quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17714: (De) Caras (93): O (e)terno "puto" Umaru, o Umaru Baldé (1953-2004), da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, 1969) e da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1969/71)... O seu maior desejo era ser... Português! (Abílio Duarte)


Foto nº 1 > Porto, s/d > Muito provavelmente na casa do ex-alf mil Pina Cabral, cmdt do 4º Pelotão da CART 2479 / CART 11: o Umaru Baldé e o Leonel (ex-1º cabo cripto


Foto nº 2 > Porto, s/d > Muito provavelmente no restaurante onde se realizou o convívio da CART 2479 / CART 11: o Umaru Baldé, de casaco e, ao peito, a sua inseparável esferográfica, tendo por detrás uma foto da zona histórica do Porto, com a ponte Dona Maria Pia (inaugurada em 1877, é uma das obras-primas do engº francês Gustave Eiffel e da sua equipa)  em primeiro plano.

Fotos do álbum do Leonel, cedidas ao Abílio Duarte.

Fotos: © Abílio Duarte  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas daa Guiné]



1. Mensagem de hoje, do Abílio Duarte [Foto à esquerda: ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70); está  reformado como bancário do BNU - Banco Nacional Ultramarino]:

Caro Luís,

Como prometi, no post P16525 (*), aqui vão as fotos, que o amigo Leonel (ex-1.º cabo cripto), me enviou, a meu pedido, que regista uma das vezes que o Umarú, Baldé esteve nos nossos convívios.

Excelente pessoa, pois na conversa que tive com ele, e ainda hoje recordo, estranho como é que alguém, que passou o que ele viveu e sentiu, fosse tão claro nos seus desejos: ser PORTUGUÊS!

O ser humano, resiste aos milhares de anos que atravessa, com uma alma que ninguém entende. O Umarú sobreviveu a muitas desventuras, que não nos passa pela cabeça, sequer entender.

Um abraço, e me desculpa por este desabafo,
Abílio Duarte

2. Comentário de L,G:

Abílio, obrigado. O Umaru Baldé (1953-2004), o "puto", está a sorrir, lá no alto do nosso poilão mágico... Ele adorava ser fotografado e rever-se nas fotos dos seus camaradas da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, março/junho de 1969) e depois da CAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Sempre o vi "puto", e traquinas, nunca o vi crescer... De resto, nunca mais o vi, depois do meu regresso a casa em março de 1971, mas também nunca o esqueci...

Nenhum, de nós, que lhe deu instrução., a ele e aos outros "putos", no CIM de Contuboel, era capaz de imaginar o pesadelo (e a tragédia) que lhes estava reservado, aos camaradas guineenses que vestiram a farda do exército português... O Umaru queria ser português, não sei se morreu português, aos olhos da lei...nem isso agora é relevante. Cultivaremos e honraremos a sua memória como um dos "nossos"...

Não tens, meu amigo e camarada,  que pedir desculpa pelo desabafo... Eu também não tenho, de momento, palavras para legendar as duas fotos que mandaste. Obrigado ao Leonel, Diz-lhe que o blogue também é dele, e estamos aqui para o receber de braços abertos, se for essa a sua vontade, a de integrar a nossa Tabanca Grande, como tu e o Umaru.
____________


(...) Comentário de Abílio Duarte:

Caro Luís: Num almoço aqui uns anos atrás, realizado em Coimbra, pelo nosso canarada Aurélio Duarte, o Umaru Baldé, esteve presente, não sei quem o levou, mas quem o trouxe para a Amadora fui eu.

Tenho algumas fotos em que ele está, mas não consegui encontrá-las, mas continuarei a procurar, caso o Valdemar tenha ou outro camarada nosso, principalmente o Alf Pina Cabral ou o 1º Cabo Cripto Leonel.
Vem este meu comentário, porque ao ler acima as tuas questões, veio-me á lembraça, a grande conversa que tivemos, os dois,  desde Coimbra.
Contou-me todas essas aventuras, que já estão relatadas, e das dezenas de vezes que tentou entrar em Portugal, segundo me disse que quando veio para Portugal , veio da Lbia, onde conheceu alguém que o levou a trabalhar para a construção civil, e que trabalhou para a SOMEC. aquando da EXPO 98.´

Pela primeira vez ouvi relatos do que aconteceu aos antigos nossos camaradas de armas, especialmente Fulas, e o assassínio de varios militares em armazén de Bambadinca.

