sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25846: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (30): Inspeção militar: "Ir às sortes", em Marvão (nota de leitura de artigo de Jorge de Oliveira, CHAIA / Universidade de Évora)


Fita de apurado (1980).
Fonte: Jorge de Oliveira
(2021)
(com a devida vénia...)

Jorge de Oliveira (CHAIA / Universidade de Évora) "Ir às Sortes" nas freguesias de Santo António das Areias e Beirã.Revista "Ibn Maruan", nº especial de 2021, pp. 447-Câmara Municipal de Marvão / Edições Colibri



1, Jorge de Oliveira, professor  e investigador (Centro de História da Arte e Investigação Artística /Universidade de Évora) publicou na revista "Ibn Maruan", um interessante artigo sobre a ida  às sortes nas freguesias de Santo António das Areias e Beirão, do concelho de Marvão, distrito de Portalegre (tinha 7,5 mil habitantes em 1960, 5, 4 mil em 1970... e hoje, pouco mais de 3 mil).

Segundo ele, "ir às sortes" seria uma expressão relativamente recente, remontando ao período do pós-I Guerra Mundial.  

 "Ir às sortes",  no tempo do Serviço Militar Obrigatório (SMO),  era ser submetido à Inspecção Militar  no ano em que um "mancebo" (ou seja, um "aprendiz de homem"...) completava os 20 anos.

 (...) "Poderemos com alguma certeza afirmar que a expressão 'ir às sortes' teve origem no período de paz, pós primeira Guerra Mundial. A obrigatoriedade de ir à inspecção militar passou por diferentes formatos ao longo do tempo" (...)

É óbvio que, em tempo de paz, o exército não precisava de muitos "magalas", podia dispensar a "carne para canhão"... apenas os mais 'listos' (espertos, vivaços) eram recrutados, depois de "dados como aptos para prestarem serviço militar".

O que é que fazia a "junta" que presidia à inspeção militar ?

(...) "Do grupo dos restantes, o sargento, o médico e o soldado (sic) que faziam a inspecção 'sorteavam', mais dois ou três mancebos, para substituição de algum dos que anteriormente tinham sido dados como aptos,  não comparecesse",  por qualquer razão (...)

Esta seria a explicação para a  expressão "ir às sortes", sinónimo de inspeção militar em tempo de paz... E tinha implicações simbólicas e práticas na vida dos mais jovens, sobretudo entre a população rural:

(...) "Em época de paz, nos contextos mais rurais e economicamente menos favorecidos, onde o analfabetismo atingia grandes proporções, o ser dado como apto e ser chamado para a tropa era uma forma de provável fuga, pelo menos durante algum tempo, ao pesado trabalho do campo e ter garantida uma mesa guarnecida, ainda que muito repetitiva". 

E mais: "Sair do campo e ir parar a um qualquer quartel, que se situava sempre em contexto urbano era, logo à partida, uma nova experiência que lhe ficaria gravada para toda a vida. Fosse a recruta mais ou menos pesada nunca se igualava ao peso da enxada, desde o nascer ao por do sol, dia atrás de dia. Alguns aproveitavam para aprender algumas letras e até a carta de condução conseguiam tirar." (...)


2. E quanto ao significado das cores das fitas que os "mancebos" usavam nesse dia, uma vez finda a inspeção ?

 (..,) "Três diferentes cores podiam ter as fitas que, após 'as sortes',  podiam vir atadas ao braço, ou na lapela do casaco e que assinalavam a situação em que o mancebo tinha sido colocado, ou sorteado, como também se dizia."(...)

 A verde significa  "apto para todo o serviço", a vermelha, "inapto" e "a amarela (muito rara)" era para os que, por qualquer motivo ( saúde, peso,.  etc. ),  "ficavam a aguardar nova chamada." (...)

Ao que parece as cores das fitas e o seu significado não eram uniformes, dependendo da época e da região do país.

(...) "Por exemplo, houve alturas em que as cores se inverteram, fita vermelha que ostentavam na lapela em sinal de terem sido 'apurados para todo o serviço militar' , branca se ficavam livres do cumprimento do serviço militar, e verde, se ficavam em espera,
tendo de repetir a inspeção no ano seguinte" (...)


As cores podiam variar de DRM para DRM 
 (Distrito de Recrutamento Militar), sendo vendidas pelos "prontos" que acompanhavam as juntas...

