Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 5 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3271: História da CCAÇ 2679 (3): Início da actividade operacional (José Manuel Dinis)
1. Mensagem de 28 de Setembro de 2008, do nosso camarada José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71), com mais um texto da história da sua Unidade (1).
Olá pessoal da Tabanca Grande!
Espero que estejam em boa forma. Envio nova estória como contributo para uma História da CCAÇ 2679. Espero receber fotografias de alguns intervenientes, antes de vos remeter o texto. Texto que hoje, pela quilometragem, quase rivaliza com os do Beja Santos que, aliás, aprecio. Assim, lançado o aviso, segue-se a narrativa sobre um bombardeamento que, pela duração, era recorde no âmbito da nossa guerra na Guiné.
Peço ao Carlos Vinhal, ou outro editor, que tenha paciência para dividir em períodos e sub-titulá-los.
Abraça-vos o
Dinis
Um dos protagonistas é o Fur Mil Azevedo, que no unimog aparece de óculos, estilo protegido do Pinochet. Ainda se podem ver, da esquerda para a direita, os seguintes elementos do Foxtrot: Valentim, Santos, Enf.º Domingos, Freitas, Faria, a seguir não atino com o nome, Loreto e Virgílio Sousa. Uma parte da élite.
Foto: © José Manuel M. Dinis (2008). Direitos reservados
Início da actividade da CCAÇ 2679
Por José Manuel M. Dinis
A actividade da Companhia a partir do terceiro dia em Piche, passou a decorrer sob o Comando de Operações do BART 2857, responsável pelo Sector L-4, onde era extensa a área de intervenção, que, como referi anteriormente, extendia-se para leste, a partir de um imaginário meridiano, que ligava Bajocunda, no norte, com a ilha do Seli, no Corubal, e confinava com as fronteiras do Senegal e da Guiné Cinakri. As três Companhias operacionais do BART, estavam estacionadas em Bajocunda, Canquelifá e Buruntuma, e, cada uma, ainda tinha um Pelotão em regime de destacamento.
Estávamos a adquirir experiência nas funções que partilhávamos, fazendo escoltas a colunas auto, onde também participava o Pel Cav destacado em Piche; fazendo patrulhamentos, ora a nível de pelotão, ora a nível de dois grupos, por vezes com um pelotão do BART; fazendo operações, que se consubstanciavam em patrulhamentos de dois dias com objectivos de encontrar o IN ou indícios dele, controlar fronteiras e antigos lugares-bases dos guerrilheiros, passando a noite emboscados em trilhos de passagem; fazendo segurança a trabalhos no mato, como a preparação da estrada para Buruntuma; acompanhar os especialistas na colocação ou levantamento de minas. Todas as noites um pelotão fazia uma emboscada.
A actividade era intensa e insana. Ainda nos repugnava beber água da bolanha. Ainda nos molestavam os mosquitos, principalmente na orla do Corubal, onde eram aos milhões, e a pomada repelente mostrava-se ineficaz. A ração de combate começava a fartar. Ganhávamos experiência e, parece, com o reconhecimento do comando. Por outro lado, congratulávamo-nos pela ausência de contactos com o IN.
Mas em 24 de Fevereiro, Buruntuma foi atacada a partir do território vizinho. Esta localidade era um ponto fronteiriço, onde o Corubal, que ali não passa de riacho, constituía fronteira. Do outro lado, na Guiné Conakri, situa-se Kandicá, uma povoação anteriormente animada pelo movimento fronteiriço, onde existia uma guarnição militar.
Panorâmica do Rio Corubal no Saltinho
Foto: © Joaquim Guimarães (2008). Direitos reservados
Constava-se que, após a última flagelação sobre Buruntuma, a partir daquele território conakrense, o ComChefe teria jurado vingança, se tal viesse a repetir-se.
Ora aí estava a reincidência malévula e provocatória, a pedir a necessária reprimenda, conforme o entendimento de Sua Excelência. Por isso o General ordenou o ataque imediato. Durante dois dias passaram viaturas com morteiros, canhões, obuses e munições. Igualmente, os especialistas para utilização desse armamento.
Ataque a Kandicá, retaliando o de Buruntuma
Assim, no dia 27FEV70, desencadeou-se um ataque de retaliação a Kandicá. De madrugada seguiram os obuses de Piche, bem como o 1.º Pelotão da 2679, e o Azevedo, meu companheiro no Foxtrot, com a especialidade de Armas Pesadas. Em duas Dornier's seguiram o Comandante da ZAVERDEGUINÉ, o Comandante do Agrupamento Leste, o Comandante do BAC1, os majores e 2.º comandante do BART e o Cap António Oliveira.
Dispuseram-se as armas pesadas ao lado da pista, paralelamente à linha de fronteira, em área aberta e já desmatada, de onde começou a retaliação. Ao Azevedo foi atribuído o comando da bateria de morteiros, e desenvencilhou-se a contento. Quando começou a resposta do IN e se verificou que seria continuada, os oficiais superiores e o nosso capitão refugiaram-se no posto de comando e chamaram o Azevedo para os acompanhar, pois a zona era nula em segurança. Entretanto, o Azevedo tomou a decisão de reunir o pessoal que lhe fora confiado, para transferir os morteiros do campo aberto, onde era impossível permanecer e instalá-los na vala próxima, para dali responder ao fogo conakrense. Não conseguiu disparar, porque os pratos de assentamento dos morteiros não tinham estabilidade nas valas estreitas, mas pela coragem e determinação foi bastante elogiado.
Quanto ao 1.º Pelotão, era, talvez, o melhor preparado para a tarefa que lhe coube, em resultado da atitude de exigência e disciplina imposta pelo Alf Leite, bem secundado pelos excelentes furriéis Morais e Gonçalves, teve a ingrata missão de garantir a segurança em campo aberto, prevenindo qualquer manobra de envolvimento por parte do IN, para surpreender as nossas armas pesadas, ou o acesso à pista, onde permaneciam as duas aeronaves que, por sorte, não foram atingidas. A acção das NT durou cerca de 1 hora e 30 minutos. A reacção inimiga prolongou-se por 13 longas horas.
Transcrevo o relato desse angustioso tempo, feito pelo Cândido Morais, que nós, em Piche, seguíamos ansiosamente, via rádio, mas bebericando uns uísques para amainar.
E tu a dar-lhe.
Sabes que a ninha memória já não é como a tua, que diabo!
Mas olha, fomos para Buruntuma juntamente com as armas pesadas de Piche. Não me lembro a que horas lá chegámos, mas fomos imediatamente destacados para cobrir a pista. A nossa missão resumiu-se a protegermos o espaço que nos foi destinado, e ali aguentãmos estoicamente, não obstante a artilharia pesada (do IN) não nos ter dado um minuto de descanso. Lembro-me de que, já para o fim da refrega, apareceu lá um helicóptero com o Spinola, que fez questão de mandar formar o nosso pessoal, ainda com elas a cair, e, de pingalim na mão, fez-nos um grande discurso, elogiou o nosso comprtamento, e fez questão de mandar o Correia (salvo erro, António Alves Correia) dar um passo em frente para o abraçar, dizendo que aquele abraço se destinava a todos nós.
O Correia era um moço loirinho, de pequena estatura, com quem mantive contacto durante uns tempos, porque no fim da comissão, quando retirávamos de Copá para irmos para Bafatá (se bem te lembras fomos premiados com essa benesse de um mês de férias...) ele descobriu uma mina anti-carro e eu levantei-a. Como isso dava três contos a dividir em partes iguais pelos dois, e só recebi esse dinheiro quando já estava em Perre, mandei a parte dele para a Madeira.