Penso que o alferes a que ele se refere é o Alf Pina Cabral, que foi o seu comandante, durante a instrução em Contuboel, e que ele me contou, escreveu-lhe muitas cartas, foi com uma Carta de Recomendação, daquele Camarada, que ele veio para Portugal.

Naquela altura em que foi este almoço, ele já não trabalhava, estava doente e em casa, aqui na Amadora. Na altura deixou o seu NIB bancário para que o pudessem ajudar, o que felizmente alguns de nós o fizeram. 

Quando encontrar as fotos enviarei.

Agora un áparte, sobre uma conversa que tive com o ex-presidente Luís Cabral, quando este foi corrido pelo 'Nino', e veio, como outros para Portugal!!!  Ele e o Vitor Saúde Maria e mais alguns, ficaram como exilados politicos numa casa que aqui há na Amadora, para o efeito.

Um dia deu-me na tampa. O Luís Cabral era cliente do BNU, na Amadora, eu estava lá colocado, e cada vez que via o dito, dizia para mim, "porra este gajo anda sempre bem disposto e a rir, parece que a ele não aconteceu nada#. Então ele veio ter comigo, que estava a espera de uma transferência, referente a comissões de um negócio qualquer, tratei-me de informar e disse-lha o que havia, Ao despedir-se, pedi-lhe para me dar um minuto de atenção, e perguntei-lhe se achava bem o acolhimento que o Governo Português lhe estava a dar, comparado com aquilo que o PAIGC, fez aos soldados africanos PORTUGUESES, na Guiné.

A  resposta foi:  pegou-me na mão, olhou-me aom aquela cara de sorriso eternamente satisfeito, e afirmou: "a vida e a politica dão muitas voltas". E assim foi na sua paz de alma.

E nós,  a aguentar isto. Depois dele foi o 'Nino' que foi corrido, e também veio pa Portugal. Só os nossos camaradas que juraram a nossa Bandeira, é que ficaram indefezos, nas mãos destes criminosos.(...)

 26 de setembro de 2016 às 21:19

(**) Último poste da série > 27 de agosto 2017 >  Guiné 61/74 - P17704: (De)Caras (95): Abna Na Onça, cap 2ª linha, comandante de uma companhia de polícia administrativa, regedor do posto do Enxalé, prémio "Governador da Guiné" (1966), morto em combate em Bissá, em 14/4/1967, agraciado a título póstumo com a Cruz de Guerra de 1ª Classe (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Abílio, retomo o fôlego e pego de novo num comentário que eu fiz ao teu comentário sobre o Umaru Baldé e o Luís Cabral:

O nosso "puto" Umaru Baldé, como eu lhe chamava, levou 24 anos (!) a chegar a Portugal, desde que, perseguido, foi forçado a sair da sua terra natal, em 31/12/1974, governada então por Luís Cabral (1931-2009)]...

Depois da última (?) estação do calvário, a Líbia, conseguiu por fim um visto para entrar na "Pátria Portuguesa" que ele tanto amava .... Chegou já doente a Portugal... Esteve internado cerca de 10 meses, ao longo do ano 2000, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, mesmo sem título de residência, segundo ele conta numa das suas cartas. Acabou por sobreviver mais cinco anos, tendo morrido, ao que sabemos, em finais de 2004, segundo a versão do nosso amigo, camarada e grã-tabanqueiro, António Fernando Marques, ex-fur mil at inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambabinca, 1969/71. que deu em vida todo o apoio possível ao Umaru Baldé e que foi ao seu funeral.

Sabemos que o Umaru voltou à Guiné-Bissau, em 2003, e regressou, cada vez mais doente, a Portugal, para morrer no antigo Hospital do Barro (ou no Hospital Curry Cabral ?), onde, ironicamente, haveria também de morrer, cinco anos mais tarde, em 30/5/2009, o antigo presidente da Guiné-Bissau, igualmente vítima de doença prolongada, como o Umaru Baldé...

