sábado, 13 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5985: Os nossos seres, saberes e lazeres (16): Foi bonita a festa, Bilocas! ...Ainda e sempre pões a malta a Toque de Caixa! (Luís Graça)














Capa do 2º álbum, Cruzes, Canhoto,  do grupo musical nortenho, Toque de Caixa. A editora é a Ocarina.  Quinta feira, dia 12, foi apresentado o disco na loja da FNAC Colombo, em Lisboa.  A malta do nosso blogue marcou presença!...

Num próximo poste prometo inserir um pequeno vídeo com a actuação do Grupo, de que o Abílio Machado, o nosso Bilocas, baladeiro-mor de Bambadinca (1970/72), é um dos pais-fundadores... Ele sempre teve um especial talento para identificar e alocar talentos, juntar a diversidade, gerir a complexidade... Do Toque de Caixa pode dizer-se: "Ninguém é perfeito, mas juntos podemos sê-lo!"... É esse o segredo do grupo e do nosso camarada, que sempre foi um homem de múltiplos seres, saberes e lazeres... Estou-lhe a escrever do Porto e tenho pena de ter que me levantar muito cedo, não podendo por isso fazer serão e escrever um poste com outro fôlego e brilhantismo... Do grupo direi que fiquei impressionado com o facto de todos eles e elas tocarem diversos instrumentos, com paixão, rigor, competência... e sobretudo de terem uma enorme alegria em palco!... Bravo, Bilocas! Bravo, malta do Toque de Caixa!


Toque de Caixa: Em primeiro plano, o Miguel Teixeira, o actual "chefe da banda" (Voz, Guitarras, Rajão, Cuatro, Timple, Flauta, Sansula, Bodrham, Adufe, Percussões)... É o homem da produção, direcção musical e arranjos...


Toque de Caixa:  Em primeiro plano, Horácio Marques (Guitarras, Viola Braguesa, Percussões Várias)...Em terceiro plano, Fernando Figueiredo (Baixo Acústico e Eléctrico)



Toque de Caixa: Emanuel Sousa (Violino, Bandolim, Voz, Concertina, Percussões Várias), Albertina Canastra (Acordeão, Melódica) e Teresa Paiva...




Toque de Caixa: Pedro Cunha (Pianos, Sintetizador)

Toque de Caixa: Em prirmeiro plano o Abílio e, a seu lado, o Tiago Soares,outro homem dos sete instrumentos (Adufe, Caixa, Timbalão,  etc.)

Toque de Caixa: A Teresa Paiva (Flautas, Tin Wistle, Gaita de Foles) e o Abílio Machado (Voz, Adufe, Outras Percussões)... Dois elementos do grupo original, cuja origem remonta a 1985/86...

O Abílio Machado com o ex-Alf Mil Sapador Luis R. Moreira (hoje reformado como professor do ensino secundário) e Júlio Campos, ex-Fur Mil Sapador, ambos da CCS / BART 2917... O Júlio, de rendição individual, chegará a Bambadinca em, Março de 1971, quando a malta da CCAÇ 12 faziam as maltas, aguardando o respectivo periquito


Em primeiro plano, o Humberto Reis, a Alice Carneiro... Na segunda fila, vê-se o Luis R. Moreira (CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/71, tal como o Abílio; gravemente ferido em mina A/C no dia 13 de Janeiro de 1971, tal como o António Marques, da CCAÇ 12) e o GG - Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71, baladeiro de Bambadinca, tal como o Abílio)


Uma agradável surpresa foi a presença do meu querido amigo e camarada António Marques (ex-Fur Mil CCAÇ 12) e esposa...


Uma grande alegria para o Abílio foi reencontrar em Lisboa, pela minha mão, um antigo colega de trabalho, da indústria farmacêutica, o José V. Oliveira (que veio acompanhado da esposa, Conceição; um casal nosso amigo, meu e da Alice).