O processo de "ir às sortes" seguia vários trâmites, que o autor descreve com alguma pormenor:

(i) a lista de mancebos desse ano era exposta no edifício da câmara e nas respectivas juntas de freguesia;

(ii) nela se indicava a data, a horaq e o local da inspeção;

(iii) por norma, a data coincidia com o fim da primavera ou princípios do verão, ppor razóes de conveniência da tropa e dos mancebos.

Uma vez fixada e conhecida a lista de convocatória, com o nome dos mancebos,  começavam, em cada terra, os preparativos para a celebração desse dia que representava um verdadeiro "rito ou ritual de passagem (à vida adulta)"

Elegia-se uma comissão, a nível de concelho ou freguesia, para organizar os festejos. 

 No caso de Marvão (que era um concelho pequeno e raiano) aparecia sempre na lista rapaziada que já ninguém conhecia, por, embora  lá tendo nascidol, haverem saído cedo, em geral com os pais, para outras paragens.


3. Na década de sessenta, com o início da guerra colonial, o "ir às sortes" deixou de ter o significado que tinha em tempo de paz. Quase toda a gente era apurada...

(...) "Os que tinham 'conhecimentos' tentavam, por todos os meios, com a antecedência necessária, meter uma 'cunha' para se conseguir safar" (...). 

E foi nessa época que alguns mitos se difundiram, de resto conhecidos de todos nós... O autor cita alguns;

(i) "uns diziam que, oferecendo-se anteriormente como voluntários, tinham menos probabilidades de ir para à frente de combate", o que não era verdade;

(ii)  "alguns mancebos tentavam esconder as suas qualificações académicas para virem a ser incorporados como soldados", baseados na crença de que entre os graduados (alferes e furriéis) era maior a mortalidade em combate;

(iii)  também se dizia que o exército era homofóbico, pelo que "os homossexuais eram, imediatamente, dispensados".  

E havia outras artimanhas, como acontecia noutros períodos da nossa história, em que o país esteve em guerra;
 
(iv) "Alguns, contava-se, que se deitavam junto à linha de caminho-de-ferro, lá para os lados da Herdade dos Pombais e quando o comboio ia passar metiam o indicador direito sobre a linha para amputar o dedo do gatilho" ( o indicador da mão direita, em geral); 

(v)  "Outros, intencionalmente, com qualquer instrumento cortante amputavam esse dedo"...

 (vi)  Outros, ainda,  que tinham médicos amigos ou conhecidos ou dinheiro para os pagar, arranjavam atestados de doenças falsas ou imaginárias, "que algumas vezes convenciam de imediato o médico de serviço à inspecção  e outras vezes convocava-os para uma Junta Médica Militar, à qual, por norma, não escapavam";

(vii) "Havia também aqueles que invocavam um artigo qualquer da legislação que dispensava da tropa os que, por motivo de serem o único sustento para a família, ficavam livres de prestar serviço militar";

(viii) "Relatos havia de mancebos selecionados que pagavam a outros, já regressados da tropa, para os substituírem no Serviço Militar";

(ix)  "Por fim, para aqueles que tinham condições e apoios para isso, havia sempre a possibilidade de se escaparem para outro País e não comparecerem 'às sortes' ou à 'incorporação' "...

Acrescenta o Jorge de Oliveira:

(...) "Sabemos que um dos trajectos de fuga passava exatamente por caminhos fronteiriços do concelho de Marvão, sendo a passagem pelo Batão, ou pela Fontanheira os locais mais assinalados."

4. Houve, entretanto,  uma altura em que a inspeção dos mancebos de Marvão passou a ser efectuada fora do concelho. Neste caso, "um dos mancebos, por norma aquele que tinha mais habilitações literárias,  era chamado à câmara a quem o secretário entregava os salvo-condutos de todos os mancebos e outra papelada para, de comboio, chegarem ao DRM assinalado" (em geral Abrantes ou Coimbra). 

(...) "Por norma viagem era realizada na véspera e à chegada ao destino cada um desenrascava-se para encontrar local de pernoita e no dia e hora marcada estarem todos à porta do quartel. 

"Mas a partida para a inspecção era antecedida, obrigatoriamente, de um clássico ritual de passagem e purificação. Um banho purificador nas águas do Rio Sever, com todos os mancebos, tal como vieram ao mundo, aquecidos por dentro com o conteúdo do
palhinhas a que se seguia uma forte almoçarada com aquilo que cada um trazia na
mochila. Um tocador de concertina, a quem se pagava, e uma camioneta mais ou
menos alugada e lá ia a rapaziada toda, alegremente, a caminho do Batão, ou da Ti
Maria Jacinta, locais mais apreciados para estas festanças. " (...)

