sábado, 17 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5119: Memória dos lugares (49): Xime, Madina Mandinga, Bafatá e Nova Lamego- (Alfredo Dinis)


1. Mensagem do Alfredo Dinis, que foi 1.º Cabo Enf da CCS da CART 6523, Nova Lamego, 1973/74, com data de 16 de Outubro de 2009:

Camaradas,

Inicio esta minha segunda mensagem, agradecendo as amáveis mensagens de boas vindas ao blogue dos Camaradas Manuel Maia, Hélder Valério, Luís Faria e Fernando Belo. Muito obrigado aos 4.

Ainda não escrevi nenhuma história das minhas, de que me recordo, da passagem pala Guiné, porque não domino, minimamente sequer, estas que são, para mim, ainda novas tecnologias.

No entanto, vou começar a passá-las para o papel e pedir a um dos meus amigos, que com computador, para me fazer o favor de, posteriormente, as “transformarem” em ficheiros informáticos, para, como é de prever, as enviar com pedido de publicação.

A esta curta mensagem aproveito para anexar 4 fotos de contactos e motivos nativos, que fazem parte do meu álbum de recordações.

Uma das lindíssimas bajudas de Madina Mandinga

Em Nova Lamego com a minha lavadeira de serviço
























Foto da esquerda: Lavadeiras no rio (Xime) - Foto da direita: Lavadeira (Bafatá)

Até breve, com um abraço para todos,
Alfredo Dinis
1º Cabo Enf daCCS do BART 6523

Fotos: Alfredo Dinis (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Vd. poste de apresentação do Alfredo Dinis em:

10 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5091: Tabanca Grande (180): Alfredo Dinis Gonçalves Tapado, 1º Cabo Enfermeiro da CCS/BART 6523, Nova Lamego, 1973/74

Guiné 63/74 - P5118: Memória dos lugares (48): Béli, Fá Mandinga e Madina do Boé - Independência & Objectos voadores (Armandino Alves)



1. Mensagem de Armandino Alves, ex-1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem da CCAÇ 1589, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68, com data de 14 de Outubro de 2009:


O nosso Camarada Armandino Alves enviou-me um e-mail, no passado dia 14 de Outubro, colocando-me algumas questões muito lógicas e pertinentes, pelo que, pelo seu interesse, lhe solicitei a devida permissão para publicação no blogue.

O Armandino, anuiu com algumas reticências, dado algum desconforto da sua parte, face a recentes críticas que ele considera injustas e um tanto abusivas, sobre alguns factos que ele relatou em postes anteriores.

A sua mensagem dizia o seguinte:


Amigo e Camarada Magalhães Ribeiro,

Há certas coisas que estão embutidas em nós, que é difícil as pessoas livrarem-se delas. Mas com o tempo a gente vai-se tentando corrigir.

Quanto a publicares no Blogue o que te escrevi faz o que quiseres. Já sei que vou ser bombardeado, mas já estou vacinado contra isso, desde que as “bombas” sejam, pelo menos, bem educadas.


Gostava de saber pelo Patrício Ribeiro, se quando ele foi a Lugajole haviam vestígios de alguma pista de aviação, pois, em caso afirmativo, era sinal que ali houvera uma base do IN e que o objecto que víamos voar ia para lá.

Creio que, mesmo que houvesse nesse tempo algo parecido, passados estes 40 anos já deviam ter desaparecido todas as evidências.

Eu falo por Béli, pois a foto que ele mandou, se não fosse o abrigo do morteiro 81, eu não reconhecia nada nela, pois naquele local não havia vegetação, nem árvores, estava tudo limpinho e em terra batida.

Tínhamos uma pista de aviação a que pusemos o nome de Bélissalanca.

Era muito mais fácil a deslocação do IN para atacar Béli e Medina, pois ficava mais ao menos a meia distância.

Eu não me acredito que o inimigo viesse do lado de lá da fronteira, para dar meia dúzia de tiros e depois andarem cerca de cem quilómetros para regressar.

E mais, para terem instalada toda aquela mobília para o pessoal que assistiu à proclamação, tinham que estar lá há muito tempo e saberem que o nosso pessoal desconhecia por completo aqueles lugares.

A nossa aviação teve tempo para destruir aquilo tudo antes da proclamação, pois enquanto montavam os cenários, não havia dignitários de outras potências.

Já aqui li trocas de acusações de traição, entre nós - os “pequenos” -, pois, para mim, os verdadeiros traidores foram os que nos obrigaram a ir para a guerra e depois aqueles que decidiram entregar as ex-Colónias de mão beijada, e, ainda por cima, pedirem desculpa por qualquer “coisinha”.

Isto já vai extenso mas há coisas que custa a engolir.

Vou então às causas que me levaram a escrever hoje:

  • 2. Depois de ler a matéria que tem sido publicada no blogue, que tinha sido em Lugajole e não em Madina do Boé, como sendo o local onde foi declarada a independência da Guiné e que Lugajole ficava junto de Béli, resolvi consultar o mapa da Guiné no Google e fiquei admirado com o que constatei.

Afinal,  além de Béli,  o que tínhamos: do lado esquerdo – Pataque -, em frente e no caminho da Fronteira, surge-nos Ucha, Guissem e Balandugo e mais à direita, Lugajole, Dinguirai e Vendu Leidi (mesmo em cima da fronteira).

Eu hoje pergunto: 
- Estes sítios eram habitados? E por quem?

