domingo, 8 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23962: "Una rivoluzione...fotogenica" (4): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte III: Cambança(s)

 


Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança do rio, em canoa > Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 13 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Local “ferry” - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança do rio, em canoa > Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 14 - Life in Sara, Guinea-Bissau - River “ferry” - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 17 - Life in Sara, Guinea-Bissau - River crossing by canoe - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 16 - Life in Sara, Guinea-Bissau - “Ferry” reaching the other river bank - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 15 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Old man stepping onto the “ferry” - 1974



Guiné-Bissau  > Campada > Fronteira com o Senegal > Roel Coutinho na escola de ensino secundário ("college") /  Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 7 09 - Campada college on the northern frontline, Guinea-Bissau - 1974 

(Observação da ASC Leiden: Campada,  na fronteira com o Senegal,  a 35 km a leste de São Domingos, entre Sedengal e Ingoré na estrada  Bissau - Ziguinchor.)





Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)  


1. O médico neerlandês Roel Coutinho é uma figura mediática no seu país, com grande prestíg
io científico e profissional, tendo-se destacado na luta e prevenção do HIV/SIDA,mas também na pandemia de gripe A (H1N1) em 2009 e mais recentemente na pandemia de Covid-19. 

Nasceu em 1946, sendo de origem portuguesa, sefardita, do lado paterno. A mãe é também de origem judia, alemã. A família teve que se esconder durante a ocupação alemã, na II Guerra Mundial, e foi vítima de antissemitismo no pós-guerra. 

O jovem médico Roel Coutinho esteve entre março de 1973 e abril de 74, na Guiné.Bissau e no Senegal.  Além de ter pretado cuidados de saúde pública (vacinação, etc.), nas áreas sob controlo do PAIGC, documentou também, fotograficamente, muitos aspetos da vida das  populações locais bem como da guerrilha, com destaque para o quotidiano, a educação e a saúde. De volta à Holanda (em abril de 1974), especializou-se em microbiologia médica. Em 1975 contribuiu para a erradicação da varíola no Bangladesh. 


Roel Coutinho, 2016, foto de
Patrick Sternfeld / capa da revista "Benjamin",
junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...

Apesar de reformado, mantém uma ligação à Fundação PharmAcess, criada em 2001 pelo seu colega, o prof Joep Lange (1954-2055) para levar medicamentos a toda a África subsariana ("If we can get cold Coca-Cola and beer to every remote corner of Africa, it should not be impossible to do the same with drugs" / Se conseguimos levar Coca-Cola e cerveja frescas a todos os cantos remotos da África, não deve ser impossível fazer o mesmo com os medicamentis", dizia Joep Lange, que orreu em 17 de julho de 2014, no ataque ao voo Malaysia Airlines 17, em que viajava para participar da 20ª Conferência Internacional do HIV/SIDA em Melbourne).

2. Em entrevista à revista trimestal "Benjamin" (junho 2016, ano 28,
nº 104, pp. 17-19), publicada pela 
JMW - Joods Maatschappelijk Werk
(em inglês, "JMW - Jewish Social Work", "Trabalho Social Judaico", em português), Roel Coutinho aceita falar da sua ascendência portuguesa e judaica, além naturalmente da sua juventude e da sua carreira académica. 

 A entrevista é em neerlandês, língua que não dominamos, mas fizemos em simultâneo tradução do texto, em pdf, em inglês e em português, com a ajuda do Google Tradutor.


Resumindo algumas das respostas às perguntas da entrevistadora (Margalith Kleijwegt):

(i) Os pais eram judeus, não religiosos.

(ii) Conheceram em Amsterdão e se casaram no início da guerra;

(iii) Em Laren, a sudeste de Amesterdão, na província da Holanda do Norte,  conseguiram a solidariedade de uma famíia holandesa que os escodeu, durante um ano e meio; foi aí que nasceu a sua irmã mais velha; depois tiveram que mudar de esconderijo, com regulardade, até que conseguiram novos papéis de identidade, graças à cumplicidade de alguém no município,

(iv) Foram tempos de grandes dificuldades que deixaram marcas profundas na família, nos pais e na irmã.  Mas a guerra, o pós-guerra e o antissemitismo eram discutidos em casa, se bem que às escondidas. Falava-se dos parentes e amigos dos pais que morreram deportados.

