sexta-feira, 28 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector da Galomaro > Saltinho > 1972 > Pel Caç Nat 53.

Foto: © Paulo Santiago (2006)



1. Mensagem do Paulo Salgado, de 27 de Juho de 2006:

Luís

Como te disse ontem pelo telemóvel, falei com o Sado. Disse-me para o Jorge Neto o procurar na Direcção Geral das Alfândegas, que ele o encaminhará para o Paulo Malu. Esqueci-me de perguntar se já tinha sido promovido,masa não há problema, o Jorge Neto que procure o Major Sado Baldé , ou possivelmente Tenente Coronel. O meu amigo já sabe o motivo para o encontro com o Malu.

Fiquei muito sensibilizado com a tua Carta Aberta (1). Bem Hajas.

Mando-te uma foto do Pel Caç Nat 53. Atrás de mim [eu, de boina castanha, bigode, ao meio, na primeira fila] , está o Fur Mil Mário Rui [de barbas], tendo ao seu lado direito, com uma bazooka o Bobo Embaló e, do lado esquerdo, o Mamadú Sanhá. Na última fila, à esquerda da foto, com um sumbea na cabeça está o 1º cabo Suleimane Baldé, actual Régulo de Contabane, tendo a seu lado, atrás, o 1º cabo Pina.

Um abraço
Paulo Santiago

PS- O Sousa e Castro é capaz de ter razão quanto ao camarada das transmissões, apanhado à mão. Tenho ideia alguém me ter dito que era do Porto e trabalhar (ou ter trabalhado) no Aeroporto em Pedras Rubras. Não tenho a certeza sobre este assunto.

2. Comentário de L.G.:

Paulo: Ainda não contactei directamente o Jorge Neto que, pela leitura do seu blogue, o Africanidades, está a caminho de Portugal, via norte de África, para passar as suas férias de verão. Mas vou contactá-lo. Se ele puder, no regresso, irá decerto procurar o Sado e fazer uma belíssima entrevista ao comandante Paulo Malu. Faço-lhe daqui já a proposta e o convite.

Como prometido, reservei-te o nº 1000 ao teu IV (e suponho que último) post sobre a tragédia do Quirafo, dos seus antecendentes até à sua consumação. Como eu disse, na carta aberta (1), é a minha pequena homenagem a ti, ao Mário Rui e ao aos demais bravos do teu Pel Caç Nat 53, ao Armandino e aos restantes camaradas da CCAÇ 3490, bem como aos milícias e civis de Madina Bucô que estavam lá, na maldita picada do Quirafo, nessa maldita segunda-feira, 17 de Abril de 1972 e que – muitos deles – não voltaram a casa para contar aos seus filhos e netos o que era uma emboscada nas picadas da Guiné"… (LG)


3. Quarta parte do texto do Paulo Santigao sobre a tragédia do Quirafo (2) :

Segundo alguns sobreviventes, africanos, à explosão seguiu-se o silêncio. Quem não foi atingido, procurou refúgio afastando-se em direcção a Madina Buco, onde entretanto chegara o Unimog, que fizera meia volta aos primeiros disparos e rebentamentos e que terá transmitido através do rádio do destacamento a notícia da emboscada para o Saltinho.

Nessa mesma manhã o Pel Caç Nat 53, comandado pelo Fur Mil Mário Rui, deslocara-se ao Pulom, ao encontro de uma coluna vinda de Galomaro. Esperavam esta, quando começaram a ouvir o tiroteio e os rebentamentos e imaginaram de imediato quem era o alvo.

O Mário Rui já não esperou pela coluna, voltou para trás e em Chumael cortou para Madina, onde encontrou o pessoal do Unimog que dizia, desvairado, ter morrido todo o grupo de pessoas transportado na GMC. Choravam, cada um para seu lado. Do quartel fora pedido apoio aéreo. Dois FIAT passam à vertical de Madina Buco, seguindo rumo ao Quirafo, sobrevoam o local da emboscada, visível para eles, fazem várias passagens, sem largar qualquer bomba, ninguém pode com segurança indicar-lhes onde está o IN, e onde estão as NT.

O Mário Rui, logo secundado por todos os homens do 53, resolve seguir em busca dos possíveis feridos e mortos, no que é acompanhado por alguns milícias que tinham ficado na tabanca. Seguem nas viaturas até ao local onde se encontra a GMC da CCAÇ 3490 (3), seguindo depois apeados a partir deste local. É pedido apoio de heli-canhão, que chega entretanto. Começam a aparecer sobreviventes saídos da mata, quase todos em estado de choque. Falam sem nexo. Avistam, passados alguns minutos, a GMC, ainda fumegante, algumas dezenas de metros à frente. Ninguém correu, apesar de ser essa a vontade, socorrer alguém que necessitasse, redrobando as cautelas.

Aí a uns trinta metros, o Bobo Embaló, que ía na frente, estaca: há terra recentemente remexida na picada, onde normalmente passa um dos rodados das viaturas. Descobre-se uma mina anti-carro, montada após emboscada. Se o Mário Rui tivesse continuado a progressão em cima das viaturas, poderia ter acontecido outra tragédia.

Há um episódio que ninguém gosta de contar, e cada um imaginará como foi: a recolha dos corpos.

Um dos sobreviventes fala no caso do transmissões que viu ser apanhado à mão, e que estaria ferido num braço.Procurando a existência de minas anti-pessoais ou armadilhas,que não encontram, vasculham o local onde o IN esteve emboscado e a mata circundante. Não encontram ninguém ferido ou morto. O homem das transmissões desaparecera e iria ser dado como morto.

Da parte da tarde o comandante de batalhão chegou ao Saltinho, de heli, mandou formar o resto da companhia e disse:
- Apesar da emboscada, a abertura da picada [Quirafo-Foz do Cantoro] vai continuar; não continua amanhã porque as moto-serras ficaram destruídas ; assim que as novas chegarem, continuamos, quando chegarmos à foz do Cantoro colocamos uma placa com o nome dos nossos mortos.

Grande besta criminosa era este anormal! O proveta Lourenço não põe em causa esta barbaridade, tudo o que o Lemos diz é para se cumprir. Ele precisa do Lemos para entrar para a GNR no fim da comissão.

Passados uns oito dez dias, chega logo pela manhã um heli ao Saltinho de onde sai o Castro Lemos [o tenente-coronel, comandante do BCAÇ 3872, sedeado em Galomaro], acompanhado por um militar com duas moto-serras novas. No dia seguinte seria retomada a abertura da picada Quirafo- foz do Cantoro. O Lourenço mais uma vez disse amen.

Acabara de sair o heli com o Lemos, eis outro a aproximar-se para aterrar, era o Spínola, chegado na véspera da metrópole. Entra de chancas com o Lourenço :
- Quem fora o incompetente com a ideia de construir a picada ? Queriam mais mortos ? Queriam minas ?

O capitão desculpa-se com o comandante, mas o Caco pergunta-lhe se não tem cabeça para pensar, se não sabe onde está a população, não conhece a sua zona de acção ? Isto passa-se na parada, para quem quiser ouvir. O Lourenço diz-lhe :
- O nosso comandante quer que continuemos amanhã com a picada.

Aí o General empertiga-se e diz-lhe :
- Será que você não sabe que sou seu comandante ?! Se mexer um dedo para continuar a picada mando um heli com a PM para o prender. Todos os acontecimentos irão ser averiguados através de um auto.

Passou-se uma semana entre esta última cena e a minha chegada. O Lourenço tinha vindo de férias.

O Mário Rui andava sempre agarrado à guitarra. Nunca mais lhe pegou após o 17 de Abril de 1972.


Paulo Santiago
ex Alf Mil do Pel Caç Nat 53
Saltinho (1970/72)

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 27 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P995: Carta aberta ao Paulo Santiago: Nenhum relatório militar falava do nosso 'sangue, suor e lágrimas'

(2) Vd. posts anteriores:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)


26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)


(3) CCAÇ 2406, no original: deve ter sido lapso do Paulo Santiago. A CCAÇ 2406 esteve no Saltinho, entre 1968 e 1970,pertencendo ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca. Na akltrura o Saltinhoa fazia parte do Sector L1. Só mais tarde foi integrado no Sector de Galomaro.

Guiné 63/74 - P999: Eu, cacimbado, me confesso (João Tunes) (I): tudo bons rapazes!

Guiné > Pelundo > Dezembro de 1969 > João Tunes (no jipe, do lado esquerdo, o caixa-d'óculos), na altura Alferes Miliciano de Transmissões da CCS do BCAÇ 2884, e já apanhado do clima, apesar dos bons ares do chão manjaco... Mas o pior, foi quando o mandaram, com guia de marcha, para o reino do Nino, lá para as bandas de Catió...

Foto: © João Tunes (2005)


Mensagem do João Tunes:

Caro Luís,

Difícil, muito difícil, resistir aos teus desafios (2). Talvez por esse dom de mestria, tão teu e transpirando sinceridade, de nos fazeres psico pela via do companheirismo sedutor. Tão bem o fazes que dou frequentemente cá comigo a pensar que ao Caco lhe faltou perspicácia suficiente para te aproveitar os talentos e substituir, sob tua inspiração, o raio daquela guerra estúpida e inglória por uma imaginária Guiné Melhor que metesse em convívio alegre, culto, amigo e solidário, o Amílcar e os seus rapazes, a nossa malta das tropas-macacas mais das operações especiais, Alpoim e outros heróis e os não tanto, os guineenses e os caboverdianos de um e outro lado e até de lado nenhum, as bajudas lindas até serem mães precoces, mais os cubanos e outros mais, até os que tais.

Teria sido bem melhor, um ronco do tamanho de todas as bolanhas juntas, voltávamos todos excepto os acidentados, porque - como hoje tão bem se demonstra - até fomos e somos todos, os de um e outro lado, não só bons rapazes como amigos até não mais podermos ser. E, assim, o cacimbo seria, apenas, uma simples imagem meteorológica. Não aquilo que foi, um desarranjo mental, mas vital, na medida em que foi um grito de nojo humano em estar na guerra, fazer a guerra, acreditando eu que não há mãe no mundo que ande a parir filhos com o fito de os meter a matar, muito menos para morrerem.

