segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2360: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (2): 10 mortos e mais de metade do pessoal ferido em combate (Virgínio Briote)

A CCaç 726 em terras da Guiné. Uma Companhia a escrever a sua história.

A CCaç 726 não tem ainda a história escrita da unidade. O Alberto Pires (o Teco, como é mais conhecido entre nós) e o Carlos Guedes, com mais cinco camaradas estão a escrevê-la, com recurso às histórias dos Batalhões a que a Cª esteve adstrita e às memórias de mais de 400 fotos seleccionadas, tiradas entre Novembro de 1964 e Julho de 1966.






A história da CCaç 726 em datas

Mobilizada através do RI 16, Évora, a CCaç 726, comandada pelo Capitão Martins Cavaleiro (1), embarcou em Lisboa em 6 de Outubro.

Após o desembarque em Bissau, em 14 do mesmo mês, a CCaç 726 rendeu a CArt 676 no dispositivo e manobra do BCaç 600, enquanto, sob a orientação da CCaç 508, fazia a adaptação operacional na zona de Quinhamel, perto de Bissau. O primeiro GrComb a ser destacado para Guileje marchou em 28 de Outubro e o segundo em 17 Novembro.

Em 25 de Novembro de 1964 toda a CCaç 726 já estava no sector de Guileje (2), então criado, primeiro na dependência do BCaç 513, depois na do BCaç 600 e ainda na do BCaç 1861. Anteriormente Guileje esteve ocupado por um pelotão da CArt 495.

A CCaç 726, ao longo da permanência no sector, só ou em conjunto com outras subunidades, tomou parte em diversas operações, patrulhamentos e emboscadas no chamado corredor de Guileje. E por períodos variáveis, forneceu pelotões para temporariamente reforçarem as guarnições de Gadamael e Cacine.

Em 30 de Março de 1965, na sequência da Op Arpão, ocupou a povoação de Mejo, tendo lá deixado dois pelotões.

Em 27 de Janeiro de 1966, para reforçar a CCAÇ 1424, destacou dois pelotões para o Cachil, então na zona de acção do BCAÇ 1858.

Em 2 de Julho de 1966, por rotação com a CCAÇ 1424, passou a integrar o dispositivo do BCAÇ 1858, assumindo a responsabilidade do subsector de Cachil, mantendo ainda um pelotão em Mejo.

Em 16 de Julho foi substituída pela CCAV 1484 (Cap Cav Coutinho e Lima*), seguindo para Catió, onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587.

E em 6 de Agosto de 1966, seguiu para Bissau, a fim de embarcar de regresso à Metrópole.

As baixas da CCaç 726

Durante a comissão na Guiné, a CCAÇ 726 sofreu 10 mortos, dos quais 9 em combate.

Mais de metade da CCAÇ 726 sofreu ferimentos em combate, tendo alguns militares sido atingidos duas e três vezes ao longo da estadia em Guileje.

No total, existe o relato de terem sido evacuados para o HMP 14 elementos da Companhia, tendo cerca de 69 feridos, continuado ao serviço, depois de recuperados.

Mortos:

  1. Furr Mil António Gonçalves da Silva, em 29 Nov de 1964, por ferimentos em combate.
  2. 1º Sarg Joaquim Balsinhas, em 28 Fev 1965, por explosão de armadilha IN.
  3. 1º Cabo Amadeu Jaló, em 28 Maio de 1965, por doença, no HMP
  4. 1º Cabo Enf Manuel Moreira Marques, em 28 Jun de 1965, por ferimentos em combate.
  5. Sold Cond Armando Gonçalves da Fonseca, em 28 Ago de 1965, por ferimentos em combate.
  6. 1º Cabo Elísio Santos Filipe, em 28 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  7. Sold Mil Mussa Bela Camará, em 28 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  8. Sold Cond José Luís L. Pereira, em 29 Ago 1965, por ferimentos em combate.
  9. Sold Luciano Florêncio, em 7 Set 1965, por AP, em Cutia, ao serviço do GrCmds "Vampiros".
  10. 1º Cabo João Seborro, em 7 Nov 1965, por ferimentos em combate

As primeiras acções armadas da CCAÇ 726

A 1º acção em que a CCAÇ 726 participou foi uma emboscada que montou, para os lados de Balana, junto a uma cambança do rio. Apanharam armas e tantas munições (mais de 12.000) que se viram aflitos para trazerem todo o material para o aquartelamento.

Não demorou muito a terem a resposta. Um Gr Comb viria a cair, dias depois, numa emboscada. O IN, até essa data, estava habituado a utilizar o corredor sem ser incomodado, uma vez que os efectivos de Guileje, até então, não tinham passado de um pelotão.

Extractos de Perintreps e Sitreps com referências à CCAÇ 726

Novembro de 1964

República da Guiné-Conakry

O conjunto de notícias sobre a presença de grupos IN na Rep. Da Guiné, relacionadas com instrução e reabastecimento de material, levam a admitir o recorte de:
- Elementos do PAIGC regressados da URSS, onde receberam instrução;
- Um centro de instrução em Boké, onde, em Out. de 64, receberam instrução cerca de 300 elementos IN, que se admite pertencerem ao Exército Polpular (2 secções)

Sector E

- Registou-se o final da instrução das duas primeiras unidades do E. Popular, uma das quais se destina ao Quitafine (a outra irá para Boké), supondo-se que tenha sido já uma dessas unidades que actuou na região de Guileje.
- Referida a existência de metralhadoras pesadas AA de 3 canos e viaturas blindadas na posse do IN.
- Observados vestígios de passagem de numerosos grupos, em ambos os sentidos, na área Gadamael-Guileje-Gandembel e caminhos recentemente abertos na área de Contabane.
- Observados 3 sobrevoos de helicóptero em Sangonhã, sempre na direcção E-W.

Dois ataques a Guileje no mesmo dia

Na madrugada de 29 de Novembro de 1964, a CCaç 726 levantou-se mais cedo. Acordou com fogo nutrido de armas automáticas e granadas de morteiro e de RPG. Durou até ao nascer do dia o ataque ao aquartelamento.

Depois do ataque, houve que evacuar os feridos mais graves. Guileje assistiu pela primeira vez a um movimento de helis e Dorniers, que, a partir daí, passaria a ser banal.

Dos relatórios dos ataques:

29 Nov 64 – grupo estimado em cerca de 200 IN atacou a tabanca e o quartel de Guileje, durante cerca de duas horas, com LGF, Mort 60 e 80, MP, Esp, P e GM, provocando incêndio e destruição de instalações militares e civis e causando 2 M e 11 F às NT e 4 M e 20 F à população.

Cerca das 4h00 um grupo estimado em cerca de 200 elementos atacou Guileje usando toda a gama de armas, em especial morteiros, lança-granadas-foguete, metralhadoras pesadas e espingardas automáticas. A intensidade do ataque era brutal e o uso de granadas incendiárias deu origem à destruição por incêndio da maioria das instalações militares e casas da população.

Por se tratar de um acontecimento notável e extraordinário refere-se aqui que no dia 29 de Novembro de 1964 foi Guileje atacada pela primeira unidade do chamado 'Exército Popular' IN, dotado de armamento poderoso, incluindo(…).

Todas as casas da tabanca foram incendiadas e destruídas.

Do Sitrep nº 89 P 300103 de 29 Nov 64 da CCAÇ 726

- Povoação deprimida perdas haveres (.) Boa reacção imediata aparecer pessoal comandante BC513 e oficial reabastecimentos e FAP evacuação feridos (.) Bom moral geral com desejo vingar ataque (.)
- FOX 963 transportar reabastecimentos chegaram em boa ordem (.) Chegar reforço PARAS (.) Trabalhos em melhorar defesa (.) CmdtCCaç726 ferido evacuado (.) Médico presente anima população (.)
- De Bissau arroz e farinha povoação que recebeu oferta sensibilizada (.)
- Oficial TMS encontra-se neste (.) Veio engenheiro águas e obras (.)

Nesse mesmo dia esteve em Guileje o Comandante do Batalhão a fim de tomar contacto com os estragos causados e necessidades imediatas das tropas e da população. Estabelecida uma ponte aérea de socorro em géneros, munições e roupas. Nem um só dos seus habitantes pediu para sair dali ou se deslocou por sua iniciativa para outras localidades. Mais decididos do que nunca, mostraram-se firmes na defesa da sua terra e no desejo de vingar os seus mortos.

Durante o dia fizeram-se as evacuações e foi reforçada a guarnição com um Pelotão de Pára-quedistas.

Foi tanto o movimento que até o próprio IN se convenceu que uma boa parte da CCAÇ 726 tinha abandonado Guileje.

À noite, assinalaram com vários very-lights o 2º ataque.

Os militares da CCAÇ 726, abrigados em toscos abrigos (ainda não tinha havido tempo para os construir) viram e ouviram guerrilheiros, de pé, junto à fiada do arame farpado, a incentivar a população a juntar-se-lhes. Recortados pela intensa luz, foram alvo do fogo dos militares abrigados.