(v) Não fez o "Bar Mitzvá", aos 13 anos (como manda a tradição judaica"), porque os pais não eram religiosos. O pai era de origem judaica portuguesa, a sua família existia há séculos na Holanda / Países Baixos. "O meu pai era anarquista, era de esquerda, a religião não era importante para ele. A minha mãe, de origem alemã, também nºao teve educação religiosa"

(vi) Na adolescência, Coutinho foi vítma de atitudes racistas, No ensino secundário, tinha um amigo do peito, praticavam desporto juntos e gostavam de conviver um com o outro. Um dia o jovem Coutinho teve uma paixoneta inocente pela irmão mais nova do amigo. E, para sua surpresa, o pai da rapariga foi de uma intolerância atroz. Durante anos Coutinho sofreu com esta expriência traumatica por parte do pai de um amigo, que já durante a guerra era um  antissemita.

(vii) Coutinho foi estudar medicina e viajou depois de um ano para Israel por alguns meses com um amigo não-judeu. Ele acha que essa viagem pode ter tido algo a ver com a anterior experiência traumática. A viagem foi cativante e divertida mas ele em momento algum se sentiu identificado com Israel.

(viii) Durante o seus tempo de estudante de medicina, Coutinho também foi inesperadamente atacado por um colega, que estava bêbado, e que lhe lançou à cara que ele e a sua espécie deviam ter sido todos mortos nas câmaras de gás. Coutinho ficou sem palavras, incapaz de reagir.

(ix) Confessa que este incidente foi menos dramático que o primeiro, mas ele ficou a pensar: “Se eu tivesse sido mais conscientemente judeu, eu teria podido responder melhor. Se tu tens amigos judeus, podes falar sobre isso, trocam experiências, mas eu tinha que ser judeu, o que nunca assumi"

(x) Hoje, mais velho e reformado, interessa-se por história, lê muito sobre a guerra e  em especial sobre a história dos judeus neerlandeses.

PS - A perseguição aos judeus, durante a II Guerra Mundial, foi um duro golpe para a comunidade iudaica de origem portuguesa, em Amesterdão: 3.700 dos 4.300 judeus de origem  portuguesa pereceram.

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11 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem diria que havia aqui guerra, observando estas cenas, mais ou menos idílicas, da travessia do rio (que rio ?) em canoa... O autor chama-lhe o "ferry boat" local...Estamos no final da guerra, em março ou abril de 1974... E já todos (a começar pelo PAIGC) estavam cansados da guerra... A começar, seguramente, por esta desgraçada população... Mas o fotógrafo (amador) não capta quaisquer sinais de descontentamento, de revolta, de desânimo... nesta população de Sará, onde havia um "hospital" (leia-se uma "barraca"...) com pessoal de saúde (um médico cubano, uma enfermeira guineense...).

Valdemar Silva disse...

Já enviei ao meu filho toda esta documentação, para ele saber por lá mais sobre Roel Coutinho.
Ainda não respondeu.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Valdemar,sabes que tenho uma grande admiração por este país e pela tenacidade deste povo... Tem defeitos como todos, mas é, como nós, um povo marítimo, aberto aos outros... E depois não teve uma elite "beata" como a nossa, responsável pela nossa decadência acelerada a partir de Dom João IIII... De Pinto e outros grandes "patricios" da elite holandesa do séc. de oiro eram de origem portuguesa... Capitalistas e homens de profissões científicas e técnicas que muita falta nos fizeram nos séc . XVII e XVIII. A Santa Inquisição só foi extinta em 1821... Mas não conseguimos extirpar a mesquinhez, a ignorância, a incultura, a estupidez, a intolerância de boa parte dos nossos compatriotas com maisso elevado estatuto social...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Talvez o facto de ter sido vitima de raciSão no seu próprio país, tenha levado o Roel Coutinho a conhecer a Guiné-Bissau, pondo-se ao lado do PAIGC. Não sabemos as circunstâncias em que ele viajou e foi "hóspede" do PAIGC já depois da morte de Amílcar Cabral. Talvez algum leitor saiba mais sobre esta história.

Fernando Ribeiro disse...

A forma como a Holanda/Países Baixos acolheu os judeus portugueses foi notável, realmente, mas outros países fizeram o mesmo e pouca gente fala deles. Refiro-me à Turquia, Marrocos e talvez Tunísia, sobretudo, onde ainda hoje vive uma numerosa comunidade sefardita, isto é, originária da Península Ibérica, e no entanto niguém diz que os turcos ou os marroquinos são abertos aos outros. E na verdade até são, nomeadamente os marroquinos, como tive oportunidade de verificar pessoalmente. Quanto à proclamada abertura e tolerância dos holandeses, lembro que os boers da África do Sul são maioritariamente de origem holandesa e, no entanto, instituiram um dos mais iníquos regimes políticos da História recente, baseada na mais feroz intolerância racial.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Queria dizer: "Talvez o facto de ter sido vítima de RACISMO no seu próprio país"...