Pedes tu, caro Luís, contributos para estórias de cacimbados. Difícil, digo em resposta à chamada. Por um lado, julgo que cacimbados teremos sido todos nós porque não tomei até hoje nota de algum camarada que por lá tenha perdido a humanidade. Por outro lado, falece-me a capacidade de não me repetir e nisso muito te devo mais ao blogue, na exacta medida saudável de tanto teres ajudado à catarse que nos liberta da memória traumática ligada aos melhores anos das nossas vidas. E, com a catarse, ganhando-se em paz e em distância, perde-se a piada do acicate de mexer e remexer nas feridas. Ou seja, em termos criativos e comunicacionais, há bens que vêm por mal.

Pela minha parte, encontrei cacimbados em tudo quanto era sítio guineense. E havia um que encontrava todos os dias, logo pela manhã, quando me punha a olhar o espelho para praticar as artes do barbear. Mas, como tudo é relativo, os mais cacimbados entre os cacimbados encontrei-os no Sul da Guiné, no chamado reino do Nino (3). Em Catió, em Guileje, em Gadamael-Porto, em Cacine. Piores que estes só mesmo os metidos em Bissau, no Depósito de Adidos, vindos dos pontos quentes e aguardando regresso, a gerirem uma espécie de loucura sincrética entre as feridas na alma e no corpo em mistura com o alívio ansioso de dali saírem vivos, tentando ainda treinarem os gritos, as lágrimas, os abraços, os beijos dos seus no regresso ao seu meio e viver naturais.

Como disse, já se me secou a capacidade de contar mais que o tanto e tão bem contado pelos outros camaradas. E se não acrescento um ponto, para quê somar mais um conto? Mas, para que não digas que me baldei à chamada, envio-te, com a companhia de um abraço amigo, dois textozinhos que publiquei em Abril de 2004, exactamente sobre estórias de cacimbos e de cacimbados (os factos são veros, só os nomes dos personagens foram alterados) e em que o tom de escrita é notoriamente o da pré-catarse (hoje escreveria diferente, mas preferi manter as versões originais porque o cacimbo se nota mais, ou demais) (2)

I - TIREM-ME DAQUI !


II - E O JIPE NUNCA VOOU


Abraços amigos e camaradas para todos os estimados tertulianos.

João Tunes
Blogue > Agua Lisa (6)
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Notas de L.G.:

(1) Resposta a um pedido meu, de 17 de Julho:

Amigos & camaradas:

Há um desafio meu e do Mexias Alves para falarmos do cacimbo da Guiné e dos seus devastadores efeitos... Quem nunca se sentiu cacimbado, que atire a primeira pedra... Estórias sobre o cacimbo, aceitam-se e pagam-se alvíssaras (...)

(2) A publicar, em breve.

(3) Vd. post de 12 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVI: No 'reino do Nino': Catió, Cacine, Gadamael, Guileje (1970)

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P998: Antigos combatentes: sem pernas, sem braços mas com memória (Jorge Neto)

Guiné-Bissau > Bissau > Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira > 17 de Julho de 2006 > Manifestação de antigos combatentes do Exército Português, por ocasião da chegada, com intervalo de 2 minutos, do Presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, e do Primeiro Ministro, José Sócrates, no âmbito da VI Cimeira da CPLP. "Nós, os antigos combatentes, exigimos o cumprimento do acordo de Argel", é a mensagem que se podia ler no belíssimo pano que foi feito para a ocasião (LG).

Com a devida vénia > Excerto do Africanidades, o blogue do nosso amigo Jorge Neto , agora em férias (e possivelmente contactável em Évora, dentro de dias; hoje ainda estava na Mauritânia; todos nós lhe desejamos um bom regresso a casa e umas retemperadoras férias):

18 de Julho de 2006 > ESQUECIDOS PARA SEMPRE

Cerca de 40 antigos combatentes guineenses do exército português juntaram-se à saída do aeroporto para tentar colocar algumas questões a Cavaco Silva e José Sócrates. Instado pela imprensa a comentar a situação destes homens, José Sócrates limitou-se a dizer que não tinha reparado neles. Vistas curtas, para o que não interessa. Ao fim da tarde, quando Vítor Constâncio anunciou o bom desempenho económico do país, Sócrates ouviu perfeitamente e fez questão de comentar!

O problema dos antigos combatentes africanos nunca será resolvido, para vergonha de quem é português e pouco pode fazer para ajudar estes homens que ainda hoje vivem sem pernas, braços... mas com memória. O passado não se apaga nem se esquece. Por muito que os políticos tentem.

Texto e foto: © Jorge Neto (2006)

Guiné 63/74 - P997: Paulo Malu, o comandante da emboscada do Quirafo (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Jugudul > Fevereiro de 2005 > O Paulo Santiago, à esquerda, com o Ten Ká, da Guarda Fiscal e o Sado, seu grande amigo e oficial superior da mesma força.

Foto: © Paulo Santiago (2006)


Luís:

Segundo o meu amigo Sado, quem comandou a emboscada no Quirafo, foi o comandante Paulo Malu.

Em Fevereiro de 2005, na véspera de regressar a Portugal, cheguei a ter um encontro marcado com ele, inviabilizado à última hora por uma deslocação urgente que teve de fazer ao interior do País.

Na altura era Coronel e estava colocado na Direcção Geral das Alfândegas.

Podes pedir ao Jorge Neto (é o delegado da Lusa ?) que procure falar com o Paulo Malu.

Um abraço
Santiago

PS- Falei há pouco ao telefone com o Mexia Alves. Aguentámos juntos o ataque ao Xitole, em 3 de Agosto de 72.

Guiné 63/74 - P996: CART 1746 (Xime) e CART 2339 (Mansambo): Operações conjuntas no Sector L1 (Carlos Marques dos Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole.

Foto: © Humberto Reis (2006) (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

"Quanto à foto de Mansambo, a vista aérea – que é espectacular(...) - gostava de saber de que ano é, se o Humberto tiver esses dados. A zona está totalmente nua, só com uma grande árvore ao fundo que se encontra à entrada do aquartelamento, pois vê-se a bifurcação para a estrada Bambadinca-Xitole (esquerda-direita). Falta ali uma árvore, a tal de referência para o IN, e que os nossos soldados chamavam a árvore dos 17 passarinhos, tal era a quantidade deles, que se situava na parte mais afastada da entrada. A mancha branca de maior dimensão seria o heliporto. Faltam os obuses, um de cada lado à esquerda e à direita. Ao lado dessa árvore ficava o depósito, que era uma palhota, de géneros e munições, que ardeu a 20 de Janeiro de 1969 (nesse dia chegaram os 2 Obuses 105 mm). Era véspera do aniversário da CART 2339. Ao fundo vê-se uma mancha à esquerda do trilho de entrada que era a tabanca dos picadores. À direita no triângulo de trilhos, ficava a nossa horta. A fonte ficava à direita da foto onde se vêem 3 trilhos, na mancha mais negra em baixo. Se confrontares com um mapa da zona vê-se aí uma linha de água" ( Carlos Marques dos Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > Abril 1968 > A pesquisa de água

Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006)


CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) e CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/70) > Acções realizadas em conjunto


Operação GURI
Iniciada em 08/Fev/1968 – 06/00h com duração de 1 dia
Finalidade: detectar elementos IN em Ponta Varela (Xime).
1 Gr Comb 2339/ 1 Gr Comb 1746
Detectada e destruída 1 mina A/C metálica

Operação HIPÓTESE
Iniciada em 08/Fev/1968 – 06/00h com duração 12 horas
Finalidade: montar emboscada na estrada Xime/ Ponta do Inglês
1 Gr Comb 2339/ 1 Sec 1746
Sem contacto, com vestígios IN

Operação HÚMIDA
Iniciada em 09/Fev/1968 – 05/00h com duração 12 horas
Finalidade: detectar elementos IN ou vestígios da sua passagem
2 Gr Comb 2339/ 1 Gr Comb 1746
Sem contacto, com vestígios IN

Operação GALOCHA
Iniciada em 10/Fev/1968 –05/00h com duração de 12 horas
Finalidade: contactar populações e milícias nos destacamentos de: Samba Silate, Amedalai, Taibatá, Demba Taco (Xime)
1 Gr Comb 2339/ 1 Sec 1746

Operação GARFADA
Iniciada em 11/Fev/1968 – 05/00h com duração 12 horas
Finalidade: contactar e controlar população da região dos Nabijões (Bambadinca)
1 Gr Comb 2339 / 1 Sec 1746

Operação HÉRCULES
Iniciada em 13/Fev/1968 – 05/00h com duração de 2 dias
Finalidade: nomadização na região de Madina Colhido – Beafada (Xime)
Sem contacto, com vestígios
4 Gr Comb 2339 / 1 Gr Comb 1746

Operação HUMOR
Iniciada em 19/Fev/1968 – 06/00h com duração de 30 horas
Finalidade: efectuar reconhecimento ofensivo, detectar locais de passagem IN e determinar um lugar mais conveniente para poder instalar um aquartelamento.
Sem contacto, com vestígios
2 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 2338 / 1 Sec 1746

Relatório da Operação: Há junto à antiga tabanca de GONEGE uma elevação de terreno onde poderia ser instalado um aquartelamento. Dispõe de um poço com água. Acessos difíceis a viaturas. Não há trilho directo que ligue GONEGE a MANSAMBO

NOTA IMPORTANTE:

Começa aqui a história de MANSAMBO. Não seria este o local escolhido, mas sim outro. Mansambo e a sua fonte, produto de 2 rios: Alami e Balancunto e, próximo, o Jago.
Terreno plano, estrada Bambadinca / Xitole / Saltinho. No meio de importantes posições: Xime / Xitole / Bambadinca. A dois passos da mata do Fiofioli / Burontoni.

O aquartelamento seria construído de raiz, com início em Abril de 1968 (2).

Sem água no seu interior e com uma nascente a uma centena de metros o pessoal era obrigado a deslocar-se, com perigo, para tratar da higiene pessoal. A população, que era pouca, abastecia-se, aí, de água para consumo e lavagem de roupa, até que uma emboscada, vinda das árvores (3), obrigou a nova estratégia: Abrir um furo para abastecimento.


Operação RUA TURRA
Iniciada em 30/Julho/1968 – 18/00h – duração de 2 dias
Finalidade: esclarecer a dúvida se o IN tinha ou não abandonado a região do Poidom.
4 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 1746/ Pel Caç Nat 52 e 63 / Pel Artilharia
A partir do Xime, cerca das 07/00h detectou e foi detectado por grupo IN desarmado, vindo do Burontoni, que perseguiu sem resultado. Atingido o objectivo, constatou que o mesmo se encontrava como tinha sido deixado na Operação Bate Dentro.

