sábado, 27 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5894: Em busca de... (119): Afilhado de guerra, Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64 (Felismina Costa)

As lavadeiras, os barcos e o Geba com as suas canoas.
Foto: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados



Felismina Costa, no dia 27 de Fevereiro de 2010, deixou este comentário no Poste 5513*:

Boa-noite!
Tomei a liberdade de vos perguntar se algum dos senhores, conheceu um militar de nome Hélder Martins de Matos, 1.º Cabo Escriturário n.º 384/62, que prestou serviço na Guiné entre 1963/64, inclusivé, em Bafatá e de quem fui madrinha de guerra durante esse periodo. Lembro-me de que enviava a correspondência para o SPM 1588 - Guiné.

Com o regresso perdi o contacto, eu tinha à data 15 anos, e um destes dias lembrei-me de pesquisar na NET sobre a guerra da Guiné e encontrei o vosso blog que acho muito interessante pelo vosso espírito de camaradagem e sobretudo por não deixarem morrer um tempo... o tempo da vossa juventude, donde trazemos quase sempre as melhores recordações da nossa vida.

Agradecia-vos que se tiverem notícias desse senhor que refiro, me enviem o seu contacto para o meu e-mail: felismina.mealha@hotmail.com.

Para mais fácil identificação, envio estas duas fotos do Hélder à época.



Com os meus cumprimentos, faço votos para que durante muitos anos os senhores se continuem a encontrar nos vossos almoços e em outros eventos que vos aprouver.

O meu muito obrigada pela vossa atenção.
Sou respeitosamente:
Felismina Costa


2. Comentário de CV:

Cara amiga Felismina Costa
Estamos a publicar este poste na espectativa de que algum camarada que esteve em Bafatá entre 1963/64 o leia e possa dar uma pista quanto ao paradeiro do camarada Hélder Martins de Matos.
Os elementos que nos fornece são muito escassos, pelo que se se lembrar de mais algum pormenor acerca do nosso camarada, envie para nós.

Entretanto na nossa tertúlia temos alguns camaradas especialistas em dar pistas para ajudar na pesquisa.

Fiquemos então com a esperança de que se há-de arranjar alguma informação.

Dirigindo-me agora directamente à tertúlia, deixo o meu pedido a quem possa fornecer pistas a esta Madrinha de Guerra que não se esqueceu o seu afilhado, mesmo volvidos estes anos todos.

Para a amiga Felismina Costa as nossas homenagens e o agradecimento pelas palavras simpáticas que nos dirige.

Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5513: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (19): Referências a lugares

Vd. último poste da série de 18 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5837: Em busca de... (118): O meu meio-irmão, filho de Júlio Tavares, o Madragoa, nascido presumivelmente em Catió, e hoje com 42 anos, se for vivo (Marisa Tavares, Canadá)

Guiné 63/74 - P5893: O 6º aniversário do nosso Blogue (8): Como é que se consegue pôr centenas de ex-combatentes a falar? (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 23 de Fevereiro de 2010:

Caro Amigo Vinhal.
Envio este modesto contributo para festejar o blogue.


6.º ANIVERSÁRIO DO BLOGUE

Ao fundador Luís Graça.
Aos Editores Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães, Virgílio Briote.

Porque é que este blogue atingiu o alto patamar de prestígio que hoje está à vista, e é por todos reconhecido?

Como é que se consegue esta proeza de pôr centenas de ex-combatentes a falar uns com os outros, de coisas que só eles compreendem?

A identidade comum, o espaço verdadeiramente único de ser centrado em, e para os ex-combatentes da Guerra Colonial da Guiné, que com as suas vivências, de formas distintas, em sítios diferentes, mas com um sentimento que amplia a noção de camaradas e amigos.

Foi esta a forma encontrada em boa hora pelo Luís Graça, que ganhou espaço, adquiriu a confiança dos ex-combatentes da Guiné para que estes fizessem o esforço de voltarem lá onde a memória já tinha bloqueado esses anos das coisas de que não queriam falar.

Este blogue coloca a nossa voz por intermédio dos escritos, ao serviço da História que um dia se há-de fazer, ao narrar de formas múltiplas a guerra que uma geração sacrificada, teve de fazer, mas que honrou os seus compromissos históricos.

Falamos todos a mesma linguagem, embora em tons desiguais porque as estórias que vão sendo vertidas para o blogue foram vividas por nós em situações diferentes, mas facilmente compreendidas, porque nos são familiares.

O nosso mutismo finalmente pôde ser desbloqueado pelo efeito deste blogue, aliviamos o espírito, deixamos os fantasmas soltarem-se, elevamos a nossa estima ao relatarmos o que estaria porventura soterrado para sempre na memória, não fosse o blogue.

Para mim foi uma descoberta a todos os títulos notável, conheço dezenas de camaradas apenas pelo computador, mas é tão natural esta empatia, que parece que nos conhecemos desde sempre.

Por outro lado fiquei com o vício de todos os dias ter de ler o blogue.

Depois por todos aqueles que não podendo por razões várias, dar os seus testemunhos ao blogue, sentem que este espaço também lhes pertence, por se sentirem por ele representados, através dos escritos dos Tertulianos e amigos do blogue.

Pela homenagem que presta aos nossos camaradas mortos, e aos que ficaram para sempre com mazelas físicas e psíquicas, o blogue fica engrandecido de forma nobre, que só nos pode deixar orgulhosos.

O bem-haja ao fundador Luís Graça e aos editores Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães e Virgínio Briote, o magnífico trabalho em prol dos que como eles, um dia lutaram por este País, cumpriram o seu dever, nada pediram em troca, e foram sempre ignorados e maltratados pelos sucessivos (des)governos deste País, também por isso este blogue é extremamente importante, ao tornar incómodos os silêncios instalados.