Fotos e texto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados

Guiné 63/74 - P5984: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (26): Teixeira Pinto, Julho de 1971, no pico da época das chuvas

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 9 de Março de 2010:

Amigo Carlos Vinhal
Mais umas linhas para “Viagem à volta das minhas memórias”, que publicarás se assim o entenderes. Como sempre são “slides” que não se apagaram e de quando em vez se me projectam.

Um grande abraço para ti.
Um outro para a Tertúlia, que tem andado bastante calma e um tanto… intelectualizada!?
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (26)
Teixeira Pinto – Julho 71

Estávamos a entrar no pico da época das chuvas.


Recordo toda aquela canícula húmida que nos fazia destilar quase em permanência um suor que nos escorria pelo corpo, ensopava as roupas e por vezes nos toldava a visão como se de uma cascata se tratasse. Agarrava-se-nos ao corpo tornando-o peganhento q.b. e causava uma sensação desagradável de pele arrepanhada quando secava, nos colava as pálpebras e tapava os poros, fazendo-nos sentir pequenas picadas incomodativas que nos faziam desejar um belo banho ou uma boa chuvada que funcionasse como “chuveiro” e nos permitisse um “esfreganço” com o lenço “tropeiro “de 50 cm(?) de lado, que nos permitisse remover aquele melaço atraente a voadores !

Recordo quando as comportas dos céus se abriam ficando escancaradas, ver por vezes pessoal a aproveitar a chuvada que se abatia em grossas bátegas e tomar banho, muitas vezes de sabão e tudo!! Era bem melhor que o fazer de bidão e lata!! Aborrecido era quando o dilúvio se acabava sem contarmos e sabão ficava colado ao corpo!!

Recordo o andar em “perseguição”ou em “fuga” das chuvadas, uns tantos centímetros atrás ou à frente; dos arabescos escritos pelos relâmpagos na noite que criavam fantasmagóricos dançares da vegetação na mata que nos confundiam e nos faziam ver o inexistente; do ribombar dos trovões que em proximidade mais pareciam o troar de armas apocalípticas!

Recordo a voragem vampiresca da mosquitagem anafada, que conseguia pôr os nervos de qualquer um à flor da pele e que a mim, não fora o zumbido, pouco ou nada afectavam ; nesta zona (em Bula não senti) havia uma outra espécie de mosquitos pequeníssimos, (similar ao nosso mosquito da lenha(?)) que só encontrei na mata quando chovia e que, para alem do seu “zunir” enervante, se entranhava por toda e qualquer nesga aberta na roupagem parecendo que a furava, conseguia penetrar os abafos (cachecóis de rede) desferindo “ferradelas” causticas, mais parecendo mini queimadelas. Era tenebroso quando se emaranhavam nos cabelos e atacavam o couro cabeludo!!! Estes sim, afectavam-me verdadeiramente! Eram aos “milhões” naquelas noites chuvosas nas matas, interferindo na segurança!!!

Recordo as matas verdejantes do Balanguerês que palmilhei vezes sem conta e do Burné, onde para além de zonas arbustivas intrincadas e plantas de folhas (?) espinhosas que nos rasgavam a carne, havia os espaços viçosos e paradisíacos, convidativos a uma inviável boa soneca deitados num manto verdejante por debaixo das ramadas dos cajueiros ou afins, ouvindo a algaraviada da passarada com os seus cantares ao desafio - que por vezes servia de música de fundo à cena da passagem expectante e graciosa de uma frágil e elegante gazela que farejava os ares desconfiada, ou ao rastejar ou dormitar de uma qualquer cobra de grosso porte (surucucu ?) - e interrompido por um debandar repentino causado pelo nosso avistamento ou qualquer ruído mais forte por nós produzido, o que nos podia trazer consequências más !

Na mata, eram momentos em comunhão como estes que me faziam por vezes pensar no que andava ali a fazer, me aligeiravam a tensão e me faziam acreditar que o futuro podia não ser só o momento seguinte!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5784: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (25): O Puto não me largava

sexta-feira, 12 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Entrei no blogue depois de prometer ao Luís Graça que ia escrever toda a minha comissão em folhetim.
Está dito e confirmado na introdução do primeiro volume "Na Terra dos Soncó". Depois nunca mais parei, e ainda bem. Gente que desconhecia, aqui me tem batido à porta.