Operação MEIA ONÇA
Iniciada em 13/Outubro/1968 – 18/00h – duração de 2 dias
Finalidade: ataque e destruição de objectivos na região de Burontoni / Baio
Cart 2339 / CART 1746 / Pel Caç Nat 52 e 53 / 1 Gr Comb CCAÇ 2401 e 4º Pel Artilharia
Sem resultados.
Operação HÁLITO (4)
Iniciada em 11/Novembro/1968 – 05/00h – duração de 2 dias
Finalidade: detectar elementos IN e reabastecer a Companhia aquartelada no Xitole.
3 Gr Comb 2339 / 2 Gr Comb 1746/ outros
Desobstrução do itinerário Bambadinca / Xitole fechado desde há meses.
Emboscadas, minas, viaturas incendiadas, feridos, cambanças em barcos de borracha e jangadas. Bombardeiros T6. Um inferno. Dia de São Martinho.

Operação GUIA II
Iniciada em 28/Novembro/1968 – 06/00h – duração de 2 dias
Finalidade: detectar elementos IN na região de Mansambo/ Danejo/ Biro/ Samba Uriel/ Jombocari.
3 Gr Comb. 2339/ 2 Gr Comb 1746
Forte resistência de um grupo IN de 20/30 elementos fortemente armados. O acampamento IN possuía abrigos, mas foi destruído. Muitas baixas no IN não confirmadas.
As NT sofreram 3 feridos ligeiros e retiraram para Mansambo.

Operação HOTEL JÚPITER
Iniciada em 07/Janeiro/1969 – 06/00h – duração de 2 dias
Finalidade: detectar e destruir acampamento IN de Jagarajá
2 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 1746/ outros
Sem vestígios.

Operação LANÇA AFIADA (5)
Iniciada em 08/Março/1969 – duração de 11 dias
Finalidade: destruir todos os meios de vida encontrados (sic história da companhia).
2 Gr Comb 2339 / + Pel Caç 2314 / 2 Gr Comb 1746 + Pel Caç Nat 53 / outros
O IN sofreu 5 mortos e 2o feridos As NT tiveram 22 feridos. 110 elementos evacuados por insolação, ataques de abelhas e doença. Esta foi a maior operação que se desenrolou na Guiné, quer em meios, quer em tempo.

Temperaturas:
À sombra: 39 e 43,6 graus
Ao sol: entre 70 e 75 graus

Operação CABEÇA RAPADA (6)
Iniciada em 25/Março/1969 – 04/00h – duração de 2 dias
Finalidade: desmatação da estrada Bambadinca / Mansambo
3 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 1746/ outros

Operação CABEÇA RAPADA II (6)
Iniciada em 09/Abril/1969 – duração de 3 dias
Finalidade: desmatar bermas estrada Mansambo / Ponte dos Fulas.
3 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 1746/ outros


Operação CABEÇA RAPADA III (6)
Iniciada em 30/Abril/1969 – duração de 3 dias
Finalidade: desmatar bermas do itinerário Mansambo/ Galomaro
3 Gr Comb 2339/ 2 Gr Comb 1746/ outros

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Notas de L.G.

(1) Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P982: A CART 1746 deu o treino operacional à CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P978: Futebol em Bissorã no tempo do Rogério Freire (CART 1525) e do Gilberto Madail


(2) Vd. post de 12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo
(3) Sobre a emboscada na fonte de Monsambo, vd. posts de:
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)
(4) Sobbre a Op Hálito, vd. posts de:
22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXI: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXIX: Uma bebedeira colectiva (Mansambo, Novembro de 1968) (CMS)
(4) Sobre a Op Lança Afiada, vd posts de:
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(6) Sobre as Op Cabeças Rapadas, vd. post de 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969)

Guiné 63/74 - P995: Carta aberta ao Paulo Santiago: Nenhum relatório militar falava do nosso 'sangue, suor e lágrimas' (Luís Graça)

Paulo:

Os meus parabéns pela dramática, viva e fiel reconstituição que estás fazer da tragédia do Quirafo… Foi assim que chamámos à terrível emboscada que custou a vida a um número indetermindao de civis, a 5 milícias e a 11 militares, mais um desaparecido, em 17 de Abril de 1972... Incluindo o teu amigo e camarada, o Alferes miliciano Armandino, da CCAÇ 3490...

Passados muitos anos isto ainda mexe contigo, com o Mexia Alves, com o Joaquim Guimarães, com todos nós… Mexe muito, mesmo... Mesmo aqueles, como eu, que já não estavam na Guiné nessa época e que só tinham ido uma vez ao Saltinho - e muitos, nem isso! -, nunca tendo passado por Quirafo nem andado na picada que ia dar à Foz do Cantoro, na margem direita do Corubal...

Confesso que, pela minha parte, senti um arrepio pela espinha acima ao ler o teu texto…Lembrei-me de outros encontros, sangrentos, no meu tempo, envolvendo a minha Companhia, a CCAÇ 12, e outras forças... Tentei imaginar - mas não o consegui - o horror que foi essa emboscada com Canhão s/r, RPG e Kalash !!!... As tuas imagens dos restos da GMC, testemunha muda da tragédia, são brutais… Se falassem, quantas GMC abandonadas por essa Guiné fora, vítimas de minas anticarro e/ou emboscadas, não contariam outras estórias tão terríveis como a tua ?

Paulo: Nenhum historiador sabe ou saberá transmitir este conhecimento vivido da guerra da Guiné que tu tens, que eu tenho, que nós temos, esse sofrimento indizível que guardámos este tempo tempo, e que tentamos pôr em palavars, penosamente… E que te leva a dizer: Não consigo escrever mais hoje...

Mais: como me dizia ontem o Beja Santos, que teve a gentileza de vir almoçar comigo e trazer-me preciosa documentação para o blogue, dos tempos em que ele era o tigre de Missirá - a propósito, ele manda-te dizer que nunca andou de cajado nas operações, andava sempre com a sua G3 e os seus guardas-costas, tinha isso sim a mania de que era invulnerável, pelo que nunca se deitava no chão debaixo de fogo... Como dizia o Beja Santos, os relatórios da nossa actividade operacional, feitos por homens que se batiam apenas por mais um galão, servis e subservientes, não contavam toda a verdade, muitas vezes branqueavam a realidade, douravam a pílula, escamoteavam responsabilidades, truncavam os factos, exageravam as baixas do IN, mitificavam os roncos, enganavam o comando, humilhavam e ofendiam os operacionais...

Há o risco, como adverte o Beja Santos, de a verdade, a meia-verdade, a mentira, oficial ou oficiosa, vir a tornar-se a verdade historiográfica... Se nós nos calarmos e levarmos para cova o nosso conhecimento vivido da guerra da Guiné, são os filhos da mãe dos Lourenços e dos Lemos que irão contrar a história por nós, através dos seus pseudo-relatórios...

Paulo: Sobretudo nenhum relatório falava do nosso sangue, suor e lágrimas... E é isso que dói!

Tu e o teu filho João - achei lindo o seu gesto de querer ir contigo na viagem de regresso à Guiné, na viagem de todas as emoções - vocês, dizia eu, prestaram uma grande serviço, a todos nós, portugueses e guineenses…

Agora seria ouro sobre azul se conseguisses localizar o comandante desta terrível emboscada e chegar à fala com ele … Ainda será possível localizá-lo, através dos teus amigos de Bissau, por exemplo, o Sado, oficial superior da Guarda Fiscal da Guiné-Bissau ? E pedir ao Jorge Neto, jornalista, para o entrevistar e mostrar as tuas fotos ? Irei pedir a outros amigos de Bissau como o Pepito e o Paulo Salgado, para juntarem os pauzinhos e darem uma ajuda ao Jorge Neto...

Precisamos urgentemente do depoimento desse comandante, se é que ainda está vivo e quer (e pode) falar… Também seria bom localizar o Baptista, o transmissões, que foi ferido e apanhado à unha e depois dado como morto…

O teu post é nº 990… Faltam dez para chegarmos aos 1000. É uma meta bonita na história (curta) da nossa tertúlia virtual. Vou reservar-te este número para o teu próximo texto, a parte IV da tragédia do Quirafo… É a minha pequena homenagem a ti e ao teu Pel Caç Nat 53, ao Armandino e aos restantes camaradas da CCAÇ 3490, bem como aos milícias e civis de Madina Bucô que estavam lá, na maldita picada do Quirafo, nessa maldita segunda-feira, 17 de Abril de 1972 e que – muitos deles – não voltaram a casa para contar aos seus filhos e netos o que era uma emboscada nas picadas da Guiné…

Fico na expectativa da(s) tua(s) próxima(s) mensagem(ns).
Luís Graça

Guiné 63/74 - P994: Ecos da emboscada no Quirafo

1. Mensagem (algo enigmática) do Joaquim Guimarães, o único elemento da nossa tertúlia, até à data, que pertenceu à infortunada CCAÇ 3490... Pergunto-lhe: Eles, quem ? O Capitão Lourenço, o Alferes Armandino ?...

Eu estava lá... O mais triste é o rumo de como a notícia se está a desenrolar ...

Ficção, narratismo...Cowboy ? Incompatibilidade...

O Quirafo aconteceu e eu sabia que tarde ou cedo ELES iriam ser mencionados.

Um abraço
Guimarães


2. Mensagem do Sousa de Castro:


© Foto: Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)


Recordo perfeitamente este episódio que o Paulo conta. Falou-se muito no Xime sobre este caso ocorrido no Saltinho, em Abril de 72. Dizia-se na época que tinham ido buscar água a uma fonte quando foram emboscados.

Não me recordo do nome do Trms apanhado à mão, mas falava-se num indivíduo que frequentou comigo o curso de Trms em Arca d'Água, no Porto, e que era natural do Porto. Na altura, pelas indicações que me deram fiquei com uma imagem de um fulano que conheci no RTm (Porto) (não sei até que ponto isto é verdade).

Após o 25 de Abril de 1974 ouvi também falar que o Trms afinal apareceu vivo. Era bom encontrá-lo.