A retirada para Piche foi feita já ao cair da noite e foi absolutamente necessária porque seria impensável que o aquartelamento ficasse sem os obuzes. Lembro-me que as viaturas começaram a rolar ao longo da pista e nós íamos entrando já com elas em movimento. Chegámos a Piche já de noite. Em Buruntuma tive o prazer de encontrar o Benigno Magalhães, vianense e meu amigo, para além de colega nos ENVC. Ele estava a 15 dias de vir embora, e nós com 15 dias de Guiné.
P.S. ando à procura do nosso guião. Raios me partam se não o encontro para tentar fazer um scanner dele e não ter que te aturar.
Dixit.
Desta maneira singela fiquei agora a saber o seguinte:
1 - A ser verdade que cada mina valia três contos, a dividir pelos autores do achamento e do levantamento, tenho a certeza que o meu pessoal, por tê-las detectado, não recebeu qualquer importância, para além do conto e quinhentos que eu recebia, e passava a crédito na cantina, a favor do Foxtrot e, sendo assim, quer dizer que alguém se aboletou com o dinheirinho que competia a quem detectava cada mina. Uma pequena parte do minão que os chicos da 2679 desfrutaram;
2 - Não tinha qualquer ideia de que o 1.º Pelotão tivesse acabado a comissão em gozo de fèrias. Ele há filhos e... enteados. Mas observei que também o 3.º seguiu para Bafatá, tendo permanecido em Bajocunda o 2.º e o 4.º, onde desenvolveram intensa actividade operacional com a CCAV 3864, para adaptação desta ao sub-sector.
Em Buruntuma as NT sofreram 1 morto e 5 feridos, nenhum da CCAÇ 2679. Segundo informações posteriores, foi destruído o quartel de Kadinca, incluindo o paiol e registaram-se 8 mortos militares, incluindo o tenente, comandante da guarnição, além de muitos feridos. Segundo a mesma fonte, também teria morrido o chefe do Posto de Alfândega.
Tínhamos perdido a virgindade.
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Nota de CV
Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3203: História da CCAÇ 2679 (2): A caminho de Piche (José Manuel Dinis)
Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): Catió, 6 de Junho de 1968 (Jorge Teixeira)
1. Mensagem do Jorge Teixeira, ex-Fur Mil que esteve na Guiné entre 1968/70, para o editor Carlos Esteves Vinhal, com data de 1 de Outubro de 2008
Assunto - Meu Baptismo de Fogo
O meu baptismo de fogo
Catió, 6.06.1968
Cheguei ao largo de Bissau a 6 de Maio de 1968. Fui embarcado num batelão ou LDM, já não me lembro, e desembarcaram-me em Bolama.
Cerca de 15 depois, meteram-me noutro batelão e fui parar a Catió.
Parece, segundo me lembro de contos contados, que nunca Catió havia sido flagelada no tempo da CCS do BART 1913 (1967/69). O meu pelotão de canhões sem recuo era um adido, se bem me lembro chamava-se reforço, desta companhia.
Andei por ali a fazer um treino operacional com o Alferes Ganhão, hoje presidente de uma Camara lá pelo Ribatejo - e como bom alferes com 12 meses de mato (?), nem me conhecia. E também como bom medricas que era, só aprendi a ser desenfiado. Não que ele trocasse alguma conversa comigo, mas pelo que tive de seguir os poucos homens do seu pelotão que enquadraram o meu por uns dias.
Aliás, os Alferes operacionais (?) desta CCS eram cá uns meninos lindos que nem vos conto. Mas isso são outras estórias da história.
No dia 6 de Junho [de 1968] depois do jantar, estava entretido numa converseta com o Rijo, sempre desplicente, de camisa aberta, calções e chinelos, o André e mais um ou dois furrieis velhinhos, na messe antiga de Catió, quando ouvimos uns barulhos.
- Que é esta merda ? - disseram. Acho que foi o André pois era o seu estilo.
- Foda-se, que é ataque - disse alguém.
Corremos todos para o posto onde estava um dos meus canhões e eu perguntei:
- E agora ? - Resposta:
- Sei lá, caralho.
Ninguém sabia o que fazer. Bom, ficámos por ali à espera que alguém desse alguma ordem, que nunca chegou. Lembro-me de muitos rebentamentos e de ver passar as tracejantes e o traaaataaataaa, do que eles diziam ser as costureirinhas. Presumo que deve ter sido coisa de meia hora. Lembro de ter perguntado no final:
- Isto foi um ataque?
Responderam-me, não sei quem:
- Foda-se, nunca houve nada igual.
Conclusão: houve uns feridos ligeiros, mas na população a maior gravidade foi na professora, senhora de boas carnes, que lhe entrou um estilhaço ali bem próximo do pipi. Quem melhor pode dizer e explicar os despoooiiisss, é o Amilcar, se ainda andar por cá, pois foi ele que tratou a senhora.
Este foi o meu baptismo. Se for de interesse, tem-lo aí.
Olha, o numero do batalhão e da CCS não tenho a certeza se é esse. Pedi ao Victor Condeço , a cabecinha pensadora, para confirmar (**). Mas o rapaz está entretido a mandar emails com piadinhas do Sócrates que nem dá fé. Mas acho que nem é importante.
Um abraço camarada
Jorge / Portojo
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Notas de CV:
(*) Vd.poste de 7 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3180: Tabanca Grande (84): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil, Guiné, 1968/70
(**) Ex-fur mil da CCS do BART 1913, Catió, 1967/69...
sábado, 4 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3269: Memórias literárias da guerra colonial (1): Conferência do A. Graça de Abreu (Luís Graça / Mário Fitas)
Conferência do António Graça de Abreu, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, 2 de Outubro de 2008
Amigos e camaradas:
Havia mais uns paisanos e antigos militares. O António Graça de Abreu trouxe um primo, 1º sargento de máquinas da Orion (1966/68), que se fartou de levar (e dar) porrada no Cacheu... Convidei-o a visitar o blogue... Ele andou com o Lema Santos, se não em engano...
Luís Graça
2. Também o Mário Fitas esteve presente e não pôde deixar de se ver novamente nas terras onde viveu a história da Pami Na Dondo (2)
A 2 de Outubro p.p. não podia deixar de estar presente, na Biblioteca – Museu Republica e Resistência / Grandella, para ouvir o António Graça de Abreu, falar sobre o seu livro, Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura.
Como o poema de 8 de Dezembro de 1973,
"O clarear incerto da manhã,
As bolanhas escuras e doentes,
Guiné o lastro de cinco séculos,
O livro como a sua poesia, profunda, já me eram bastante familiares. Mas a curiosidade de ouvir um homem culturalmente avançado, falar da sua experiência e observação sobre um local onde eu tinha estado sete anos antes com vivências um pouco diferentes, aguçou-me a curiosidade.
António Graça de Abreu, com a sua fluidez e saber transmitir extraordinário, e após a surpresa extraordinária com a apresentação dos magníficos slides de Cufar, levou-me a reviver aquela querida terra.
Andei por tabancas e matas, fui a Cabolol e atravessei o Monterunga e o Tompar. Passei para a outra margem do Cumbijã, e voltei a recordar a destruição por duas vezes dos acampamentos do PAIGC em Flaque Injã, revivi a emboscada que o “Nino” comandando uma companhia do Exército Popular nos tinha preparado na descida para o cais de Caboxanque, os velhinhos T6 picando sobre a mata e a vedeta e as lanchas, arrimando-se (como se diz na tauromaquia) ao tarrafe, para ajudar e embarcar a malta.
Recordei a ansiedade do pessoal que tinha ficado em Cufar ao saber que o T6 do Alf Pil Av Ribeiro iria aterrar de emergência com dezassete furos e o motor a gripar. Recordei o velho Alfa Nan Cabo, meu irmão, ex-PAIGC com toda a sua sabedoria, a safar os Lassas daquela enrascadela.