Enquanto estive em Béli, todos os ataques que sofremos vieram do lado esquerdo, com uma única excepção do lado direito.

Como nós não saíamos do aquartelamento, todo o terreno, em frente e nos arredores, era considerado como “terra de ninguém”.

Como também de Madina do Boé, as operações eram lavadas a efeito pela NT num raio restrito, todo o território que se situava em frente e nos arredores era, do mesmo modo, considerado “terra de ninguém”.

E chegado aqui pergunto: 
- E Lugajole não teria sido uma base do IN, que estava perfeitamente à vontade, pois, assim ninguém o incomodava?

Tenho lido muito sobre as grandes operações militares em vários locais da Guiné, e também intervi em algumas, mas, que eu saiba, nenhuma delas decorreu na região de Madina do Boé. E era uma região com centenas de quilómetros quadrados ao abandono.

  • 3. Agora falando do héli silencioso, de que já vos dei conta em anterior poste, depois de muito matutar e tendo em atenção, que se isso fosse verdade, eu teria que ouvir um ruído semelhante ao que, por exemplo, oiço, hoje, emitido pelos hélis do SNS e da Protecção Civil.

Mas que andava alguma “coisa” no ar, isso é uma verdade indesmentível e reportada identicamente por vários camaradas a estes anos de distância. Por isso, continuei a pensar sobre o que é que andaria lá em cima a voar, movimentando-se com uma luz vermelha e que deslizava silenciosamente.

Um destes dias veio-me à memória a 2ª Grande Guerra e os filmes, que todos nós já vimos mais do que uma vez, e reparei nos planadores que eram rebocados por um avião convencional, e que depois de atingirem uma certa altura e velocidade eram largados, e iam aterrar atrás das linhas inimigas, transportando tropas, equipamentos e munições, para reforçarem e reabastecerem as suas tropas da retaguarda.

Será que o mesmo não teria acontecido na Guiné?

A luz que se via deveria servir para que o pessoal em terra, que os esperava iluminasse o local da aterragem.

Reparem que isto é minha mera suposição, pessoal, reforçada, porque tenho em conta a localização de Lugajole e a rota que a “coisa” voadora levava.

Não me admira nada que fosse para lá, levando abastecimentos e, como a distância até ao raio de captação dos radares de Bissau era muito grande, nunca os detectaram.

Mas tudo isto são conclusões minhas e, que eu saiba, nada está escrito para corroborar estas ilações pessoais.

Um cordial abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Enf CCAÇ 1589
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Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

7 de Outubro de 2009 >

Guiné 63/74 - P5071: Memória dos lugares (47): Bambadinca, a bela Helena no meio de Oficiais & Cavalheiros (Passos Marques)

Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral (que não precisa de apresentações):

Amigos, para desanuviar o ambiente, ai vai estória.
Abraço Grande
Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas > Peludas… Peluda (*)
por Jorge Cabral




Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma.

Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está…

Quantidade, tamanho, densidade… E comentava o Amaral a sua estranheza perante o contraste entre os homens quase sem barba e as mulheres portadoras de autênticos matagais, tão duros como o arame, que até magoavam. Eis que o mais calado de todos nós, o Cabo Marques, fez uma curiosa afirmação:
- Foi por causa disso que eu casei.
- O quê, Marques?! - perguntámos em coro.

E ele contou.

“Na minha aldeia, diziam que ela era murquês, que não tinha pêlos e eu jurei descobrir. Foi a 7 de Novembro de 1967 e escrevi a data na parede, por via das dúvidas. É que à segunda vez, apareceu a mãe e, vendo-nos afogueados, começou a berrar:
"- Ah malandro, que me desgraçaste!

"...Depois tive que casar".


Nenhum de nós, por pudor ou respeito, chegou a perguntar. Afinal, era ou não era murquês ?(**)

Quarenta anos volvidos, continuo em dúvida. Será que o Marques conseguiu passar à Peluda?

Jorge Cabral

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

3. Comentário de L.G.:

Jorge, soube por ti, em outra ocasião, talvez noutro planeta, que o teu livrinho já está a caminho... Leia-se: a antologia das tuas/nossas estórias cabralianas. Ou melhor: soube que já começaste o caminho, pedindo orçamento ao editor. Por outro lado, o pedido de prefácio também já está na calha, quero eu dizer, já seguiu caminho, pelo correio... para o prefaciador-mor, que é uma espécie de mestre de cerimónias, com a obrigação de introduzir, pela mão, o artista e a sua obra. Prometo que me vou esmerar como oficiante da cerimónia.

Bem sabes que o teu cabralianíssimo humor é areia fina deitada nas engrenagens do blogue, esta máquina, pesada, que de tempos a tempos tem de ir à lubrificação, como todos os artefactos humanos... sob pena de me gripar os fusíveis e os neurónios.

Valha-nos, ao menos, os teus pobres marqueses e... murquesas. São também eles e elas que me comovem, quando ao fim da tarde de sexta-feira, eu olho para o relógio e para o calendário (Matas do Cantanhez, 2008, imagina!), e, de relance, faço um filme retrospectivo dos nossos verdes anos perdidos nas bolanhas e no tarrafo do Geba e do Corubal .

Pergunto-me, então, como é que gajos como nós ainda conseguem rir-se da humaníssima comédia que continuamos a representar todos os dias... Quantas vezes fiz, de resto, essa mesmíssima pergunta, a caminho do Mato do Cão ou da Ponta do Inglês, ou nas noites longas do Rio Undunduma ou da Missão do Sono em Bambadincazinho. E tu, o mesmo, lá no teu reino, sem rei nem roque, de Fá e depois de Missirá...