Sousa de Castro (ex-1º cabo Trms Guiné - Xime/Mansambo)

3. Mensagem do António Santos (ex-soldado de transmissões, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74):


Fotos: © António Santos (2006)

Amigos tertulianos:

Quando cheguei a Nova Lamego, em Julho de 72, um dos assuntos mais falado era precisamente este, mas não liguei muito porque pensava na altura que eram das costumadas bocas da velhice, bocas que por serem tantas acabavam por ter um efeito contrário: não acreditarmos à primeira... Afinal, foram precisos estes anos todos para acreditar que aquilo não foi história.

Na época referenciavam só Galomaro, não se falava em coordenadas, e que o Batalhão era pira e que fora descuido e/ou inexpereência dos nossos camaradas... O que parece bater certo (após ler esta notícia no blogue) foi o número de baixas. Na altura, falava-se contudo em 3 apanhados à unha.

Um abração
António Santos

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P993: A tragédia do Quirafo ainda dói muito (Joaquim Mexia Alves)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Estrada Xime - Bambadinca > 1997 : Ponte (velha) do Rio Undunduma. Por aqui também passou o Joaquim Mexia Alves, comandante em 1972 do Pel Caç Nat 52. Acabou por ir comandar a CCAÇ 15, sedeada em Mansoa.

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá)

Texto Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão) , CCAÇ 15 (Mansoa ).

Caro Luis Graça:

Acabei de ler o último post do Paulo Santiago, que me causou obviamente recordações amargas, não só pela perda de vidas que é o mais importante, mas também pela perda de vidas sem sentido, ou apenas para satisfazer o ego de alguém ou de alguens perfeitamente identificados.
Como disse, o Armandino foi meu camarada de curso nos Ranger's e como tal tínhamos uma ligação mais forte e até tínhamos estado a almoçar em casa do Jamil Nasser poucos dias antes (1). Assim que tiver a foto digitalizada, envia-ta.
Pergunta o Paulo Santiago: "Qual a razão que levou o Alf Armandino a não acreditar ?Porque quis prosseguir, utilizando até algumas ameaças para obrigar os civis a subirem para a GMC ? Não tenho uma explicação racional para esta atitude".
Ele sabe a resposta, tal como eu: O Armandino era um tipo generoso e cumpridor. Erámos periquitos e o raio do curso dos Ranger's tinha-nos imbuído daquele espírito de cumprir e obedecer.

Não sabemos o que o proveta lhe terá dito, mas com certeza terá colocado a ordem como vinda do Comandante de Batalhão, à qual ele, proveta, obviamente não disse que não, visto que se calhar até teria sido a fazer a proposta para mostrar serviço.

O Armandino não disse que não e sabemos o que se passou.

Faz-me mais impressão é porque é que o Armandino facilitou, deixando ir o pessoal na GMC de costas voltadas para as bermas, tal como a versão que de imediato chegou ao Xitole.

Tenho a certeza que, se tudo se tivesse passado uns meses mais para diante na comissão, o Armandino provavelmente teria dito ao proveta (2):
- Vai tu sozinho, que nós ficamos aqui a tomar conta.

Tenho quase a certeza que esse Batalhão do Galomaro fez a viagem connosco no Niassa, mas ainda ninguém me confirmou isso.

Quando tiver as fotografias contarei umas histórias, algumas sobre a incompetência de mandar fazer coisas que não serviam para nada, mas que felizmente não tiveram o desfecho que esta teve.

Soubesse ao menos o nosso País homenagear verdadeiramente aqueles que deram a vida por ele, independentemente da política!!!

Tudo isto ainda dói muito!!!

Abraço
Joaquim Mexia Alves
___________________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(2) Referência ao capitão miliciano Lourenço, da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74): vd. post de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P992: 'Estar apanhado' dava muito jeito e algum gozo (Joaquim Mexia Alves)

Leiria > Monte Real >Termas de Monte Real > O Joaquim Mexia Alves junto ao busto do fundador das termas, Olímpio Duarte Alves, que foi também governador civil de Leiria (1959-68).

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006)

Caro Luis Graça

Realmente, como vi numa das histórias, o termo apanhado do clima tem mais a ver com a Guiné e o cacimbado com a Angola, o que não quer dizer que também não se usasse.

Até porque o nosso clima era bem pior que o de Angola.

Acho graça, (não me estou a meter contigo...), alguns dos que me conheceram dizerem que eu estava muito apanhado.

É lógico que estava alguma coisa - quem é que não estava ? - mas é certo também que o estar apanhado fazia parte dum modo de levar as coisas e dava muito jeito às vezes.

Um tipo fazia umas coisas menos de acordo com o regulamento e "deixa passar, que ele está apanhado".

Podíamos dizer de vez em quando umas verdades a alguns incompetentes (que nem todos eram incompetentes), que nos comandavam, e a coisa ficava por ali, porque "o tipo estava apanhado" e também porque estando apanhado não se sabia bem qual seria a reação do rapaz, até porq que "quem tem cu tem medo".

Safou-me de muitas porradas e também me deu muito gozo nalgumas ocasiões o que levava a suportar tudo aquilo dum modo mais descontraído.

Mesmo as loucuras que às vezes fazia, de andar à frente do pelotão ou da CCAÇ 15 durante o tempo em que a comandei, com galões e diversos apetrechos, eram coisas pensadas e que tinham o seu resultado, não só ao nivel da camaradagem com todos, oficiais, furriéis e soldados, mas também pelo respeito que essas coisas imprimiam naqueles que eu comandava e às vezes até naqueles que se nos opunham no teatro de operações.

Hoje envio-te uma fotografia actual minha, porque estou à espera da entrega das outras já prometidas, sobre as quais contarei umas histórias.

Abraço
Joaquim Mexia Alves

___________________


Termas de Monte Real

tel: +351 244 619 020 / fax: +351 244 619 029

Guiné 63/74 - P991: A tragédia do Quirafo e os 'básicos' que não tiveram 'cunha' para ficar na 'guerra do ar condicionado' (Manuel Pereira)

Mensagem do nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, ex-Fur Mil da CCAÇ 3547/BCAÇ 3884:

Bom dia Luis, bom dia a todos.

Sobre o assunto - emboscada na picada - recordo-me de ouvir relatos do acontecimento. Entre algumas das minhas funções enquanto membro do BCAÇ 3884, uma delas foi ter sido também delegado de Batalhão que me obrigava a deslocações constantes entre o mato e Bissau, no caso, o corredor Bambadinca-Xime-Bissau.

Tive por companheiros delegados de outros Batalhões, um deles o Joaquim Catana de Galomaro. Poderei trazê-lo aqui para que pela sua mão e voz relate o acontecimento, mas do que eu sei, sem de momento poder precisar o número de baixas - mas foram muitas -, é que se tratoum da aparente paz e inexistência de ataques naquele corredor. (Digo aparente porque, tal como o leopardo na espera da presa, também o IN foi sempre paciente).

A balda instalou-se nas colunas e, ao que parece, com a conivência do seu comando, ao ponto de se simularem armas com paus e coisas afins. As colunas, segundo se dizia, eram autênticas passeatas até ao dia da grande emboscada.

Gostaria de ressalvar que, da minha experiência enquanto residente em Bissau, muitos dos relatos apresentavam uma realidade desfocada da realidade vivida no mato. Os comentários no Clube (QG Santa Luzia) - muitos nunca saíram do perímetro da COMBIS -, eram (quase) sempre atribuídas à irresponsabilidade dos básicos que não tiveram cunha para ficar em Bissau.

Como é óbvio, não partilho desta opinião até porque alinhei no duro e, como já há muito referi, muitos foram os locais onde permaneci como operacional e comandante de pelotão (Contuboel, Sonaco, Bafatá, Bambadinca tabanca, Sare Bacar, Nova Lamego, Medina Mandinga, Galomaro e Dulombi - aqui só com o meu grupo, a Companhia deste Batalão tinha abandonado a posição, o Curobal estava perto e com este número de homens o coração esteve sempre a bater) .

Refiro ainda as muitas viagens no Geba em comboio de batelões, para reabastecimento das unidades no interior - a malta do Xime e Bambadinca sabem a que me refiro -, bem assim como as de Dakota, Nord'atlas e DO por todo o território e muito em particular as levas in extremis de munições por esta via a Nova Lamego e Aldeia Formosa no período quente de 1973, já que a via fluvial, marítima e terrestre, era morosa para as necessidades.

Lembro inclusivé a leva de 36 urnas para esta última localidade por o stock se ter esgotado, tantas eram as baixas nas nossas forças...

Tudo este relato para quê? Para vos dizer que sei, vivi e sofri a martirizarão do mato e a boa vida dos guerrilheiros do ar condicionado.

Vou procurar o Catana para que faça o relato da emboscada. Eu estarei por aqui.

Um abraço a todos,
M. Oliveira Pereira
(ex-Fur Mil CCAÇ 3547)

Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... Foram utilizados LGFog e Canhão s/rc. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005.


Fotos: © Paulo e João Santiago (2006)

III parte do texto A tragédia do Quirafo (1)

Em 2 de Abril de 1972, lá vim pela segunda vez passar férias ao Puto. A 3, segunda-feira de Páscoa, havia o Compasso na aldeia, e aconteceu uma valente borracheira.

Os meus pais tinham alugado um apartamento em Coimbra, tinha uma irmã em Direito e assim passei as férias naquela cidade, fazendo umas saídas rápidas a outras paragens. Por volta de 20, não sei precisar ao certo, estou no café Internacional, junto à Estação Nova, com o meu amigo Julião, ex-Alf da CCAÇ 2701 (2). Entra o meu colega Esteves, da Escola Agrícola, e também Alf Mil em Fulacunda, se não me engano, chegado para férias na véspera, que vem sentar-se à nossa mesa. Perguntou-me onde estava a minha unidade, dizendo-lhe que no dia 2 tinha ficado parte em Galomaro e a restante no Saltinho.

Noto que embatucou. Pergunto:
- Passa-se alguma coisa ?
- Eh pá - responde-me - em Bissau constava que morreram muitos militares numa emboscada no Saltinho.

Venho cá fora comprar o Diário de Lisboa, volto para a mesa, abro o jornal e no local onde vinha a necrologia da guerra vinha escrito: Morreram em combate na Guiné: Alf Mil Armandino (resto do nome e naturalidade)... Seguia-se um Fur Mil, de que não recordo o nome, mais os nomes e naturalidades de mais quatro ou cinco militares.