A realidade de antanho sem mistificação trazendo Cumbijã abaixo Malam e PamiTudo isto agora de volta, quando a insinuação me é imposta como ferrete, e que rejeito em nome da verdade. O meu velho Alfa ainda sobrevivia em 1974, que lhe teria acontecido?
Tanta História para narrar! Cada homem viveu a sua guerra sempre diferente mas irmanados na “Lama, Sangue e Água Pura”.
Obrigado Graça Abreu, pelo teu saber estar.
Como sempre para toda a Tabanca o velho e fraterno abraço do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas__________
Notas de vb: artigos relacionados em
(1) 29 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3250: Bibliografia de uma guerra (34): Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu (José Martins)
Guiné 63/74 - P3268: Tabanca de Matosinhos (2): Mudança de abrigo (José Teixeira)
A TABANCA DE MATOSINHOS MUDOU DE ABRIGO
Por José teixeira
Decorria o ano de 2005, quando três antigos combatentes da Guiné resolveram montar tabanca na Casa Teresa em Matosinhos, todas as quartas-feiras, para conviverem e petiscarem uma sardinhada.
Uma história comum os unia e fortalecia a sua amizade – outrora combatentes da guerra que Portugal travava na Guiné, com parte do seu tempo de campanha passado na tabanca de Empada, pese embora em épocas diferentes, hoje companheiros de viagem terrestre, de novo até àquelas paragens, mas agora voluntários.
Os tempos modernos com as novas tecnologias de informação e comunicação, tem destas coisas. Pouco tempo depois, éramos 5, depois 7... 9... 11... no dia um de Setembro éramos 19 convivas.
Na actualidade, a mesa continua a crescer e há sempre mais um que chega e responde pronto ou seja – estou aqui para comer, conviver, ouvir as estórias dos outros e contar as minhas. Logo é assaltado por perguntas tão estranhas como: Onde estiveste? Qual era a tua especialidade? Conheceste fulano, ou sicrano... lembraste de... adivinhem o resto.
Como consequência, a messe onde cabem todos os antigos combatentes da Guiné e seus amigos, embora a predominância sejam milicianos e lateiros, continua a crescer e já não cabe na Teresa. Corremos sério risco de ficarmos com a lata na mão e a colher no bolso, a aguardar que o cabo cozinheiro, arranje mesas vagas para tanta gente.
Logo o Silvério Lobo, que era mecânico, nas suas andanças por Aldeia Formosa (Quebo) e tanto quanto sei, percorria as tascas todas, deixando as viaturas atascadas na bolanha, se dispôs a farejar um novo abrigo que tivesse condições para acolher os agora guerrilheiros de faca e garfo.
Imagem que já faz parte do passado > Matosinhos > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às 4.ªs feiras, da Tabanca de Matosinhos, a que compareceram desta vez os seguintes camaradas da Guiné, da esquerda para a direita: de pé, A. Marques Lopes, João Rocha, Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel.
Farejou! Farejou! E encontrou.
O novo poiso, embora provisório, é o RESTAURANTE MILHO REI na mesma Rua, mas no extremo sul, ou seja: Rua Heróis de França, 721, Telf. 229385685 – Matosinhos.
(Note-se que consta já estar a correr um abaixo assinado (?) a solicitar para que o nome da rua seja mudado para: Rua Heróis Comilões da Guiné)
Agora, estão criadas as condições para todos os camaradas que quiserem ter o gosto de nos dar o prazer de vir ao nosso encontro semanal às quartas-feiras, terá de trazer a carteira com algumas granadas e vontade de comer, pois não aceitamos enjoados.
Há sempre lugar para mais um, ou como diz o ditado, para mais um chega sempre .
A propósito, o camarada Jorge Ribeiro apareceu por lá e gostou. A prova disso é que voltou.
Convido os camaradas a lerem o que ele escreveu no seu blogue pessoal.
http://www.jportojo.blogspot.com/
Zé Teixeira
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Nota de CV
Vd. primeiro poste da série de 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3212: Tabanca de Matosinhos (1): Apresentação e Golpe de mão à casa do Delfim Santos (José Teixeira)
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3267: Controvérsias (1): Sedengal, 21 de Dezembro de 1970 (Carlos Matos Gomes / J. M. Félix Dias / Carlos Silva / José Martins)
Foto: Luís de Matos (2007) (Bogue de Luís de Matos > Memórias da Guerra da Guiné > Fotos da CCAÇ 1590, 1966/68) (Com a devida vénia...)
Uma unidade que também passou por Sedengal e Ingoré, foi a CCAÇ 1590 (1966/68), segundo imnformaçãop do nosso camarada A. Marques Lopes:
(...) "A CCAÇ 1590 ficou colocada inicialmente em Bissau, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe e foi prioritariamente atribuída em reforço do BCAÇ 1857, tendo-se deslocado para Mansoa a fim de actuar em diversas operações realizadas nas regiões de Date, Bará, Bissorã e Olossato, entre outras, de 23 de Agosto de 1966 a 1 de Setembro de 1966, de 19 de Setembro de 1966 a 10 de Outubro de 1966 e de 21 a 24 de Outubro de 1966.
"Em 3 de Dezembro de 1966, foi integrada no dispositivo do seu batalhão instalando-se em Ingoré, com vista à realização de operações nos corredores de Canja e Sano e mantendo um pelotão destacado, ora em Barro, ora em S.Domingos, ora em Susana.
"Após deslocamento para S. Domingos, desde 4 de Maio de 1967, para realização de acções de contrapenetração naquela área, com destaque para a operação Drambuie I, regressou a Ingoré, a fim de, em 13 de Julho de 1967, em substituição da CCAV 1482, assumir a responsabilidade do respectivo subsector, com um pelotão destacado em Sedengal.
"Em 23 de Abril de 1968, foi rendida no subsector de Ingoré pela CCAÇ 1801 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso" (...).
1. Relembremos a mensagem do Cor na Ref Matos Gomes, com data de 21 de Setembro de 2008:
Assunto - Um pedido de ajuda
Olá, Luís, mais uma vez parabéns pelo excelente local de convívio e memória que tu e os “camaradas” criaram. Aproveito-o para um pedido de ajuda.
Eu e o Aniceto Afonso estamos a ultimar uma colecção de livros sobre a história contemporânea de Portugal que se centra nos “Anos da Guerra”. Algo que contribua para conhecermos melhor este período recente da nossa vida colectiva. Vamos incluir os factos que consideramos mais importantes para a compreensão do que se passou em cada um dos territórios, em Portugal e no mundo e cheguei a uma dúvida: o nosso comum amigo Josep Cervelló, que é, mais uma vez, nosso colaborador, inclui um facto que não consigo confirmar.
Escreve o Josep Cervelló nos factos relevantes de 1970:
- Dia 21 de Dezembro de 1970, ataque do PAIGC ao aquartelamento português de Sedengal, que causou onze mortos.
Alguém, entre os tertulianos, pode confirmar, ou dar alguma informação relativa a este ataque, ou a ataques a Sedengal? Ficaria muito grato por esta ajuda.
Entretanto, quando a obra tiver data de saída informarei a tertúlia.
Recebam os melhores desejos de felicidades, de continuação de êxito e de sã camaradagem que tenho tido a oportunidade de verificar nas minhas frequentes e sempre proveitosas visitas ao site.
Carlos Matos Gomes
2. Face ao pedido do Cor Matos Gomes, além da publicação do poste 3251 (*), foi enviada mensagem à tertúlia no sentido de conseguir algum esclarecimento.