Ah! Grande Alfero!... E a tua/nossa resposta foi sempre a mesma: sabes, rapaz, não imaginas quanto um homem é capaz... E de que és capaz... Mas tu és um homem, nem Deus nem monstro. E só os homens são capazes de rir e de chorar... De si próprios...

A esta hora do dia e da semana, as tuas histórias sabem-me tão bem ou melhor que o melhor uísque do mundo com água de Perrier que eu tomava, no bar de Bambadinca, depois do regresso de uma operação e do meu banho retemperador...

Obrigado, amigalhão, obrigado, camarada. Luís (***)

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Notas de L.G.:

(*) Peluda:

s. f. Pop. Acto de deixar a tropa e voltar para a terra natal.

Peludo/a: adj. 1. Que tem muito pêlo; 2. Coberto de pêlo...

(**) Vd. poste de 5 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Naquela ocasião, quis que falássemos da 'nossa primeira vez'. Mas com verdade, acrescentou, pois desconfiava que alguns ainda não tinham experimentado. Começou ele, e falou de uma virgem loira, à beira rio, num fim de Março, quase Primavera. Não percebemos nada. No início chamava-se Cloé, depois Isolda, e terminou Julieta envenenando-se. Mais tarde confessou-me que inventara. Na realidade acontecera em Badajoz, custara cem pesetas, a mulher era gorda, vesga, e tresandava a alho…

O Pechincha, como sempre, delirou. Logo na Escola primária com a contínua… pois então.

O Monteiro falou da rapariga 'murquês', termo que nunca mais ouvi, e que dará outra estória, mas quem mais nos divertiu foi o Cozinheiro Teixeirinha. (...)



(***) Vd. último poste da série: 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5116: Em busca de... (98): Pessoal da açoriana CAÇ 3326 - Os Jovens Assassinos de Mampatá (1971/73) (António Amaral Brum, Ontário, Canadá)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Um foto aérea de povoação e aquartelamento... A unidade de quadrícula anterior terá sido a CCCAÇ 3326 (1971/73, Mampatá e Quinhamel) a que pertenceu o nosso camarada António Amaral Brum, há 36 anos emigrado no Canadá.


Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados .


1. Texto do editor L.G.:

Recebi ontem um telefonema do Canadá, da esposa do nosso camarada António Amaral Brum, de origem açoriana, ex-Sold da CCAÇ 3326 – Os Jovens Assassinos de Mampatá (sic), e que teve como comandante o Cap Mil Art José Carlos Paulo Carvalho, militar e homem que ele muita admirava, e de quem gostaria de ter o contacto telefónico.

Esta subunidade, composta por militares açorianos, partiu para a Guiné em 21 de Janeiro de 1971 e regressou em 17 de Janeiro de 1973. Esteve em Mampatá e Quinhamel. É contemporânea das:

(i) CCAÇ 3325 (Guileje, Nacra; Cap Inf Jorge Saraiva Parracho);

(ii) CCAÇ 3327 (Brá, Bachile, Bassarel, Tite, Bissau; Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves);e

(iii) CCAÇ 3328 (Bula, Ponta Augusto, Barros, Bula) (esta última, com cinco comandantes).

Todas elas foram mobilizadas pelo BII 17 (Ponta Delgada), com excepção da última que veio do Funchal (BII 19).

O telefone do nosso camarada Brum é o 905 664 1497 (telemóvel ? nº fixo ?). Não tenho a certeza de ter percebido bem o apelido, mas pareceu-me ser Brum. Vive em Hamilton, Ontário (possivelmente, é preciso marcar o prefixo do Canadá e da região, para contactar com ele pelo telefone).

O Brum gostaria muito de encontrar antigos camaradas, em especial o Fur Mil Martinho (ou Martins ?), bem como o Portugal, para além do seu antigo capitão (que chegou inclusive a convidá-lo para vir trabalhar com ele no Continente).

Está há 36 anos no Canadá. Há 14 teve um acidente de trabalho na fábrica onde trabalhava, e que lhe provocou traumatismo craniano (“brain injury”). Está reformado, e faz a sua vida normal, conduz o seu carro, etc.

Falei com a esposa, açoriana, com sotaque cerrado de S. Miguel. Disse-me que queria muito fazer uma surpresa ao marido. Voltou hoje a falar-me… Não conhece Lisboa. Julgava que eu tinha uma base de dados com todos os contactos de todos os militares que passaram pela Guiné, e que logo ali lhe daria o telemóvel do ex-Cap Mil Paulo Carvalho. Alguém lhe deve ter dito que eu também falava numa rádio… Meu Deus, onde já vai o nosso blogue!…

Pareceu-me ser uma pessoa simples e uma esposa dedicada… Pedi-lhe para me mandar fotos, digitalizadas, do marido. Vai pedir à filha, que sabe trabalhar com a Internet. A última vez que o casal veio aos Açores foi há 10 anos. Insistiu comigo para pôr à frente do nº da companhia o nome de guerra por que eles eram conhecidos – Os Jovens Assassinos de Mampatá

Amigos e camaradas, quem pode dar uma ajuda a este nosso camarada da diáspora portuguesa ? (*)

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Nota de L.G.:


(*) São escassas as referências à CCAÇ 3326 no nosso blogue:




Guiné 63/74 - P5115: Direito à indignação (5): O CEP foi transformado em SEP... e os ex-combatentes da Guiné recebem cada vez menos (Júlio Ferreira)

1. Mensagem de Júlio César Ferreira*, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 / BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71), com data de 15 de Outubro de 2009:

Suponho que todos já viram que, uma vez mais, os ex-combatentes foram
desprezados e achincalhados.