Eu e o Julião ficámos transtornados. Voltei a ler os nomes, sentindo alguma descompressão por não ser ninguém do 53. Nos dois dias seguintes vieram mais nomes publicados de mortos na Guiné: só conhecia um, o Demba, o comandante da Milícia em Madina Buco.Tinha o resto das férias estragadas, ía ser um mau fim de comissão.

Devo notar que o Spìnola não se encontrava na Guiné quando aconteceu a emboscada, havia aqui mais um arremedo de eleições Presidenciais e haveria alguns elementos mais moderados do regime que tentaram substituir o venerando Thomas pelo Caco. Correu esse boato.

Regressei ao Saltinho onde fui encontrar um ambiente de cortar à faca e onde já estava reunido todo o Pel Caç Nat 53.

Os factos passados antes e após a emboscada foram-me relatados pelos meus Furriéis Dinis e Martins e pelos 1ºs cabos Cosme, Pina e Sanhá. O Fur Mil Mário Rui teve um desempenho de grande valor e coragem que o deixou fortemente abalado psicologicamente. Mais tarde no reordenamento de Contabane, dormíamos no mesmo compartimento, ele tomava dois Vallium por noite para conseguir dormir. Das poucas vezes que estive com ele, aqui em Portugal, notei que continuava ainda muito apanhado pela actividade que teve em 17 de Abril de 1972.

Em 10 de Abril de 1972, por ordem do comandante de Batalhão [BCAÇ 3872], C. Lemos, executada de imediato pelo proveta Lourenço (1), começou a abertura da famigerada picada, ligando o Quirafo à foz do Cantoro. Era uma segunda-feira.

Continuaram com os trabalhos durante a semana, interrompendo no Sábado e Domingo. Segunda-feira, 17, voltou a sair, para os trabalhos um Gr Comb comandado pelo Alf Mil Armandino, transportado numa GMC e num Unimog 404. Pararam em Madina de onde levavam 2 secções de milícias e pessoal civil para proceder à desmatação do itinerário que estavam a abrir.

Há uma informação que me transmitiram e que sempre tive dificuldade em acreditar ser possível, mas ainda em Fevereiro de 2005, em Madina, voltaram a confirmá-la. Dizem-me que ao chegar a Madina, o Demba, comandante das milícias, disse ao Armandino que um caçador na véspera, Domingo, tinha encontrado um local já perto do Quirafo, onde no Sábado um grande grupo do IN estivera emboscado à espera da tropa. E dizia mais:
- A população não quer ir e será melhor desistir da picada.

Qual a razão que levou o Alf Armandino a não acreditar ? Porque quis prosseguir, utilizando até algumas ameaças para obrigar os civis a subirem para a GMC ? Não tenho uma explicação racional para esta atitude.

Prosseguiram. Segurança nula. Imaginem uma GMC carregada a monte com militares, milícias e população civil numa zona de perigo.

Perto do Quirafo o condutor da viatura apercebe-se de um turra armado atrás de um baga-baga. Trava e rebenta o fogachal. Apesar de não terem entrado completamente na zona de morte, morrem logo uns civis aos primeiros tiros e roquetadas . A confusão foi infernal. O Alf Mil Armandino abriga-se atrás da roda da frente da viatura, é detectado, atiram uma roquetada na roda que lhe fica nas costas e é o fim.

O Unimog que vinha sem ligação nenhuma com a GMC fez meia volta aos primeiros rebentamentos. Há uns militares que se deitam no chão da viatura, mas há um 1º cabo de transmissões que, a certa altura, se levanta, salta com o AVP1 às costas, apanha um tiro no braço e corre em direcção aos atacantes. É apanhado à mão. O IN logo de seguida aponta uma canhoada (é verdade, uma emboscada com canhão S/R!!!) para o centro da viatura, estavam lá oito homens e umas granadas de bazooka, ficaram queimados e desfeitos.

Não consigo escrever mais hoje. Continuarei.

Paulo Santiago

Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Saltinho > Contabane > Pelc CAÇ 53 > 1972 > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10.

Foto: © Paulo Santiago (2006)

Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros armados com duas armas míticas e temíveis: a Ak 47 ou Kalash e o LGFog RPG-7.

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006) (com a devida vénia)

_________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

(2) A CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) foi substituída pela CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74).: vd post de 25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

Guiné 63/74 - P989: SPM - Serviço Postal Militar (Beja Santos)

Lisboa > 2006 > Beja Santos, ex-alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70). Conhecido afectuosamente, entre os seus camaradas de guerra da zona leste, sector L1, Bambadinca, como o "tigre de Missirá" (1).

Foto: © Beja Santos (2006)

Texto, enviado em 30 de Junho último (com a menção "para o teu mês de férias"), pelo meu camarada e amigo Beja Santos, membro da nossa tertúlia.

Caro Luís:

O texto não é inédito, mas creio caber completamente nos intentos do nosso blogue. Tu publicas quando quiseres. A minha ausência durante algum tempo não deve ser encarada como menos companheirismo pelo teu esforço inexcedível. Não te esqueças que já tenho 61 anos e a energia tem limites. Mas não duvides que a partir das férias darei uma contumaz colaboração. Na 2º quinzena de Julho telefono-te.

Abraços do Mário Beja Santos





Guiné-Bissau > Cacheu > Barro > 1968 > Feliz Natal..."Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor". Aerograma: "Querida irmã e cunhado, um Natal feliz e que o Ano Novo seja sepre melhor que o anterior. António Manuel... Uma ginginha!.. Pois dar de beber à dar é o melhor" (2)...

Fonte: © A. Marques Lopes (2005)



A HISTÓRIA DE PORTUGAL ATRAVÉS DO SPM (3)

por Beja Santos

Para quem nasceu depois do 25 de Abril, SPM não quer dizer nada. No entanto, para cerca de um milhão de jovens que combateram na guerra colonial ou que intervieram em tal período noutras parcelas do Império, SPM era a ligação à vida que ficara por viver no outro lado do oceano.

Se adicionarmos a cada militar o seu agregado familiar, temos milhões de portugueses a comunicar por escrito, entre 1961 e 1974. Inventou-se o aerograma, uma folhinha amarela ou azul, que se dobrava e colava, circulando de avião entre as províncias e a Metrópole.

SPM era o acrónimo de Serviço Postal Militar, um engano na sua codificação significava ficar sem notícias durante bastante tempo. Estes aerogramas, caso venham a ser estudados, são seguramente o depósito mais importante das mentalidades deste período crucial da nossa História.

Os comandantes militares advertiam os seus subordinados de que nunca se devia falar da guerra nos seus aerogramas, recordando mesmo que a polícia política os podia ler. A prática ensinou que tal recomendação não podia ser seguida, pois os combatentes tinham que falar das suas vidas. Não sendo a minha estória útil neste caso, posso depor que por cada aerograma que escrevi teria sido convocado pela PIDE todos os dias, já que fiz o meu diário com referências a operações e patrulhamentos, relato de feridos e mortos, contactos estabelecidos, juízos sobre oficiais, sargentos e praças, menções geográficas delicadas, opiniões desfavoráveis quanto ao evoluir da guerra, etc. Nada me aconteceu porque certamente a PIDE tinha outras coisas mais importantes a fazer.

A vida afectiva de milhões de pessoas está contada nestes aerogramas. Houve gente que adoeceu ou que até se suicidou porque recebeu denúncias de traições das mulheres, morte de familiares, perda de colheitas, negócios mal sucedidos... E quem ler esta prosa fica, no mínimo, a perceber que os da Metrópole não percebiam praticamente nada sobre a atmosfera da guerra.

Como é público, o Arquivo Histórico Militar já está a receber toda a correspondência trocada neste período por quem, voluntariamente, a quiser entregar. Oxalá todos nós tenhamos consciência de que este património é único, bem como os relatos das operações, as fotografias, as lembranças de artesanato e até o armamento capturado.

Nenhuma outra geração poderá ser tão bem analisada como a minha, nos seus gostos e preferências, nos seus anseios e esperanças, na radiografia das suas dores e na aprendizagem da adultez no quotidiano da guerra. Mas os da Metrópole também podem ser melhor conhecidos dado que estes relatos não omitiam a esfera do íntimo: a prosperidade ou o abandono das aldeias; o crescimento suburbano, o mais ensino, saúde e habitação; a emigração ou os primórdios da sociedade de consumo; o alento que se pretendia dar ao familiar combatente, mesmo quando não havia nenhuma convicção ideológica na defesa da Pátria.

Toda a década de 60 (a que António Barreto chamou “década de ouro do desenvolvimento português”) está aqui espelhada e microscopicamente contada nestes aerogramas que tendem a ser deitados para o lixo quando os seus protagonistas morrem ou, a arrumar os seus papéis, verificam que estes documentos deixaram de ter significado nas suas memórias. É tempo de reflectirmos sobre o que eles nos podem contar, seja como memória viva, seja como testemunho de uma guerra que alguns ainda acreditam que poderia ter sido ganha pela força das armas.

D’este viver aqui neste papel descripto reúne as cartas de guerra de António Lobo Antunes para a sua mulher, entre 1971 e 73, quando combateu em Angola. O título é uma citação de uma carta de Ângelo Lima ao Prof. Miguel Bombarda, e supunha-se ser este o nome do primeiro romance de Lobo Antunes, que acabou por ser Memória de Elefante (aliás, sobejamente referido nestes aerogramas).

Estas cartas são de uma enorme vibração, muitos leitores poderão rever-se, outros conhecer um brutal testemunho da guerra. Primeiro, sentimos o palpitar daquele que viria a transformar-se num dos nossos maiores escritores. Para quem conhece as suas primeiras obras, há aqui expressões nestes aerogramas que o identificam:

- “O calor é enorme e grosso: dá-me a sensação de respirar a palha de um colchão”;
- “aqui estou eu, em Luanda, sob um calor tórrido: o chichi parece chá, os mosquitos formam nuvens densas, e ao tomar duche o corpo sabe-me a sal”;
- “Isto é o fim do mundo: pântanos e areia. A pior zona de guerra de Angola: 126 baixas no batalhão que rendemos, embora apenas com dois mortos, mas com amputações várias. Minas por todo o lado. A Zâmbia quase à vista”;
- E, finalmente, “O que mais me aborrece aqui é a estupidez e a histeria dos alferes. Falam aos gritos, discutem constantemente, emitem uma média de 83, 5 palavrões por minuto (...) O alferes G., madeirense, traz permanentemente debaixo do braço um livro de actas que parece um registo de baptismo. No interior (folheei-o ontem) toma ele nota das fitas que vê. Várias colunas: nome do filme, actor e actriz principal, classificação. Mas adiante, pensamentos recolhidos do Hall Caine. E versos, sonetos patrióticos dizendo que é bom morrer defendendo Portugal! O alferes E., cabo-verdiano branco, com um sotaque desagradabilíssimo, lê o Larteguy e fotonovelas policiais, e tira um curso de detective particular por correspondência (...)”.

