questão em Viseu.

Aqui é que começa a história. 

Apanhei uma boleia numa viatura militar e apanhei o comboio. Tinha de me apresentar no dia 25, segunda-feira, mas fui ficando, até apanhar o comboio para Viseu no domingo seguinte, 31 de Julho, chegando ao RI 14 a 1 de Agosto.
Um fim-de-semana longo. Dez dias em casa, uma semana mais que essa tal dispensa.
Era o 1 de Agosto e chegado ao quartel começam todos: “Estás… f…”. O 1.º Sargento olhava-me muito sério, mas com vontade de rir, era daqueles que partilhava aquilo que trazia da terra, e lá ia um petisco, salpicão, presunto ou paio.
Dizia-me:
- E agora Mário?
Respondi:
- Agora bate chapas e tinta robbialac!
Disse-me:
- Estiveste de Sargento de Piquete, e quem te fez o Serviço foi o João!

O João era um Cabo Miliciano negro da Guiné.
Fui na direcção do Bar dos Cabos Milicianos. Curioso por ter sido o único quartel que o Cabo Miliciano tinha alguma coisa. Sucedia partilhar-se a Messe com a dos Cabos Milicianos, mas com divisórias, não fosse a moléstia.
Entretanto vejo o Alferes Miliciano Antunes, amigo e camarada. A nossa equipa na instrução, 77 recrutas cada vez, era uma máquina e sem óleo. Éramos os 4 indomáveis na instrução, desde Abril, sem paragens.
 Olhou-me, dizendo:
- Desta não te safas. Sabes que o João fez o Serviço de Piquete por ti, eu estava de Oficial de Prevenção, e tu nas putas… Não te safas não! Olha, amanhã estás de Serviço, novamente de Piquete, nunca pensei que fosses tu, mas ou o nosso Primeiro meteu água, não percebo, mas estás de Sargento de Piquete e eu de Oficial de Prevenção!
Interrompi-o e disse:
- O 1.º deve ter trocado o Serviço do João pelo meu. Como ele fez o meu Serviço, faço amanhã o dele!

Despedi-me a 4 de Agosto de todos. Chamado a frequentar o XX Curso de Minas e Armadilhas, a Tancos. Fiquei bem sensibilizado. O Tenente Coronel Faustino chamou-me e disse:
- Tentei livrá-lo, mas não foi possível. Estava apurado para os Campeonatos das Regiões Militares. Não me recordo das razões que levaram a que não ficasse inscrito logo na Reunião!
Respondi:
- Cheguei à tarde!
- Se chegasse de manhã, não teria sido chamado para Tancos!

Despedi-me com um aperto de mão. Segui para o Comando da Companhia, despedi-me dos Sargentos da Secretaria. Logo encarei com o Capitão Amaral, que disse:
- É bom rapaz, mas para um militar…

O camarada Antunes, parece ter chorado e abraçou-me.
De seguida foi um adeus e especiais cumprimentos para o Cabo Miliciano Fernando e o 1.º Cabo RD.

E a festa continuou. Em vez de me apresentar a 5 em Tancos, fui para casa e cheguei a Tancos de manhã. Espectáculo a chegada, gritavam em coro: “Estás feito e f… desta vez não… ”!

Velhos conhecidos, das Caldas, de Tavira, de Vendas Novas…
Perguntei quem recebia as guias e disseram ser um Sargento que estava sempre nos copos.
Disse:
- Vamos apostar? Entrego-lhe as guias, bebemos uns copos e o nosso amigo paga!

Apostámos uma rodada. O grupo não era pequeno. O Sargento estava junto da cantina e fui na sua direcção, ao ver-me diz:
- É você que falta? Só chega agora?
Respondi:
- Vai um copo?
Riu e disse:
- Onde é que ele está?

Bebemos o primeiro copo, depois o segundo, sem surpresa para mim pagou os copos. O vinho não era mau.
Começámos, não tenho a certeza o Curso nesse mesmo dia, mas só apresentação.
A 17 de Setembro terminámos.
Passei o Curso, mas foi um Curso com história, muitos Aspirantes e Cabos Milicianos chumbaram.