Conforme a nova lei, aprovada em Janeiro último, o Complemento Especial de Pensão (CEP), previsto na Lei 9/2002 de 11 de Fevereiro, foi transformado pela Lei 3/2009 de 13 de Janeiro, em Suplemento Especial de Pensão (SEP). Ou seja mudaram o nome, para nos escamotearem mais alguns Euros.

Se bem se recordam, a Lei 9/2002, no seu Artigo 6 (Complemento Especial de Pensão), dizia:

Aos beneficiários do regime de solidariedade do sistema de segurança social é atribuído um complemento especial de 3,5% ao valor da respectiva pensão por cada ano de prestação de serviço militar ou duodécimo aquele complemento por cada mês de serviço, nos termos do artigo 2.

Porém, o Artigo 5, da Lei 160/2004, no seu n.º 2, Já diz:

(...) determina a atribuição de um complemento especial de pensão de valor igual a 3,5% do valor da pensão social por cada ano de bonificação ou duodécimo daquele valor por cada mês de bonificação.

Ou seja: Aquilo que Lei 9/2002, previa como CEP, 3,5% do Valor da respectiva pensão, foi rectificado na Lei 160/2004, para 3,5% da Pensão Social (que é isso?), fazendo com que, os valores do Complemento Especial de Pensão fossem drasticamente reduzidos. Porém, o ódio, o desprezo, a raiva, aviltação, a antipatia, o rancor, a aversão, o desinteresse por uma larga franja de portugueses, continua e nova Lei chega para transforma um CEP em SEP, reduzindo ainda mais aquele valor irrisório, resultando numa manifestação furibunda, demagógica e demoniaca. O SEP, segunda esta nova Lei, é atribuido da seguinte forma: Até meses de presença na guerra: 75,00 euros; entre 12 e 23 meses 100,00 euros e igual ou superior a 24 meses 150,00 euros.

Esta forma não lembraria ao diabo, mas lembrou a uns quantos salvadores da pátria que julgam que escamotear cerca de 70,00 euros aos cerca de 400.000 ex-combatentes, vão retirar Portugal da crise que está mergulhado, por causa das más politicas, má gestão dos dinheiros públicos e mais ainda, má aplicação dos fundos que nos chegam da Europa.

Porém, isto não termina assim. Esta forma de atribuir um CEP/SEP, é duplamente diabólico, principalmente para todos os ex-combatentes da Guiné: Como todos os ex-Combatentes da Guiné sabem (julgo que os ex-combatentes que estiveram nos outros teatros de guerra, também o sabem!) o tempo de Comissão Miltar na Guiné, era inferior aos dos outros locais. Era-o por muitas razões, sendo uma das mais significativas, o clima agreste, doentio e insalubre, a ponto de, muitas vezes se referir que, clima igual ao da Guiné, só a Birmania, isto além, claro está, do escalar da guerra, que como sabemos era infernal. Por isso, todo aquele militar que, incorporado num Batalhão de Caçadores, numa Compania de Comandos ou Páras, ou mesmo um Destacamento de Fuzileiros, terminavam a Comissão um pouco antes dos 24 meses, não obstante, como era da praxe, receberem a medalha de Final de Comissão, ao atingir os 18 meses. (Como exemplo, refiro algumas Companhias que chegaram à Guiné em Janeiro de 1970 e regressaram em Dezembro de 1971. Só por isso, irão os seus membros receber menos uns 70,00 euros cada. Como se depreende, a malta da Guiné, é por isso, mais vilipendiada, a mais achincalhada, a mais desprezada, por este governo, que continua surdo às mais justas reivindicaçõesdos antigos combatentes. E país que despreza aqueles que por ele lutaram, não tem futuro.

Júlio César Ferreira
Guiné
1970/1971
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1931: Tabanca Grande (24): Júlio César, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 do BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5108: Direito à Indignação (4): Abaixo de cão, isto é uma vergonha (Fernando Chapouto)

Guiné 63/74 - P5114: Agenda Cultural (34): A China de Ontem e de Hoje. Conferência proferida por António Graça de Abreu no dia 13OUT09 (Carlos Silva)

1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCaç 2548/BCaç 2879, Farim, 1969/71, com data de 13 de Outubro de 2009:

Amigos Tertulianos

A propósito do Post 5082 do nosso camarada Mário Fitas, sobre o tema “ A China de Ontem e de Hoje” a desenvolver pelo também nosso camarada António Graça Abreu, no Centro Eng.º Álvaro de Sousa, Edificio ? … “Quinta e Palácio Monserrate”, fui enganado, no bom sentido, na medida em que, pelas fotos publicadas no mencionado Post, tudo sugeria que o Graça de Abreu, o nosso Chinês, pois se não tem a nacionalidade chinesa, já a deveria ter adquirido, fosse falar dos nossos antigos adversários que passaram ou formaram-se na China para combater os Tugas.
Presumindo eu que ele tivesse percorrido o seu [deles] caminho e fizesse um estudo histórico.
Contudo, o que eu ouvi e vi, foi de facto uma brilhante palestra proferida de forma simples, pelo nosso camarada António.