Povoação e quartel de Guileje com iluminação exterior a petromaxes. Reconstituição e montagem, a partir da foto original, de J. Guedes. Com a devida vénia.

O aquartelamento foi defendido pelo 2º e 3º pelotões da CCAÇ 726 e por um pelotão da CART 495, com um efectivo total de 76 militares. Dias antes, um GrComb da CCAÇ 726 tinha sofrido 1 morto e 14 feridos numa emboscada.




A cozinha, o refeitório, a GMC e a armação de uma das tendas, na manhã a seguir ao 1º ataque.

Foto de António Pires (Teco).
A - 1º Sargento Balsinhas (morto por AP, em 28 Fev 65)
B - Furr Mil Enf. Manuel Rodrigues
C- 2º Sarg José Bebiano
D - Furr Mil Transm Carlos Cruz
E - militares da CArt 495

O 2º ataque no mesmo dia

Do Sitrep nº 93 de 30 Nov 64 da CCAÇ 726

1. 291900 a 301900 (.)
2. IN atacou esta das 2215 às 2325 (.) Utilizou Mort, Bazuca, MP, Esp aut, P, GM (.) Causou 3 feridos nativos sem gravidade (.)
3. NT reagiram bem, capturadas 2 Esp aut e vário material (.) Causou baixas avaliar poças de sangue e restos humanos.
Às 22h15 o mesmo grupo IN voltou a atacar, talvez entusiasmado com o relativo êxito que obtivera na madrugada anterior. Foram no entanto surpreendidos com a reacção das NT tendo sido postos em fuga cerca das 23h25.

Abandonou 1 Esp aut e 1 Carabina semi-aut e muito outro material havendo a destacar 1aparelho de pontaria de morteiro 60. Pelas poças de sangue, sinais de arrastamento de corpos e despojos humanos abandonados, o IN deveria ter sofrido pesadas baixas. Notícias posteriores referem que i IN sofreu 30 (?) mortos.

Amílcar Cabral em Guileje

Dezembro de 1964

República da Guiné

- Reportada a presença de Amílcar Cabral até aos primeiros dias de Dez de 64, na área fronteiriça, entre Sansalé e Simbeli, admitindo-se que a sua presença estivesse ligada às actuações do E. Popular contra Guileje e Gadamael.
- Verificou-se que a R. da Guiné incrementou o auxílio que vem prestando ao PAIGC dando-lhe facilidades de utilização dos seus aquartelamentos e de viaturas, quer para ministrar instrução, quer para efectuar reabastecimentos e transportar pessoal.

Já está reportado o apoio dado pelos aquartelamentos de Koundara (a norte) e o de Boké (a sul) no aspecto de concentração, instrução e transporte de elementos IN e ainda no aspecto de ligações rádio com o secretariado do PAIGC em Conakry.

Sector E

- Observados sobrevoos de helicóptero, de Sangonhá, na direcção W, e sobre o rio Cacine.
- O IN, sempre que pretende fazer entradas maciças de material pelo corredor de Guileje, destrói previamente os pontões na estrada, antes e depois daquela região, para o isolar.


As defesas de Guileje após os ataques



Guileje depois dos ataques. Abrigos com MP e com AA (c), espaldões do LGF (d) e do Mort 81 (e), resguardados com tapumes e trincheiras de protecção (b) e duas fiadas de arame farpado (a). Fora deste o aquartelamento estava armadilhado.
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Nota do co-editor vb:

Publicam-se aqui extractos da história de uma das Companhias que mais baixas sofreu na Guiné. A história escrita da CCÁÇ 726 está ainda em construção. Agradecemos ao Teco e ao Carlos Guedes o privilégio que nos quiseram dar, de sermos os primeiros a ler a história da CCAÇ 726.

(1) A CCAÇ 726 teve ainda como Comandantes o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim.

(2) Vd. ainda posts de:

Guiné 63/74 - P2358: A CCAÇ 726, a primeira unidade a ocupar Guileje: em memória do Alf Mil Comando António Vilaça (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)

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Nota de vb:

(*) O Cmdt da CCav 1484 era o Cap. Cav Rui Pessoa de Amorim e não, como está indicado acima, o Cap Coutinho e Lima). Corrigido pela mensagem do nosso Camarada Benito Neves, a quem agradecemos a informação correcta e as informações adicionais que nos enviou:

Meu caro Virginio,

Não por vício mas por mero prazer, sou um frequentador quase permanente da nossa caserna virtual. E digo quase permanente porque é a primeira coisa que faço quando me levanto e também a última do dia, antes de me deitar. Foi o que agora aconteceu e li as andanças da C. Caç. 726. Porém, no 8º parágrafo da história da C. Caç. 726, é referido que " /Em 16 de Julho foi substituída pela C. Cav. 1484 (Cap. Cav. Coutinho e Lima), seguindo para Catió onde se manteve até à chegada da C. Caç. 1587.". /

Ora bem, há aqui uma correcção a fazer no que se refere ao comandante da C.Cav. 1484 que foi sempre o Cap. Cav. Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim. Desde a constituição da C. Cav. 1484 no RC 7, até à sua desmobilização na mesma Unidade. O Cap. Cav. Pessoa de Amorim apenas não esteve no comando da Companhia nos períodos das suas férias.

Eu estive nesta rendição no Cachil e o Cap. Pessoa de Amorim também lá esteve. Desconheço em absoluto quem terá sido o Cap. Cav. Coutinho e Lima. A rendição no Cachil da C. Cav. 1484 pela C. Caç. 1587, foi feita por fases, G. Comb. a G. Comb., iniciada em 07/07/66.

Que me seja perdoada a intervenção, mas o rigor não me deixou ficar indiferente.

(...)

Benito Neves, Fur. Mil. Cav. CCav. 1484

Guiné 63/74 - P2359: Dando a mão à palmatória (4): Afinal, não era só em Bissau que se gozava as delícias do sistema (Santos Oliveira / Editores)

Guiné > Bissau > Amura > Dezembro de 1965 > Um turista [o 2º Srgt miliciano Santos Oliveira, do Pel Ind Mort 912], "gozando as delícias do sistema"...

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do do Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66):

Digníssimo Chefe da Tabanca Grande:

Saudações!

Obrigado pela referência aos Bravos do Pelotão que não existiu (1). No entanto o seu ao seu dono: o Alferes Cmdt do Pel Mort 912 não estava nas delícias de Bissau, mas pela Região de Tite, algures num dos Destacamentos que o Cmdt do BCAÇ 1860 gentilmente lhe ia destinando ao ter conhecimento do que nos estava acontecendo no desterro e pela sua própria inércia e falha de iniciativas de Comando.

Gostaria que fosse dado conhecimento, aos Tabanqueiros, deste pormenor menos exacto.

Aqui fica a rectificação. Desculpa-me.

Santos Oliveira

2. Comentário dos editores:

Santos Oliveira, herói do Como: A verdade dos factos acima de tudo. As nossas desculpas a ti e ao teu comandante (ausente, mas pelo RMD, e para todos os efeitos legais... teu superior hierárquico, que o respeitinho era muito bonito!) pela nossa frase menos exacta (e quiça infeliz), insinuando que ele teria ficado por Bissau, "gozando as delícias do sistema"... Afinal, ficou por Tite, que ficava em frente a Bissau, do outro lado do Rio Geba...

Sem queremos fazer um juízo de valor sobre o comportamento do teu alferes (coisa que evitamos fazer no nosso blogue, já que não somos tribunal, e muito menos tribunal militar), é costume recordar aqui que, na guerra e noutras acções humanas organizadas, há chefes e chefes, há líderes e líderes ... A chefia (que tem a ver com penacho, coroas, penas, galões, palanques...) uma atributo da organização, a liderança é uma relação... Não é líder quem quer, nem quem pode, mas sim quem se assume como tal e é reconhecido como tal... Etimologicamente falando, líder, no inglês antigo, quer dizer aquele que vai à frente mostrando o caminho...

E falando agora de camaradagem entre milicianos e soldados do contingente geral: a verdade é que, na Guiné, eramos todos camaradas, mas havia sempre uns mais camaradas do que outros... Sempre foi assim, em todas as guerras, em todas as sociedades: não havia só heróis, não havia só homens, não havia só camaradas, também havia vilões e filhos da mãe...

Damos a mão à palmatória, pelo erro factual: de facto, não era só em Bissau que se podia gozar as delícias do sistema... A comprová-lo, temos inúmeras fotos tuas do resort de Tite para o Carlos Vinhal publicar em tempo oportuno...