Por andar desenfiado, o Major da Secretaria no Regimento Artilharia de Costa (RAC) pôs-me de Sargento de Dia ao Regimento a 8 de Janeiro, partia para a Guiné a 11.
Dia 8 era domingo. O último domingo que devia estar com a família, fiquei de Serviço. Pagava 500$00, mas o Major fez tudo bem feito, ninguém pegou. Este Serviço era chato, era a bandeira e responsável pelos combustíveis.
Apresentei-me na parada, julgo que Tenente Ferro:
- Apresenta-se o Cabo Miliciano que vai entrar de Sargento de Dia ao Regimento e que parte para a Guiné na quarta-feira!
Respondeu:
- Vai partir para a Guiné e está hoje de Serviço? No final venha falar comigo!
Estando juntos, diz-me:
- Sabe, as braçadeiras põem-se e tiram-se, percebeu?
- Sim meu Tenente!
- Vamos ao rancho…

 Fui para junto da minha cama, tirei a braçadeira. Saí. Dei umas voltas e regressei. Fomos ao rancho, era bacalhau com grão. Nunca tinha visto tal. O Tenente exigiu ver o rancho não no tacho pequeno mas no caldeirão. As espinhas do bacalhau todo desfeito espetadas no grão.
Almocei com o Tenente que me fez a surpresa de encomendar bife com batatas fritas de um restaurante.

 Depois sucedeu mais uma asneira, talvez uma das piores da minha vida militar. Os carros que vinham atestar, entregava as chaves e dizia:
- Abasteçam-se!
Olhavam admirados e era encher e deve alguém ter dado com a língua que apareceu um número razoável de candidatos.
- É encher, encher!

O 1.º Sargento da minha Companhia (que era 2.º Sargento), dizia-me que tínhamos muito que fazer na Secretaria. Na Reunião com o Tenente, depois do jantar, combinou-se como seria feita a ronda. Disse-me que eu seria o último a fazer. Ninguém me acordou e mal abri os olhos e termina o Serviço, mudo de roupa e adeus RAC.
Voltei na quarta-feira, no dia 11 de Janeiro de 1967.

Chegada ao Largo de Bissau a 17. Transbordo para a LDM e barcaça, via fluvial, a vegetação quase a tocar-nos e com uma maçã golden, um ovo, um quarto de pão, uma laranja e destino incerto.
Estes atrasos terminaram aqui. Não existia espaço. Sentido das responsabilidades.
Quando fazia asneiras, ouvi mais de uma vez dos Oficiais:
- Isso era o que você queria! Não ganhei guerra nenhuma!

Mário Vitorino Gaspar
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14981: O segredo de... (22): O problema não eram os pecados, - os nossos segredos -. O problema acontecia quando quem mandava em nós desvendava os pecados (Domingos Gonçalves)

2 comentários:

Anónimo disse...

Conheci bem o Sr Cor F.Duarte.Não era pera doce. Mas protegia quem fosse desportista, especialmente se jogasse foot ball. Gostava de ter tido uma tropa assim.
José Pedro Grilo

Mário Vitorino Gaspar disse...


Quanto à opinião do Camarada José Pedro Grilo – o nome não me é estranho – Pois o meu Serviço Militar não foi diferente, foi unicamente aquilo que consegui enquanto percorri quarteis desde Caldas da Rainha; Tavira; Évora; Sacavém; Vendas Novas; Viseu; Coimbra; Lamego; Tomar; Tancos; Torres Novas; Penafiel e Oeiras. Iniciei este percurso a 3 de Maio de 1965 e depois deste percurso, embarco para a Guiné como Furriel Miliciano com a Especialidade de Minas e Armadilhas a 11 de Janeiro de 1967 – 20 meses de castigo por não querer ir para a guerra. Fiz de tudo um pouco para me livrar e passei por Prestar Provas para os Comandos, Prestar Provas para os Rangeres – antes tivesse sido Comando ou Ranger, fui condecorado, para além de Atirador e Especialista de Minas e Armadilhas. Mas ficaram outras para contar – nunca me arrependi – confesso que não ganhei nenhuma batalha.
Cu do Mundo, Gadamael Porto na Guiné, sempre operacional, neguei uma vez, mas mesmo nessa fui para uma Operação de chinelos e calções. Quantas e quantas as Operações – nada de Bissau – sempre no mato.
Meu melhor amigo morreu, e numa Companhia com o lema “Os Homens não Morrem”, foram 3 os mortos. E sendo contrário à guerra, estive sempre, na frente – e a picar – esta caminhada não a quero para ninguém. Pois com o Tenente Coronel Faustino, passei e boas. Quando fazia de Sargento de Piquete, saía de serviço de manhã, vinha carregado de cobertores e lençóis – o local onde passávamos a noite, cheira a mijo e merda – e tinha tanto um como a outra. Ao passar pelo Comando, estava à espera o Faustino, eu de cobertores, lençóis e FBP nas unhas e tinha de colocar tudo no chão para a valente paulada. E se não o fizesse?
Se o camarada gostava de uma tropa como a minha, esqueça. Não discuto o que cada um passou. Eu passei.

Mário Vitorino Gaspar