Dotado de uma capacidade oratória brilhante, foi dando mano a mano uma lição sobre a língua chinesa, quer escrita quer falada, que até me parece que eu e a restante assistência saímos de lá a falar mandarim.

Para além deste aspecto linguístico, ele também desenvolveu outros temas, sobre a “China de Ontem e de Hoje” desde História, Geografia Física e Política, Relações Humanas, exposição de slides sobre maravilhosos lugares da China que ele próprio calcorreou.

Enfim, fez uma abordagem ou introdução de tudo um pouco sobre o que é de facto “O Mundo Chinês”.

O António deslumbrou-me, não só a mim como a toda a assistência ali presente que no final da sua lição/exposição bateram-lhe palmas, bem como, solicitaram para repetir não outra Palestra deste tipo, mas muitas mais, ou seja, o António como fascinou aquele público alvo, ficou desde logo agarrado.

Obrigado António, pela tua fascinante palestra. Valeu a pena a minha deslocação ao Estoril.

Aqui deixo também os meus agradecimentos ao Mário, pela promoção do evento

Massamá, 13-10-2009

Seguem algumas fotos relativas à Conferência tiradas pelo fotógrafo do Blogue no presente evento.

Ensinamentos de António Graça de Abreu sobre a Língua “Chinesa – Mandarim” falada e escrita. Mário Fitas entre a assistência


Tema sobre Geografia, vendo-se aqui o Mário desempenhando funções de assistente-ajudante


Aspectos da projecção de slides da China
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Notas de CV:

Vd. poste de 9 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5082: Agenda Cultural (31): Centro Eng Alvaro de Sousa, 13/10/09, às 15h00: A China de Ontem e de Hoje, por António Graça de Abreu

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5110: Agenda Cultural (33): Doclisboa 2009: Hoje, 23h, Cinema Londres2: Dundo, memória colonial, de Diana Andringa

Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu


1. O nosso Camarada de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520 - Cameconde, 1971/74 – enviou-nos mais uma história das suas memórias da guerra:

Camaradas e Amigos,

Um grande abraço e espero que estejam todos em plena forma.

A história que hoje vos envio é, sobretudo, uma homenagem a um grande amigo e companheiro de armas.

As fotografias já estão velhinhas, mas é o que tenho sobre o tema. Se conseguirem melhorar a qualidade... fico-vos grato, como de costume.

Até breve.

VICENTE, O PIU

O Vicente era o Furriel de Minas e Armadilhas do 2º Grupo de Combate da CCaç. 3520! Popularmente era conhecido por Piu, alcunha que nada tinha a ver com um temperamento piedoso, mas simplesmente com o seu vício de caçador de passarada!

Era ele, provavelmente, quem mais contribuía para o moral elevado das nossas tropas. Embora não fosse aquilo a que habitualmente chamamos uma figura carismática, o Vicente era a boa disposição permanente e contagiante, que nos permitia rir com gosto e facilidade!

Era o homem sempre pronto a pregar partidas aos camaradas!

O Vasconcelos, Furriel de Artilharia em Cameconde, homem dos obuses 14, era uma das suas principais vítimas! Pequenino e bom de bola, fazia inveja ao Garrincha, de tal modo as suas pernas eram arqueadas, e, segundo o Piu, bastante feias! Por essa razão, andava sempre de calças e só tomava banho à noite e sozinho! Salvo quando o Vicente lhe colocava baldes de água em cima das portas por onde ele ia passar!

O Piu e o Zé Vermelho em Cacine: dois grandes malucos!

O Vasconcelos veio à Metrópole de férias e terá conhecido, numa festa, uma miúda por quem se apaixonou! Quem escolheu para confessar a sua paixão? Exactamente o Piu, que explorou exaustivamente a situação, obtendo informação detalhada! Estava em marcha mais uma partida!

O correio enviado diariamente por Cameconde aguardava transporte em Cacine.

A correspondência chegava e partia de Cacine, na melhor das hipóteses uma vez por semana, em avioneta Dornier 27. O pessoal que estava destacado em Cameconde recebia o correio no dia seguinte, através da coluna auto que todas as manhãs ligava os dois aquartelamentos.

Com alguém em Cacine feito com o Piu, o Vasconcelos começou a receber correspondência da sua paixão, aerogramas que eram escritos e falsificados em Cameconde pelo Piu, vinham a Cacine e voltavam a Cameconde, sempre que havia correio geral a distribuir. Naturalmente que as respostas do Vasconcelos nunca passavam de Cacine, voltando a Cameconde, onde eram entregues ao Piu.

O Alcino Sá e o Piu na praia de Cacine: tempo de lazer.

O detalhe da tramóia incluía carimbos e restantes pormenores que faziam acreditar no realismo da correspondência!

O conteúdo, inicialmente erótico, posteriormente pornográfico, com inclusão de sexo virtual, era do conhecimento de todos, apenas o Vasconcelos desconhecia a partida!

Estava cada vez mais apaixonado… e continuava a confessá-lo ao Piu com quem, ainda por cima, comentava o correio que recebia da sua paixão!

A partida durou as semanas que o Piu entendeu e quando se fartou… escreveu uma última missiva, identificando-se, descompondo o Vasconcelos e chamando-lhe alguns nomes que pouco abonavam a sua masculinidade!

Acabou, assim, deste modo abrupto, um passatempo que animou, durante algum tempo, o destacamento de Cameconde, buraco do… cú do mundo, onde nada existia e nada acontecia, para além de umas bazucadas com maior frequência que a desejada!