Finalmente a todos os Tertulianos que com os seus escritos enriquecem diariamente o blogue de uma forma extraordinária, o meu grande abraço, para todos vós.

Manuel Marinho
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(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5810: (Ex) citações (53): Os maus exemplos de um 1.º Sargento (Manuel Marinho)

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5860: O 6º aniversário do nosso Blogue (7): Sempre em frente (José Eduardo Reis de Oliveira – JERO -, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 675)

Guiné 63/74 - P5892: Convívios (194): Visitei a Tabanca Pequena de Matosinhos e quero homenagear os seus mentores (Jorge Fontinha)

Jorge Fontinha, pela primeira vez presente no almoço da Tabanca de Matosinhos, no dia 24 de Fevereiro passado.

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 27 de Fevereiro de 2010:


Caro Carlos.
Hoje não vou enviar a costumada "Estória do Jorge Fontinha".

Venho prestar uma homenagem, à nossa TABANCA DE MATOSINHOS e aos seus mentores.

Nunca tinha lá estado, muito embora eu tenha tido conhecimento que o meu nome por algumas vezes lá tenha sido mencionado.

De passagem pelo Porto, por motivos de doença familiar, coincidiu, estar disponível dos meus deveres de assistência à minha mulher, junto da Casa de Saúde da Boavista na hora de almoço, pelo que, pela primeira vez fui visitar a TABANCA.

Fui encontrar um bom amigo de infância, que há cerca de 50 anos não via e que inclusive nem sabia que tinha estado na Guiné.
Da parte dele se pode afirmar o mesmo em relação a mim.
Claro que ele e o José Manuel, da Régua, viriam a ser os meus padrinhos de associado.
Espero em breve, receber o cartão em casa.
O amigo em causa é o Silvério Lobo.

No mesmo encontro apareceram como eu, mais 3 novos camaradas que igualmente preencheram a ficha de inscrição.
Foram eles o Eduardo Monteiro que esteve na Guiné em 69/70; o Joaquim Ramos Silva de 72/74 e o Manuel Santos que esteve em XIME.

Um verdadeiro convívio que espero repetir, por todos os motivos e pela organização impecável, que me agradou e de que maneira.

Os meus parabens a quem em boa hora lançou mãos à obra.

Amigo Carlos se achares conveniente, gostaria que mandasses este testemunho para o Blogue.

Um abraço
JORGE FONTINHA

Quem aparece na Tabanca de Matosinhos, às quartas-feiras, não vem só em busca de convívio, mas...

...também de boa comidinha como só em Matosinhos se pode saborear.
Fotos descaradamente surripiadas ao Poste 356 da Tabanca de Matosinhos

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5354: Estórias do Jorge Fontinha (9): Homenagem a Fernando Barradas, ex-Fur Mil Fotocine e ex-jornalista de "O Comércio do Porto"

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5879: Convívios (106): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 3518 (Gadamael e Guidaje, 1972/74), dia 15 de Maio de 2010, em Coimbra (Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P5891: Memória dos lugares (72): O Cripto na primeira foto do poste P5801, sou eu (Vasco Santos)




1. O nosso Camarada Vasco Santos, ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda - 1972/73 -, com data de 22 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem em relação à primeira foto do poste P5801, de 11 de Fevereiro de 2010, da autoria do Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6, sobre o isolamento de Bedanda:

Olá Amigo luís,





Gostaria de informar o nosso querido Dr. Mário Bravo, que na foto incluída no poste em epigrafe, o cripto sou eu, Vasco David de Sousa Santos, natural de Vila do Conde, e que já tive a oportunidade de entrar em contacto com ele há algum tempo.





Provavelmente despistou-se, pois também já lhe tinha enviado uma foto em que estávamos juntos.



Já agora, se fosse possível, como estive em Bedanda, todo o ano de 1972, e em 1973 até Novembro, de que arma era o Fur Mil José Vermelho, pois de certeza que nos conhecemos.

Como vou várias vezes a Lisboa/Almada/Setúbal, pode dar-se o caso de nos podermos encontrar, quem sabe?!

Um abraço,
Vasco Santos
1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6


Foto 1: GUINÉ > 1971/72 > GRUPO NORTENHO: Da Esquerda para a direita -Lopes (Cozinheiro, de Torre de D.Chama;), Dias (Enfermeiro, de Viana do Castelo); Cripto (Não me lembro do seu nome, nem naturalidade),Nelinho (Atirador, do Porto) e Eu (Médico, do Porto).



2. Recorda-se que da CCAÇ 6, se encontram 5 elementos entre a tertúlia bloguista da Tabanca Grande:





Além do Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto, estão o nosso Camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico), o Carlos Azevedo (ex-1.º Cabo At inf), o Hugo Moura Ferreira (ex-Alf Mil At Inf) e o Carlos Ayala Botto (hoje Cor Cav, na situação de reforma, que foi Comandante da CCAÇ 6).





Emblema da colecção pessoal: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.


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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:



Guiné 63/74 - P5890: Parabéns a você (83): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71 (Editores)

1. Hoje, 27 de Fevereiro de 2010, faz anos o nosso camarada Luís R. Moreira (ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71).

A tertúlia da Tabanca Grande vem felicitar o nosso camarada pela feliz data e desejar-lhe muitos anos de vida junto dos seus familiares e amigos.



2. As pesquisas no nosso Blogue estão muito dificultadas pela enorme quantidade de informação já armazenada. Assim, do nosso camarada Luís consegui muito pouco.

Há referência a um poste da I Série e pouco mais*.