Segundo, são cartas de guerra mas também podem ser vistas como um romance. Quando a prosa é muito boa, o leitor pode sempre que questionar se está a ler um diário, correspondência, ou pura ficção. Romance em que um alferes-médico escreve apaixonadamente à sua mulher, fala da sua ternura, da moral das tropas, da intensidade da guerrilha, do quotidiano. Como todos os militares, barafusta pelo atraso das cartas, enuncia os seus projectos, queixa-se das cartas dos seus familiares, como se ele estivesse a fazer safari. A mulher está grávida e fala-se na criança que vai nascer. As saudades crescem, a criança nasce, o alferes vem à Metrópole. O resto não se conta porque o leitor tem todo o direito de conhecer os dois anos de comissão de António Lobo Antunes, acompanhar os seus estados de alma e um amor que roçou o sublime.

E quem tem dúvidas de que a guerra colonial existiu e transformou várias gerações, leia este livro (4).

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Notas de L.G. :

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

(2) Vd. post de 18 de Dezembro de 2005 > Guíné 63/74 - CCCLXXXVIII: O meu Natal de 1968 em Barro (A. Marques Lopes)
(3) Artigo publicadop originalmente no Notícias da Amadora, edição 1632, de 22 de Junho de 2006
(4) Título: D'este viver aqui neste papel descripto
Autor: António Lobo Antunes
Editora: Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2005, 432 pp.
ISBN: 972-20-2898-7
Vd. o site não oficial do escritor > António Lobo Antunes

terça-feira, 25 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P988: O soldado paraquedista Lourenço, natural de Cantanhede, morto e enterrado em Guidaje (Maio de 1973) (Idálio Reis)

Mensagem do Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)(1)

Assunto: O apelo do Manuel Rebocho (P919). A trasladação dos restos mortais de camaradas enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (2)

Caro Luís e demais Tertulianos:

Sentida estupefacção quando li este post (2). Jamais poderia julgar que militares, tombados em plena frente de combate, não tenham regressado para junto dos seus - familiares, amigos e conterrâneos. Homens em viço da vida, que ousadamente partiram em defesa do espírito mais nobre que lhes fora incutido - o solo pátrio -, e que acabam por morrer e ser enterrados em campas rasas, até hoje esquecidos numa terra estranha, não prometida.

Em Maio de 1973, a situação da frente da guerra que avassalava a Guiné, era dominada pelo caos, pelo terror e pela morte. Já quase se tornava impossível impedir que a tropa, esparsa pela Província, não estivesse sujeita à iminência do desastre, muito prestes a redundar no seu aniquilamento.

Mas apesar de tudo, eis aqui, notoriamente, um caso de abandono, de desprezo, que uma negligência em permanência descura em julgar. A Pátria tendeu para a ignomínia, ao deserdar jovens cidadãos que lhes tributaram o bem que de mais precioso tinham em posse: as suas vidas.
E por isso, os que sobreviveram aos reveses de uma guerra volúvel e pérfida, sentem-se duramente fustigados ao tomar conhecimento destes factos consumados, e que nos compete condenar energicamente, para sossego das nossas consciências.

Porque um dos camaradas enterrados em Guidaje, há 33 anos, era oriundo do meu concelho de Cantanhede, tentei indagar o que me era devido. Acabei por constatar que o paraquedista José de Jesus Lourenço era natural do lugar de Fornos, freguesia de Cadima. E que os seus familiares continuam esperançados em reaver os despojos do seu ente querido; apesar de os seus pais permanecerem vivos, julguei que não seria oportuno falar com eles sobre este assunto.

Foi-me informado que há poucos meses tinham sido contactados por duas pessoas, nas quais presumo estar seguramente a pessoa do Manuel Rebocho. Assim, por que é de inteira justiça reclamar que o Estado Português venha repor a equidade e a justiça que se impõem, mesmo que tardiamente, desejaria na comoção deste momento transmitir aos nossos Tertulianos o seguinte:

i) Agradecer de uma forma muito cordial todo o esforço desempenhado pelo Rebocho, no trabalho afanoso que tem demonstrado nesta sua nobre missão; afirmou à família do José Lourenço, que tem de conseguir o objectivo a que se propôs;

ii) Ao referir no seu depoimento, que «não conhece a palavra desistência», leva-me a depreender que os apoios que em uníssono reivindicamos com toda a justeza, lhe têm sido sonegados, pelo menos em parte;

iii) Do seu laconismo, porventura propositado, facilmente se reconhece que o Manuel Rebocho é um homem de inabaláveis convicções, imbuído de um forte sentido de solidariedade e camaradagem, e em que prevalece características humanas profundas; do seu itinerário pessoal, transmite que se trata de alguém com grande determinação e inabalável querer;

iv) Porque nos deu a conhecer esta sua filantrópica missão, então se considerar como mais curial, nos transmita o ponto da situação.

Julgo que talvez não fosse de todo descabido que se formasse uma comissão de guardiães-velhos da caserna, para confrontar o poder político vigente, a fim de poder dar concretização à aspiração que há muito o vem incentivando.

Um abraço do Idálio Reis.

_________

Notas de L.G.

(1) 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)


Vd. post de Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

Guiné 63/74 - P987: A propósito do morto-vivo da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) (Paulo Santiago]

1. Texto, datado de ontem, do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72):

Luís:

Hoje não tenho tempo para escrever. Esta mensagem tem a ver com um post publicado hoje. Eu ía chegar lá brevemente, mas atendendo ao que diz o Duarte (1) ,confirmo que em 1972 foram dados como mortos 12 militares, e enviadas as respectivas urnas para as famílias.

Em Setembro de 1974, chegou o morto que estava vivo. Não vi, mas contaram-me a entrevista que deu na RTP. Só o Cap Lourenço afirmava que ele tinha morrido, o resto da compahia [a CCAÇ 3490] afirmava que estava vivo.

Os sobreviventes viram-no apanhar um tiro no braço e, de seguida, ser apanhado à mão pelo IN. Era de transmissões e levou um AVP 1 quando foi capturado. Todos os dias eram feitos QTR'S com Aldeia Formosa, utilizando aquele equipamento. Por vezes entrava uma voz em rede, que os tipos de transmissões diziam ser do Batista - penso ser este o nome dele, mas não
tenho a certeza.

Também não sei se era de S. Martinho do Bispo. Neste momento sei quem comandou a emboscada, só por um motivo de última hora, não falei em Fevereiro de 2005 com esse comandante [do PAIGC]. Um dos assuntos de que falaria seria precisamente sobre caso deste prisioneiro.

Um abraço
P. Santiago

2. Comentário de L.G.:

Baptista ou não, natural de S. Martinho do Bispo ou não, este nosso camarada da CCAÇ 3490 que foi dado como morto, que foi enterrado no cemitério da sua aldeia e que afinal estava vivo, tendo sido ferido e feito prisioneiro pela guerrilha do PAIGC na picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972, não deverá ser um caso virgem (O Albano Costa contou-me um caso semelhante, mas para já não quer publicitá-lo no blogue, preferindo investigar melhor o assunto).

O que nos choca, ainda hoje, é o cinismo, o desprezo, o despudor das autoridades militares da época que, incapazes de falar a verdade às famílias dos nossos camaradas mortos ou desaparecidos nem, muito menos, à população portuguesa, mandavam para os nossos cemitérios caixões de chumbo... vazios!!!

Quantos lutos patológicos ainda não estarão por fazer ? Infelizmente, em muitos casos, manteve-se a suspeita de que os caixões que vinham do Ultramar (e da Guiné, em particular) não traziam os restos mortais dos nossos queridos soldados, mas apenas pedras...

Vamos aguardar pelo resto da história que o Paulo Santiago tem para nos contar...

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Saltinho > 1972 > Homens do Pel Caç Nat 53, em plena época seca, a caminho da Foz do Rio Cantoro, um afluente do Rio Corubal.

Foto: © Paulo Santiago (2006)

Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), actualmente residente em Aguada de Cima, Águeda:


Como relatei no post anterior (1), o meu primeiro contacto com o capitão-proveta Lourenço deixou-me uma péssima impressão, mas não havia outra solução, caso o Pel Caç Nat 53 continuasse no Saltinho, senão aguentar, resistindo e discutindo, quando fosse necessário.

Quanto aos Alferes Milicianos, só me lembro do nome de três: o Armandino (2), o Rainho e o Garcia. O Armandino e eu, infelizmente, convivemos durante poucos dias. Era uma pessoa excepcional, com uma cultura acima da média, membro do Orfeão Académico de Coimbra, com o qual tinha ido à Expo de Osaca em 70, salvo erro.

Segundo me disse , ele representava a oposição ao Ganho (conhecido defensor do regime) dentro do Orfeão, daí a sua chamada prematura para a tropa.Tirara o curso de Operações Especiais em Lamego. Foi ele quem me convenceu a ficar no quartel, não indo de imediato para Contabane, onde tinha alguns homens, e de onde vinha uma viatura ao quartel buscar as refeições para o pessoal branco do 53, que lá se encontrava.

O Rainho era bom tipo, tinha uma saúde frágil, nunca deveria ter ido para o mato e muito menos para atirador. Mas influências da PIDE levaram-no, também prematuramente, às fileiras da tropa e àquela especialidade.

O Garcia era uma merda, queria apanhar uma hepatite para ser evacuado, então bebia
uma bazooka [garrafa de cerveja de 0,6 l], acompanhada por uma banana ao pequeno- almoço. Era um irresponsável, estava-se cagando para os soldados, estes por sua vez não lhe ligavam puto, a sorte era o grupo de combate ter bons Furriéis.