Foi graças ao blogue que cheguei à fala com o Henrique Matos Francisco, 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52. Em Missirá, naqueles idos de Agosto de 1968, os soldados falavam-me de Luís Zagalo Matos, um dos seus heróis, era o seu irã. Escrevi-lhe, pedi-lhe fotografias para as fazer chegar aos soldados de Missirá, mas também aos Soncó e aos Mané.

Com a publicação dos livros, vieram outros contactos. Por exemplo, o João Crisóstomo, alferes da CCaç 1439, estavam no Enxalé quando aqui chegou o Pel Caç Nat 52, fizeram a recruta entre Janeiro e Agosto de 1966, em Bolama, com o Henrique e os furriéis partiram para o Enxalé, ao tempo sede da companhia, que tinha pelotões destacados em Porto Gole e Missirá (Finete era um destacamento com um pelotão de milícias). O João Crisóstomo vive em Nova Iorque, o nosso país tem com ele uma dívida incomensurável (os principais jornais dos EUA, as grandes cadeias de televisão, apoiaram-no na defesa do povo de Timor e na preservação do património de Foz Coa, por exemplo), há uns tempos pediu-me notícias do Zagalo, acabámos por ir os dois visitá-lo na Casa do Artista, onde ele vive muito debilitado, depois de um tremendo AVC. E parti com ele para um encontro da CCaç 1439, a que se juntou algum Pel Caç Nat 52. Este encontro teve lugar em Coruche, no passado Sábado. Não escondi ao João Crisóstomo nem aos presentes que era para mim muito importante reconstituir estes nexos, em A Viagem do Tangomau (um livro que estou a organizar e que se irá centrar na Guiné que mudou a minha vida) esta história do Pel Caç Nat 52 será reconstituída no que me for possível.

O almoço** foi um turbilhão de surpresas. Fiquei ao lado do Jorge Rosales, foi ele quem em Bolama preparou os soldados do Pel Caç Nat 52. Fiquei em frente do João Neto Vaz, um dos furriéis do Pel Caç Nat 52 que ao fim de 20 meses de comissão apanhou uma senhora porrada e foi despachado para Catacunda, na região de Geba (Bafatá), onde foi capturado e metido numa prisão em Conacri, de onde foi libertado em finais de 1970, como é de todos sabido. Conheci também o Cunha que no dia em que pretendia ir a Bafatá tratar dos papéis para o casório, foi ferido gravemente num joelho, durante uma emboscada entre Xime e Amedalai.

A companhia dos madeirenses entrara na minha vida pelos relatos dos soldados, era um dos meus temas preferidos quando andava de noite pelos postos de sentinela, conversava com eles, enquanto olhávamos para o interior da mata, iluminada a petromax. Esta companhia ficou no Enxalé até Abril de 1967, seguir-se-á a CCaç 1661.

Depois, tudo mudou: Porto Gole passou a depender de Mansoa, Enxalé ficou provisoriamente na tutela do Xime, Missirá tornou-se no corpo estranho de Bambadinca, era a garantia de que as embarcações militares e civis podiam passar em Mato de Cão. No final de 1969, a situação alterou-se com o porto do Xime e o início da construção da estrada para Bambadinca. A CCaç 1439 era para mim uma reminiscência, vi o resto das viaturas desfeitas entre Mato de Cão e Missirá. Chegou o momento de conversarmos e de juntarmos as nossas histórias. Do que gostei mais foi exactamente revivermos as nossas experiências, procurando pontes, falando de gentes, de perigos, da nossa ingenuidade, daqueles que partiram.

É o Henrique Matos Francisco que tem obrigação de fazer o relato para o blogue. Limito-me a lembrar aos tertulianos que o meu mundo mudou graças a esta sociedade em rede onde é possível refazer vínculos, renascer estimas, fazer emergir novos afectos.

Junto algumas fotos do encontro.