Para alguns mancebos de Marvão era o primeiro banho integral que tomavam na vida!

Mas vamos agora à inspeçáo militar p. d., que se realizava no dia seguinte, num quartel (Coimbra ou Abrantes):

(...) "Primeiro, conferir as identidades, depois a avaliação física. Depois de totalmente desnudados e postos em fila ia-se aguardando a vez de serem inspeccionados pelo médico. De vez em quando, algum da fila empurrava com força o da frente fazendo com que todos batessem com o pénis nas nádegas doque lhe seguia à frente. De imediato se ouvia, o que seria natural ouvir por parte dos soldados que por ali estavam, cada um de uma tropa especial, tentando captar voluntários para alguma das suas especialidades: "cambada de paneleiros!".

"O médico lá perguntava se tinha alguma doença, mandava o mancebo rodar 180º, via-lhe as unhas dos pés e,  se não fosse cocho, e não lhe faltasse nenhum membro, da parte dele estava apto para todo o serviço. 

"Venha o seguinte, e assim por diante.

"Depois seguiam-se os chamados 'testes psicotécnicos', diferentes para cada um dos grupos, separados logo ao início. A primeira pergunta para o grupo maior era, invariavelmente, se sabia ler e escrever e depois seguiam-se umas perguntas retóricas, orais, para avaliar as capacidades cognitivas dos mancebos. Aí é que alguns eram logo mandados afastar da fila. 

"Seguiam-se os testes de destreza manual e capacidade visual. Não convinha esforçar-se muito nestas provas, porque poderia ir parar a atirador especial e em tempo de guerra, não era nada conveniente. 

"Também não resultava de nada a estratégia, que alguns praticavam, de errar tudo e não dizer coisa com coisa, para ver se eram colocados de lado. Os sargentos que acompanhavam os mancebos já conheciam todo o tipo de música e de nada valia fazerem-se de malucos. 

"O resultado das inspecções ainda era noticiado antes do almoço, maioritariamente, no tempo da Guerra Colonial, até os que tinham amputado o indicador direito ficavam apurados para todo o serviço, o outro dedo também servia para puxar o gatilho das G3, ou o das velhinhas Mauser." (...)

A tropa dava o almoço...e no fim o oficial de dia entregava a cada mancebo um papel onde constava o resultad9o da inspeçáo (apto ou não apto)  e ," ao que tinha trazido os documentos entregues pela Câmara, um envelope fechado para devolver ao secretário do município".

Toda a papelada em ordem, um novo salvo-conduto era entregue para  o regresso a Marvão, de comboio... 

 Os pormenores do regresso a casa  têm, inegalvelmente interesse etnográfico ou documental;

(...) "Como combinado, o tocador de concertina, já aguardava a chegada do grupo. Agora era altura de começar a correr todas as tascas por onde se ia passando e, em tempo, quase porta sim, porta não, havia uma taberna no concelho de Marvão. As pandeiretas, nas mãos da rapaziada, tentavam acertar o compasso com o som que da concertina saía e lá se ia provando o tinto ou o branco de cada taberna da Beirã.

"Como o baile estava combinado para a Sociedade de Santo António das Areias, havia que transportar o grupo até à outra aldeia. A camioneta de caixa de carga que os havia levado ao banho purificador no Rio Sever, volta a ser contratada para o trajecto de retorno à aldeia. 

"Contudo, havia que parar em todas as tabernas que pelo caminho existissem. Nos Barretos e na Ranginha a paragem era obrigatória, por aí havia onde molhar a garganta. À entrada de Santo António a rapaziada saltava da camioneta e aí juntavam-se ao grupo os convidados dos mancebos. Com a concertina à frente o grupo fazia o esforço de peregrinar por todas as tascas para provar a especialidade de cada uma. 

"Estranhamente, do grupo, desapareciam os que tinham recebido fita de inapto. Essa fita representava o sinal de incapacidade física ou mental e nenhum dos contemplados com esse 'estigma' queria expor-se à comunidade, embora, no tempo da Guerra do Ultramar, fosse invejada pela maioria" (...)

Conforme o número de mancebos apurados, em cada ano, assim era o local da janta.

(...)  Anos havia em que uma cozinheira era contratada para fazer o jantar e rapidamente se montava na  Sociedade uma sala para aí se apreciar o petisco e continuar a matar a sede. Se o grupo era mais pequeno, então o frango assado previamente acertado com o Ti Saul servia perfeitamente e o vinho que ele produzia combinava porque até não era nada mau!" (...)