Anónimo disse...

Pergunta o nosso Homem Grande da Tabanca, "Marechal" Luís Graça, "Qual será o rio?"
Ora como as fotos se referem à Base de SARA, e o rio não é largo, só pode ser o ramo de Norte do Mansoa no seu curso inicial., onde existiam 2 Sara, uma quase no limite da área do BCaç e outr mais para o interior, seguindo-se na direção da cidade de MANSOA, as bases de Sarauol e Mantém esta já na junção dos dois braços desse rio Mansoa.

Abraços
Jorge Picado

Valdemar Silva disse...

Na África do Sul, a intolerância racial (apartheid) foi instituída, por decreto, em 1948, pelos governantes de origem britânica saídos da guerra contra os bóeres e da independência de 1910.
Os africâneres ou boeren (plural de boer) antigos agricultores calvinistas holandeses, alemãs e franceses, que tinham sido abandonados pela Companhia das Índias do Cabo, até praticaram miscigenação, devido ao grande número de mulheres, com habitantes de Madagascar, asiáticos e escravos.
Pode-se dizer que os africâneres são um povo com língua e características próprias na África do Sul e não só. A língua é, principalmente, o neerlandês falado no séc. XVII, com muitas palavras crioulo. Existe uma estátua de Vasco da Gama, em Évora, oferecida pela África do Sul com dedicatória escrita em africâner.
E sobre os africâneres também conhecidos por BOER (agricultor em neerlandês) até está dicionarizada em português como bóer o plural bóeres.
Ora bem, trata-se de uma palavra neerlandesa aportuguesada. Mas, na grande parte das palavras aportuguesas são, assim formadas, por semelhança da pronúncia: handball=andebol; football=futebol; beef=bife; picnic=piquenique, o que não acontece com boer, dado que não se pronúncia bóer, mas sim baerr e até burr, bem como o plural não é bóeres mas sim boeren que se pronuncia buarra. O quer dizer que foi dicionarizada por informação fonética por um português, tivesse sido por informação de um neerlandês talvez, agora, chamaríamos "burro" a um boer. Também dizemos sarf e escrevemos surf.


Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

O Valdemar está a ver o filme ao contrário. Como pode afirmar que a intolerância racial foi instituída na África do Sul pelos governantes de origem britânica, se a própria palavra apartheid não é inglesa e os governantes tinham nomes como Malan, Botha, Verwoerd, Dutoit, de Klerk, etc.?!

O regime do apartheid foi instituído em 1948 pelo partido nacionalista boer, chamado Partido Nacional. Os sul-africanos de origem britânica, por seu lado, estavam representados pelo Partido Democrático, que era a única oposição oficialmente reconhecida, porque era exercida por brancos. O Partido Democrático era um partido conservador de pendor liberal, que defendia a abolição da segregação racial, de forma a permitir a emergência de uma burguesia negra sul-africana e a abertura do país para o mundo, tirando-o da situação de pária de comunidade internacional.

Já agora, cabe dizer que a numerosa comunidade portuguesa na África do Sul apoiava na sua grande maioria o regime racista, porque lhe dava uma situação de privilégio decorrente da cor da pele. A tão proclamada «vocação universalista dos portugueses» é uma frase muito bonita, que fica sempre bem no discurso dos políticos, mas que não corresponde à realidade.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro

Valdemar Silva disse...

Pois Fernando Ribeiro, vi o filme com má tradução das legendas e deu bota ou, melhor dizendo, deu Botha da grossa.
O apartheid ('separação' em africânder) é instituído pelos nacionalistas bóeres, porventura da sua crença racista calvinismo 'os brancos eram os eleitos de Deus'.
E subscrevo todo o resto do comentário.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Os boeres eram muito admirados pelos portugueses brancos ultramarinos que sonhavam com uma independência semelhante para Angola e Moçambique.

Os ingleses brancos rodesianos fizeram isso com a Rodésia, contra a ideia inglesa.

E conseguiram meia dúzia fazer essa independência, mas eram ingleses, eram organizados e mostraram-se patriotas, se fosse em Angola e Moçambique desorganizava-se tudo imediatamente.

Os boeres detestavam os portugueses, suportavam-nos, porque lhes guardavamos as costas em Angola e Moçambique...se soubessem que o ponto fraco nosso era na Guiné vinham com helicopteros a Bissau.

Os boeres, uma raça muito estranha, deixaram armazens com tanto ouro em barra ao Mandela, como se aquilo fosse eternamente deles, que os sul-africano bem podiam fazer um banquinho em barra de ouro para cada um se sentar.