Caros camaradas e amigos tertulianos:
O Cor Matos Gomes precisa de recolher informações sobre um ataque que houve a Sedengal, no dia 21 de Dezembro de 1970, do qual resultaram baixas com mortos.
Se entre os que nos lêem, houver alguém que tenha informações que possam ser úteis ao nosso camarada Matos Gomes, por favor encaminhem-nas para ele ou para nós.
Um abraço e desde já obrigado.
Carlos Vinhal
3. No mesmo dia, o nosso camarada João Manuel Félix Dias, dizia-nos:
Estive no destacamento de Sedengal na CCAV 2540, não me recordo se em 1969 ou 1970, com o Pelotão do ex-Alf Manuel Luís Ramos, de Santiago do Cacém, salvo erro.
Faziam-se rotações em cada 3 meses. Não sei quem estaria no destacamento aquando desse ataque. Eu estava em Sedengal num dia de ataque a Canjandi, tabanca próxima na estrada de/para S. José.
O senhor General Vieira, que o senhor Ayala (1) conhece, era o Comandante de Companhia.
No RC3 existe um arquivo da CCAV 2540 igual ao que está em Santa Apolónia no Arquivo Histórico Militar.
João Manuel Félix Dias
_________
(1) - Carlos Ayala Botto, hoje Cor Cav, na situação de reforma
4. Ainda no dia 30, o nosso camarada Carlos Silva adiantava
Luís
Acabo de ler o pedido do nosso camarada Carlos Gomes sobre o ataque do PAIGC ao Sedengal em 21-12-1970 que causou 11 mortos, não referindo se das NT ou se civis.
De imediato fiz as minhas investigações e presunções:
(i) Não consta tal facto relevante na História da Unidade? Seria falha grave.
E que os nossos camaradas Aniceto Afonso e Carlos Matos consultaram de certeza absoluta, tendo sido aquele Director do AHM.
(ii) No livro [Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1974, 8 Vol - Mortos em Campanha Tomo II – Guiné Livro I, do Estado Maior do Exército, Comissão para o Estudo das Campanhas de África], na página 567, relativamente ao dia 21-12-1970, são referidos um soldado e o meu grande amigo Alferes Ambrósio que morreu em Lamel nesse dia (e a propósito do qual, eu disse de forma revoltada, para o meu Capitão, que nunca mais sairia para o mato).
Logo seria outra falha grave.
(iii) Acabo de falar com o nosso camarada e meu amigo Arquitecto Francisco Machado de Lima, ex-Alferes, que em Março passado [, 2008,] também me acompanhou na visita ao Sector de Farim e ao dele a Ingoré.
O Lima pertenceu à CCS do BCAV 2876 sediado, ao tempo em Ingoré, onde estava a CCAV 2540, a qual tinha destacado nessa altura um Pelotão no Sedengal e Antotinha, e, sobre o assunto ele disse-me ser essa história pura ficção.
(iv) Também me parece. Pois não constar da História da Unidade um facto desses????
Tens aqui uma resposta para o Matos Gomes (...)
Eu não tenho mail dele e não consta da vossa lista, caso contrário, também lhe enviava a resposta ao pedido
Recebe um abraço
Carlos Silva
5. Destas informações foi dado o devido conhecimento ao Cor Matos Gomes, que hoje mesmo nos enviou esta mensagem
Meu caro Carlos Vinhal e restantes companheiros:
Obrigado pela vossa disponibilidade e pronta resposta.
Eu sabia da força do blogue e das gentes que o habitam, mas nunca imaginei que fosse tanta. Só posso sentir-me feliz por saber e verificar que, passados tantos anos, se forjaram nos tempos difíceis amizades e cumplicidades tais que permitem desenvolver relações tão fortes e tão francas.
Só posso congratular-me por, em termos geracionais, pertencer a uma geração que soube ultrapassar as dificuldades com galhardia e coragem, que soube ser generosa, solidária e bem disposta.
Por fim, mas não no fim, gostaria de salientar a correcção e a educação (ou o que assim era designado) de todos os participantes neste fórum que, respeitando as divergências e as diferenças, sabem e querem manter o diálogo cortês e sereno. (Com o que se lê por aí não é pequena coisa sermos educados).
Quanto ao assunto sobre o qual pedi a vossa a ajuda fiquei esclarecido sobre a não existência do ataque ao Sedengal em Dezembro de 1970.
A obra terá, certamente, erros e falhas, mas não terá este.
Logo que eu e o Aniceto Afonso tenhamos conhecimento da data de apresentação da obra (são 15 volumes) terei o maior gosto em o comunicar a todos por este meio.
Recebam, meus caros amigos, a expressão da minha amizade e disponibilidade, além dos votos de continuação do êxito do blogue.
Do Carlos Matos Gomes
6. O nosso camarada José Martins não podia deixar de dar o seu contributo e escreveu hoje:
Bom dia Camaradas
Sobre o poste referido e correspondendo, com muito prazer, ao pedido do camarada e amigo Matos Gomes, procurei obter alguns dados e constatei o seguinte:
(i) Sedengal foi guarnecido por um Pelotão do Exército desde 28Jul63 até 30 de Agosto de 1974.
(ii) Na data indicada, 21 de Dezembro de 1970, era ocupada por uma força da CCAV 2540
(iii) Na data indicada não existe registo de mortos nesta Unidade nem, eventualmente, de milícias que pudessem estar em reforço daquele destacamento.
Por hoje é tudo e, se for o caso até amanhã.
Um abraço
José Martins
_________________
Nota de CV
Vd. poste de 30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3251: Em Busca de ... (41): Notícia sobre o ataque a Sedengal, em 21/12/1970 (Cor Carlos Matos Gomes)
Guiné 63/74 - P3266: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (46): Chegou o meu periquito
Texto de Mário Beja Santos
ex-Alf Mil,
Comandante do Pel Caç Nat 52,
Missirá e Bambadinca,
1968/70
Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Operação Macaréu à Vista - II Parte
Episódio XLVI > CHEGOU O MEU PERIQUITO!
por Beja Santos
A última visita a Mansambo e ao Xitole
Pela primeira vez ao longo destes dois últimos anos, fomos destacados para fazer a segurança de um aquartelamento, neste caso o de Mansambo, a nova Companhia vai partir para uma operação, ficamos aqui de atalaia. Serão dois dias suaves, não se ouvirá nenhum ruído da guerra, quem foi e quem regressará não terá contacto nem verá vestígios do inimigo. Como se sabe, Mansambo é um quartel feito de raiz, não tem quaisquer ligações com tabancas locais, para nós é curioso, todas as semanas vamos até Samba Juli ou Sinchã Mamajã ou até Sare Adè, no regulado de Badora, por razões de recenseamento de armas, transporte de doentes ou armas ou comida. Ir para Mansambo a partir de Samba Juli ainda é um estirão acima de 15 quilómetros, um Grupo de Combate montou segurança do lado do Corubal e nós, a partir de Samba Juli, picámos até ao pontão do rio Quêuol. Mal sabíamos, quando regressámos naquela tarde a Bambadinca que na manhã seguinte iríamos numa coluna ao Xitole, desta vez não houve poeira só terrenos alagadiços, viaturas empanadas, chuvas inclementes. Ainda não sei, foram as últimas viagens à região do Corubal.