Um abraço do
Mário



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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5980: Notas de leitura (77): Morrer de Vagar, de José Martins Garcia, um contista fabuloso (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 10 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5969: Convívios (114): 19º Encontro da CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67)

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5957: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (21): Não é que o Albino Silva é mesmo o moço da Gandra? (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P5982: O Xico pagou à Terra; à Terra pagaremos todos (José Brás)

1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil na CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 8 de Março de 2010:

Carlos amigo
Na sequência das notícias sobre o acidente com uma aeronave na pista do Ciborro, durante algum tempo chegou a pensar-se no interior da Tabanca Grande (e não só) que eu estaria envolvido nele*.
Isso bastou para que chovessem telefonemas e e-mails de camaradas que queriam saber de mim, e mesmo depois de esclarecido que não era eu mas um amigo e um conhecido, continuo a receber mensagens, agora reflectindo a tristeza por ter eu perdido um amigo, mas felizes (a vida é isto) por não ter sido eu.

Naturalmente que quero agradecer a todos esses camaradas e aos que não me contactaram porque souberam dos factos, e nada melhor do que o fazer através do blogue, se os camaradas editores assim o entenderem.

Voar não é uma exercício mais perigoso do que tantos outros que quotidianamente a maioria de nós pratica. Exige, sim, grande rigor no cumprimento de regras conhecidas dos pilotos no que se refere à máquina, ao espaço de operação e ao próprio piloto.
Entretanto, a rotina e a auto-confiança, por vezes, levam-nos a descurar partes das regras instituídas.
Outras vezes, sobretudo na fase pioneira da aviação ultraleve, abusou-se muito do conhecimento (ou da falta dele), indo para o ar apenas por gozo.

Do meu próximo livro, faz parte uma pequena abordagem a esta questão, e, também se os editores o acharem oportuno, ofereceria aos camaradas em antecipação, tal texto que, da guerra colonial tem apenas o facto de, escrevente e protagonista trágico, terem, em épocas e locais diferentes, protagonizaram essa parte da história pátria.

Obrigado a todos e um abraço fraterno.
José Brás


eu sou devedor à Terra
a Terra me está devendo
a Terra paga-me em vida
eu pago à Terra em morrendo


E nascemos todos com o destino trágico e inexorável, disse eu, incapaz de chorar a morte do Xico.
Nascemos, e ao primeiro vagido a conta-corrente agarra-nos, cola-se, determina a dádiva e a dívida.
É certo que não quantifica em meses ou anos a duração do aluguer ou o valor e o intervalo de cada prestação. A bem dizer nem cobra prestações.
Cada dia é uma hipótese de pagamento pelo total!

Nascemos (eu sou devedor à Terra), podemos morrer no dia seguinte, três meses depois, dez anos, trinta, oitenta... e a dívida mantém-se sem juros nem amortizações.
Morremos (eu pago à Terra em morrendo) de escarlatina, de sarampo, de coice de mula, debaixo do tractor, de enfarte, na estrada, no trabalho, nas férias, na mesma cama que nos viu sair do útero da madre.

Dizem alguns, mesmo sem provas, que temos o destino marcado na hora do nascimento. Dizem outros que cada ser humano é quem faz o seu destino no modo de andar por cá.
Mas a coisa é mais funda! Em verso se canta no Alentejo (e seguramente noutros lugares do mundo), que a Terra já me devia a mim (a Terra me está devendo), mesmo antes do dia das dores de parto da minha mãe.

Mesmo antes do acto de amor que me gerou, provavelmente, e se assim for, desde o começo dos dias do mundo, encadeando nascimento e morte de todos os que me antecederam no nevoeiro dos tempos.
Então, é a Terra que nos paga a prestações em cada dia de vida, em cada minuto, em cada vitória, em cada trambolhão.

Do valor da prestação se sabe apenas que é bom ou que é pobre se a mãe "teve um menino" ou "pariu um moço".
Da duração da dívida da Terra a cada um, só mesmo bruxos muito diplomados podem saber. Sabe-se apenas que a Terra paga (a Terra paga-me em vida) enquanto aqui andarmos e que se liberta da dívida quando saímos.
Afinal, simultânea e reciprocamente pagando cada qual, Terra e pessoa morrente, a sua dívida particular.
Acertamos as contas, diz-se.