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

(...) Ensaiei e esperei. Nessa Noite não tivemos visitas. Passados sete meses (sem sequer ter obtido qualquer resposta, ou comunicação do Cmdt do Pel Mort 912, acerca do que quer que fosse, inclusivamente dos Vencimentos e Pré dos Militares que estavam sob o meu Comando, desloquei-me a Catió, sendo recebido pelo 2.º Cmdt do BCAÇ 616 (?), confrontando-o com os três meses de Missão, com os Vencimentos, com a Disciplina (já não cortava o cabelo há 4 meses) e com a ameaça de agredir um qualquer Oficial, porque se isso resultou com o meu antecessor colocado em Bissau, no BSM (Furriel Miliciano Contente – já falecido), certamente também iria resultar comigo (...).

(...) Fizemos abrigos subterrâneos e aí colocávamos as nossas reservas. Nas rotações das Unidades as coisas ficavam um pouco feias. Continuava a reclamar o Pré e Vencimento, até que, finalmente, talvez pressionado por outro alguém, o nosso Alferes Rodrigues, dito Comandante do Pelotão, nos deu o ar da sua graça e enviou-nos os nossos bem merecidos Vencimentos, mas … em cheque.

Ficamos perplexos e até o 1.º Sargento da Companhia (?) ficou abismado e andou pelo aquartelamento com o braço erguido a mostrar o cheque. Só não conseguia ter um encontro, de amigos, com o Comandante Nino para lhe pedir o favor de descontar, o dito, lá por Conacri, onde ia regularmente. É de loucos. (...)

(...) Do meu Cmdt de Pelotão, nem sequer a dignidade duma referência, no seu Relatório Final, pelo desterro de 10 homens de quem se deveria sentir responsável. Para ele, não existimos nunca. (...).

24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

Guiné 63/74 - P2358: A CCAÇ 726, a primeira Companhia a ocupar Guileje (1): em memória do Alf Mil Comando António Vilaça (Virgínio Briote)



O alferes António Vilaça, ao centro, rodeado pela 1ª Equipa do Gr Cmds Vampiros, em Setembro de 1965. À sua esquerda, o Jamanca e o Justo que fizeram parte da 1ª Companhia de Comandos Africanos, tendo sido executados pelo PAIGC, já depois da independência, sendo na altura tenentes graduados (1). À direita do Vilaça, dois camaradas que sairam da secção do Fur Mil Comando João Parreira, na CART 730 e depois do 2º Curso de Comandos ficaram na 1ª equipa do Grupo Cmds Vampiros: António Paixão Ramalho (Monte Trigo) e o João Maria Leitão (2).


Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos rerservados.


A CCAÇ 726 em terras da Guiné. Uma Companhia ainda à procura da sua história (3). À Memória do António Vilaça, alferes da CCAÇ 726, colega e camarada, onde quer que estejas.

Colega, nos nossos tenros anos do liceu Sá de Miranda, nos cafés da Arcada, na Lusitana, na Rua do Souto em Braga.



O Vilaça (de costas), o Furr. V. Sousa, (...) o alf Gião do QG, o V. Briote, o Furr Marques e o Alf Toni Ramalho, à mesa do Hotel Portugal, em Bissau.

Foto: © Virgínio Briote (2007). Direitos reservados.


Camarada, poucos anos depois, com 20 e poucos anos, nas bolanhas e nas lalas de Iracunda e de Canquelifá, naquela Guiné que ambos odiávamos e amávamos. Nas nossas desavenças em Brá, no quarto que repartimos meses e meses, nos jantares no Hotel Portugal, em Bissau, nas brincadeiras em que nos metemos, nos castigos, punições em linguagem militar, que ambos sofremos, no solene frente a frente com o Brigadeiro Sá Carneiro, o Comandante Militar, a ler-nos nas trombas as redacções das infracções que cometemos, a vergonha que devíamos sentir, contra o espírito da psico-social, então a iniciar-se nos meados daqueles anos.

E depois da Guiné, dois ou três anos passados, os nossos encontros em Braga, as conversas que tivemos sobre a vida à nossa frente, com a Guiné para trás, como se nunca por lá tivéssemos andado. Lembras-te, António?

Não tiveste a vida que gostarias de ter tido e, no entanto, isto cá entre nós todos, pouco fizeste para teres outra. Quando te avisaram que a despedida estava próxima, ainda me telefonaste. Apanhaste-me num táxi, no Marquês, quiseste dar-me a honra de ser o primeiro a saber do mal que tinhas e dos dois ou três meses que nos restavam para pormos a conversa em dia. Não houve tempo para mais, António. E assim te foste, sem mais nada dizeres, quiseste ir só, com os teus à beira.





Curvamo-nos perante todos os que defenderam aquilo que lhes ensinaram que era Portugal. A nossa História a isso nos comprometia. Uma História feita de Albuquerques, Gamas, Egas Moniz, Magalhães e tantos e tantos outros que honraram, por feitos desmedidos, o sagrado nome de Portugal.
Tinhamos então pouco mais de 20 anos. Poucos anos antes, tinhamos trazido das escolas a ideia que a Pátria era una e indivisível. Depois, nas Mafras deste país, ensinaram-nos a usar as armas, a jurar que se o nosso precioso sangue tivesse que verter, que o fosse, que só assim seríamos realmente dignos de cá termos nascido.

Dulce et decorum est pro patria mori, doce e honroso é morrer pela Pátria. Assim mesmo jurámos, alguns com os pêlos da pele eriçados.

De pouco mais de meia dúzia de nomes ilustres faz parte a nossa lembrança escolar, mas não foi só deles que a história deste País se fez. De muitos também se fez o esquecimento e, no entanto, eles estiveram lá e outros foram mesmo decisivos nesses declinares da história.

vb

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Notas de vb:

(1) Vd. posts de:

23 Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)

12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

(2) Vd. posts de:

8 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2037: Memórias dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

(3) A CART 726 foi comandadq pelo ex-Cap Art Nuno Rubim, nosso muito estimado amigo, hoje coronel, e grande especialista em história da artilharia. Vd. posts de:

14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)

Guiné 63/74 - P2357: O meu Natal no mato (3): Banjara, 1965 e 1966: um sítio aonde não chegavam as senhoras do MNF (Fernando Chapouto)

Lisboa > Belém > 14º Encontro Nacional de Combatentes > 10 de Junho de 2007 > O Marques Lopes e o Fernando Chapouto, dois homens que palmilharam o subsector de Geba.

Sobre o ex-Fur Mil de Op Especiais Fernando Chapouto.: (i) Partida no Niassa em Agosto de 1965; (ii) Em Outubro de 1965 está em Camamudo; (iii) Em Dezembro de 1965 passa por Banjara; (iv) Em meados de 1966 está destacado em Geba; (v) Em Março de 1967 está em Cantacunda; (vi) Em Maio de 1967 regressa à metrópole no Uíge; (vii) Recebeu uma cruz de guerra.

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos rerservados.

1. Mensagem do Fernando Silvério, mais conhecido por Fernando Chapouto, ex-Fur Mil, Op Esp, CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda

Retribui e agradece para ti e toda a família um Natal Feliz e um Ano novo cheio de felicidades, paz e amor assim como para a TABANCA GRANDE, são os votos sinceros da família Chapouto.

Pois, infelizmente, que os dois Natais que passei na Guiné foram em Banjara, capital do Oio, como nós lhes chamavamos, assim como a passagem de Ano.

Como as senhoras da Cruz Vermelha levavam os brindes aos militares destacados, mas a Banjara nunca foram, mandaram-nos na coluna uns dias antes. Ainda me lembro que no primeiro Natal foi um isqueiro e uns aerogramas (bate-estradas).

Um abraço para a TABANCA GRANDE

F Chapouto
Fur Mil
CCAÇ 1426 Guiné 65/67

2. Comentário de L.G:

Fernando, tens de explicar melhor à gente quem eram essas senhoras da Cruz Vermelha [, digo, do Movimento Nacional Feminino, quer dizer o autor,] que, nessa época (1965/66), levavam ao tuga os isqueiros, os maços de cigarros e os bate-estradas... Presumo que fossem senhores... da Guiné (vivendo em Bissau, Bafatá...), possivelmente esposas da tropa do "ar condicionado". Nunca lhes pus a vista em cima, no meu tempo (1969/71), a essas tais senhoras da Cruz Vermelha da Guiné.

3. Pedido de correcção (e de desculpas) do F.C.:

Quero pedir desculpa às "Senhoras da Cruz Vermelha" que por Banjara não passaram no Natal, pois queria dizer as Senhoras do Movimento Nacional Feminino (MNF), mas também não passaram de Bafatá ou nem de Bissau.

Mas pelo menos ainda se lembravam de nós uma vez por ano.

Continuação de boas festas.

Um abraço

Fernando Chapouto

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1450: Operação Jóia ou o dia mais trágico da minha comissão (Fernando Chapouto)

1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1233: O meu cantinho na Net (Fernando Chapouto, CCAÇ 1426, Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, 1965/67)

30 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2356: O meu Natal no mato (2): Bissorã, 1973: O Milagre (Henrique Cerqueira, CCAÇ 13)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira, que mora na Foz do Douro (1):

Amigo Luís Graça, se vires que esta história tem algum interesse publica no nosso blogue e se achares por bem podes corrigir algo do Português.