De resto, estamos entregues à rotina, a tarefa predominante é a segurança na estrada Xime-Bambadinca, mas não estão excluídas as emboscadas nocturnas no Bambadincazinho, noites na ponte de Udunduma e os patrulhamentos nos Nhabijões. Dividimos as nossas tarefas com os grupos de combate da CCaç 12, o relacionamento com a gentes do BArt 2917 é amistoso, mas a vadiagem que levamos impede as aproximações. Desse tempo encontro um estranho registo no meu caderninho viajante que não resisto a transcrever, com leves adaptações: “O novo batalhão tem capelão, chama-se Arsénio Puim. Pedi-lhe para me confessar, pôs-me a mão no ombro e disse-me com voz branda que Deus me perdoava todos os meus pecados, a mourejar como nós mourejávamos, Deus Pai fazia o seu chamamento directo e automático a partir do inferno em que nos encontrávamos. Ou ele é um santo ou encontra em mim um halo de santidade o que é que mudou na misericórdia de Deus?”.
Algumas notas sobre uma Guiné desconhecida ou exótica
D. Violete impõem-me um ritmo avassalador para desencontradas leituras, tudo a pretexto que os livros emprestados têm que ser rapidamente devolvidos, quem os empresta exige-os prontamente de volta, são papéis raros ou até únicos. Felizmente, estão ultrapassadas as advertências de não os manchar com dedadas de gordura ou saliva. Um dos seus alunos procurou-me enquanto preparávamos a coluna para o Xitole dizendo: “A professora está a ver o que lhe estou a dizer. Leia o que tem a ler que ela lhe emprestou e encontre-se com ela rapidamente”. Dito isto, virou-me as costas e fugiu. Procedimentos como estes nada têm de extraordinário.
Estes jagudis a devorar o resto de uma gazela... como nos recordamos, o jagudi é abominável, vem ao sangue, quando tínhamos ataques em Missirá sabíamos dos mortos e feridos do lado PAIGC quando os víamos a pairar nas redondezas. O desenho foi publicado em «O Mundo Português», 1936. Era uma revista de cultura e propaganda, de arte e literatura coloniais, editada pela Agência Geral das Colónias e pelo Secretariado de Propaganda Nacional.
Outra leitura foi “Babel Negra, etnografia, arte e cultura dos indígenas na Guiné”, de Álvaro Landerset Simões, obra de 1935, uma narrativa só possível no tempo em que o africano era exibido como bicho exótico O general Norton de Matos escreve no prefácio: “O autor deste livro é um colonial. Classifico-o de colonial porque revela no seu trabalho as qualidades essenciais: a vocação que o levou a África, a maneira como se deixou envolver pelo meio estranho em que quis penetrar, sem se deixar dominar por ele, sem perder as qualidades de colono portador e iniciador de uma civilização superior àquela que foi encontrar”.
Veio na última encomenda que recebi de Ruy Cinatti, em Julho de 1970. A capa é dele, trata-se do pórtico da sala de Xerxes, representação vertical de uma audiência. Cinatti publicara aqui a sua reportagem sobre Persópolis, uma viagem que o deslumbrara ao antigo Império Persa.. Pode ler-se: «De Chiraz a Persépolis, atravessando a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue uma linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve (...) De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 km. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou...»
Entregam-me o correio, abro uma encomenda do Ruy Cinatti. Vem lá a revista Geographica, é um número de Outubro de 1965, na capa aparece o pórtico da sala de Xerxes em Persépolis, fotografia de Cinatti, no interior vem o relato da sua viagem às ruínas desta sumptuosa cidade do poderoso império persa. Tudo bem ilustrado por ele, delicio-me com a prosa “De Chiraz a Persépolis, atrevessada a porta de Isfahan, dura uma hora por estrada alcatroada que rodeia colinas nuas, segue em linha recta por extensas planuras e ladeia escarpas que anunciam montanhas ao tempo coroadas de neve... De Persépolis a Chiraz percorrem-se cerca de 60 quilómetros. A paisagem é a mesma, talvez menos nítida porque o diálogo visual se calou. Só, de vez em quando, o vento levanta de rajadas turbilhões que passam e se perdem nos plainos desérticos. Mas tanto basta para que o espírito acorde, quando os olhos se fecham, e a poeira se levante, não por golpe do vento inesperado, mas pelos cascos de cavalaria de Alexandre, o conquistador de Persépolis”. É quase poesia, apetecia-me reler tudo mas estou desvairado com fome, a seguir parto para o Xime, a chuva não pára.
O Ruy Cinatti fotografava metodicamrnte tudo, de acordo com a sua curiosidade. Da última carta que me enviou para Bambadinca refere que estava a preparar um trabalho sobre escultura, seguia imagem para que eu me convencesse que todos os povos têm grande arte escultórica, não é só a Guiné, tal a minha presunção... Depreendi que era de Timor, a sua paixão. A fotografia é uma preciosidade, é tempo da entregar no Museu de Etnologia. Cinatti usava uma Hasslblad fantástica, as coisas, os objectos, ganhavam uma outra vida, uma outra dimensão.
Chegou finalmente o meu substituto!
Regressamos tarde, empapados em lama, cientes que esta chuva que não abranda será nossa companheira nos próximos patrulhamentos, amanhã, depois de amanhã e a seguir. Ainda por cima, vamos dormir ao Bambadincazinho, uma surpresa comunicada pouco antes de partirmos para o Xime. Estranho o ar esfuziante de quem me aponta para o meu quarto e me pisca o olho. Abro a porta e está deitado a ler, na cama vaga, um alferes irrepreensivelmente fardado, só lhe falta a bóina na cabeça. Cumprimento-o e ele apresenta-se: “Sou o novo alferes do 52, por favor vê lá se me evitas as praxes brutas, ouvi dizer que me vais obrigar a atravessar o Geba a nado. Sou de Cabo Verde mas tenho medo destas águas com crocodilos”.
Regressei ao meu quarto e convidei o Nelson a ir passear até à hora do jantar. Ele era delicado, foi sempre muito delicado comigo, mas verifiquei que não era ingénuo. Descíamos a rampa de Bambadinca, queria mostrar-lhe o cais quando ele me disse: “Ouve, sei que vou comandar tropa africana e pressinto que não é a melhor coisa. O que não tem remédio remediado está, mas aceito as tuas sugestões”.
Telefonei ao Queta para saber da relação do Nelson com o pelotão e vice-versa: “Nosso alfero, saí do pelotão em Fá, em Março de 1971. O alferes Reis era bem educado, muito silencioso e cumpridor. Quando queria saber coisas da guerra, nós só falávamos de si e do Zagalo. Ele ouvia tudo mas percebia-se que pouco tinha a ver connosco. Afinal, não foi tão duro como pensámos ver chegar um alferes cabo-verdiano”.
Erich Maria Remarque e Mickey Spillane ao mais alto nível
Li “A Oeste nada de novo”, de Erich Maria Remarque, é certamente depois de “Kaputt”, de Curzio Malaparte, o melhor livro inspirado no flagelo da guerra. É o depoimento de um jovem alemão Paul Baümer junto da frente ocidental, nas trincheiras cheias de corpos esventrados, piolhos, ratos, cemitérios com as ossadas espalhadas, meninos de vinte anos que deixaram de sonhar com o futuro. É um relato com cabos abrutados, fala-se muito da comida, há hospitais com gente a agonizar, soldados que suspiram por ficar com as botas dos mortos, há ataques e contra-ataques, mata-se à baioneta, entra-se nas trincheiras do inimigo e traz-se comes e bebes, fica-se à espera de uma nova ofensiva. Há um momento em que ele nos confessa: “Sou novo, tenho 20 anos, mas só conheço da vida o desespero, a angústia, a morte e a prisão é um abismo de sofrimento da mais superficial e da mais insensata existência.