O Alf Armandino conseguiu desanuviar, em parte, a tensão inicial que nascera entre mim e o Lourenço. Eu tinha férias marcadas com início em 2 de Abril [de 1972]... A 30 de Março apanharia a avioneta no Xitole, e, assim faltavam meia dúzia de dias para largar o camuflado durante um mês. Já imaginava os copos que iria beber na aldeia, dia 3 de Abril, 2ª feira de Páscoa.

Andavam estes pensamentos na minha cabeça, quando uma noite, ao jantar o Lourenço diz que precisa falar comigo no gabinete. Lá vou ao gabinete, onde começo a ouvir uma maluqueira:
- O comandante de Batalhão C. Lemos (3) ordenou uma operação com início na próxima madrugada seguinte, com duração de 2 dias. O objectivo é armadilhar o Celo-Celo, para de seguida começar a construção de uma picada ligando Quirafo à foz do rio Cantoro (4)...

Caíram-me os tomates no chão, mas antes que dissesse algo ele continuou:
-Gostaria muito que você fosse nesta operação, apesar de não ter o seu grupo de combate completo.

Não resisti mais e disse-lhe: a) achar uma barbaridade abrir uma picada do Quirafo ao Cantoro, zona de duplo controle, onde não há população e onde nunca houve nenhuma tabanca; b) meses atrás o General dissera lá no Saltinho que os patrulhamentos ao Cantoro ou mais além, não tinham razão de ser devido à ausência de população e não ser no momento local de passagem do IN; c) não ir sem o meu Gr Comb completo para qualquer operação; d) para terminar, não sabia para que raio interessava armadilhar o Celo-Celo, que ficava no cu de Judas, já quase na zona da companhia de Dulombi. Andara lá perto numa operação que saíra precisamente, deste último local.

Começou com um choradinho, que eu já tinha muita experiência, conhecia bem a zona, enfim era uma ajuda que me pedia... Eu, parvo, fui na conversa do tipo. Disse-lhe que iria na operação com quatro dos meus soldados africanos. Não me foi difícil arranjar quatro voluntários.

Na madrugada seguint, às 4 horas, saímos auto-transportados até ao Quirafo. O percurso entre Madina Buco (5) e Quirafo era picado pelo destacamento e milícias daquela tabanca (Madina).

Chegados e apeados, tomámos o rumo da foz do Cantoro, para a partir daí flectirmos para o Celo-Celo. Atingimos a foz do Cantoro por volta do meio-dia e, parámos perto deste local para comermos alguma coisa da racção de combate.

Parados há poucos mikes [minutos], um dos meus soldados diz ser conveniente sairmos do local pois encontra-se um enxame de abelhas perto, que poderá atacar mal sinta o cheiro das
latas abertas. Agarrei no equipamento e fui com os meus homens informar o Lourenço. Não nos ligou puto:
- As abelhas não representam problema - diz o gaijo com a sapiência de um ignorante.

Nós os cinco afastámo-nos. Vinha aí merda da grossa. Não teriam passado dez minutos começa o caos. Ouvimos os primeiros gritos, há uns tugas que passam a correr à nossa frente completamente desvairados, dois já tinham largado a G3. Vamos atrás deles, procurando não ser mordidos, para os acalmar. Entretanto há um caralho qualquer que chega fogo ao capim para espantar as abelhas. Começo a sentir-me perdido, imagino um grupo do IN na outra margem do Corubal, a mandar umas morteiradas para o meio da confusão. Para mim, a situação mais complicada era, pois não sabia o nome de ninguém, só o do Lourenço e do Garcia.

Aparece-me entretanto o Capitão, digo-lhe ser urgente sairmos rapidamente da zona. Rebentam algumas munições de G3 no meio do lume. O Lourenço diz ser necessário pedir evacuações, visto haver militares muito picados e um está completamente perdido após ter caído no Corubal, onde está agarrado a um tronco, só com o guincho sairá do rio. Digo-lhe que traga os homens, como
puder para uma bolanha próxima, pois só lá poderá poisar o heli. Aparece o tipo do rádio, felizmente não o largou, procuramos as coordenadas, pedem-se os helis, um deles com guincho, e há que aguardar.

Passado algum tempo, aparecem dois helis para as evacuações mais o heli canhão. Um heli vai sacar o tipo ao rio enquanto a enfermeira faz uma triagem rápida: Há cinco militares que terão de ir para o hospital militar, três serão tratados na enfermaria do quartel onde um dos heli os deixará.

Gera-se uma grande discussão entre o proveta e o piloto de um dos helis, a propósito do transporte das armas, dos militares evacuados. Os três que vão para a enfermaria do quartel levam o seu equipamento pessoal. As armas e material dos que vão para o HM terão de ser os camaradas a transportá-los. O Lourenço fica possesso:
- Como é possível um Alferes (o piloto) dar ordens a mim, Capitão, e não querer levar todas as armas dos evacuados ?

O piloto manda fechar-lhe a porta nas trombas e arranca.
- Para mim chegou! - Digo-lhe que vou regressar com os meus quatro homens, via Cansamange. Diz-me ir também regressar, via Quirafo, para onde vai pedir as viaturas.Há um soldado meu, o Abdulai Baldé, que conhece um trilho directo a Cansamange e é por aí que regressamos os cinco, dormindo nessa noite com o pessoal que estava lá destacado.

Acabou assim, em glória, o armadilhamento do Celo-Celo. Quando cheguei ao Saltinho, contei a cena aos Furriéis Dinis e Mário Rui, e recomendei principalmente a este último para ter o máximo cuidado com a ignorância e incompetência do Lourenço. Fazer tudo com a máxima segurança e procurar não embarcar na abertura da picada, caso essa maluqueira fosse por diante. Que arranjasse uma desculpa qualquer.

Em Bissau, quando cheguei para vir de férias, vários tipos conhecidos perguntaram-me pela emboscada de uns dias antes. Tinham sabido da saída dos três helis. Apanhei o voo para Lisboa no dia 2 de Abril, com uma certa preocupação (6).

__________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

"Luís: Vou começar hoje a lembrar os antecedentes que levaram à trágica emboscada no Quirafo, em 17 de Abvril de 1972 (...).

(...) "As recordações são tão más que não consigo lembrar-me do nº da companhia, mas lembro-me de, no cais do Xime, alguns graduados da CCAÇ 2701, me avisarem para ter cuidado com o Cap Lourenço, um proveta que não seria grande merda e de um Furriel me dizer que o gajo tinha entrado no Saltinho de chapéu à cow-boy e de [pistola] Walther à cintura, com um atilho a apertar o coldre à perna... Enfim, uma verdadeira cena de filme série B!" (...)


(2) Vd. também post de 21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

(...) Eu estava no Xitole e dias antes o Alf Armandino, que morreu nessa emboscada, tinha estado a almoçar comigo em casa do Jamil Nasser (2), se não me engano, um almoço que o Jamil ofereceu também para festejar os meus anos em Abril.Tenho uma fotografia desse almoço onde está o Alf Armandino, que foi aliás meu camarada de Curso nos Ranger's" (...)

(3) Vd. post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)


(4) Quirafo faz parte da carta de Contabane. A foz do Rio Cantoro julgo que ainda ainda faz parte desta carta se bem que o maior percurso deste rio deva vir assinalado na carta de Gobije, carta essa que não ainda não temos disponível 'on line'... Vd. o Rio Cantoro na Carta Geral da Guiné.

(5) Na carta de Contabane, o nome da povoação é designada por Sinhã Maundè Bucô, a meio caminho entre Saltinho, Mampatá e Quirafo... Julgo que seja a mesma.

(6) Vd. posts de :

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74) (Luís Graça)


Guiné-Bissau > Região de Baftá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma cena quase bíblica... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Poucos de nós tiveram o privilégio de, em tempo de guerra, contemplar uma cena idílica como esta... Na época o Rio Corubal era uma verdadeira fronteira, estando interdito à navegação... É um dos rios míticos que, quais fantasmas, nos povoam a memória e nos perseguem até aos dias de hoje... Pode trás dessa imensa beleza, há trágicas recordações para todos nós, portugueses e guineenses, que combatemos ferozmente ao longo deste rio, desde a Ponta do Inglês, no Xime, onde o rio vai desaguar no Rio Geba, até a Madina do Boé, nas colinas do Boé, junto à fronteira com a Guiné-Conacri.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2000 > Marcas dos tugas: Brasão da CCAÇ 2406 (1968/70)... Esta companhia, sob o comando do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), esteve envolvia na trágica retirada de Madina do Boé (a sua irmã, a CCAÇ 2405, de Galomaro, sofreu 17 mortos em Cheche) mas também na Op Lança Afiada (triângulo Xime, Xitole, margem direita do Rio Corubal, Março de 1969)...


Guiné-Bissau > Regiãod e Bafatá > Saltinho > Pousada do Saltinho > Novembro de 2000> Brasão da CCAÇ 2701 (1970/72) , pintado numa das paredes do antigo aquartelamento, transformado depois em unidade hoteleira...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Vestígios da CCAÇ 2701 (1970/72) , deixados na parede lateral de uma caserna em ruínas...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2006 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. A esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , do Batalhão 3872 (com sede em Galomaro), pertenceu o nosso camarada José Guimarães, minhoto, agora residente nos Estados Unidos.

Fotos: © Albano M. Costa (2005)

1. Já descobrimos a companhia que esteve no Saltinho, comandada pelo Capitão Lourenço: segundo o meu ‘ajudante de campo’, o Zé Teixeira, trata-se da CCAÇ 3490, pertencente ao BCAÇ 3872 que esteve na Guiné entre Dezembro de 1971 e Março de 1974.

Além disso, o Zé descobriu um contacto: Justino Sousa, Telef > 255776190. Um grande chicoração para o Zé, que é sempre altamente prestável, hoje como ontem… Alguém quer telefonar ao Justino Sousa, para saber mais pormenores sobre a estória daquela unidade ? O 255 é rede de Amarante, não é ?

2. Ora quem também fazia parte dessa unidade é o nosso camarada, membro da nossa tertúlia, o Joaquim Guimarães, minhoto, que vive nos EUA (1).

Ele acabou de mandar , ontem, para a minha caixa de correio, uma mensagem enigmática… Vou-lhe pedir que me esclareça o sentido das suas (parcas) palavras, a propósito da tragédia do Quirafo, que temos vindo ultimamente a tratar do nosso blogue… Será que ele entendeu que estamos a tratar mal a sua companhia ? (2)
___________

Notas de L.G.