Omito nomes para que só seja entendida a história,se achares que como historia não vale nada,não há problemas porque me fez muito bem escrever hoje fim de tarde friorento e até te digo estou aliviado e feliz, e seja o que Deus quiser.

Um abraço, um dia ainda te hei-de conhecer, isto vai lá devagarinho é que há muitos anos que não mexia na ferida.

Um bom natal para ti e para as pessoas que mais amas, assim como para todos os tertulianos e camaradas de todas as nossas Guinés.

Henrique Cerqueira


2. O meu Natal no mato (2) > Um milagre em Bissorã, 1973

por Henrique Cerqueira (CCAÇ 13)

Protagonista Principal:

Henrique Cerqueira, Fur Mil Atirador, BCAÇ 4610/72, em regime de voluntariado na CCAÇ 13 até Julho de 1974.

Protagonista secundário:

Regime de Marcelo Caetano e restantes (A BESTA)

Introdução:

Capitão, Alferes, Médico... não se sintam culpados, vocês foram vítimas da BESTA e com a vossa atitude permitiram o meu "Milagre de Natal", daí esta minha introdução que só os protagonistas entenderão.

Quanto á história tentarei que a entendam, pois que não sou escritor e só vou narrar o que está gravado na mente. Além disso prometi escrever algo para a tertúlia e sendo assim aqui vai e ao jeito do correr da pena.É que amanhã já não arrisco.

Véspera de Natal do ano de 1973. Nesse ano e contra mares e marés consegui ter a minha mulher Dulcinea (Ni para os amigos) e meu filho Miguel, de dois anitos, junto de mim. Vai daí pensei eu que atendendo a circunstâncias relacionadas com o Natal de 1972 e eu explico essas circunstâncias.

No ano de 1972, Natal e Ano Novo, cá o rapaz ficou a Patrulhar nessa noite de Natal só como Graduado e com o seu grupo de combate. Pois que aceitou (que remédio) que o seu Alferes fosse passar o Natal aos Açores e, como tinha mais um furriel no grupo, mas que por acaso era Guineense, esse também foi autorizado a ir para Bissau.

Cá o Henrique até nem se chateou pois que para levar um balázio na mona tanto faz ter mais furriéis ou mais Alferes junto e, como ainda era a noite em que a única falta era a da família e como os ditos atrás até tiveram passes e autorização,porque não???

E assim se passou o Natal de 1972. O Alferes veio dos Açores. O Furriel veio de Bissau e mais tarde até vieram, de prenda atrasada, mais dois Furriéis para o Grupo.Como vêem, até foi um Natal feliz para todos, ná é ?!...

Bom o ano de 1973 foi correndo - correndo devagarinho...devagarinho - , , mas lá chegou a outro Natal, o de 1973. Ah! esse, sim, ia ser o meu Natal Feliz na Guiné. Calma, malta, isto tem de ir devagarinho´, é que estou a abrir o ficheiro(mona,tola, massa encefálica,etc.). É que isto, malta, também é Guiné.

Bom, andemos.Dia 24/12/1973 chegou e então logo pela manhã e como sabia que o plano de protecção ao comando estava traçado e que mais uma vez o meu grupo estava escalado para Patrulha até pelo menos a meia-noite, este rapaz que acreditava que ainda havia Natal para todos, o que faz? Vai, muito alegre e contente, falar ao Aferes e pedir dispensa para a patrulha da noite e até disse que o único motivo de tal pedido era pelo simples facto de ter a mulher e filho junto dele.

Errado... Errado... O Alferes até parecia que estava à espera de tal pedido, pois que de imediato e de rajada me disse:
- Não, senhor, nem pense ,você não tem privilégios, não é mais que outros, por tal há que ir pró mato.

Ainda tentei falar ao coração do meu "camarada", depois até lhe lembrei o Natal de 1972. Qual quê?! Nem pensar, o grupo esse ano ia todinho para o mato patrulhar ou seja UM Alferes, três Furriéis e vinte e tal Soldados.

Meti o rabinho entre pernas (que é como quem diz sufoquei as lágrimas) e vim para a minha tabanca e pensei…..(ainda pesava !..):
- Parto um pé e prontos, não vou ao mato!!!

Merda, a pedra era torrão ferruginoso, desfez-se no pé e só ficou a arder... Merda, merda, assim não podia ser. Ainda pensei num tirito no pé,mas não se tornou viável, tinha muitos mirones e depois as balas eram caras, não é?? Então cá o rapaz que ainda não estava Homem feito,resolveu escrever um bilhetinho e mandou ao Capitão a dizer que estava doentinho.

Porreiro, mudou de folha e até coincide com a mudança de tudo e em especial com a minha grande mudança nesse dia e até para todo o sempre.

Passados mais menos uns trinta minutos vejo a se dirigir para a minha tabanca uma Delegação de Respeito, ou seja: Um Capitão, um Alferes e um Médico e creio ainda que mais atrás vinham alguns mirones "aramistas" e então começaram as "negociações" (hé…hé..deixa-me rir!).

1º Você não está nada doente, o que quer é se baldar;

2º Não tem privilégio nenhum só porque teve o atrevimento de trazer a família para junto de si (a palavra atrevimento eles pensaram e eu só agora escrevo, é da minha autoria neste texto)

3º Como toda aquela conversa me estava a enojar, pois que todos sabiam que eu sempre fui voluntário para tudo que não era desejável, sabiam ainda o que se tinha passado no Natal de 1972, nunca tinha contestado ordens de superiores,sempre tinha respeitado todos os camaradas Furriéis e todos os soldados do grupo ou de outros agrupamentos, assim como apesar da minha juventude eu tinha uma óptima relação com os civis e até no aspecto de Humanização e ainda após todos aqueles anos já longos de Guinè não havia nada a apontar na minha folha de serviços e como já estava farto da treta dos três e após ameaça de ficar preso no domicílio, ser despromovido, e ainda recambiado para a Fronteira, eu então tive... o MEU MILAGRE DE NATAL!

Fiquei Homem de verdade e aceitei o valor da proposta e, como tal nessa noite de Natal de 1973, em Bissorã eu fiquei preso, comi rabanadas que fritei em conjunto com a Ni ,comi arroz doce, tive muitos amigos em casa, tocámos viola, cantámos chorámos e rimos, enfim houve Natal esse ano,eu tive o Natal que queria,o Milagre aconteceu e deu-me coragem para me revoltar contra o sistema da altura e até venci a BESTA porque: Não fui para a Fronteira, não fui despromovido, não fui preso e vivi em companhia da Ni e do Miguel mais todos os intervenientes desta história o FIM GLORIOSO DA BESTA COM A CHEGADA DO 25 DE ABRIL...

Não fiquem todos contentes por ter acabado a história, é que até Julho de 1974 ainda tive de enfrentar mais algumas BESTEIRAS e assim consolidar o meu amadurecimento como Homem.

É assim que eu, a Ni e o Miguel desejamos um muito Feliz Natal a todos os Tertulianos e em especial ao Capitão e Alferes que foram pessoas marcantes na minha vida.Um bom ANO para todos e para quem mais amam na vida.

Henrique Jorge Cerqueira da Silva

Ex-Furriel Miliciano
Batalhão 4610/72
3º Companhia no Biambe
4º Grupo de Combate da CCAÇ 13, 1972/74

Dulcinea (NI: Minha Mulher e mobilizada por mim para Bissorã em 1973/74

Miguel Nuno: Meu filho de dois anos mobilizado pela NI para Bissorã em 1973/74

3. Comentário de L.G.: Henrique, grande leão, fiquei muito sensibilizado por arranjares tempo e coragem para nos contares esse belíssimo milagre de Natal, no já longínquo ano de 1973 e nesse lugar não menos distante que era Bissorã. Um homem é um homem, e um bicho é um bicho: eis a conclusão (moral) que a gente pode tirar do teu relato, onde a emoção ainda se sente à flor da pele... Um homem, armado com a poderosa arma da razão, é um homem livre e frontal, capaz de enfrentar o medo, a ameaça, a prepotência...

Como sabes, nenhum camarada, neste blogue, deve fazer julgar o comportamento (militar) de outro camarada no TO da Guiné... Não sou (nem quero ser) juiz, não vou dizer que fizeste bem ou que fizeste mal. Não tenho dúvida em concordar contigo: nunca mais esquecerás esse Natal que te ajudou a tornar-te um homem de corpo inteiro... A tua Dulcineia e o teu Nuno tiveram muito orgulho em ti nessa noite, e vejo que continuaram a admirar-te pela vida fora... Deixa-me ainda dizer-te que é uma atitude de nobreza, da tua parte, não mostrar hoje qualquer rancor ou desejo de vingância, em relação ao Capital, ao Alferes e ao Médico, também eles vítimas de um sistemas iníquo e prepotente... Aquele abraço. Luís.

