quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17693: (De) Caras (89): Abna Na Onça, balanta, capitão de 2ª linha, morto em Bissá, em 15/4/1967... Fotos precisam-se... Foi conhecido do Jorge Rosales, João Crisóstimo, Abel Rei e Henrique Matos


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > c. 1965/66 > O alf mil da CCAÇ 1439, João Crsóstomo, ao fundo, na ponta da mesa; em primeiro, de costas, o Abna Na Onça, capitão de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, com data de ontem, do João Crisostomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67, que vive hoje em Nova Iorque) , em complemento do poste P17686 (*)

Caro Luis Graca,

Admiro-me que ninguém tenha ainda enviado fotos do Abna Na Onça. Quando voltar a Nova Iorque vou procurar, pois -- se não as perdi -- sei que tenho alguma coisa: tenho mesmo uma foto com ele (só nós os dois) em que eu pareço quase um anão ao lado dele. 

Entretanto envio-te uma que encontrei aqui no meu “arquivo” do meu computador em que ele aparece. Se a memória me não engana esta foto foi tirada quando eu fui a Porto Gole pela 1ª vez mas ainda não era para ficar . Só sei que o chefe de posto resolveu convidar-me para almoçar . acredito que estava apenas de visita (talvez para reabastecer quem lá estava),  pois vejo dois sargentos que,  se me não engano,  não pertenciam à nossa CCAÇ 1439. 

Na foto,  vê-se na cabeça da mesa Abna Na Onça de costas, mas ainda dá para o identificar sem qualquer dúvida; depois, pela direita, o chefe de posto (cabo-verdiano) e a esposa dele; a seguir um sargento cujo nome não lembro mais; eu estou na cabeça da mesa oposta ao Abna na Onca; a seguir um outro sargento cujo nome me não lembro ( oxalá isto não seja princípio de Alzeimar, mas a verdade é que estou a esquecer tudo e só me lembro de metade dos nomes…); a seguir está um furriel que me lembro de chamar “Tony” e sei havia algo de especial a respeito dele ( conhecimentos dele com pessoas célebres, penso eu); e a seguir ao lado dele o filho do chefe do posto. 

Quanto a outras memórias de Porto Gole… quem não tem memórias dos lugares por onde passou???… No meu caso, embora começam a ficar já “enevoadas”: além de Porto Gole, não me faltam memórias de Enxalé, Xime, Bambadinca, Missirá…. e outros . 

 Acredito que qualquer um de nós tem material para escrever um livro de recordações se se puser com vontade de as partilhar . E creio que muitos outros, cingindo-se apenas a factos sem qualquer precisão de "florear" , têm até muito mais a contar do que eu. É neste espírito de confiança que eu leio o que outros escrevem, quando escrevem no teu/nosso blogue. Se há alguém que quer escrever para “fazer literatura”, então eu espero bem que escrevam um romance ou o que quiserem, mas não o façam no teu/nosso blogue. Esse é para mim como um arquivo de memórias que merece todo o respeito (embora compreenda que há muita gente que como eu já se lembre só metade das coisas e, sem querer, comece mesmo a baralhar coisas). 

As brancas são  "próprias da idade" e há que respeitar, mesmo que haja incongruências e confusões. Por minha parte de coração agradeço que quando virem que estou dizer coisas “erradas" me corrijam imediatamente ; que isso só vai ajudar (a mim e a todos os que leem) a história como se passou .
Um abraço a toda a malta que ler isto.

João Crisóstomo


2. Comentário do editor:

Obrigado, João, é uma foto preciosa. De facto, como te disse, não tenho nenhuma foto do lendário Abna Na Onça. Pelo menos que me lembre... em todos estes 13 anos e meio de blogue...

Sobre o Abna Na Onça, temos uma versão do Jorge Rosales, que é de 1964/66 (**):

(...) Diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schultz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (**)…


O Henrique Matos também o conheceu:

(...) Capitão de 2ª linha Abna Na Onça (...) era régulo de Porto Gole (não do Enxalé) e comandava a Polícia Administrativa, um grupo de pouco mais de 20 elementos que tinha uma farda esverdeada e estava armada com Mauser. Era um homem muito respeitado, não me esqueço que os soldados do [Pel Caç Nat ] 52 o tratavam por pai. Morreu em Bissá (ele e muitos outros), um chão balanta dominado pelo IN, onde alguém se lembrou de montar um destacamento sem o mínimo de condições (...).

Esperemos que apareçam mais fotos de (e depoimento sobre) o  Abna Na Onça (****).

PS - Pesquisando melhor, com tempo e vagar (que é coisa que não se tem quando se está de férias...), econtrei mais referências do Jorge Rosales  ao "homem grande" Abna Na Onça, incluindo uma foto de dele (!)n (*****). É  talvezx o poste mais completo sobre este guineense, que esteve do lado das NT e morreu em circunstâncias trágicas, em Bissá, ao tempo da CART 1661, conforme nos relatou aqui o Abel Rei (******).

__________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça


2 comentários:

Cherno AB disse...

Caros amigos,
O apelido do Cap. Abna "Na Onca" sugere-me uma grafia errada por simpatia, como diriam os entendidos na materia. Existe o apelido Balanta muito proximo "Na Onta" que, provavelmente, alguem transformou em "Onca" para nao variar. De uma forma geral, o Portugues metropolitano na altura, nao era bom em captar e grafar os nomes indigenas, existem variadissimos exemplos disso, como o caso de um familiar cujo apelido "Balde" foi transformado em "Valdez" para nao complicar. Se ele, de facto, tivesse o tal apelido, hoje apareceriam muitos com o mesmo apelido o q nao me parece ser o caso.

Com um abraco amigo,

Cherno Balde

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, obrigado pelo teu oportuno e precioso comentário, aliás como sempre. Lidei com os balantas do regulado de Badora (Nhabijões, Santa Helena, Mero, Fá Balanta...) mas o meu conhecimento da língua e da cultura balantas era mínimo... És capaz de ter toda a razão... O capitão devia-chamar-se Na Onta e não Na Onça..."Onça" devia ser uma corruptela de "Onta"... O seu apelido terá sido grafado de maneira tosca, para não dizer outra coisa. Ou é uma homenagem às suas qualidades de guerreiro...

É pena não sabermos mais da biografia deste chefe balanta que, se tivesse chegado à data da independência, não deveria ter tido grande sorte... como aconteceu com outros "cães dos colonialistas" (como o PAIGC os apelidava...), caso do régulo de Badora, que eu conheci bem, o Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha, e o régulo manjaco Baticã Ferreira...

Temos a obrigação de evocar a memória destes homens que estiveram do lado das autoridades portuguesas, ou seja, escolheram... "o lado errado da história", como dirão alguns... Seria interessante saber como são lembrados hoje pelos guineenses, nascidos depois da independência, estes homens que muitos de nós estimámos e apreciados tendo combatido ao nosso lado: Abna Na Onça, Baticã Ferreira, Mamadu Bonco Sanhã...

O Cherno Baldé, que é um "marginal-secante", um homem de duas culturas e duas épocas (o antes e o depois...), pode dar-nos o seu precioso testemunho sobre este tema delicado. Já há muito que apreciamos a sua vasta cultura, o seu arreigado amor à sua terra e a sua grande franqueza. Entre amigos, não hipocrisia.