O Romeiro era outra habitual vítima! Deitava-se muito cedo e o seu quarto era mesmo ao lado do bar de Sargentos em Cacine, onde os noctívagos se reuniam até altas horas da noite!

Certa noite o Vicente aparece com uma corda que previamente atara à cama do Romeiro e ordena:

- Quando eu disser, toda a gente puxa a corda e grita… terramoooooto!

O resultado foi fantástico: o Romeiro salta da cama como o pai Adão quando veio ao mundo, atravessa toda a messe de sargentos a correr, e só pára na parada com todo o mundo a rir!

Alcino Sá, Piu, Costa Pereira, um djubi, Carlos Alves, Juvenal Candeias: em Cameconde, impecavelmente fardados, ou foi dia de festa ou de visita importante.

Ou o Cunha, que por vezes era afectado por sonambulismo!

Uma noite levanta-se, agarra na G3 e corre para a rua a gritar:

- Eu dou cabo dos gajos… eu dou cabo dos gajos!...

Foi o Vicente que o foi buscar e acalmar… antes de ele começar a disparar!

Mas o Vicente não era apenas isto!...

O Vicente era furriel de minas e armadilhas… ou apenas de armadilhas?!

- Não monto minas para os gajos levantarem e voltarem a montá-las contra nós! As armadilhas não levantam! Ou caem nelas ou rebentam-nas! – Dizia com convicção.

Sempre que, a seguir a um campo de minas encontrava munições de kalash espetadas no chão a formar a palavra PAIGC, não saía dali sem deixar a sua armadilha e CCAÇ 3520 escrito no chão com munições de G3!

- Eles voltam sempre ao local do crime! – Afirmava!

Um dia levantámos umas minas anti-pessoal de origem chinesa, tipo queijo da serra em plástico cor verde azeitona! Para nós, habituados aos caixotes PMD6, esta marca era um problema! Estávamos todos à rasca no manuseamento das ditas, até que o Piu disse:

- Dêem cá o material e deixem-me trabalhar sozinho!

Entrou para a casota do gerador, em Cameconde, e o pessoal ficou cá fora, nervoso, sem saber o que a intervenção do Piu iria provocar!

Cerca de meia hora depois, abre-se a porta e ele aparece, com ar triunfante, as minas desmontadas e apenas um ferimento na palma da mão, tipo picada para análise, provocado pelo percutor!

A polivalência do Vicente não ficava por aqui!

Ele era um óptimo caçador… daí a alcunha!

Quando a comida era escassa, lá ia o Piu à caça! A maioria das vezes sozinho, não queria ninguém a espantar os animais!

Passadas umas horas era vê-lo chegar, sempre com um número considerável de rolas à cintura… e o jantar estava salvo! Já não era dia de macaco ou de arroz com atum!

Outra das facetas do Vicente, era a sua sensibilidade para a música!

Os improvisos de bateria eram comuns!

Horas passadas de auscultadores, indiferente a tudo e a todos, mesmo às flagelações diurnas a Cameconde com RPG7, observando tranquilamente do varandim da messe, o fumo dos rebentamentos e comentando:

- Os gajos continuam a ter as mesmas referências de tiro! Elas continuam a rebentar longe!

O Vicente, um verdadeiro fenómeno do humor, era natural do Entroncamento! Chegou da tropa e foi conduzir comboios para a linha de Sintra! Um dia alguém lhe disse:

- Oh Piu, andas a matar gajos no túnel do Rossio?

Ao que ele respondeu:

- Não pá! Eu só os ajudo a suicidarem-se!

Infelizmente o Vicente deixou-nos em Novembro passado! Um sacana de um cancro na próstata, não detectado a tempo, pregou-lhe a partida definitiva e levou-o desta para melhor!

- Vicente, lá, onde estiveres, foi um grande gozo recordar-te, nesta minha singela homenagem!

Um abraço do,
Juvenal Candeias
Alf Mil da CCAÇ 3520

Fotos: © Juvenal Candeias (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste da série em:

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5112: Convívios (169): Encontro de ex-combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar, ocorrido no dia 5 de Outubro de 2009 (Carlos Silva)

1. Mensagem de Carlos Silva, Ex-Fur Mil CCaç 2548/BCaç 2879 – Farim, 69/71, com data de 13 de Outubro de 2009:

Amigos

Na sequência do Post 4972* sob o título “1.º Convívio de ex-Combatentes na Guiné [1961-1974] do Concelho de Gondomar”, aqui vai uma pequena reportagem fotográfica da minha autoria e do nosso camarada Jorge Teixeira “Portojo” para que fique registado para memória futura e como testemunho da camaradagem que persiste e há-de continuar por muitos anos entre aqueles que combateram em terras de África e nunca esquecendo os camaradas que infelizmente por lá tombaram.

Apesar da questão climatérica não ser muito favorável, mesmo assim, não esmoreceu a vontade férrea dos gondomarenses comparecerem em força ao apelo feito para este convívio celebrado com alegria.