Vamos transcrever um pouco do que lá se pode ler:

Mensagem enviada pelo Luís Moreira ao David Guimarães, com data de 11 de Setembro de 2005:

Caro camarada ex-combatente:

Pela mão do Belmiro Vaqueiro, que conheço há muitos anos mas que só há pouco tempo soube que também ele esteve na Guiné nos mesmos locais que percorremos, tive acesso ao site do Luís Graça e a felicidade de rever fotos de locais que muito me dizem e de alguns camaradas do meu Batalhão, no qual te incluis assim como o Padre Poim, o Quaresma, o Cap. Espinha de Almeida, o Alf. Soares e outros a quem a memória já não me ajuda a recordar.

Estive em Bambadinca na CCS [do BART 2917] e sou o ex-alferes sapador Luís Moreira que fui ao ar com uma mina anti-carro no reordenamento dos Nhabijões (espero não estar a errar no nome).

Na sequência desse acidente passei aos serviços auxiliares e fui colocado no Batalhão de Engenharia, em Bissau, até ao fim da minha comissão que terminou já depois de vocês terem regressado e que fez com que eu hoje faça parte do grupo dos DFA [Deficientes das Forças Armadas].

Infelizmente não me recordo do nome da maioria dos camaradas com quem convivi, talvez devido ao traumatismo craneano que sofri na sequência do acidente. No entanto gostaria de recordar e contactar com o maior número de camaradas para tentar reconstituir esse período de quase um ano que passei em Bambadinca.

Tenho algumas fotos que vou retirar da "arca" onde têm estado depositadas todos estes anos, e que depois enviarei. Ainda recordo o nome dos alferes Machado e Guerreiro, da CCS, e tenho bem presente a figura do alferes mecânico, mas já não lhe recordo o nome. Outra figura ímpar que recordo com saudade é a do alferes Vacas de Carvalho, das Daimler, e da sua viola que nos animava os serões.

Fico a aguardar notícias e possíveis contactos.

Um abraço, Luís Moreira.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento e reordenamento de Nhabijões > Finais de 1970 > O Alf Mil Sapador Luís Moreira, pertencente à CCS/BART 2917, destacado no reordenamento de Nhabijões. Evacuado para o HM 241, em Bissau, por ferimentos graves em 13 de Janeiro de 1971, passaria depois aos Serviços Auxiliares e terminaria o resto da comisão - os 15 a 16 meses que lhe faltavam! - no BENG 447.
Foto: © Luís Moreira (2006). Direitos reservados


Nesta foto > Cap Art Passos Marques, comandante da CCS/BART 2917 e, à civil, o Alf Mil Sapador Luís Moreira.
Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Direitos reservados

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5885: Parabéns a você (82): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da FAP, BA6 (Montijo, 1979/82) (Editores)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5889: Estórias cabralianas (58): O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, membro sénior, senador ou Homem Grande da nossa Tabanca Grande (isto quer dizer que já vem da I Série do blogue, pelo menos desde 2005...):

Caros Amigos,

Um País endividado? ... É porque não conheceram o 'meu' Missirá.

Aí vai 'estória'. Até breve

Abraços Grandes

Jorge Cabral



2. Estórias cabralianas (59) > O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero
por Jorge Cabral


Tenho a certeza que os primeiros cabelos brancos do Alfero lhe nasceram nos dias do Patacão.

No final de cada mês, deslocava-se a Bambadinca (**) a fim de levantar o dinheiro para pagar os ordenados aos Militares do Pelotão e aos Milícias. Era o dia do Patacão, ansiado por todos e ainda mais pela multidão de credores, que desde manhã acorria ao Quartel. Usurários, Pré-Sogros e Sogros, Batoteiros Profissionais, Dgilas, Alcoviteiros, Fanatecas, Músicos… havia sempre alguém à espera que o Alfero liquidasse as dívidas dos seus homens. Todos devedores, incluindo o Alfero, que prometera pagar,  em prestações suaves, a conta do Fontória (***), onde em férias, numa noite, oferecera de beber a todos e terminara na Esquadra da Praça da Alegria.

Chegado a Missirá, já o seu braço direito Branquinho, montara a mesa, na qual amontoara papéis e mais papéis, que titulavam débitos da cantina, do arroz, de adiantamentos, de empréstimos…

E logo começava a cerimónia que obedecia a uma ordem hierárquica ascendente. Em primeiro lugar, recebiam os Milícias, depois os Soldados, em seguida os Cabos, por fim os Furriéis e em último sempre o Alfero.

As discussões por parte dos credores externos eram acaloradas e às vezes chegavam mesmo a vias de facto. No meio da algazarra, e com muitas reclamações, lá se ia pagando o que restava a cada um.

Porém e quase sempre, quando finalmente cabia a vez do Alfero receber, já se tinha acabado o Patacão. Paciência, pensava ele. Que se lixe o Fontória.

... O narrador confessa que se tinha esquecido desta dívida e que foi o Blogue a recordá-lo. Há um mês, de novo Alfero, porque isto de ser Alfero é vitalício, resolveu liquidá-la, apresentando-se no Cabaret. Dirigiu-se ao Porteiro. Informou tratar-se de uma dívida de Janeiro de 1971. Ele chamou um Segurança. Repetiu o seu propósito. Veio o Gerente. Insistiu. Trataram-no como um tonto. Exaltou-se. Disparatou. Juntaram-se pessoas. Chegou a PSP

Velho e honesto Alfero. Como há 40 anos, lá foi parar à Esquadra da Praça da Alegria.

Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Tenho um (in)confidência a fazer: o livro de estórias do nosso alfero vai tem editor e patrocínios, o que quer dizer que vamos ter ronco, festa de lançamento, (re)encontros felizes, salgadinhos, sumos e Portos de honra... No Fontória, no Maxime, num cabaré de Lisboa!!! Para já, o alfero já me pediu para escrever o prefácio, coisa que vou fazer com todo o gosto, gozo  e esmero... O autor está a dar os retoques finais da sua selecção das 50 melhores estórias cabralianas...

Isto não quer dizer que o alfero arrumou as botas, tirou os mezinhos do corpo, e lançou ao Geba a chave do baú das memórias trágico-burlescas da sua passagem por Fá Mandinga, Missirá, Bambadinca e outras terras exóticas da Guiné, e muito menos a caneta de ouro com que ele escreve as estórias cabralianas...

Isto quer apenas dizer que o nosso alfero não quis decepcionar os/as seus/suas muitos/as admiradores/as que de há muito lhe vinham pedindo o livrinho, autografado, do Humor Negro & Branco em Tempo de Guerra... Que isto de e-books ainda não é a mesma coisa...

Parabéns, Jorge! Ah, e no dia 28 de Maio próximo, lá estarei na tua Universidade Lusófona, no teu mestrado de criminologia (****), às 18h, para a charla sobre... a violência da  guerra que nos acompanha no pós-guerra até à hora da nossa morte, amen!...  A ti, não poderia dizer que não, mesmo enterrado até ao pescoço no tarrafo da vidinha do dia-a-dia que está bera...

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral)

(**) Sede do BART 2917 (1970/72), a que estava adido o Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71), de que o Alf il Art Jorge Cabral foi comandante.

(***) Famoso cabaré da Praça da Alegria, Lisboa...

Vd. poste de 5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(...) Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.



Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…

Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.


Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.


Estágio concluído com distinção, acabei por assentar. (...)

(****)  É amorosa, competente e oportuníssima a tua secretária, veja-se o mail que me mandou e que eu tive em conta na edição deste poste. Reparo, por outro lado, que contrariamente a muito boa gente da nossa Ágora (leia-se: Praça Pública) ainda não estás, meu caro Jorge, com o temível Alzheimer, doença que não havia na Guiné do nosso tempo (pelo menos, na zona leste por andámos)... Posso garantir que ainda conheces o RDM e és capaz de contar todos os postos da hierarquia militar de soldado básico a general de quatro estrelas, e do cabo à ré... Pormenor de não somenos importància: um Cabo é um Cabo e escreve-se sempre em caixa alta...

Exmos. Professor,

Pede-me o Professor Jorge Cabral que envie este e-mail para que proceda a uma pequena alteração. Onde se lê cabos com letra minúscula, deverá ler-se Caboos.

Sem mais de momento
Melhores Cumprimentos

Instituto de Criminologia
Sec Pedagógico
Petrouska Ribeiro

instituto.criminologia@ulusofona.pt
Grupo Lusófona
Tel.: 217 515 500 Ext.: 2383 / Móvel.: 962 534 503

Petrouska:  Para a próxima deixa lá,no caixote do lixo do computador, a palavra Excelência... Faz-me imaginar, não sem um arrepio pela espinha acima, os discursos dos gatos pingados que terei de gramar no dia do meu funeral...

Guiné 63/74 - P5888: Notas de leitura (71): Além do Bojador, romance de estreia de Manuel Fialho (I) (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
Aqui vai o primeiro texto referente ao romance de Manuel Fialho.

Lanço a todos o seguinte apelo: quem tiver os romances “A Lebre” ou “Capitão Nemo e Eu”, de Álvaro Guerra, peço a caridade de mos emprestar, já agora gostava de fazer o repertório do Álvaro Guerra escritor/combatente da Guiné por completo.

Um abraço do
Mário


Além do Bojador (I)

Beja Santos

“Além do Bojador”, é o romance de estreia de Manuel Fialho, um engenheiro mecânico de Moura que por vezes trabalha a sul do Cabo Bojador. Subintitula esta ficção com o dizer: “Na guerra colonial da Guiné, a história pré-colonial da África Ocidental”. É um livro longo, generoso, onde os objectivos didácticos não são iludidos. O narrador é um franciscano (Frei Miguel) que vai aparecer como capelão na região de Farim, aí por 1970. Vem de Assis, Itália, onde vive em recolhimento na sua ordem religiosa. Depois de passar uns dias na companhia de seu pai, que vive em Cacela Velha, no Algarve, embarca num paquete com os seus livros e músicas, vai tomando conhecimento da unidade militar onde o inseriram. É uma narrativa serena, minuciosa, como se o autor tivesse o propósito de contar tudo a leigos, a começar pela organização de um batalhão. Inclusivamente se forja a apresentação do teatro de operações: “Farim ficava a sul, numa ponta do nosso território, junto ao Cacheu, um daqueles caudalosos rios da Guiné. Para nordeste havia uma estrada em direcção a Cuntima e ao Senegal, que passava por Jumbembem. Daqui saía outra estrada em direcção a sudeste, até Canjambari, onde se encontrava uma companhia independente. E de Farim mais duas estradas: uma para o noroeste, para Dungal, também muito perto da fronteira com o Senegal, mas esta, aparentemente, estaria intransitável, e ainda outra para sudoeste em direcção a Binta, aonde se poderia também chegar através do rio Cacheu. A partir daí, continuando para noroeste e atravessando com dificuldade a bolanha, ou a zona alagada do Cufeu, Binta ligava-se por estrada a Guidage, mesmo em cima da fronteira com o Senegal, mas defendida por pessoal de outra companhia. Estas duas pequenas povoações – Binta e Guidage – pertenciam ao sector operacional vizinho do nosso. A sul de Farim, na outra margem do Cacheu, que se atravessava por uma balsa, ficava a pequena tabanca de Saliquinhedim. Talvez pela dificuldade do nome, esta tabanca era mais conhecida por K3, porque se situava apenas a três quilómetros do rio, de onde emergia a nova estrada, agora em construção, que depois se bifurcava em duas, uma para o Olossato e a outra para Mansabá, ambas fazendo a ligação de Farim a Bissau, após a travessia do Cacheu por essa balsa e que, eventualmente, ficaria pronta durante a nossa comissão”. Se imaginarmos esta conversa num esboço improvisado no bar de oficiais de um paquete, temos um conjunto de alferes candidatos à Academia Militar. Aos poucos, vamos ficando a saber o que é um oficial de transmissões, um sapador, um administrativo, o alferes da manutenção até o médico exprime o que vai fazer. Os alferes operacionais falam de pistas de aviação e locais para os helicópteros aterrarem, dissertam sobre os corredores de passagem dos guerrilheiros. Um capelão à cautela, depois de tomar conhecimento da guerra que o esperava foi fazer as suas orações na capela: “Depois de rezar fiquei ali sentado, reflectindo sobre aquela juventude tão generosa que interrompia os seus estudos e se via coagida a participar numa guerra que nada tinha a ver com ela... a nossa juventude parecia não ter alternativa. Apenas uma minoria, mais propensa a tomar outra consciência política, opondo-se frontalmente a um regime autocrático, onde não faltava uma feroz polícia política, é que resolver a seguir os caminhos da emigração, desertando...”.