Depois de «Kaputt», de Curzio Malaparte, foi a minha 2.ª grande leitura sobre guerra, na Guiné. Impressionou-me a singeleza dos relatos, metendo corpos esventrados, gaseamentos, brutalidades de cabos sádicos, ataque na frente, o viver misturado com ratos e piolhos. Tradução de Mário C. Pires, capa de Figueiredo Sobral, Publicações Europa-América, Lda., 1964. Livro odiado por todos os belicistas, com os nazis à cabeça. Tem a forma de um diário,e termina assim: «Caiu em Outubro de 1918, num dia em que a frente estava tão tranquila que o comunicado se limitou a assinalar nada haver de novo a oeste.» Obra-prima absoluta.
Dos dois Mickey Spillane que comprei em Bafatá já li a longa espera. Jonny McBride volta a Lyncastle cinco anos depois de aqui ter fugido, sob a suspeita de um homicídio de um magistrado incorrupto. Vem sedento de vingança, pronto a abater facínoras e uma namorada que o traiu. Um gang inquieto procura cercá-lo e abatê-lo. A força da justiça impõe-se, pistoleiros e cérebros do crime vão sendo abatidos e o reencontro com a namorada é uma verdadeira revelação para este justiceiro solitário saído da hábil pena de um dos mais talentosos romancistas da literatura policial.
N.º 134 da Colecção Vampiro, tradução de Almeida Campos, belíssima capa de Lima de Freitas. Johnny McBride volta a Lynscastle, 5 anos depois do assassinato do Procurador Distrital Robert Minnow, que perseguia traficantes e canalhas de várias influências. McBride, para a polícia, é o principal suspeito. McBride parece amnésico, não identifica as situações do passado, vem vingar-se de quem lhe preparou uma ratoeira, a começar pela sua namorada, que ele pensa que o traíu. É uma volta ao passado, McBride é alvejado, torturado, aqui e acolá, uma poderosa quadrilha será desmantelada e um criminoso sem escrúpulos abatido, McBride é mais um anjo vingador iventado por Spillane. No final, McBride reencontra a namorada, fora uma longa espera, ambos se vingaram e viram o castigo dos vilões. Um Spillane magistral, a provar que a literatura policial houve e há autores que podem rivalizar com os escritores de maior gabarito.
Durante a semana que vem, de Julho para Agosto, vou quebrando o gelo dos soldados, o meu substituto vai percorrendo as diferentes áreas da nossa intervenção. Um dia destes, virão uns deputados da Assembleia Nacional a Bambadinca, vou conversar com José Pedro Pinto Leite, que morrerá dois dias depois, no rio Mansoa. A rotina prossegue. Saem na ordem de serviço do batalhão louvores a Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Queta Baldé, Manuel da Costa Victória, Quebá Sissé, Cibo Indjai, António da Silva Queirós, alguns deles virão ser dados por oficiais generais. Uma noite, serei surpreendido com um pequeno cerimonial após o jantar, será lido um louvor e não consigo reter as lágrimas. Nos dias seguintes, percorro os regulados de Cossé e Badora, confirmo as nossas cargas de material com o Nelson e o Pires, na manhã seguinte o Pel Caç Nat 52 irrepreensivelmente fardado e com a bandeira portuguesa hasteada por Mamadu Camará deixam-me no Xime com algumas caixas e duas malas. Antes de embarcar eu olho para aqueles homens sem fala, emocionalmente despedaçado. Para mim, a guerra tinha acabado. Começara uma saudade inextinguível.
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Comentário de CV
(1) - Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3242: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (45): Um almoço tardio com um engenheiro exterminador
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)
Raúl Albino,
ex-Alf Mil
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851
Có, Mansabá, Olossato,
1968/70
1. Vamos reeditar um texto do nosso camarada Raúl Albino, por sua sugestão, cujo texto se insere perfeitamente na série O meu baptismo de fogo.
Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > Vista aérea
Primeiro ataque ao quartel de Có
por Raul Albino
Chegámos à localidade de Có a 1 de Agosto de 1968. Não me esqueço desta data porque assim que saltámos das viaturas de transporte para o chão, cansados da viagem e completamente atarantados, pensávamos que íamos tomar um banho, conhecer as instalações e arrumar os nossos haveres. Qual história qual quê, assim que pisámos o chão, grita logo o Capitão Vargas:
- O terceiro Pelotão vai já fazer um patrulhamento pela periferia da povoação, orientado por alguns milícias, e só depois é que faz a sua instalação!
Eu, pessoalmente, já tinha vindo para a Guiné antes da Companhia. Agora calhava-me a primeira patrulha de reconhecimento. A comissão de serviço estava a começar bem...
Este patrulhamento foi feito pelo interior da povoação, num trajecto escolhido pelos milícias nativos, de risco reduzido, para adaptação das tropas. Só que tínhamos acabado de chegar, desconhecíamos essa realidade e todo o percurso, cheiros e contacto com o ambiente local e população nativa, nos impressionou e seguramente ficou gravado na memória de todos aqueles que me acompanharam nessa primeira missão.
Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > O 3º Pelotão, em bicha de pirilau, a caminho da mata de Catora (a meio, a sul da estrada Pelundo-Có).
Fotos: © Raul Albino (2006)
Menosprezar a inexperiência saiu caro ao inimigo
Em 29 de Agosto de 1968, menos de um mês após a nossa chegada, sofremos o primeiro ataque inimigo ao aquartelamento de Có. Foi um teste do inimigo à real capacidade desta nova unidade, chegada recentemente ao local, em termos militares. Por termos militares entenda-se, poder de fogo, coragem e capacidade de reacção.
Às 6.25 horas da manhã, um grupo estimado entre 20 a 30 elementos atacou o quartel pelo lado da pista durante cerca de 15 minutos, utilizando tiro de morteiro 60, metralhadoras pesadas, armas automáticas ligeiras e lança-granadas foguete.
Logo após os primeiros tiros, o Capitão Vargas dá-me ordem para sair com o meu grupo (3º Pelotão) em perseguição do inimigo. Como eu dormia com parte do meu grupo num abrigo mesmo ao lado da porta de armas, a saída pôde processar-se com grande rapidez e, acompanhados por alguns milícias nativos, entre eles o seu chefe Dayan, iniciámos a perseguição ao inimigo atacante.
Este homem de nome Dayan, chefe de Cipaios, era uma figura curiosa. Não era novo, magro e seco, leal, bom combatente, respeitado e líder incontestado dos milícias nativos. Custava-me a acreditar que uma pessoa com a idade dele pudesse ainda ter energia para chefiar a sua gente no terreno, mas ele não era uma pessoa qualquer, era um homem extraordinário por quem eu tinha uma consideração e admiração enormes.
A sua presença inspirava confiança e dava segurança e disciplina ao seu grupo de milícias em combate. A importância deste tipo de líderes era grande porque, nos primeiros tempos, houve muita dificuldade em perceber a maneira de pensar dos combatentes negros, amigos ou inimigos, e eles eram a nossa correia de transmissão entre duas culturas diferentes. Digamos que se fez, durante algum tempo, uma aprendizagem mútua.
Mas, voltando à perseguição, como o ataque foi curto, quando chegámos ao local de onde o inimigo tinha iniciado os disparos, já se tinha feito silêncio no tiroteio e não estava qualquer inimigo à vista. Só no terreno as pegadas denunciavam a sua presença na zona alguns minutos atrás. Em princípio e deduzindo que eles já tinham ido embora, o normal seria também nós regressarmos ao quartel, porque quando o inimigo se retira, perfeito conhecedor do terreno, dispersa-se e só volta a unir-se num ponto de encontro previamente estabelecido por eles.
O normal seria acontecer o que atrás descrevi, mas este dia não ia ter muito de normal. Em primeiro lugar o plano de ataque do inimigo foi pensado para ser efectuado em duas fases. Primeiro um ataque rápido, seguido de retirada, e quando as nossas tropas estivessem a tratar dos feridos e a avaliar estragos, fazer um segundo ataque, eventualmente mais violento que o primeiro. Daí a que o inimigo tenha feito uma volta de despiste e após alguns minutos já se encontrava de novo em posição de nos atacar o quartel.