Hipoteticamente, poder-se-iam ter encontrado, no "terminal da morte" que era então o Hospital de Barro (hoje desativado), a "vítima" (Umaru Baldé) e o "carrasco" (Luís Cabral)... Há um forte simbolismo nesta eventual coincidência... De qualquer modo, os dois passaram pelo Hospital do Barro, "terminal da morte", memso que em épocas diferentes, o Umaru Baldé, pelo menos em 2000, e o Luís Cabral, em 2008...

Não é preciso recordar que foi no tempo de Luís Cabral que se assistiu à perseguição, prisão, tortura e, em muitos casos, execução brutal, sumária, pública ou clandestina, de antigos militares guineenses que integraram as forças armadas portuguesas (incluindo milícias e polícia administrativa).

Não é preciso recordar que Luís Cabral, o primeiro presidente da Guiné-Bissau independente, foi derrubado por um golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, levado a cabo pelo seu camarada 'Nino' Vieira (1939-2009).

Aberta a "caixa de Pandora da violência revolucionária", os guerrilheiros no poder começaram, eles próprios, a matar-se uns aos outros. 'Nino' ´é cruelmente assassinado em 2/3/2009, dois meses antes da morte "natural" de Luís Cabral, exilado em Portugal e que o nosso camarada Abílio Duarte conheceu como "simples cliente" da agência do BNU -Banco Nacional Ultramarino na Amadora....

Enfim, ironias da História (serão mesmo ?)... De resto, eu acredito mais na justiça dos homens (leia-se, da História) do que na justiça divina... Se há um "juízo final", é o da História... É a História que nos vai julgar a todos...

Valdemar Silva disse...

Olá Duarte
Fizeste bem enviares estas fotos para a Tabanca Grande e ao mesmo tempo lembrares
do que já escreveste sobre o Umaru Baldé. É sempre bom se saber como toda esta problemática da guerra na Guiné se passou com aqueles que estiveram do nosso lado e sempre com grande lealdade, pelo menos os que estiveram na nossa Companhia.
Desconhecia a existência destas fotografias. Devem ter sido tiradas quando o Umaru
foi ao Porto para falar com o 'Alfero' Pina Cabral e pela roupa vestida foi por mais que uma vez. A foto nº. 1 com o Leonel deve ser em casa do Pina Cabral pois a fotografia que aparece em fundo é a do meu/nosso 4º. Pelotão.
Quem ver estas fotos do Umaru está a ver um homem de 50/53 anos e com mais de 1,80 m de altura e não faz ideia como era o Umaru quando se apresentou prá tropa em Contuboel. Era um rapaz com cerca de 16 anos, magricelas e baixa estatura que enganou bem quem o 'chamou' prá tropa.
Sobre o Umaru Baldé há muita coisa escrita no nosso blog e que merece ser consultada
para melhor se compreender o que se passou com os soldados naturais da Guiné que estavam do nosso lado.
Abraços
Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Valdemar, por nos ajudares a completar as legendas das fotos... Falta só saber o ano.

O meu camarada da CCAÇ 12, António Marques, tem um lote de correspondência, trocada entre ele e o Umaru Baldé, que já me prometeu que me mostrava. Essa documentação é preciosa. O Umaru Baldé aprendeu, esforçadamemte, o português e escrevia razoavelmente bem... Nas fotos ele aparece sempre com duas ou três esferográficas nos bolsos...

Estes homens, nossos camaradas, são mais do que náufragos do império: são (ou foram) a primeira leva de refugiados que tentam desesperadamente chegar a Portugal, no período pós-independência da Guiné-Bissau. Não sei o que se passou com os outros países, Angola e Moçambique, em que também houve "ajustes de contas" com aqueles que serviram o exército português...

A partir das histórias de vida, dispersas, destes nossos antigos camaradas guineenses, podemos de algum modo reconstituir os dolorosos caminhos da fuga e do exílio... Estou-me a lembrar de outro caso, o do nosso grã-tabanquerio Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), cujas memórias ficaram incompletas: o II volume, relativo à fuga e exílio, resume-se a umas 50 páginas, que estão nas mãos do Virgínio Briote, seu "paciente" confidente e biógrafo... Seria interessante publicá-las, memso assim, com a autorização da família, já o Amadu Djaló, infelizmete, já não está entre nós...