Podem também ver de forma mais pormenorizada o Blogue do Jorge:

http://www.jportojo.blogspot.com/

E o Site

http://carlosilva-guine.com/

Aqui temos a Bandeira do nosso Município de cores alegres e simbolizando com um coração de filigrana, uma das artes mais representativas do Concelho a ourivesaria. Daí, Gondomar ser considerada a Capital da Ourivesaria

Carlos Silva proferindo algumas palavras alusivas ao evento e evocando os nossos camaradas mortos

Memorial – infelizmente constam ali inscritos "83 Bravos Gondomarenses"

Deposição da coroa de flores junto do Memorial

Aqui está o anfitrião – António Carvalho, CArt 6250 o qual não poupou esforços para que nada faltasse aos camaradas – O nosso muito obrigado camarada

Da Freguesia de Fânzeres seguimos para a Freguesia das Medas, onde nos esperava este belo exemplar de churrasco, oferecido pelo nosso camarada António Carvalho da CArt 6250

Para o próximo ano, o 2.º Convívio terá lugar no último fim-de-semana de Setembro na Freguesia de Jovim. Preparem-se... também vai ser de arromba.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4972: Convívios (162): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar, no dia 5 de Outubro

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5086: Convívios (166): XIV Encontro/Convívio Anual dos ex-Combatentes da Guiné, da Vila de Guifões – Matosinhos (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P5111: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (8): Guerras palacianas

1. Mensagem de José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de 14 de Outubro de 2009:

Olá amigo Carlos,
Junto encontrarás mais um pedaço das minhas andanças pelo Palácio. Ali a guerra era diferente. Guardo muitas recordações daquelas imponentes instalações e daquilo que por lá passei.
Foram os pequenos nadas que me fizeram crescer como homem, e me ajudaram a preparar para os piores dias que a seguir chegariam.

Como sempre agradeço que faças os ajustamentos que entenderes necessário para bem do blogue.

Com votos de muita saúde para ti e para todos aqueles que fazem este blogue ser tão grande como o mundo.

Um abraço,
José Câmara


Guerras palacianas

Poucos de nós tivemos a oportunidade de servir, militarmente, no Palácio do Governador da Guiné. Ser Sargento da Guarda implicava muito mais que um servir de farda limpa e luvas brancas. Implicava muita responsabilidade, destreza, rapidez de movimentos e de pensamento, e de muita disciplina.

Nos corredores do Palácio, os Sargentos da Guarda eram surdos quando ouviam, cegos quando viam, e mudos quando tinham voz.

Em causa, para além da segurança do Governador, dos seus familiares e dos seus ajudantes, também estava a segurança daquela imponente instalação, símbolo do poder na Guiné.

Dentro daquelas instalações vivi momentos de angústia de mãos dadas com momentos de muita alegria.

Confesso que nem sempre foi fácil actuar no Palácio. Mas também é verdade que tive a oportunidade de fazer parte e apreciar factos e decisões que, de alguma forma, me fizeram acreditar que havia gente boa, justa e com capacidade de liderança.

Tentarei, dentro do possível, recordar alguns casos, entre muitos outros não menos importantes, que marcaram os meus dias no Palácio. Os casos seguintes, pela sua importância, são aqueles que melhor recordo ou escrevi algo sobre eles.


1 – A Feira de Bissau, a angústia da incerteza

A 19 de Março de 1971 escrevia, desta forma, à minha madrinha de Guerra:

Primeiramente vou dizer-te que a vida por aqui continua a ser a mesma; trabalhando com muita responsabilidade. Estou de folga mas não posso deixar o quartel. Nem eu nem ninguém, pois que entrámos de prevenção, ou se quiseres em estado de alerta. Pode haver um ataque neste próximo fim-de-semana que começa amanhã e que se prolongará até segunda-feira.

Esperamos que não aconteça nada, mas se assim não for, quando receberes esta carta já o saberás.

A razão de tudo isto é a Feira de Bissau. Está em exposição material de guerra apreendido aos turras, artigos das casas comerciais e da indústria, e ainda aspectos da lavoura.

Ontem como estive de serviço ao Palácio, aquilo ficou sob a minha responsabilidade, isto é, a segurança do Pavilhão das Forças Armadas.

Tive a oportunidade de ver tudo aquilo. É giro e é pena que exista guerra na Guiné. Não se pode gozar tudo o que há de bom por aqui que, diga-se em abono de verdade, não é muito, mas que se desenvolveria se acabasse a guerra.

Depois de amanhã volto para lá; vamos a ver se tudo corre bem
.

Bissau > Fevereiro de 1971 > José Câmara junto de uma papaieira no jardim do Palácio do Governador

A Feira teve lugar na Praça do Império. Nós, os sargentos da guarda, para além da segurança ao Palácio ainda ficamos com a responsabilidade da guarda e segurança do Pavilhão das Forças Armadas. Estavam expostas várias toneladas de material apreendido ao PAIG. Canhões sem recuo, metralhadoras, espingardas automáticas, granadas, morteiros, RPG’s, e material escolar faziam parte do espólio.

Milhares de pessoas passavam diariamente por aquele Pavilhão. A possibilidade de um ataque directo existia. Aliás fomos postos de sobreaviso. Vivi, naqueles dias, momentos de angústia e de incerteza. Tenho a certeza que os meus camaradas também passaram pelo mesmo. E tinha (mos) razões para isso.


A 24 de Março de 1971 escrevia o seguinte:

Falando da situação militar, infelizmente, tivemos cinco baixas durante a semana em toda a Guiné. Segundo os comunicado das Forças Armadas, as nossas tropas abateram 21 terroristas e apreenderams 14 toneladas de material.

Na Feira, de que falei na última carta, prenderam-se 3 terroristas armados… mas, sem barulhos. O demais vai decorrendo normalmente.