E assim se chega a Bissau, daqui o batalhão parte por LDG para Farim. Junto do Cacheu, Frei Miguel vê com assombro aquele pequeno forte que lhe recorda uma história que começou no século XV e XVI, discorre sobre os acontecimentos da região até ao início da luta armada (quem nada sabia sobre a história da Guiné fica com duas páginas de síntese). O franciscano fixa o percurso da lancha, regista pormenores do tarrafo, descreve a paisagem e depois Farim, povoação que percorrer demoradamente. O comandante vai dando ordens, lança advertências: “Os nossos alferes tenham muito cuidado ao receber as viaturas, os rádios e, acima de tudo, as ferramentas. De modo algum descentralizem essas conferências. Confiram muito bem, pessoalmente, todas as listas de material e vejam se está tudo lá, e, principalmente, em que estado de uso. Só, então, passem essa responsabilidade para o sargento mecânico e para os furriéis. E, sobretudo, não dêem qualquer hipótese de essas ferramentas puderam voltar às mãos anteriores. Não seria nada inteligente da nossa parte assistir, por exemplo, à contagem do mesmo alicate por duas, três ou mais vezes...”

Frei Miguel vai fazer obras na Capela de Farim, depois começa a viajar, acompanha as colunas, o seu zelo religioso é infatigável. Descreve as suas viagens, como é que se desatola uma GMC, embevece com um recital de guitarra clássica, aos poucos adapta-se à rotina. É aqui que surge o fascínio inter-religioso e inter-cultural: vai até à tabanca, conhece um homem grande, de nome Malan, será o princípio de uma relação que o leva a estudar e a descrever a história pré-colonial e a afeiçoar-se por Binta (aliás, Fátima, o nome da filha do Profeta). É uma larga divagação histórica, a epopeia do império Mandinga vem ao de cima.

A guerra manifesta-se em toda a sua pujança: flagelações, morteiradas, emboscadas, minas anti-carro e minas anti-pessoal. Nos intervalos dos seus trabalhos de capelão, Frei Miguel conta às crianças a história grandiosa desse mundo que precedeu a colonização. É nisto que ele vai sentir um sentimento diferente por Binta, uma forte atracção, isto na altura em que fala do apogeu do povo Songhai de Tombuctu e do império do Mali. Os Mandingas de Farim estão orgulhosos. Frei Miguel entra num derriço por Binta: “Aqueles olhos sorriam como se fossem de uma menina que tivesse cometido alguma travessura. O seu rosto tinha o mesmo ar de intensa frescura, com o cabelo ainda por secar, após o banho da tarde. Eu não me cansava de admirar a sua figura tão esbelta e tão linda, ali à minha frente. Usava o mesmo tipo de corpete muito reduzido e todo aberto nas costas, uma saia comprida de um outro tecido estampado, que a fazia ainda mais alta e realçava a sua extrema elegância”.

Frei Miguel vive a tentação, repete infinitamente as suas orações, até à exaustão, vestido no seu hábito franciscano. O impensável acontecera, o mundo de um jovem capelão de 27 anos entrara na deriva.

Este livro de Manuel Fialho é de 2008, Edição 100 Luz.


(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5877: Notas de leitura (70): Os Sinos de Bafatá, de Joaquim Ribeiro Simões (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5887: Os Unidos de Mampatá, por Luís Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74 ) (4): Actividades desenvolvidas

1. Mensagem de Luís Marcelino (ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 7 de Fevereiro de 2010:

Caríssimos editores e amigos,
Junto envio um apontamento mais da CART 6250
Um abraço


OS UNIDOS DE MAMPATÁ (4)

Olá Luís, demais editores e amigos tertulianos.

Neste início de ano de 2010, desejo a toda a família da Tabanca Grande muitas alegrias e profícuas realizações.

Após um longo período de ausência venho aqui, uma vez mais, trazer outro apontamento do dia a dia da CART 6250 de Mampatá, relatando sinteticamente algumas das actividades desenvolvidas.


ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS

Como é sabido, a actividade em campanha não se esgotava nos patrulhamentos e demais trabalhos de caris operacional.