Foi assim com o Xico. Como qualquer outro, poderia ter morrido nos dias todos que antecederam o momento em que ouviu pela primeira vez a palavra voar. Podia ter morrido no primeiro voo, no segundo acidente, no oitavo, no décimo segundo...
Pagou a dívida agora, não sei se ao décimo terceiro, se ao décimo quarto.
Pagou! Acertou as contas.

O Xico sabia muito pouco das leis da física que justificam o voo. O Xico sabia muito pouco de aerodinâmica, de performances, de estabilidade, das qualidades dos materiais de que se fazem as aeronaves.

O Xico nunca fez um curso de pilotagem. Teoria, voo; teoria e voo; voo e teoria...
Perguntava, suponho que perguntava. Ouvia aqui e ali, opiniões avulsas.
Podíamos dizer que o Xico foi um pioneiro da aviação.
Um pioneiro fora de tempo, é certo, sem cronómetro nem calendário, mas um pioneiro.

O Xico formou-se em cada queda, em cada hospital, em cada caranguejola que inventava para sair do chão, garantindo aos amigos que não gostaria de morrer de pneumonia na cama.
Alargou os dias esvoaçando. Esvoaçando e caindo; caindo e esvoaçando à volta das pistas, à volta de si próprio.

Não foi herói porque aqui chegou descoordenado da história dos aviões. Foi mais um anti-herói, anonimamente percorrendo os caminhos dos heróis mas sem glória nem proveito senão nos passos que ele próprio ensaiava, nos moinhos que derrubava.
Os irmãos Wright eram mecânicos de bicicletas e voaram numa máquina não muito diferente em qualidade de voo, daquelas que o Xico inventava.
Sobre as experiências dos irmãos Wright, sobre a sua coragem, a sua ingenuidade, os seus acidentes; sobre a doação de muitas vidas depois deles, se acumularam conhecimentos e tecnologia que nos permitem hoje, de modo seguro e cómodo, cruzar oceanos, ir à Lua e voar em Ultraleve.

O Xico foi um desses pioneiros.

Fora de tempo, é certo; em pleno triunfo da tecnologia; convivendo, paredes-meias, com essa tecnologia e sem poder gozá-la; ignorando-a e arriscando a vida em palpites e em suposições.
No empirismo alegre e puro de quem acabou de chegar e já está pronto para partir.

O Xico pagou à Terra!
A Terra pagou ao Xico.

À terra pagaremos todos, tu, Filipe, que quiseste coisa escrita e me encarregaste desta maluqueira, eu, teu funcionário pelo tempo da escrita e teu amigo até ao fim dos tempos, se é que tal coisa existe.

Amém.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5948: Blogoterapia (147): A notícia da minha morte foi um exagero: vão ter que continuar a aturar-me... (José Brás)

Guiné 63/74 - P5981: Tabanca Grande (208): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1971/74)

1. Mensagem de Daniel Matos* (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1971/74), com data de 3 de Março de 2010:

Caro Camarada
Conforme prometi, aqui estou a "pagar o ingresso" e a enviar as fotografias para formalizar a adesão à Tabanca Grande.
Junto também o prometido texto, em "word", reconhecendo que tem uma dimensão desapropriada para o blogue, mas vocês utilizá-lo-ão (ou não) como melhor entenderem.
Envio também mais duas fotografias (não tenho outras digitalizadas) que podem ajudar a ilustrar o texto: uma é a da messe de Gadamael, depois de receber obras de beneficiação já em 1973 (pouco antes de ser destruída... no mesmo edifício funcionava a secretaria e, por trás, as transmissões); a outra é de uma equipa de voleibol de "Os Marados" que é referida a 27 de Maio de 1973 durante o funeral do Cabo Telo, (corpo recentemente trasladado de Guidaje para o Paúl do Mar, Madeira).