A situação da minha Companhia continua estacionária. isto é, não se sabe nada quanto à sua ida definitiva para o interior. Entretanto veio mais um Pelotão do mato e amanhã segue outro para lá
.

Segundo o que escrevi, é evidente que a apreensão dos três terroristas (era a linguagem que se usava ao tempo e seria descabido ser politicamente correcto neste escrito), foi feita sem grande alarido. Também é evidente que abordo o assunto muito superficialmente. Duas razões contribuíram para isso: sempre fui bastante comedido naquilo que escrevia para as coisas que me diziam respeito, e porque parte da minha responsabilidade como sargento da guarda era manter descrição sobre tudo aquilo que dizia respeito ao meu trabalho.


2 – Um Major de Cavalaria que perdeu o freio… ou como um capitão me protegeu

O acesso ao Palácio era feito pelo pórtico principal cuja guarda estava a cargo da Polícia Militar, e ainda pelo portão de serviço lateral também com guarda da Polícia Militar. Essas entradas, bem como os postos de sentinela ao fundo do jardim estavam providos de intercomunicadores ligados directamente ao gabinete do sargento da guarda.

Independentemente do posto de cada um, todas as forças de segurança, incluindo a Polícia Militar, a PSP e o tratador do cão-guarda, respondiam directamente ao sargento da guarda que, por sua vez, respondia ao Ajudante de Campo do Governador, na altura um capitão.

Todas as forças de segurança tinham ao seu dispor o calendário de regras a obedecer. Ao sargento da guarda correspondia lembrá-las diariamente e ter a certeza de que eram cumpridas à risca.

Entre as regras a cumprir escrupulosamente estava o acesso ao Palácio. Só entravam nas instalações, incluindo os jardins, as pessoas na posse de cartões passados pelos serviços de apoio ao Palácio. Pelo menos devia ser assim.

Os cartões tinham duas cores diferentes: o cartão verde dava acesso livre ao Palácio por parte do seu possuidor, depois de devidamente identificado quer por conhecimento próprio dos sentinelas ou de documento identificador com fotografia; o cartão amarelo (se bem me lembro era essa a cor) tinha as mesmas regras de identificação que o cartão verde, porém, os possuidores desse cartão tinham de ser acompanhados por uma praça da Guarda até ao sítio a visitar. Normalmente, o guarda era autorizado a ausentar-se a partir do momento em que os serviços de apoio tomavam contacto directo com o visitante.

Bissau > Fevereiro de 1971 – José Câmara no jardim do Palácio. Podem observar-se as belas moradias que circundavam o Jardim.

Num Domingo, pelo anoitecer, o presidente da Câmara Municipal de Bissau, um Major de Cavalaria, foi ao Palácio a pedido, segundo ele, do General Spínola. Ao chegar ao portão lateral, o sentinela de serviço reconheceu o Major. No cumprimento do seu dever, pediu-lhe o cartão de trânsito que o Major não tinha na sua posse.

Perante esse contratempo, o sentinela chamou-me através do intercomunicador, expondo o que se estava a passar. De imediato, dirigi-me ao portão lateral, onde me apercebi que o Major estava bastante alterado com o facto de ter sido impedido de entrar. Cumprimentei o Major após a identificação por conhecimento directo do sentinela. Expliquei-lhe o que se passava em relação ao cumprimento das regras de segurança, e que eu próprio o levaria até junto do nosso General, depois de consultar o gabinete de apoio.

Perante as minhas explicações, o Major teve uma reacção de todo inesperada, quando respondeu com as seguintes palavras:

- Ouça furriel, eu nunca teria a coragem de passar por cima das ordens de um sargento da guarda ou de um merda da Polícia Militar.

Não foram as palavras que me ofenderam. Foi a forma como foram proferidas. No semblante do Major percebi um sorriso de escárnio, depreciativo.

Reagi ao insulto. Passei à situação de sentido. As minhas palavras saíram secas, cortantes, e foram sensivelmente estas:

- V. Exa. com as suas palavras, desautorizou-se a entrar neste Palácio sem o seu cartão de acesso. Este Soldado, este merda como lhe chamou, não esqueça é um sentinela. Cumpre ordens. Quanto a este furriel e sargento da guarda que aqui está, tenho a certeza que preferia não sê-lo. Boa Noite!

Para o Polícia Militar disse:

- Sentinela, o nosso Major não entra aqui sem o seu cartão de acesso.

Uma continência ao Major, um passo à retaguarda, meia-volta e... dou de caras com um alferes dos serviços de apoio ao Palácio, e que estava, precisamente, à espera do Major. Tinha presenciado parte do drama e ouvido o final da conversa. Abanou a cabeça e disse-me:

- Estás à pega. Sabes o que te vai acontecer?!

Pedi para o acompanhar até ao gabinete de apoio. Lá estava o capitão, o Ajudante de Campo do General, e a quem contei o sucedido e que foi, de imediato, corroborado pelo alferes. O capitão veio até junto de mim, pôs um braço por cima dos meus ombros e deu-me um pequeno aperto de camaradagem, de amizade. Tal qual o meu pai me fizera muitas vezes.

Naquele gesto senti que estava protegido.

Mesmo assim guardei, durante muito tempo, um pequeno relatório sobre este incidente. Tinha que estar preparado para qualquer acção disciplinar. Que nunca aconteceu!

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5030: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (7): Servir Bissau: uma contenda inglória onde o pesadelo e o ronco se misturavam