Estratégia muito engenhosa, mas eles não contaram com uma circunstância inesperada. Eu e o meu grupo éramos inexperientes neste tipo de luta, pois só nos encontrávamos na Guiné há menos de um mês. Ligada à inexperiência eu tive na altura uma curiosidade enorme de saber para onde aquelas pegadas se dirigiam, nunca pensando que eles tinham voltado a dirigir-se ao quartel para repetir o ataque. De tal modo que quando o inimigo iniciou a segunda flagelação às nossas instalações, nós estávamos atrás deles sem eles saberem.
A nossa reacção foi imediata e o inimigo, para sua surpresa, viu-se entre dois fogos, o nosso e o do quartel. Sofreram dois mortos e dois feridos confirmados, tendo sido um dos corpos sepultados na área do aquartelamento. Retiraram desordenadamente, sofrendo um pesado revés, especialmente na sua estratégia que saiu completamente gorada.
Erros de principiante ou maçarico
As peripécias não ficaram por aqui. Quando eu e o meu grupo saímos do quartel, viemos acompanhados por um radiotelegrafista com um enorme rádio às costas. Na altura, ainda em início de comissão, estes rapazes podiam trazer consigo uma arma de defesa pessoal, neste caso uma pistola Walter 9 mm. Não tenho a certeza, mas creio que se tratava do Catarino, recolhido atrás duma árvore ou qualquer outro abrigo, decidiu participar no combate e volta não volta, disparava um ou dois tiros (o carregador duma pistola tem poucas munições).
Eu, que me encontrava abrigado no chão junto a uma vala de cultivo de amendoim, ouvia os disparos do inimigo cada vez mais distantes, à excepção destes disparos que se assemelhavam ao som produzido pelas armas automáticas do inimigo quando disparadas tiro a tiro. As nossas G3 tinham um som característico inconfundível, completamente diferente do som produzido pelas armas deles. Durante algum tempo pensei que estes disparos eram dum turra, que, devido à posição em que eu estava ou à posição de qualquer outro militar, não conseguia fugir com os seus companheiros. Fiquei parado uns minutos preciosos, na esperança de poder capturar este turra descuidado.
Só quando o tiroteio terminou pude constatar o que realmente tinha acontecido e os problemas causados pela acção desnecessária do homem do rádio. Creio que a partir daqui poucos radiotelegrafistas voltaram a usar estas armas para defesa pessoal, passaram a acreditar que nenhum dos seus colegas o abandonaria no campo da luta.
Dentro do azar, a sorte esteve comigo
Já no regresso ao quartel ainda houve um pequeno incidente passado comigo próprio. Foi pequeno, mas poderia ter sido muito grande, pelo menos para a minha integridade psicológica. Vinha acompanhado pelo Dayan, lado a lado, e cada passo que dávamos era mais um pequeno salto entre as partes cimeiras das valas de amendoim (os nativos chamavam-lhe mancarra).
Trazia a G3 na mão, ainda pronta a disparar na posição de tiro-a-tiro, com a bandoleira (correia para suspensão da arma no ombro) pendida. Então não é que, num daqueles pequenos saltos, a fivela da bandoleira engancha no gatilho da arma e provoca um disparo que acertou a cerca de um palmo do pé do meu companheiro Dayan. Fiquei aparvalhado a olhar para ele e para a arma. Ele foi compreensivo a acalmou-me do meu nervoso. A minha admiração por ele aumentou ainda mais neste dia.
Acabou por ser o meu dia de sorte, dentro do azar, porque se lhe tivesse acertado, mesmo que fosse só no pé, não iria viver bem com a minha consciência a partir daí. Só de imaginar o que seria se a arma estivesse na posição de rajada, me deixava enlouquecido.
De qualquer modo, em termos militares, este dia ficou-nos na memória, porque o inimigo acabou por sofrer um forte revés nas suas intenções de intimidar a Companhia maçarica instalada em Có.
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Nota de CV
Vd. primeiro poste da série de 25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P3264: A Companhia Terminal , Bissau, 1973/74 (Manuel Oliveira Pereira)
Agora, aparece o Daniel Vieira e mais uma vez sinto a necessidade de acrescentar algo ao pedido que ele faz através do nosso "ponto de encontro".
Aqui vai:
Conjuntamente com mais uns tantos camaradas fui fundador da "Companhia Terminal" que resultou da junção de todos os "Delegados de Batalhão" (lembras-te?) a que se juntaram uns tantos "piras" - milicianos e malta dos pupilos do exército - vindos directamente de Lisboa (administração militar).
As nossas instalações - Quinta do Fim do Mundo, assim chamada por estar nas traseiras do cemitério da cidade - eram as da antiga fábrica de cana da Casa Gouveia. Ficavam bem por trás da Intendência e ao lado do armazém de medicamentos/produtos farmacêuticos do Batalhão Saúde.
Como sabes, os "Delegados" tinham total autonomia. A Delegação era formada normalmente pelos seguintes meios humanos e materiais: um Sargento ou Furriel, um Cabo, dois Soldados motoristas, um Unimog 404 e um Jipe. Esta era a minha formação (BCaç 3884 - Bafatá), talvez a mais numerosa, contudo as diferenças, se existiam, eram poucas.
Com o avolumar da guerra, tornou-se necessária uma coordenação efectiva dos parcos meios humanos e logísticos - barcos, barcaças, viaturas e aviões. Todo era necessário!
As Delegações requisitavam e, devido à sua autonomia, qualquer um dos meios de transporte referidos quando bem entendesse, por exemplo: em alturas diferentes ou quase em simultâneo seguia para Bambadinca carregamento para o sector Bafatá, no dia seguinte para Nova Lamego e porque não para Piche?
Falei dos sectores Leste l e Leste ll como poderia falar da zona Sul ou de Farim/Cacheu.
Surge assim a Companhia Terminal com o objectivo de coordenar e planificar toda acção das diversas Delegações.
A Companhia Terminal não era uma verdadeira Companhia, pelo menos na sua organização e estrutura. É certo que tinha um Capitão SG – Herman Schultz, não como Cmdt, mas como Coordenador, coadjuvado por dois oficiais; uns quantos argentos/furriéis piras e por todas as Delegações de Batalhão/Companhia. A esta grande equipa, foi ainda acrescentado todo o nosso parque auto.
A partir da sua formação, talvez Outubro/Novembro de 1972 (não tenho de momento a certeza - os documentos estão na minha casa de Ponte de Lima), todos os "abastecimentos" passaram a ser feitos em conjunto - na gíria actual "Serviços Partilhados", ou seja, abastecimento/carregamento de barcos ou aviões feito em simultâneo (ex. Bambadinca/Galomaro ou Bafatá/Nova Lamego ou Nova Lamego/Piche).
Qualquer combinação é possível. Já não servíamos o "nosso" Batalhão, mas qualquer um que necessitasse do nosso apoio. Se na minha anterior missão de Delegado, apenas requisitava, organizava, transportava, acompanhava as "coisas" para o meu Batalhão por barco até ao Xime ou Bambadinca e de avião para Bafatá, passei com a Companhia Terminal a ir, para além das referidas, a Aldeia Formosa, Nova Lamego, etc.
Para o Daniel Vieira, aqui vão alguns dos nomes que de momento me vem à memória: Cap Schultz, Alf Neves, Furriéis Catana, Mealha, Grenho, Botelho, Mestre, Ferreira, Aarão, Pinheiro, Soldados Soares, Melo e Pereira.