A legenda (identificação da equipa) é a seguinte.
Equipa de voleibol de Os Marados de Gadamael (da esquerda para a direita): primeiro caboGabriel Telo, furriel miliciano António Quaresma (ambos falecidos), soldado condutor Albino Caldas, capitão miliciano Manuel de Sousa, furriel miliciano Daniel de Matos, furriel miliciano Ângelo Silva e alferes miliciano António Monteiro.

Qualquer coisa que falte, por favor contactem-me.
Cumprimentos
Daniel de Matos


2. Comentário de CV:

Caro Daniel Matos.
Não te dou propriamente as boas-vindas, embora te esteja a receber formalmente na Tabanca, porque tens já o estatuto de tertuliano desde Novembro do ano passado, quando foste falado num poste da série O Nosso Livro de Visitas*.

Podemos até lembrar:

Mensagem de 18 do corrente, do Daniel Matos, ex-Fur Mil da Companhia Independente, madeirense, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1971/74)

Caro Luís Graça,
Há pouco enviei um comentário para o blog, mas como não tenho a certeza de que a respectiva expedição se tenha realizado a contento, transcrevo-a por esta via.

Li, entretanto, a sua observação sobre um antigo convite que me fez para colaborar com o blog, escrevendo alguns testemunhos do tempo da guerra, nomeadamente sobre os Marados de Gadamael, e ao qual nunca cheguei a responder. Não foi por preguiça, terá sido por falta de disposição e de tempo, pois além da actividade profissional dedico-me a outras, não me sobrando muitas horas para a família, sequer.

Curiosamente, em tempos idos, uma dessas actividades foi precisamente a escrita, procurando passar para o papel uma espécie de "História da Companhia".

Porém, nos convívios anuais que efectuamos no continente (a 3518 era uma Companhia madeirense) fui verificando que um mesmo acontecimento era relatado por cada um de nós de maneiras por vezes bem diferentes e, não querendo fazer prevalecer o que os meus olhos viram e a minha leitura dos factos, resolvi alterar tudo para o campo da ficção, seguindo cada personagem outros caminhos, ao sabor da pena.

Isso veio a dar origem a um livro que estou agora a rever. Alguns contos foram publicados de forma avulsa, e premiados por alguns municípios. Mas como ficção pura, não creio que seja matéria que interesse ao blogue.

Também o meu amigo de longa data A. Marques Lopes, membro do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, já insistiu comigo para escrever e eu nunca correspondi a esse pedido. O mesmo agora o fez o ex-alferes Juvenal Candeias (da 3520, de Cacine).

Penso em breve libertar-me de algumas ocupações e, mal isso aconteça, prometo compartilhar algumas memórias convosco.

Cordiais saudações.
Daniel de Matos


Assim, este poste ficará, por assim dizer, para te conhecermos um pouco melhor antes de começarmos a publicar o teu texto com a História da tua Unidade.

Julgo que não preciso de muitas particularidades já que nos acompanhas há algum tempo e conheces alguns camaradas da tertúlia, como aliás afirmas.

Entre a data de envio desta tua mensagem, 3 de Março, e hoje, alguns dias passaram em absoluto silêncio, mas a demora deveu-se a um pico de trabalho e a alguma falta de tempo disponível. Vais desculpar, tenho a certeza.

Em nome da tertúlia, vai, direitinho para ti, um abraço.

Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5308: O Nosso Livro de Visitas (70): Daniel de Matos, ex-Fur Mil, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Vd. último poste de Daniel Matos de 24 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5879: Convívios (106): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 3518 (Gadamael e Guidaje, 1972/74), dia 15 de Maio de 2010, em Coimbra (Daniel Matos)

Vd. último poste da série Tabanca Grande de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5977: Tabanca Grande (207): Jorge Simão, de S. João da Madeira, ex-1º Cabo Escriturário, CART 2477, Cufar, 1969/71

Guiné 63/74 - P5980: Notas de leitura (77): Morrer Devagar, de José Martins Garcia, um contista fabuloso (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Para a semana “despeço-me” do José Martins Garcia*, tenho duas outras recensões em mãos. Venho novamente lançar um apelo a quem tem as obras do Álvaro Guerra e mas possa disponibilizar.