_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2219: Tabanca Grande (37): Apresenta-se Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil (BCAÇ 4610/72 e CCAÇ 13, 1972/74)

domingo, 16 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > Natal de 1965 > Uma imagem do presépio, construído pelo Artur Conceição e pelo Manuel Mendes...


Foto: © Artur Conceição (2007). Direitos reservados.


1. Os editores do blogue lançaram, hoje, o seguinte desafio ao pessoal da Tabanca Grande:

Amigos & camaradas:

Aproxima-se uma data que no TO da Guiné nos era muito cara...Vamos lá a puxar da caneta, ou melhor, das teclas do computador e toca a recordar o melhor ou o pior Natal das nossas vidas... Onde é que eu estava na noite de 24 para 25 de Dezembro de 196.., 197.., algures na Guiné ?... Deve haver para aí muitas estórias (natalícias) por contar...

Um Alfa Bravo. Os editores do blogue, Luís Graça, Carlos Vinal, Virgínio Briote

2. Um pouco antes o Luís Graça tinha deixado a seguinte mensagem:

Amigos e camaradas:

Eu sei que a quadra (natalícia) é esquisofrénica... Desde o regresso às aulas da criançada, que somos bombardeados (é o termo!) com a musiquinha (deliquodoce) do Natal...E com a paranóia das compras e dos preparativos da Grande Noite... Eu sei que a quadra (natalícia) não é a mais propícia para a leitura e a escrita... Mas, por favor, não percam os excelentes posts deste fim de semana... Só do Jorge Cabral - o mais famoso Cabral da Guiné, a par do do outro sósia, o Amílcar - temos 2 (duas!) estórias cabralianas... Um verdadeiro acontecimento, para os seus fãs... O Torcato (ou o José, nunca sei) também nos conta mais um estória de Mansambo (uma delícia!)...O VB, por sua vez, conta mais pormenores dos bastidores da Op Ostra Amarga, operação na qual participaram (facto inédito ?) jornalistas estrangeiros, entre eles, uma bela mulher, francesa de seu nome Geneviève Chauvel... O VB, claro, não descansou enquanto não a descobriu algures, no planeta... O Carlos Vinhal trabalhou que se fartou para vos dar o texto e as fotos do Santos Oliveira que, em 1964, apontava - ele mais os bravos do pelotão - os seus morteiros contra o Nino, na Ilha do Como...enquanto o cabrão do alferes do Pel Mort 912 gozava as delícias do sistema em Bissau... Moral da estória: na Guiné, fomos todos iguais, mas há sempre uns mais iguais do que outros...

Na sexta feira também tivemos a boa notícia de que o DVD do filme, da Diana e do Flora (um documentário de 120 minutos, estreado em 2007), vai estar disponível em DVD antes do Natal... Se querem a minha opinião, ponham o DVD no v/ sapatinho... Por fim, o Tigre de Missirá é colocado em Bambadinca, depois da terrível mina que lhe ia tirando o sebo... O livro do novo Soncó (que um dia ainda poderá vir a ser régulo do Cuor, quem sabe) será lançado a 6 de Maro de 2008, e esse podia ser um bom pretexto para a malta se encontrar, ao vivo, e partir mantenhas...

Deixem por mim referir aqui a agradáve surpresa que foi, há uma semana atrás, encontrar no Porto, no bar e espalo de convíbio Contagiarte, os nossos camaradas António Pimental, Álvaro Basto (e esposa), A. Marques Lopes, Xico Allen (e Inês, a sua filha, simpatiquíssima, amorosa)... Os mais resistentes (ou malucos) - eu, o Álvaro, o Pimentel - saímos de lá às 3 e tal da madrugada... O pretexto foi a musiquinha dos Melech Mechaya onded toca violino) o meu filho João... (Para quem não pôde lá ir, aqui fica a página oficial do grupo: há diversos vídeos/clips ao alcance de um clique.... É claro que o grupo é mais divertido ao vivo, passe a publicidade e o elogio).

Espero ainda ter tempo para vos contactar até ao Natal (como habitualmente, irei passá-lo ao Norte, e depois das festas seria bom encontarrmo-nos na Casa da Teresa, em Matosinhos... Que tal a ideia ?).

3. Uma primeira resposta, ao nosso desafio (natalício), veio do Artur Conceição, que é meu vizinho, aqui da Amadora:

Artur Conceição,
ex-soldado de trms,
CART 730 (1965/67),
Bissorã, Farim e Jumbembem (actual Região do Oio)

Meus Caros: Luís Graça, Virgínio Briote e Carlos Vinhal

Estou plenamente de acordo com o Luís Graça quando diz: Eu sei que a quadra (natalícia) é esquizofrénica... E nesse contexto envio em anexo, só para vocês, uma apresentação que contém uma mensagem que traduz mais ou menos o Natal nos nossos dias.

Quero no entanto mandar qualquer coisa sobre o Natal vivido na Guiné em tempo de Guerra.


Os homens também choram...

Muitos dos nós choraram na noite de 24 para 25 de Dezembro algures na Guiné, em Angola, ou em Moçambique e porque não em Cabo Verde, São Tomé ou mesmo Timor? Então e os que cá ficaram, que não sabiam sequer por onde andávamos ?!

Pela minha parte confesso que foram noites de Natal não muito diferentes das outras. Só que hoje quando assisto a euforias materialistas e consumistas, cai em mim uma tristeza que me leva às lágrimas, pensando exactamente nesses Natais.

Quero apenas recordar que o Natal de 1964, passado em Lisboa, terá sido bem mais marcante do que os Natais de 65 e 66 passados na Guiné. O de 65 em Jumbembem e o de 66 passado em Bissau. Isto porque fui mobilizado em Dezembro de 1964 (meados), e fui enviado para o RAL 1, onde o Cap Garcia Leandro fez o favor de me colocar de serviço na noite de Natal e Fim de Ano, como castigo por me ter recusado a trabalhar na Brigada da Pedra.

Para deixar uma ideia do Natal da CART 730 em Jumbembem, no ano de 1965, vou enviar uma foto do Presépio que ali foi construído. Obra da iniciativa do Manuel Mendes (MC) e do Artur, mas em que muitos participaram, incluindo o Cap Amaro Rodrigues Garcia.

Como se depreende, até teria sido um Natal bem divertido não fora a distância, e a ausência dos nossos familiares.

Um grande Abraço

Artur António da Conceição
Av. Gorgel do Amaral, 6 - 1º Drt
Damaia
2720-267 AMADORA
Telef: 214901772/ Telem: 919652342

4. Comentário de L.G.:

Obrigado, Artur, pelo teu contributo. Eentendi/entendemos a tua mensagem. Faremos o nosso melhor para que todos os amigos e camaradas da Guiné, que fazem parte desta Tabanca Grande, se sinta menos sós neste Natal de 2007. Sobretudo aqueles de nós que estão doentes, ou que perderam recentemenete alguém muito querido, a companheira, um amigo ou algum familiar mais próximo. Ou que por outros acontecimentos de vida (reforma, desemprego, acidente, etc.) não se sentem física, psicológica, mental e espiritualmente nas melhores condições para celebrar uma festa que é (ou deveria ser) a da paz, da solidariedade, da família, do amor, da amizade... Artur, ficas à vontade para me telefonar, aqui para Alfragide: 21 471 0736... L.G.

Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap Zé Neto (1927-2007)... Enquanto que as feministas da Europa, do oós-Maio de 1968, queimavam os seus soutiens, símbolo da opressão sexista, na Guiné, o supremo luxo, para as bajudas, era ostentar um corpinho (soutien), como este que se vê na foto... O Jorge Cabral foi o primeiro dos régulos da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Abril de 2005 > O Zé Teixeira, que voltou lá em 2005, escreveu no verso desta foto: "Em 2005, tal como em 1968"... Muitos de nós, na casa dos vinte, vinte e poucos anos, oriundos de uma cultura antifeminista, patriarcal, machista, misógina, de matriz judaico-cristã, deixaram-se impressionar (ou até seduzir) pela beleza da mulher guineense e pelo orgulho com que esta assumia (e cuidava de) o seu corpo...

Foto (editada por L.G.), tirada pelo Zé Teixeira (ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, actualmente residente em Matosinhos, bancário, reformado, um homem bem disposto que tem por alcunha, entre os escuteiros de que é dirigente, o Esquilo Sorridente...

Foto: © Zé Teixeira / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Bajuda local. Foto do Cap Zé Neto (1927-2007).

Foto: © Zé Teixeira / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Guiné > Fá Mandinga > c. 1970 > Jorge Cabral, um felizardo tuga, bendito entre as bajudas mandingas...