Mantenho, com alguns deles fortes laços de amizade nomeadamente com: o Catana, o Mealha, o Grenho, o Aarão, o Soares e o Melo.
Manuel Oliveira Pereira
PS - Deixo aqui algumas extractos da realidade "Terminal" com reprodução de uma das páginas da minha caderneta e algumas fotos – só as lúdicas.
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Notas de vb: ver artigos relacionados em
23 Setembro 2008 > Guiné 63/74 - P3229: História resumida da Companhia de Terminal e do Batalhão de Intendência (José Martins)
12 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3196: Em busca de...(39): Companhia Terminal (Bissau, 1973/74) (Daniel Vieira)
Guiné 63/74 - P3263: Álbum fotográfico do Renato Monteiro (3): Xime, o sítio do meu degredo
[O Renato, sentado, ao canto inferior esquerdo, com um livro nas mãos, e um ar de menino e moço, pensativo, melancólico, é ele mesmo, o homem da piroga que eu conhecera, uns meses antes, em Contuboel, em Junho de 1969... Renato, que maldade!... Vêm-me à memória muitas cenas passadas no inferno verde do Xime: este era o último bar, onde afogávamos a angústia do guerreiro antes da saída para a Ponta do Inglês, o Poindon, a Ponta Varela, o Buruntoni...
Foi aqui que bebi o último copo, às três ou quatro da manhã, com o Fur Mil Cunha, da CART 2715 - amigo do David Guimarães, da CART 2716, que estava no Xitole, enquanto a CART 2714 era a unidade de quadrícula de Mansambo, e todas pertencentes do BART 2917, Bambadinca, 1970/72 - , antes de ele e a sua secção serem massacrados, na terrível madrugada de 26 de Novembro de 1970 (**): saímos às 5h45, e às 8h50, ele estava morto, perto da Ponta do Inglês, com um tiro na testa... enquanto o resto da secção, mais o guia Seco Camará, foi dizimada à roquetada...]
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 3 > "O meu pelotão ( ou parte dele) acabado de chegar de Bambadinca ou de Bafatá onde íamos frequentemente abastecer-nos e trazer o correio".
[ O troço, alcatroado, Bambadinca-Bafatá era seguro, embora propício a excesso de velocidades: uma verdadeira pista de corridas para os aceleras; já o resto, Bambadinca-Xime, piava mais fino; em finais de 1969 ou princípios de 1970, se não me engano, começou a ser aberta uma nova estrada, a cargo da Tecnil; quando voltei a casa, em Março de 1971, ainda não estava alcatroada...].
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 7 > "Posso ser o branco de costas ou o autor da fotografia. Sabe-se lá. A única certeza, é que o registo teve lugar na tabanca do Xime, por ocasião de um ritual que não recordo".
[Uma ténue fiada de arame farpado separava o aquartelamento da tabanca, maioritariamente mandinga, e da qual não se poderia dizer que era 'mui nobre e leal', segundo a opinião dos chefões de Bambadinca, na altura o comando do BCAÇ 2852, 1968/70... No entanto, vários militares e milícias, além de picadores e guias, serviram as NT, com dedicação, valentia e até o sacrifício da própria vida, como aconteceu ao velho Seco Camará, morto em 26 de Novembro de 1970, em operação conjunta da CCAÇ 12, da CART 2715 e da CART 2714, num total de 8 Gr Comb, a Op Abencerragem Candente (**). Os irmãos do nosso mamigo J. C. Mussá Biai, o 'menino do Xime, estiveram do lado das NT, nem todos os mandingas 'estavam com o PAIGC'... ].
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 21 > "Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão, por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada"
[ Noutro sítio, o Renato escreveu o seguinte sobre o comandante desta unidade, para onde ele foi recambiado, por castigo: "Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....
"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...
"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (...).]
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 >
> Foto 22 >"Na tabanca mais feiosa que me foi dado conhecer: Xime!"
[Compreende-se esta opinião negativa, sabendo-se que o Renato tinha estado, comigo, no oásis de Contuboel, e que depois de Piche é desterrado para o Xime e, a seguir, para o Enxalé... Desterrado, degredado, é o termo. O que maiss lhe doeu foi ter sido afastado dos seus soldados africanos, a quem ele ministrara a recruta a e a especialidade, em Contuboel...Todos os sítios de guerra, na Guiné, eram feios e deprimentos: Contuboel, pelo contrário, era um oásis de paz; foi pelo menos essa a lembrança que me ficou das suas lindas tabancas, das suas viçosas hortas, das suas belíssimas bajudas, do seu tranquilo Rio Geba Estreito, das suas gentes, afáveis e amáveis... Soube há tempos que o meu amigo/nosso Pepito foi, em tempos, deputado da Assembleia Nacional pelo círculo de Contuboel, e que mantém com esta gente uma relação de afecto e de apreço ]
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ2520 (1969/70) >Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 19 > "No dia de um ataque ao Xime, uns poucos decidiram prolongar as detonações dos disparos, abatendo duas ou três vacas que, entretanto, andavam um pouco estonteadas, a monte…Esta acção deveu-se ao facto de o proprietário dos bovinos não querer vender nenhuma cabeça à tropa. A partir daí, não teve outro remédio"…
[Difícil coexistência pacífica, a tropa por um lado, ocupante, ruidosa, numerosa, esfomeada... e os proprietários, fulas ou mandingas, de cabeças de gado bovino, por outro... A tropa gostava de comer bife com batatas fritas, quando mais não fosse em dias de festa... Um quebra- cabeças para os vagomestres que, além disso, tinham que fazer contas à vida...]
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70) > 1970 > Foto 20 > "Da vista panorâmica do Aquartelamento do Xime, eu destacaria o Bidão em primeiro plano, transformado, como era corrente, em depósito para um banho tépido e ferruginoso, mas sempre refrescante… Ponham-me um Dali ou um Miguel Ângelo à frente dos olhos, junto com um bidão amolgado, carcomido, inútil, e é o bidão que ainda me emociona mais: a não me ter salvo a vida, evitou, pelo menos, ser atingido por uns estilhaços, aquando de um ataque ao Enxalé"
[ O Elogio do Bidão: que magnífico título para um tratado sobre a arte da guerra e da sobrevivência! ]
Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados (Legendas do autor, com comentários, entre parêntes rectos, do editor, L.G.).
(Continuação da publicação do álbum fotográfico do Renato Monteiro) (*)
Amigo Luís Graça:
Aqui vai uma pequena colecção de fotografias, recém descobertas na despensa convertida em contentor de lembranças envelhecidas…
Como salta aos olhos, não são grandes espingardas embora, com um programa adequado e unhas que me faltam, fosse possível recuperar uma ou outra…
Sem querer sacudir a água do capote, por não ter concorrido para a preservação das fotos, a verdade é que a deterioração também fica a dever-se à falta de meios da época…
Embora sem datas, elas foram obtidas no decurso da minha expatriação temporária, nos anos 68/69 e, por curiosidade, uma boa parte, produzidas a partir de um improvisado laboratório instalado por um soldado no aquartelamento do Xime [CART 2520, 1969].
Sem querer apropriar-me abusivamente de feitos fotográficos alheios, deverei dizer que, em muitos casos, não sei precisar quem foi o fotografador: se eu próprio, o Cunha [em relação às fotos tiradas em Contuboel] ou outro ignoto camarada…
Seja como for, um rol de fotos que o tempo não devorou de todo, legendadas ao correr instantâneo das memórias…
Com um grande abraço,
Renato Monteiro
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste anterior da série: 16 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3210: Álbum fotográfico de Renato Monteiro (2): O mítico cais do Xime (1969)
(**) Vd. posts de:
25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)
(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (1 Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector L1) (...).
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)
26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)