5. Seguia-se depois o tão ansiado "Baile das Sortes"...

(...)  A organização desse baile era da total responsabilidade do grupo das Sortes que pagaria ao tocador de concertina, ou nalgumas ocasiões, a um 'conjunto musical', geralmente o que nessa altura estava constituído com gente da aldeia (famílias Lança, Mota e Gavancha e eventualmente mais algum membro).

"Por volta das 10h30m, praticamente toda a aldeia, sobretudo as moças casamenteiras, sempre acompanhadas pelas mães, começavam a encaminhar-se para a Sociedade e a ocupar preventivamente, os lugares mais visíveis. 

"Por norma, à volta do salão de baile, pelo menos duas filas de cadeiras ou bancos eram organizados. Na primeira fila, as moçoilas casamenteiras, respaldadas na retaguarda pelas vigilantes mães, disfarçadamente, tentavam descuidar-se um pouco com a saia que deixava adivinhar qualquer coisa dois dedos acima do joelho. 

"Com os vestidos de cores quentes a condizer com a ocasião, o salão começava a compor-se de cabeleiras acabadas de sair do secador e com os diversos aromas emanados dos perfumes que cada jovem tinha comprado numa das lojas de Valência de Alcântara." (...)

Num ambiente em que o álcool tinha um efeito desinibidor, à rapaziada que exibia a fita de apurado nas sortes tinha, naturalmente, o privilégio de abrir o baile. Os primeriso passos de dança eram dessa rapaziada, embora o baile fosse aberto a toda gente da terra.
 
O "protoloco do baile" não era muito diferente do de outras terras por esse país fora, naquele tempo:

(...) "Alguns, que já tinham namoradas, iam directamente buscá-las, com a devida licença de suas mães. Outros, que par fixo ainda não tinham, lá se iam afoitando às moças mais vistosas da sala, com o já gasto 'a menina dança?', certos de que nessa noite aos rapazes das sortes 'tampa' não se dava. "

Vale a pena continua a citar a descrição bastante colorida e vida do "baile das sortes":

(...) "E o bailarico lá começava. O cheiro a perfume espanhol que as raparigas transportavam, começava a misturar-se com os odores a álcool que cada mancebo consigo trazia, mas que o som da música e a alegria geral tudo abafava. 

"De quando em vez ouviase, o já costumeiro, 'bota cá licença', e trocava-se de par. A sala enchia-se de cores que rodopiavam ao som da música. Menos vezes do que os espectáveis, lá tocavam os tão desejados 'slows'. O rodopio dava lugar a curtos e apertados passos de dança e o salão parecia crescer. O centro do espaço apertava-se e cada um chegava-se ao
máximo ao seu par. 

"Quando algum par aquecia um pouco mais via-se entrar em cena o Ti Garlito, funcionário da Sociedade, com a caninha na mão que com ela tocava no ombro do rapaz e com voz, de quem autoridade para isso tinha, dizia, 'vamos lá a afastar um pouco'. 

"O par, algo atabalhoadamente, afastava-se um pouco. A rapariga espreitava para a cara da mãe que lhe fazia sinal de quem, depois lá em casa, alguma coisa teria para dizer". (...)

Era também uma excelente ocasião para se arranjar madrinhas de guerra e namoradas:

(...)  "Muitas 'Madrinhas de Guerra' se arranjavam nessa noite inesquecível, muitos namoros começavam e promessas de casamento após o regresso da tropa ficavam aprazados.
 

6, Mas tudo tem um fim...  Em 1999, é decretado  o fim do Serviço Militar Obrigatório (com efeito a partir de 2004)... Cria-se, em alternativa às "sortes" o Dia da Defesa Nacional. Desta vez, portugueses e portugueses que em cada ano perfazem 18 anos,  passam um dia num quartel, para terem um "cheirinho" do que é a tropa... 

É também a ocasião para o Exército recrutar voluntários, nomeadamente para as tropas especiais.

E arremata o autor: 

" Diga-se, em abono da verdade, que este aliciamento, até agora, não tem surtido o efeito desejado, porque dizem os que por lá andam que qualquer dia são mais os generais que os soldados."