Foto: © Jorge Cabral (2005). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral, advogado e professor universitário, datada de Dezembro de 2005, na altura em que formalizou a sua entrada para a nossa Tabanca Grande (1):

Luís,

Muito obrigado! Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas.

Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o pícaro de alguns episódios que vivi.


2. Estórias cabralianas (29) > A festa do corpinho...

Porque estamos no Natal, recordas o teu de 1969 e um ataque a Bissaque (2). Eu passei o meu em Fá, e dias antes, noite dentro, quando já o comemorava por antecipação, acorri a defender a Tabanca de Bissaque, guiado pelo Marinho (3).
Este era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá, desde os anos 50.

Embora existisse uma estrada para Bissaque [, a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito], o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado. O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores, (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca[, sede do BCAÇ 2852, 1968/70].

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a Tabanca, numa acção sócio-erótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito étnico-mamário.

Afim de me redimir, em Janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 35 corpinhos (soutiens) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 35 soutiens de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro soutien.

Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os soutiens constituíam a minha única bagagem. Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo.

Jorge Cabral
(ex-alferes miliciano,
comandante do Pel Caç Nat 53,
Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) (4)
2. Comentário de L.G.:
Só tu, meu querido Jorge, consegues pôr a malta e o resto a tropa a fazer... o pino!...Tu és a subversão total, o iconoclasta, o bombista-suicida, o terrorista intelectual, o humorista-mor e outras figuras que tais, que em muito contribuiram para o fim do nosso longo, vasto e glorioso Império... O teu humor é(era) subversivo, corrosivo, demolidor... Depois de te ler, um homem, um tuga, já não é mais o mesmo... Tu devias ir a tribunal militar, porque tu tiras a tusa... a qualquer combatente... Depois de te ler, quem é o combatente (até mesmo o de Alá!) que se sentirá para combater na guerra, na próxima guerra...
_______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 21 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXCIII: Bendito Cabral, entre as mandingas de Fá e as balantas de Bissaque

(2) Vd. post de 18 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXVII: O meu Natal de 1969 em Bambadincazinha (Luís Graça)

(...) Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte]" (Excertos da História da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71] (...).

(3) Sobre o Marinho, vd. post de 15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

(...) Íamos abandonar um óptimo aquartelamento, [Fá]. Tinha sido uma antiga Estação Agronómica de Amílcar Cabral. Hoje restavam os edifícios, o guarda Marinho (um mandinga dependente da Administração), a recordação, nos mais velhos, do Engenheiro Cabral e os restos de alguma agricultura. Deixávamos Fá com desgosto. Chegara a nossa hora de partida. Éramos o terceiro grupo a ir para a construção do novo aquartelamento e as ordens cumprem-se (...).

(4) Vd. post anterior desta série:

sábado, 15 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O alfero Jorge Cabral, de pé, ao centro, o corpo coberto de mezinhos à prova de bala (e de mau olhado, de inveja, de impotência, de ciúme, etc.), com alguns dos homens do seu pelotão... mais o bode, ao fundo, meio envergonhado (e assinalado com um círculo a roxo), o verdadeiro herói desta estória de Mansambo, e que já fazia parte do inventário de Fá, em 1968, ao tempo que por que lá passou a CART 2339 e o Alf Mil Torcato José Mendonça...


Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Mendonça , antes de ser recambiado para Mansambo, paar o trabalho de pá e pica > O arriar da bandeira ... Tirando às patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos da Gouveia que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga, antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, era uma verdadeira colónia de férias... (Esta história do Amílcar Cabral ter trabalho aqui está por comfirmar: parece não ser verdade, ele trabalhou,sim, com a esposa, portuguesa, e também agrónoma, em Pessubé, perto de Bissau).


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ele ? E qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ?


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ? Ou qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ? Diz o Torcato: "Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez. Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema".


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Imagem da alma do obus 10,5... A verdade é que as peças de artilharia tinham alma... Pleo menos, era o que diziam os arilheiros. Nunca fui bom nem em teologia nem artilharia, mas acredito que esses engenhos mortíferos tenham alma... Se não tivessem, os tugas não lhes tirariam fotografias para mandar para a família, cristã, a milhares de quilómetros, a norte... Há uma terceira teoria sobre isto: tal como o bode, o obus fazia parte da cultura falocrática do tuga... O obus era o caralho lusitano, orgulhosamente só mas desvatador, apontado ao resto d0 mundo...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Um dos famosos abrigos do "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC... Uma obra-prima não da engenharia militar, mas do génio do tuga, da tríade Sangue, Suor e Lágrimas...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 >
Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Uma mensagem para os vindouros...

Fotos: ©
Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados.


Comentário de L.G.:

1. O Torcato (ou o José, nunca sei qual deles...) é um bom amigo, que nos lê, de fio a pavio, e nos telefona quando o seu sexto sentido o alerta para questões potencialmente fracturantes para a nossa Tabanca Grande (Pides, fuzilamentos dos comandos africanos, 25 de Abril., descolonização...), ou quando se entusiasma um pouco mais do que o coração lho permite, com a leitura de um post nosso...


O Torcato (ou o José), um deles, ou ambos, merece um prémio de assiduidade, dedicação, amizade e camaradagem... O Torcato (mas também o José) tem-nos mandado, além de muitas fotos e alguns filmes (estes do seu camarada Alf Mil Cardoso), belas estórias que, infelizmente, continuam na calha, a aguardar vez... Decididamente não é justo. Por isso, eu hoje pus, à boa maneira portuguesa, uma cunha ao editor para ele despachar a estória de Mansambo nº 10, que tem por figura principal... o bode de Fá Mandinga (sim, essa mesma, onde viveu o nosso Jorge Cabral, mas também um outro Cabral, o Amílcar, não menos famoso, muito antes da guerra; e que, para cúmulo, irá ser, a partir de finais de 1969 / princípios de 1970, a sede da 1ª Companhia dos Comandos Africanos, comandada pelo Capitão graduado João Bacar Jaló).

2. Entretanto, deixo-vos aqui o mail que ontem, à noite, o Torcato teve a gentileza de mandar aos editores do blogue:
Ora até que enfim tive um palpite certeiro. Aí está o DVD [do filme 'As Duas Faces da Guerra']. Até o sujeito da aldeola por detrás do sol-posto, se tiver electricidade, bateria no portátil, ou souber subtrair energia àquelas ventoinhas horrorosas que enxameiam os cumes das serras, vai ver como se fosse gente de cidade… haja deus…

Acabei de ler o J. Cabral e comentei: 'Maravilha'!… Espero que o Beja leia e que se cuide: parece que os Tigres, mais ainda se tiverem risca sim risca não, a bênção ou o mezinho de um Soncó, estão no catálogo dos bichos a extinguir…

Tá um frio do caraças[, no Fundão]. A lenha não veio e o ar condicionado não derruba tanto frio.

Bom fim de semana e um abraço para vocês do, Tocato Mendonça


3. Estórias de Mansambo (9) > O bode
por Torcato [José] Mendonça

Final de tarde, o toque combinado da campaínha e aí está o José. Conversa trivial, sobre a eterna crise, a política, um livro que estava a ler. De repente dispara:
-Vou contar-te mais uma estória, dando continuidade às anteriores (1). Antes, por razões que não quero focar agora, digo-te que não morria de amores pela Administração Colonial. Haviam excepções. Poderemos falar nisso, estabelecendo as diferenças, se abordarmos os Temas – História e Lendas da Guiné. Poderemos mesmo falar da Canção de Cherno Rachide. Ficará para depois.

Quando ainda estava em
, fazíamos com regularidade seguranças ao Mato Cão. No regresso, de uma delas, tinha uma mensagem rádio do batalhão á espera: Queira apresentar-se Bambadinca, para seguir hoje Mansambo.

De lá, tínhamos nós vindo... um banho, engolir e beber algo, preparar o indispensável, deixar todo o restante emalado em Fá e partir. Íamos abandonar um óptimo aquartelamento. Tinha sido uma antiga Estação Agronómica de Amílcar Cabral. Hoje restavam os edifícios, o guarda Marinho (um mandinga dependente da Administração), a recordação nos mais velhos, do Engenheiro Cabral e os restos de alguma agricultura. Deixávamos Fá com desgosto. Chegara a nossa hora de partida. Éramos o terceiro grupo a ir para a construção do novo aquartelamento e as ordens cumprem-se…

Todos a preparem o vário material, a confusão própria, o tempo a escassear… finalmente as vituras a roncarem… o olhar triste a percorrer Fá e a ordem: Tudo pronto, segue.

Ainda não se iniciara a marcha, surge um grito:
- Pára, pára…os cabritos!
- Quais cabritos ? - grito eu…
- Os da Páscoa - respondem-me.
- Depressa, apanha isso depressa.

Eram dois ou três cabritos comprados, tempos antes, para serem comidos pela Grupo, à boa tradição nortenha, pela Páscoa. Só que o Capitão achou melhor dar atum nesse dia. Tristeza que, por motivos estomacais e de tensão arterial, prefiro não recordar.