Faço o mesmo pedido para quem tem livros do Cristóvão de Aguiar, o grande nome da literatura da Guiné a partir dos anos 80. Agradeço antecipadamente a ajuda dos nossos tertulianos.

Um abraço do
Mário


José Martins Garcia, um contista fabuloso

Beja Santos

O crítico Álvaro Manuel Machado ao apreciar o grande livro que é “Lugar de Massacre” apõe-lhe os contos de “Morrer Devagar” como um prolongamento do romance. E são-no, de facto. O romance surgiu em 1975 (convém não esquecer “Katafaraum é uma nação”, publicado em 1974, é seguramente a primeira obra não visada pela censura onde se fala da guerra colonial), os contos “Morrer Devagar”surgem em 1979, tendo como chancela a Arcádia Editora. José Martins Garcia previne que o título tem a ver com o primeiro conto, a obra em si é miscelânea de diferentes intervenções onde uma parte significativa passa por histórias burlescas da Guiné.

Na nota biográfica, consta o seguinte: “José Martins Garcia nasceu na ilha do Pico e veio para Lisboa aos 15 anos de idade. Nesta cidade se licenciou em Filologia Românica. Andou na guerra, foi leitor de Português em Paris, ensinou na Faculdade de Letras de Lisboa, foi director-adjunto do Jornal Novo e até militante do Partido Socialista, do qual se demitiu por fastio invencível. Tem colaborado em vários jornais e revistas: República, A Capital, Jornal do Fundão, A Luta, Diário de Notícias, Colóquio Letras, Vida Mundial. Presentemente não pratica nenhuma religião, não adere a nenhum credo político, não perfilha qualquer sistema filosófico nem apoia qualquer imobilismo estético”. Foi depois professor nos Estados Unidos e ensinava na Universidade dos Açores em 2002, quando faleceu.

Atrevo-me a dizer, até prova em contrário, que o melhor conto escrito sobre a Guiné, por um combatente, se intitula “As suspeitas de um bravo capitão”. Antes de passarmos ao seu conteúdo e a outros contos deste ilustre escritor açoriano desaparecido em 2002, convém recordar que José Martins Garcia se movimenta agilmente entre o paranóico e o demencial, entre o burlesco e o corrosivo, entre a paródia e a pantomima. O chamado antigo combatente tem por vezes dificuldades em aceitar a derrisão, o pandemónio e as construções alucinantes em torno da descrição da guerra. Goste-se ou não, são os muitos os escritores que abrem mão da pilhéria e do grotesco para sulcar ainda mais fundo os enredos de non sense. Martins Garcia é um artífice da escrita carregada de vitríolo e doidice metafórica. Como sobejamente comprovam estes contos.

“As suspeitas dum bravo capitão” abre e engana-nos pela atmosfera de normalidade: “Com a chegada do mês de Dezembro, a situação melhorara a olhos vistos. Os tornados rodopiantes e lamacentos haviam cedido o lugar a uma viração seca, quase apetitosa, que parecia limpar da planura guineense aquele fedor alagado onde se misturava à erosão um subtil, talvez moral, cheiro a cadáver.

Na vila de Catió, lá para o Sul, onde a mosquitagem crescia delirante na estação das chuvas, o batalhão de caçadores tinha agora um novo comandante, o tenente-coronel Galvão, um ser tratável, quase bondoso, um tanto sentimental, um tudo-nada neurasténico antes de se lançar nos uísques. O antigo comandante, o insuportável tenente-coronel Barradas, cuja paranóia crescera na proporção directa do entupimento dos tímpanos, havia sido afastado do activo, finalmente”.