Sendo aquela a actividade principal, outras tarefas preenchiam o nosso tempo, tornando-o mais agradável, motivante e interessante.
Assim, o tempo extra-operacional era dedicado ao desporto, actividades recreativo-culturais, concursos de trabalhos manuais festivais...

Enfim, várias iniciativas que visavam preencher o tempo com vista a tornar mais suave a ausência das famílias e desanuviar a tensão do dia a dia da actividade operacional, sempre muito exigente e stressante.

Mas o apoio à população era também uma preocupação sempre presente que se manifestava de diversas formas: fornecimento de transporte, apoio sanitário, apoio alimentar, e sobretudo apoio na cultura/educação, através do ensino pré-primário e primário.

Quando chegámos já havia uma escola onde era ministrado o ensino primário.
Porque a existente já era insuficiente para as necessidades daquela povoação, por ordens superiores, iniciámos ainda em 1972, ano da nossa chegada, a construção de uma nova escola, que concluímos no ano seguinte.

Escola já existente

A nova Escola

Frequentaram a escola durante os anos de 72/73 e 73/74, 221 crianças, na pré-primária, 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª classes.
Fizeram o exame da 4.ª classe 16 crianças.

Afecto a esta actividade esteve sempre o Furriel Simões, que deixou de ser um operacional do 1.º GCOMB para passar a ser conhecido pelo Senhor Professor, que ensinava e coordenava toda a actividade escolar.
É claro que esta actividade também muito contribuiu para o óptimo relacionamento existente entre os militares da Companhia e toda a população que ali vivia.

Também os adultos foram objecto da nossa atenção através das escolas regimentais que se destinavam aos militares;

No aquartelamento, que, como já referi em anterior apontamento, era uma tabanca, onde moravam lado a lado os militares e a população, nas mesmas moranças, estavam a Companhia, um Pelotão de Africanos e uma Companhia de Milícias.

Frequentaram as aulas regimentais 25 militares africanos no ano 72/73, na 3.ª e 4.ª classes e 26 no ano 73/74.
Juntamente com militares da Companhia, fizeram exame da 4.ª classe 28 militares.

Professor Simões com seus alunos

A Companhia dispunha de uma equipa de obras muito dinâmica. Além da escola já referida, o edifício de Comando, balneários e outras, concretizou um sonho muito antigo da população: construiu um pequeno edifício no centro da Tabanca a que se denominou MESQUITA, onde a população passou a poder fazer as suas orações e actos de culto.

Festividade religiosa. Ao fundo a Mesquita

Estou certo que a nossa presença em Mampatá não foi em vão. As obras falam por si e os destinatários poderão testemunhar esta realidade que também serviram para acentuar e alimentar o espírito de coesão e amizade que a todos unia e que fazia jus ao nosso lema e que ainda hoje é uma realidade, traduzido nos encontros que anualmente realizamos expressando sempre uma alegria transbordante.

Festividade muçulmana em Mampatá
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Nota de CV:

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4964: Os Unidos de Mampatá, por Luís Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250 (Mampatá, 1972/74 ) (3): Onde mora o perigo

Guiné 63/74 – P5886: Histórias do Eduardo Campos (11): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 11): Nhacra 6/Final



1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, dando continuidade às suas memórias da Companhia em Nhacra, iniciadas nos postes P5711, P5729, P5796, P5812 e P5869:enviou-nos a 11ª fracção e mais alguns documentos históricos do seu arquivo pessoal:


CCAÇ 4540 – 72/74

"SOMOS UM CASO SÉRIO"

NHACRA 6

Os dias passavam e, com as noticias que chegavam de Lisboa, a ansiedade do regresso cada vez se acentuada mais. Afinal a guerra tinha mesmo acabado e continuava a sentir-se uma certa anarquia entre as forças militares. Os meus presságios não eram os melhores, mas acabou por ser só “fumaça” minha, como disse mais tarde o Almirante.

Um torneio de futebol de salão surgiu então em boa altura, criando nova diversão e distracção, que passava pela discussão clubista, as críticas sobre as arbitragens, os golos marcados e sofridos, os “frangos” dos guarda-redes, etc., servindo, em parte, para que nos abstraíssemos durante alguns dias, do total “deserto” de acção e movimentação, que agora nos rodeava.

EQUIPA STORNOS CAMPEÕES. De pé, esquerda para a direita: Sequeira, Mendes e Barros. Em baixo, da esquerda para a direita: Silva, Eu e Saraiva

O “Jornal” continuava a trazer problemas, com saneamentos e demissões à mistura, seria a aprendizagem da democracia a funcionar?

A 16 de Agosto de 1974, fomos substituídos pela C CAÇ 4945/73, ficando nós, a partir dessa data, a aguardar transporte para o regresso a casa.

O pessoal da Companhia, começava a não disfarçar o que lhe ia na alma e, houve até quem quisesse ir para Bissau, criando alguns distúrbios, fruto de vários boatos e rumores, de que estariam a embarcar de regresso à Metrópole, tropas com menos tempo de permanência de Guiné, que nós.

A 23 de Agosto, já era difícil segurar os militares no quartel e foi que então que saímos do Cumeré, acompanhados de militares de outras unidades e marchamos sobre Bissau, sendo barrados por um cordão de segurança humano em Safim.

Alguém do Comando Chefe se deslocou a Safim, e, nas negociações efectuadas ali, no local, foi-nos prometido que o Uíge, que nesse momento se encontrava no cais de Pijiguiti, em Bissau, a carregar material de guerra, passados dois dias permitiria que embarcássemos nós também.

Às primeiras horas do dia 25 de Agosto/74, finalmente deu-se o nosso regresso, a bordo do Uíge, tendo o mesmo chegado a Lisboa em 30 de Agosto.