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25829: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (29): Inspeção militar: "Ir às sortes", em Brunhoso, Mogadouro, 1967 (Francisco Baptista, ex-alf mil inf, CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892, Buba, 1970/71, e CART 2732, Mansabá, 1971/72)

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Faz sentido a explicação dada à expressão "ir às sortes"...E, para muitos de nós, "mancebos", começava aqui a nossa ligação à tropa... com a qual iríamos manter, ,pela vida fora, uma relação de amor-ódio...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não tenho ideia de, na minha ida à sortes, ter comprado e posto a fitinha... Nem alinhei em festejos, se é que os houve, não me lembro. Um ano antes, em janeiro de 1966, tinha morrido o primeiro lourinhanense na Guiné. Em Ganjolá, perto de Catió, Num ataque de morteiro do PAIGC. Era meu primo....Mas, para nós, aptos , nesse ano de 1967, a fitinha, se bem de lembro (não posso garantir), ostentava as duas cores da bandeira nacional...

Valdemar Silva disse...

Um facto curioso aconteceu em 1991/1992 (?) em que os mancebos nascidos em 1973 ficaram isentos de todo o serviço militar pelos jornais.
Nos jornais apareceu a notícia que não haveria inspecção militar aos nascidos em 1973, e o meu filho e outros da mesma idade foram confirmar à Junta de Freguesia que estavam isentos.
Mais tarde, e devido à dificuldade em entrar em Arquitectura, com 22 anos ingressou na Força Aérea como Cabo Especialista, com um contrato de três anos que não cumpriu.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Antes da nossa guerra colonial de 1961, nos anos 40 e 50, ficar apurado era o sonho para imensa juventude masculina das nossas enormes aldeias do interior.

Era uma hipótese para fugir ao mundo "penosamente" rural, mundo que hoje não existe mais, igualmente não há jovens.

Cumprindo a tropa, aquela juventude podia concorrer a Polícia, a GNR, a Guarda Fiscal, a Guarda Rios e assim por diante.

Dizia uma mãe orgulhosa de ver o seu filho recruta de farda cinzenta a marchar, esquerdo direito, "Ai o meu filho soldado, que ainda lhe hei-de ver um boné nos cornos como os outros irmãos mais velhos"!


Valdemar Silva disse...

Antº. Rosinha, também acontecia o contrário.
Em Setembro/Outubro 1968 fui munitor de recrutas em Aveiro, por empréstimo do RAP3.
Aconteceu por várias vezes, quando os recrutas saíam para instrução fora do Quartel (que ficava próximo da Estação CP) havia um recruta que conseguia mudar de roupa e fugir enquanto iam entrando os outros pelotões.
Dava-se por falta do recruta na chamada para o jantar, mas já ele estava longe a ajudar a família nas labutas do campo.
Passados dois/três dias lá chegava ele com a GNR e ficava preso fora das horas da instrução. Mas, sempre que aproveitava um momento de distração na instrução desaparecia para ir trabalhar no campo junto dos pais. E passados uns dias aparecia a GNR com ele de volta.
Neste caso, a mãe ficava orgulhosa que ele não fosse pra tropa por fazer muita falta em casa.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, no velho mundo rural as mães ansiavam por ter genros fardados.
Uma farda escolhia!

Fernando Ribeiro disse...

Fui às sortes e safei-me
Direito que nem um fuso
Não compreendo aquele uso
De fazer tudo aprumado
Ele há coisas que eu cá sei
Que só se fazem curvado

Fizeram-me a vistoria
Levaram tudo a preceito
Até me viram no peito
E um pouco mais ao fundo
Cada qual na sua vez
E tal como veio ao mundo

No fim já mais à tardinha
Deram um papel timbrado
Onde vinha o resultado
Não me davam qualquer uso
Fui às sortes e safei-me
Direito que nem um fuso


Esta é a letra de uma canção publicada em CD nos anos 90, mas referindo-se certamente a um tempo muito anterior, mesmo anterior ao início da guerra em África. A canção é de um agrupamento musical chamado Rio Grande, composto por Tim (dos Xutos e Pontapés), Rui Veloso, Jorge Palma, João Gil (dos Trovante) e Vitorino, que era o vocalista do conjunto. A canção é esta:

https://www.youtube.com/watch?v=C4LXK9clnxI

Pessoalmente, não tenho absolutamente nada a contar sobre a minha ida à inspeção militar, que teve lugar na Casa de Reclusão do Porto, perto do Marquês. As minhas "sortes" só podiam ter sido uma, como de facto foram: apurado para todo o serviço militar. Aquilo tudo foi uma simples formalidade burocrática, e nada mais. O resultado já estava previamente determinado para todos os mancebos "inspecionados". Foi uma perda de tempo.