(1) Vd post de 15 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXI: Saltinho, 1971/74... United States of America, 2005

(...) "Sim, (...), fiz parte do Batalhão 3872, pertenci à CCAÇ 3490, localizada no Saltinho e também num destacamento bem perto de Galomaro onde era a CCS.

"A maior parte do meu tempo de Guiné foi passado na escola, pois eu fui o professor do posto escolar do Saltinho. Só de vez em quando, por óptimo comportamento, fazia umas emboscadas aqui ou ali. Mas sofri do mesmo [que os outros camaradas], as mesmas angústias, o mesmo pânico, o mesmo medo, as mesmas lágrimas e as mesmas alegrias.

"Tenho histórias para contar e fotos para mandar. Fui apanhado desprevenido e ainda não me recompuz da alegria que tenho de poder gritar liberdade e poder expor o que sinto, o que senti. Em breve terás notícias do Saltinho e de mim" (...).

(2) Sobre as companhias que passaram pelo Saltinho, vd post de 31 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXVIII: Marcas dos tugas no Saltinho (Albano Costa)

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1970 > Vista aérea do aquartelamento e da tabanca do Xime

Foto: © Humberto Reis (2006)


Texto do António Duarte (ex-furriel miliciano, CART 3493, e CCAÇ 12, Mansambo e Xime, 1972/74)

Caro Luís Graça,

Ao tempo desta emboscada [na picada do Quirafo] (1), eu estava em Mansambo, ainda muito pira, na CART 3493. Como a companhia do Saltinho era do batalhão de Galomaro, a notícia chegou tarde e a más horas e provavelmente filtrada.

Por infeliz coincidência tivemos no Batalhão 3873 a primeira baixa na Ponta Coli, 5 dias depois (2). No entanto gostaria de referir que quando se soube dos contornos desta desgraça, ocorrida aos camaradas do Saltinho, a moral das NT por Mansambo veio abaixo.

Há no entanto um aspecto, também dramático, associado à emboscada referida, que gostaria de partilhar. Daquilo que me lembro, houve dois ou três companheiros, vítimas da emboscada, que foram dados como desaparecidos.

Já após o 25 de Abril e com a conclusão das negociações com o PAIGC, houve libertação de prisioneiros e pasme-se... um dos mortos, que estava sepultado, salvo erro em S. Martinho do Bispo (Coimbra), apareceu, e com ele os dramas associados. O primeiro, para família do desaparecido, a qual porventura, sempre teria alimentado a esperança de o seu ente querido aparecer, que afinal estava morto e para a do morto que estava vivo.

No momento que a TV estava a passar as imagens do drama, só me recordei do Frei Luís de Sousa, do Garrett.

Não sei se alguém do nosso blogue se recorda do tema (3).

Um abraço fraterno,
António Duarte
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

(2) Vd. posts sobre esta e outras emboscadas em na Ponta Coli, entre o Xime e Amedalai:
26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)(...)

"Perguntei há dias ao Sousa de Castro se tinha cópia da história da companhia dele, na sequência da publicação do episódio da emboscada sofrida pelos seus camaradas na Ponta Coli, na estrada (já então alcatroada) Xime-Bambadinca, às 6 da manhã do dia 22 de Abril de 1972, e de resultaram pesadas baixas para as NT: 1 morto (furriel), 7 feridos graves e 12 feridos ligeiros". (...)

24 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXII: A morte, às 6 da manhã, em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

(3) Antes de inserir este post no blogue, perguntaei ao resto da tertúlia se me era capaz de identificar a famigerada companhia do capitão-proveta Lourenço, que o Paulo Santiago descreve como um cow-boy, companhia essa que estava no Saltinho e apanhou uma das maiores emboscadas da guerra da Guiné, em 17 de Abril de 1972... A companhia pertencia ao batalhão de Galomaro...
Por outro lado, o António Duarte fala aqui de um morto (dos 11 dados como mortos) que foi enterrado na sua terra (São Martinho do Bispo, Coimbra ?) e que depois do 25 de Abril apareceu na lista dos prisioneiros do PAIGC... Esta história é fantástica, digna como diz o Duarte, de uma peça de teatro como o Frei Luís de Sousa, do Almeida Garrett, e merece ser investigada... Será que aguém terá mais pormenores ?

Guiné 63/74 - P983: Bibliografia (4): 'Ora di djunta mon tchiga', 4º livro de poesia do nosso camarada Carvalhido da Ponte


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Uma ponte perto de Suzana. As cidades de Cacheu e Viana do Castelo estão geminadas desde 1988. Carvalhido da Ponte tem sido um dos grandes entusiastas da cooperação portuguesa com a região do Cacheu. Lançou agora mais uma ponte para reforçar a amizade entre os portugueses e os guineenses com o lançamento do seu livro de poesia Ora di djunta mon tchiga (ou seja, a hora de dar as mãos), cuja receita de vendas se destina a um projecto no campo da cooperação em saúde na cidade do Cacheu.

Foto: Câmara Municipal de Viana do Castelo (com a devia vénia)


1. Mensagem do Carvalhido da Ponte, que acaba de publicar o seu 4º livro de poesia. Há dias dei-lhe os parabéns e pedi-lhe para nos dizer mais alguma coisa sobre esta iniciativa. o nosso camarada é professor do ensino secundário, e dirigente de diversas colectividades - entre as quais a Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau. A última das suas obras intitula-se "Ora di djunta mon tchiga" (ou "A hora de dar as mãos"(embora em português, nos poemas o autor faz uso de inúmeros termos em crioulo)

O livro contém 33 poemas, ilustrados com fotografias de Gualberto Boa-Morte, recolhidas em diversas paragens da Guiné. Edição da Junta de Freguesia da Meadela, Viana do Castelo. Preço: 15 euros.

O Carvalhido da Ponte foi Fur Mil de Enfermagem na CART 3494, do BART 3873, tenmdo estado estado no Xime e Mansambo (1972/74), com o Sousa de Castro e com o Manuel Ferreira, outros dois membros da nossa tertúlia. Também foi professor do nosso amigo J.C. Mussá Biai, no Posto Escolar Militar nº 14 (Xime).


Olá, amigo!

Coordeno a Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau e estamos a trabalhar, essencialmente, com Cacheu uma vez que o nosso município de Viana do Castelo está geminado com aquela localidade desde 1988.

Neste momento o projecto prioritário é a recuperação do Centro de Saúde e a construção de uma pequena maternidade.

O lançamento deste livrinho (1) com 33 textos e quase 30 fotos foi um sucesso (estiveram mais de 250 pessoas) mas tenho ainda muitos livros para vender. Assim, no próximo dia 28 vou apresentá-lo no Salão Paroquial da Freguesia de Meadela e percorrerei todo o distrito até o vender.

Um abraço.
Carvalhido da Ponte
____________

Nota de L.G.

(1) Eis como a notícia do lançamento do livro do nosso camarada Carvalhido da Ponte foi dada pelo portal Notícas Lusófonas, de 12 de Julho de 2006:

Escritor português lança livro para financiar maternidade em Cacheu

12-Jul-2006 - 14:13

A construção de uma pequena maternidade em Cacheu, na Guiné-Bissau, é o destino integral da receita da venda do livro que o escritor José Luís Carvalhido da Ponte lança quinta-feira, em Viana do Castelo.

Intitulada "Ora di djunta mon tchiga", em tradução livre para português "É a hora de darmos as mãos", a obra será lançada no Jardim Público, no âmbito da XXVI Expo- Feira de Viana do Castelo, que pelo 10º ano consecutivo decorre sob o signo da Lusofonia.

José Luís Carvalhido da Ponte é o presidente da Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau, idealizada há 17 anos, em Viana do Castelo, cidade geminada com Cacheu. Em Viana do Castelo, a organização integra a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental, Amigos do Mar, Associação de Técnicos de Turismo, Câmara Municipal, Escola Secundária de Monserrate e Escola Superior de Educação. Da parte da Guiné-Bissau, os "cooperantes" são o Conselho Nacional da Juventude, Associação dos Filhos e Amigos do Sector de Cacheu e a Associação de Jovens para o Desenvolvimento de Cacheu.

Em Novembro último, a associação apresentou o seu "plano de actividades" até 2011, onde figura, como prioritário, o sector da saúde, por ser "o mais problemático" em Cacheu. Neste sector, destaca-se construção de uma maternidade e a recuperação do centro de saúde local, além da recolha de material médico e medicamentoso e equipamento hospitalar para enviar para aquela cidade guineense, de acordo com a lista de carências elaborada pelos respectivos serviços de saúde.

O despiste oftalmológico e a oferta de óculos aos técnicos de saúde, "que já começam a ter alguns problemas em trabalhar por falta de visão", são outras das apostas da associação, que promete ainda apoio nas campanhas de vacinação e no combate à subnutrição.

O programa de acção da associação, genericamente intitulado "Viana-Cacheu: construir um abraço", privilegiará também o sector da Educação, estando prevista a recuperação de três escolas, a recolha de material didáctico, a formação de professores e o incentivo da aprendizagem da língua portuguesa, designadamente com a criação de um prémio literário.

A associação está ainda empenhada em dinamizar aquilo a que chama turismo pedagógico-cultural, assegurando o alojamento em Cacheu dos interessados, desde que estes, como contrapartida, ofereçam aos guineenses serviços didácticos, nomeadamente acções de formação em diversas áreas.

A "cereja em cima do bolo" do plano de acção da associação para os próximos anos será a criação do Centro de Cooperação de Cacheu, que integrará um pequeno espaço de acolhimento ao cooperante, com capacidade para cinco a seis pessoas, e a Casa dos Povos, um espaço polivalente onde as duas cidades geminadas poderão mostrar a sua história, etnografia e artesanato. Este Centro de Cooperação ficará contíguo ao Centro de Recursos, também criado pela associação e onde funciona uma biblioteca, com cerca de mil livros, já frequentada por 2.000 utilizadores, o que representa um terço da população de Cacheu.

Nos seus primeiros cinco anos de existência, a associação descarregou em Cacheu 10 toneladas de bens de primeira necessidade, incluindo material didáctico, roupa e medicamentos, tendo também oferecido um parque infantil e recuperado um jardim infantil.