A poucos dias de completar 24 Meses de Guiné, e em pleno mar alto, assisti a algo que jamais poderia imaginar ver algum dia, depois de tudo o que tinha passado na Guiné.

Não sei porque razão, mas fiz a viagem toda numa cabine do navio, enquanto os meus companheiros o fizeram no porão.

Por curiosidade, um dia desloquei-me ao porão e que os meus olhos viram e o nariz sentiu, jamais me abandonou até aos dias de hoje. As condições de transporte daqueles camaradas era simplesmente, inumana, indigna e até incoerente com o tempo da nossa era, em que tanto se apregoava a civilização.

O pessoal (praças), que vinha no barco já tinham algumas bases de aprendizagem sobre o que era ser “revolucionário”, e, vai daí, como não tinham acesso ao bar de oficias e sargentos toca a ocupá-lo.

O Comandante do Uíge, que os devia ter no sítio, ordenou que se a malta não abandonasse de imediato o bar desviaria o navio para Cabo Verde. Só assim foi reposta a legalidade hierárquica “copofónica” de imediato.

Se a memória não me atraiçoa o navio passou pelo Funchal, onde desembarcou uma Companhia de Madeirenses, retomando de novo a via marítima para Lisboa.

Já em pleno rio Tejo, os militares receberam instruções que teriam de ir à Amadora entregar o fardamento. Não gostando do que ouviram, alguns começaram a deitar os sacos ao rio. Foi-nos pedido para “aguentar”, e, mais tarde, as novas ordens foram para que deixássemos tudo a bordo.

Terão os SUV nascido na Guiné?

Anexo a seguir alguns documentos com história, que estavam guardados no meu baú das recordações, entre os quais um pequeno livro que nos foi distribuído pelo Estado Maior do Exército, intitulado Missão na Guiné. Recordam-se?




Livro que nos foi distribuído pelo Estado Maior do Exército, intitulado Missão na Guiné.





















Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos e documentos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5885: Parabéns a você (82): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da FAP, BA6 (Montijo, 1979/82) (Editores)

1. É com muito prazer e alguma inveja que, hoje dia 26 de Fevereiro de 2010, prestamos homenagem ao nosso camarada e amigo João Carlos Silva (ex-Cabo Especialista da FAP, BA6-Montijo, 1979/82) que está de parabéns.

Este misto de prazer e inveja, primeiro, tem a ver com a alegria que todos sentimos quando um camarada festeja o seu aniversário, logo desconta mais um ano aos que lhe faltam calcorrear até à meta, os 100. Em segundo lugar, não nos movendo nada de pessoal contra o João, sentimos já alguma nostalgia da ternura dos nossos 40 e tal anos. Que saudade... que inveja...


Muito a sério caro amigo João Carlos, estes teus camaradas um pouco menos novos, desejam-te uma longa vida, feliz e com saúde junto daqueles que são o motivo e o orgulho da tua vida.

Que este dia, em especial, seja passado com alegria junto dos teus familares e amigos, e que esta data seja festejada para além da existência terrestre destes teus amigos e camaradas mais velhotes, já que chegarão aos 100 muito primeiro do que tu.



2. Passou algum tempo desde que João Carlos Silva nos escreveu para nos envaidecer com as suas palavras de incentivo e admiração. Vamos lembrar:

Em primeiro lugar apresento-me, sou o João Carlos Silva “alfacinha” de gema pois nasci na “velha” rua da Palma (sabem aquele Fado “…ai Mouraria da velha rua da Palma…”, pois é essa mesmo) e vivi 24 anos na Freguesia dos Anjos. Actualmente (há quase outros tantos) resido no concelho de Almada (sempre com Lisboa à vista…, ou quase). Militarmente falando, servi na Força Aérea Portuguesa de 1979 a 1982, como cabo Especialista MMA na BA6, na esquadra 301 onde operavam os FIAT G-91 (esquadra criada em 1978, antes disso e desde Agosto de 1974 era a esquadra 62 com as aeronaves vindas do Ultramar e da BA5, in Historial da Esquadra 301). Resumidamente, comecei na Manutenção (como era da praxe) tendo posteriormente trabalhado sempre na Linha da Frente. Faço parte da tertúlia da linha da frente do blog Especialistas da BA 12 do companheiro Victor Barata, pelas razões que expresso nesta mensagem e porque ele (e restantes companheiros) me acolheu nesse espaço de forma generosa.

Porquê esta minha “atabalhoada” mensagem ? Bom, por várias razões. A principal, como se vocês precisassem com quase 1 milhão de visitantes desde Abril de 2005, será porque quero partilhar convosco o que pode sentir (por isso a objectividade não será o forte deste texto) alguém que não esteve na Guerra Colonial por via da idade.

Como é que chegamos aqui ?

Bem, eu lembro-me bem de quando “miúdo” pensar, com bastante receio, que em breve seria a minha vez de avançar para África no cumprimento de um dever que afectava toda uma geração de jovens portugueses (e também de jovens guineenses, só agora tenho essa percepção, o vosso blog também tem essa virtude). Para este sentimento muito contribuiu a comissão do meu primo Victor Condeço (membro da vossa Tabanca Grande) por terras da Guiné, mais concretamente em Catió, e especialmente quando o fomos esperar ao cais da Rocha Conde de Óbidos em Alcântara. Além disso, tenho vagas memórias das preocupações porque passava a família.

Adicionalmente, tenho um outro parente, por parte da minha mulher, que serviu na Marinha e teve 2 comissões na Guiné, operando nas lanchas naqueles perigosos rios. Mais recentemente, constatei que dois antigos colegas meus de trabalho fazem parte da Tabanca Grande, o Raul Albino e o António Matos (Garcia de Matos). Provavelmente não se lembrarão de mim, mas, eu como mais “moderno”, lembro-me deles.