Passa o tempo e finalmente, berrando como se os fossem capar, aparecem os bichos:
- Depressa - grito eu. - Este também? Tudo, depressa… está a sair!

Viagem curta e rápida até Bambadinca, troca de coluna e, já com o sol a preparar a descida, nova viagem até ao novo destino.

Chegada tardia, a tentar a distribuição possível pelas novas instalações e esperar o dia seguinte. Lá nos espalhamos, da maneira possível, uns nas tabancas, outros nos improvisados abrigos. Era o início de uma vida semi-enterrado em vida. Não havia luz. Abria-se um buraco no chão, enterrava-se uma garrafa grande de cerveja, cheia de petróleo e com uma torcida, a sair da tampa (carica) previamente furada, à qual se puxava fogo. O resultado era uma luz trémula, mal cheirosa e a lançar figuras fantasmagóricas à volta. Como à noite nada se fazia, divertia-me com as ditas figuras e provocava o aparecimento de outras.

Loucura? Não! Sobrevivência! Vivia-se…em precárias condições até estarem construídos os abrigos caserna. Duro, muito duro viver assim.

Passados, talvez dois dias após a nossa chegada foi recebida uma mensagem rádio. O Alf Cardoso tentou compreender e achou melhor passar-ma. Dizia o rádio, vindo do Batalhão 1904, mais ou menos isto:
- Devolva urgente próxima coluna bode levado abusivamente de Fá.

O Cardoso, 2º Comandante, dizia-me:
- O que é isso, um bode… um bode?
- Sei lá  - digo eu.

De repente fez-se luz…os cabritos da Páscoa…já os terão comido? Não houve tempo. O bode é o macho da cabra, o cabrito grande, o cabrão, o chibo adulto. Chamei o Furriel Rei, era o desenrasca tudo, mostrei-lhe a mensagem e ele saiu disparado. Pouco tempo depois aí estava ele, o bode, com corda ao pescoço, berrando. Tinha porte altivo, pelo negro e lustroso, cornos e barbichas curtas. Bonito o bicho. Certamente a envergonhar o dono, como representante das respectivas espécies, no mundo animal.
- É este? Quem é o dono? - Ninguém sabia. Fui eu que dei a ordem:
- Vem tudo ?
- Veio!

Ora o bicho era de um negócio entre o Marinho e alguém da Administração. Ou seja, era o cobridor das cabras na Tabanca de Fá Mandinga.
- Amanhã vamos ao Batalhão e eu trato disso.

E assim foi. Chegados ao Batalhão falei com o Tenente-coronel Branco e esclareci o assunto. Creio que entregaram o animal ao representante colonial.

Resolvido o assunto…em parte…pois ficaram contas pendentes. São outras estórias…O bode certamente voltou a cobrir cabras.

Muito tempo depois, o Capitão Neves e o Tenente-coronel Pimentel Bastos (2), após o ataque a Bambadinca (3), talvez tenham sentido a “bondade” da Administração, na apreciação à actuação deles e das NT, a esse ataque… Os pendentes…os pendentes!

Vamos beber um café e conto-te outra… Em Setembro de 68, sofremos um brutal ataque à fonte de Mansambo. Sofremos baixas. Uma delas, a do protagonista da estória que te conto.

Torcato Mendonça
(ex-Alf Mil da CART 2339,
Fá Mandinga e Mansambo, 1968/79)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série:

28 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos


(2) Cap Neves, comandante da CCS / BCAÇ 2852; ten cor Pimentel Bastos, o Pimbas, foi o 1º comandante do BCAÇ 2852 (1968/70), que veio substituir o BART 1904 (1967/68).

Ambos serão substituídos por ordens de Spínola, após o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969. Sobre este ataque do PAIGC, vd.post de 25 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969

Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

1. Mensagem do Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66) (1), enviada para Mário Fitas, em 11 de Novembro de 2007:

Revisão e fixação do texto: CV


Caríssimo Amigo Vicente [ou Fitas]:

De acordo com a nossa conversa telefónica de ontem, vou tentar escrever o que sei dizer, mesmo com imprecisões cronológicas, datas e ausência de muitos nomes, que durante cerca de 40 anos procurei varrer das minhas lembranças.

No entanto, os factos vividos jamais foram esquecidos, sobretudo os que foram menos maus, pelo que te narrarei e documentarei, sempre que possível, o que tu próprio testemunhaste, embora num período curto (do mesmo modo que todas as Unidades que por mim passaram, ou eu por elas passei).

Gostava ainda de referir que passei, entre a minha chegada e a despedida, cerca de 20 dias com o Pelotão Independente de Morteiros 912 e que não sei distinguir quem foram os militares (afora os 2 Cabos e 7 Soldados que sempre estiveram comigo) que pertenciam à minha Secção de 20 homens.

Após a apresentação no BCAÇ 599 e depois ao Pel Mort 912, foi-me ordenada a Missão de, por três meses, render a Secção da mesma Unidade que estava há 4 meses na Ilha do Como.

Na passagem por Bissau, foi-me ordenado, verbalmente, por Sua Ex.ª o CEM, Ten Cor Rebelo de Andrade, que:

1) - A posição do Cachil (Ilha do Como) era vital para as NT; por isso teria que usar todo o meu potencial material e humano, com os critérios que eu próprio estabeleceria;

2) - Operacionalmente, reportar-me-ia exclusivamente a Sua Ex.ª e que ninguém interferiria comigo;

3) - Que, no exterior, me aguardava um condutor para me fazer transportar ao Palácio do Governo, para receber o aval de Sua Ex.ª o Governador, Gen Arnaldo Schulz. Sua Ex.ª informou-me que, tudo quanto o CEM tinha dito, era para ser cumprido, mas que continuaria a ser ordem verbal.

Efectuei a instalação de três Morteiros, em posição adequada, após ter analisado todas as probabilidades da situação militar e do terreno, aliei os conhecimentos adquiridos e aperfeiçoados em Lamego.

Criei a minha própria Carta de Tiro para o local, inventei um transferidor de tiro (tudo tosco como o só o Português sabe fazer).


Foto 1 > Como> Carta de tiro para a Posição ocupada no do Cachil



Foto 2 > Como> Transferidor de tiro que parece ter sido adaptado oficialmente e agora se denominará M1o


Ensaiei e esperei. Nessa Noite não tivemos visitas. Passados sete meses (sem sequer ter obtido qualquer resposta, ou comunicação do Cmdt do Pel Mort 912, acerca do que quer que fosse, inclusivamente dos Vencimentos e Pré dos Militares que estavam sob o meu Comando, desloquei-me a Catió, sendo recebido pelo 2.º Cmdt do BCAÇ 616 (?), confrontando-o com os três meses de Missão, com os Vencimentos, com a Disciplina (já não cortava o cabelo há 4 meses) e com a ameaça de agredir um qualquer Oficial, porque se isso resultou com o meu antecessor colocado em Bissau, no BSM (Furriel Miliciano Contente – já falecido), certamente também iria resultar comigo.


Foto 3 > Como> Estava na moda ser Beatle, vejam o meu cabelo


Tive a promessa de que iria resolver o nosso problema da Ilha do Como e a meia verdade é que apenas fomos deslocados, dois meses depois, para Cufar. Já não era tão mau, embora durasse mais quatro meses...

No Como, se exceptuássemos as rendições periódicas de Unidades, éramos flagelados todas as noites. Já nem dávamos muita importância. Apenas era muito útil para o açambarcamento de munições de morteiro, já que eram fictícios os números de disparos, porque, raciocinava eu, estávamos completamente à nossa mercê; só podíamos ter LDM durante o dia e se houvesse maré; similarmente se passava com os meios aéreos que só faziam Missões de Apoio de Fogo de dia.

Fizemos abrigos subterrâneos e aí colocávamos as nossas reservas. Nas rotações das Unidades as coisas ficavam um pouco feias. Continuava a reclamar o Pré e Vencimento, até que, finalmente, talvez pressionado por outro alguém, o nosso Alferes Rodrigues, dito Comandante do Pelotão, nos deu o ar da sua graça e enviou-nos os nossos bem merecidos Vencimentos, mas … em cheque.

Ficamos perplexos e até o 1.º Sargento da Companhia (?) ficou abismado e andou pelo aquartelamento com o braço erguido a mostrar o cheque. Só não conseguia ter um encontro, de amigos, com o Comandante Nino para lhe pedir o favor de descontar, o dito, lá por Conacri, onde ia regularmente. É de loucos.

Outrossim, ouvíamos alternada e quase continuamente a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre, esta a emitir a partir de Argel e apresentada por um distinto militar português, que havia desertado [, o Manuel Alegre].

Oficialmente, era proibido escutar estas emissoras, mas o facto é que ali se ouviam algumas verdades; era uma questão de saber separar o trigo do joio.