Depois, porque tenho vindo a absorver toda a informação e especialmente nos últimos dias me chamaram especial atenção algumas mensagens. Por exemplo, o complexo tema de Guiledje, como podem existir visões tão distintas sobre os mesmos acontecimentos, as mensagens do António Martins de Matos e a resposta de Nuno Rubim na mensagem 3811, a mensagem 3816 do Miguel Pessoa, que muito bem dizes em comentário “Na América já estavas no cinema…em Portugal, nem sequer te (re)conhecem…”, a mensagem 3820 do Joaquim Mexia Alves, com a qual eu concordo bastante, e a mensagem 3824 do Virgínio Briote (comentário à mensagem 3820 do Mexia Alves).

Bom, eu leio tudo isto e fico preso a estes relatos que muitos dos mais jovens simplesmente ignoram ou não fazem ideia porque parece que foi considerado tabú (ver mensagem 3824 do Virgínio Briote).

É notável o número de visitantes que a vossa Tabanca Grande tem tido, reflexo significativo da importância que tem este assunto da Guerra Colonial e da possibilidade de os protagonistas expressarem a sua visão e os seus sentimentos.

É de louvar os contributos na primeira pessoa e a dedicação dos Editores do blog que permitem que todas estas mensagens cheguem a todos nós e que possam ficar registadas para que os vindouros venham a conhecer, assimilar e respeitar o passado. Não é possível criar uma identidade sem considerar o passado.

De certeza que já receberam, refiro-me a malta mais “moderna”, inúmeras manifestações de respeito e admiração pela missão cumprida no meio de todos estes sacrifícios físicos e psicológicos, no entanto, nesta sociedade actual em que muitos fazem gala em “rotular”, rebaixar ou tentar anular, os parceiros do lado sem sequer se darem ao trabalho de os conhecer (profissionalmente ou pessoalmente) apenas por um alegado espírito de competitividade aplicado superficialmente e sem nexo e que não sei aonde nos vai levar (parece que não está a dar resultado), faço questão de transmitir de forma muito clara o meu respeito e admiração por todos os ex-combatentes e às respectivas famílias que tanto sofreram.


Estas foram as suas impressões em Fevereiro de 2009. É da nossa responsabilidade não o desiludir.


3. Deixo agora estas fotos que temos em arquivo:

João Carlos Silva enquanto Cabo Especialista da FAP

João Carlos Silva aos comandos de um Fiat G91

João Carlos Silva na Base Aérea da OTA

João Carlos Silva, Especialista da Força Aérea Portuguesa, esteve presente no nosso IV Encontro acompanhado de seu tio Alberto Bártolo, à direita da foto, que é Reformado da Marinha de Guerra Portuguesa e que conhece muito bem os rios da Guiné.
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Notas de CV:

Vd. postes de João Carlos Silva de:

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)
e
22 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3923: Tabanca Grande (122): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5880: Parabéns a você (81): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331, Cuntima, 1970/72 (Editores)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5884: O Nosso Livro de Visitas (83A): José Henriques, ex-Fur Mil da CART 2340

José Henriques (ex-Fur Mil da CART 2340) deixou, no dia 22 de Fevereiro de 2010, este comentário no poste 5819*:

Caro Camarada Luis.
Fiz parte da CART 2340 que esteve na Guiné de 1968769 e de que era Comandante o Camarada Joaquim Lúcio Ferreira Neto**.

Sempre que os meus afazeres o permitem, venho ao v/blog ler ( e relembrar)os tempos passados na Guiné como combatente. Foram bons? alguns... Foram maus? Já passaram...

Mas o que me traz aqui agora é o seguinte: indica-me por favor como devo proceder para poder a ter a honra de passar a ser membro da vossa tertúlia.

Um forte abraço para todos os "tertulianos" do ex-Fur Mil
José Henriques


Comentário de CV

Caro José Henriques, foi pena não teres deixado o teu endereço para te podermos contactar.

Assim, se leres este poste ficarás a saber como aderires à nossa Tabanca Grande para poderes contar as tuas histórias enquanto combatente na Guiné.

Referes o teu Comandante, ex-Cap Mil Ferreira Neto, que eu conheço do meu tempo de aluno da Escola Secundária e ele professor.

O professor Neto, como faço questão de o tratar, tem alguns postes e fotografias da vossa CART publicados no Blogue que poderás facilmente encontrar através do marcador "CART 2340".

Voltando a ti, claro que estamos desde já à tua espera. Manda-nos uma foto antiga e outra actual (tipo passe em formato JPEG) uma pequena (ou grande) história relacionada contigo ou com a CART 2340, e a acompanhar fotografias (com legendas) para a ilustrar.

No lado esquerdo da nossa página encontarás os nossos 10+10 mandamentos, bastante fáceis de cumprir. Se os leres ficarás a saber como nos conduzimos e os nossos objectivos enquanto tertulianos.

Deverás enviar os teus trabalhos para o endereço oficial do Blogue luis.graca.prof@gmail.com.

Entretanto, recebe um abraço da tertúlia.
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5819: O 6º aniversário do nosso Blogue (3): No início de Maio de 2006, tínhamos 100 tertulianos, 735 postes publicados e 3 mil páginas visitadas por mês (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 14 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2046: Tabanca Grande (31): Apresenta-se Joaquim Lúcio Ferreira Neto, ex-Cap Mil (CART 2340, Canjambari, Jumbembem, Nhacra, 1968/69)

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5757: O Nosso Livro de Visitas (82): "Projecto de Documentário sobre Bafatá" (Silas Tiny)