A 16 de Novembro de 1964, avistei dois charutos estampados no escuro do céu, de forma difusa, que aparentavam dois cigarros acesos atirados ao ar, desde o fundo do aquartelamento. A recriação, mais ou menos fiel dos Fortes de defesa contra os Índios, em que a paliçada era construída de troncos de Palmeira, que, como se sabe, são moles e duram cerca de três meses; aquelas tinham mais que isso. Portanto, eram apenas uma defesa psicológica.

Acordei. A Rádio Portugal Livre havia sido extremamente suave e comedida no seu estilo linguístico.
-Fogo! Rápido!

Os objectivos estavam todos (todos, mesmo) planeados, para obstar a continuação do fogo de Morteiro. E assim foi. Mas o caso era muito mais sério, porque deslocaram para a orla da mata muitas metralhadoras pesadas (incluindo quádruplas, destinadas a tiro antiaéreo) que nos fizeram lembrar que o pior estava para vir. A densidade de fogo era tamanha que a iluminação e as antenas do Posto de Transmissões foram destruídas. Chegaram a ter metralhadoras pesadas no perímetro interior do arame farpado (havia duas barreiras aos 30 e 60 metros).

Bem, chuva miudinha, molha tola, e as calças do camuflado completamente secas. Demos o nosso melhor, fazendo tiro, a olho, para os locais em que as pesadas cantavam e chegamos até ao incrível (perigoso e inseguro, embora tivesse a consciência disso) de fazer fogo para as pesadas, dentro do perímetro de segurança. Tínhamos os Morteiros sobreaquecidos, alaranjados…

O inesperado aconteceu. Uma granada não percutiu. Tirei o blusão do camuflado e fui afastado pelo cabo e dois soldados que me pediram para continuar com os outros dois Morteiros. A munição foi retirada com sucesso; no entanto, por precaução, colocamos a arma fora de serviço. Quando arrefecesse, logo se veria.

Foram 216 granadas, durante as duas e horas e vinte que durou o ataque. Depois, de repente, o silêncio expectante e caricato da noite africana.

Apenas nos restavam munições para, naquele rimo de fogo, mais cerca de 15 minutos. Se não fora a batota calculada... Aguardámos algum tempo e tentámos, mais vigilantes pela falha na iluminação exterior, retomar o nosso ritmo normal no meio dum escuro e sepulcral silêncio.

Voltamos ao Noticiário da Rádio Portugal Livre, que estava prestes a começar. Uma gargalhada geral ecoou por aquelas bandas. Não é que o ilustre locutor nosso conhecido, acabara de declamar: ”A Ilha do Como acaba de ser libertada. As tropas colonialistas foram completamente derrotadas. Não há sobreviventes.
- Então, eu estou morto!


Foto 4 > Como> Os que "morreram" na noite de 16 de Novembro de 1964. Em cima: Soldados, João Marçal, João Paulo, Manuel Pinto, 1.º Cabo António Gomes e eu. Em baixo: 1.º Cabo Abílio Marques; Soldados, Amélio Fernandes, Carlos Mosca, Eduardo Martinho e Artur Rodrigues.


Foto 5 > Como, Novembro de 1964> Pormenor do cartão onde, a giz, se indica foram só 216 granadas. Lê-se mal, mas com esforço percebe-se; na Op Tridente, em mais de 70 dias, apenas gastaram cerca de 500 granadas.


De Catió, soubemos depois, expectantes, viram os clarões, ouviram os rebentamentos e não fizeram nada; absolutamente nada, embora tivessem um Pelotão de Artilharia com duas Peças de 8.8cm e com alcance mais que suficiente para, pelo menos, desmoralizar o inimigo. Não havia comunicações, mas nada ???!!!...

Conjecturas foram mais que muitas, mas que caíam sempre no mesmo: Não se safou ninguém!”. Eu tinha um soldado que estava em Catió, porque havia ido ao médico.

O balanço do dia seguinte, era dantesco. Massa humana com fragmentos de armas, pedaços de armas, ausência do arame farpado nas duas fiadas, a orla da mata tinha recuado uns 30 a 40 metros, porque as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas, apenas um corpo em muito mau estado, uma PPSH e o mais espantoso, entre três poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável e a que denominávamos Enfermaria, recolhemos 2 unimogues de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos.

Mais nada, porque quem conhecia a mata teve todo o tempo para efectuar a sua limpeza de corpos, feridos e armamento.

Em Tite, (estive a acumular operações no BCAÇ 1860, sob as ordens do Ten Cor Costa Almeida e Major Jasmim de Freitas) procurei e descobri que o Comandante Nino levara mais de três mil homens para aquela missão. Pouca sorte a dele...

Quando foram restabelecidas as comunicações, a Guiné, no seu todo, regozijou. Dezenas de mensagens de felicitações… A esta distância, no tempo, a minha gratidão a todos os que compartilharam da nossa alegria. Já havíamos sobrevivido...

Os louros foram todos para a Companhia residente. Afinal, duma Secção de Morteiros, de dois (2) morteiros e vinte (20) homens, apenas havia dez (10) homens e três (3) Morteiros.

Que falem os responsáveis da Companhia que lá estava na época. Sinceramente gostava de conhecer o teor ou o ponto de vista tida do lado da Companhia destacada. Já foram questionados, os meus subordinados, mas nenhum se lembra da identidade da Unidade (tantas foram, as que por nós passaram…)

Os meus três Morteiros estavam com a cor característica de terem sido destemperados (anéis azulados de tons vários) cerca da zona de percussão. Valeu-nos o Mec Auto da Companhia para nos desenrascar lixa de água (a única que dispunha) e tinta dos Unimog.

Nada grave se não se soubesse. Mas com aquela cadência de tiro, cerca de cinco vezes superior ao normal, era, além de anti-regulamentar para a especificação da Arma (disciplinar, também), era esperado acontecesse, mesmo visto por um leigo.

No entanto, com ferramenta improvisada, lá estivemos todo o dia, a rectificar (com lixa de água) o tubo da arma, porque havia apertado e riscado, com o forte aquecimento que teve, e a granada não descia ao percutor.

Para testar, retiramos a espoleta e o cartucho propulsor a uma granada; quando esta começou a passar livremente, demos por terminado o trabalho. Estava como nova, operacional, e foi reintroduzida no Serviço. Nada se soube a nível oficial.

Em Cufar, repeti o estudo pormenorizado do terreno, instalei os Morteiros no local que entendi ser o adequado, ensaiei e, à semelhança da Ilha do Como, elaborei uma Carta de Tiro para os objectivos assinalados.


Foto 6> Cufar> Carta de tiro de morteiro para a Posição de Cufar


A situação era incómoda para a CCAV 703 (?). Tivemos um primeiro ataque e, como o terreno era bem mais aberto que no Como, tudo resultou pela positiva. A guerra desvaneceu-se.

Tentaram jogar com a CCAÇ 763 (era sempre assim, quando rodavam as Companhias).

Para mim, já era tudo automático (não simplista), porque os trabalhos de casa eram feitos previamente. Sei que causava muita confusão, mesmo a Companheiros da Especialidade, verem-me fazer fogo sem colocar o aparelho de pontaria (só era utilizado quando se alterava a posição do Prato). Sempre foi uma questão Geométrica, de pontos de referência, estacas, etc.

Tive muitas cumplicidades com o Cap Costa Campos, com quem tive o gosto e a honra de partilhar pontos de vista acerca do modo de fazer a Guerra (firmeza, flexibilidade e humanidade). Foi um grande oficial (um dos poucos oficiais que, frontalmente, valorizava e apreciava o meu trabalho e era humilde para ser capaz, com a sua formação castrense, de mo dizer de viva voz).

O que se passou para a frente, enquanto estive em Cufar, considerava eu, serem pequenas escaramuças; 4 ou 5 granadas bastavam para fazer a paz (excepções para as intervenções que a CCAÇ 763 onde tive que fazer Apoio de Fogo).

Voltei a Tite, não por vontade própria, mas porque o tempo de regresso dos meus homens chegou ao fim.

Comparativamente com o Cachil (Como), a nossa estadia em Cufar, igualmente sem qualquer conforto, eram como que de férias, descanso, tranquilidade, paz interior.


Foto 7 > Cufar, Abril de 1965> Abrigo-Suite que através de trincheiras nos tinha em ligação com os abrigos de morteiros

Fotos e legendas: © Santos Oliveira (2007). Direitos reservados.

Tive saudades daquela gente, naquele lugar, que respeito e admiro muito e que igualmente muito me acarinharam (eles nem sabiam quanto…)

Do meu Cmdt de Pelotão, nem sequer a dignidade duma referência, no seu Relatório Final, pelo desterro de 10 homens de quem se deveria sentir responsável. Para ele, não existimos nunca.

Estas são amostras dos episódios por que passámos.

Santos Oliveira
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Nota de CV:

(1) Vd. post de 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)