Depois o escritor descreve a população de Catió, os comerciantes, o administrador, o enfermeiro e o agente da PIDE, bem como o técnico da central eléctrica. Os fulas vivendo em Priame, sob autoridade feudal de João Baker Jaló, alferes de segunda linha. Os nalus tinham desertado, ficaram os balantas. No início da guerra, a estratégia passara pela dispersão e fragmentação das tropas; tendo-se revelado desastrosa, o novo comando mandou recolher a Catió as tropas. O autor descreve a situação: “Para aboletar todo este pessoal belicoso, o quartel expandiu-se pelo povoado. Os militares ocuparam tudo o que possuísse tecto, desde casas meio arruinadas até às moradias de comerciantes que, alertados pelos primeiros rumores do invencível terrorismo, rapidamente se haviam transferido para regiões de mais densa população branca, nomeadamente Bissau e Bafatá”. Os ataques eram escassos em Catió, mais frequentes em Bedanda, Cachil e Ganjola. Sendo possível concentrar em Catió todo o batalhão, este voltou a dispersar. Foi de Catió que partiu a expedição sobre o Como, que o escritor açoriano assim averba:

“O ataque à ilha de Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado pelos cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em casos de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas... a Força Aérea cumpriu o seu dever, descarregando sobre os objectivos o arsenal estipulado. Para nada! Os abrigos subterrâneos da ilha do Como, construídos, dizia-se pelos soldados do Hitler, em certa fase da Segunda Guerra Mundial, resistiam bem a qualquer bombardeamento, não só devido à cortina natural da vegetação como pela consistência do material, coisa alemã, coisa inexpugnável, ali mandada cavar pelo Hitler... Depois da Força Aérea, coube a vez à Artilharia, ali classicamente postada para cobrir o avanço da Cavalaria. A Artilharia cumpriu a sua missão, despejando sobre a ilha sinistra a quantidade estipulada de material ardente, sem grande precisão, aliás, pois o alvo flutuava nessa latitude onde as marés esticam e encurtam a terra em vários milhares de quilómetros quadrados. A Cavalaria entrou nas lanchas da Marinha e, sob a protecção da Artilharia, escorregou para o lamaçal desconhecido. A Infantaria, finalmente chamada a reconquistar com seu pé clássico o terreno rebelde, saltou no vazio, atolou-se, afundou-se, emaranhou-se e alguns dos nossos mais bravos soldados crucificaram-se a si mesmo no matagal.

E então o inimigo invisível foi abatendo misericordiosamente os feridos, enquanto a Marinha dava por cumprida a delicada missão, a Artilharia cessava a actuação segunda bem conhecidas regras e a Cavalaria jazia em veículos inoperantes. Havia muito que a Força Aérea despejara seus inócuos carregamentos, pois a noite caíra, repentina, e só os moribundos, sem cronista de serviço, se esvaiam sobre a lama que o tempo não guardou”. Dois anos depois, o exército instalou-se no Como, em Cachil, sem se perceber lá muito bem a função. O quartel passou a ser uma permanente ameaça de desterro. Martins Garcia prepara assim a sua trovoada pirotécnica:

“Foi quando chegou a Catió, em escala para Bissau o doente capitão Lourenço, ex-comandante efectivo do Cachil. As suas faces chupadas não excluíam de forma alguma a hipótese de doença ruim... o comandante Galvão apressou-se a enviar para Bissau o hóspede impertinente, “para ele se curar”. Do Cachil não vinham nem bons ventos nem bons hóspedes, nem sequer boas notícias. A última irregularidade cometida por essas bandas rezava da alquimia operada no interior de um barril, cujo conteúdo vínico se revelara água. O comandante Galvão abominava as pequenas trapaças tão frequentes na carreira que escolhera. E, por pensar em reabastecimentos, fez-lhe espécie, pela primeira vez, o facto de o capitão Clemente, oficial de Cavalaria, se ter enconchado na manutenção, superintendendo na batata, no vinho, no arroz, no bacalhau, como se fosse um desses da Administração, um “padeiro”. O capitão Clemente empalideceu quando soube da decisão do tenente-coronel Galvão: mandá-lo para o Cachil, na qualidade de comandante interino, encarregando-o, mui honrosamente, de apurar a verdade acerca da transformação do vinho em água, alquimia tanto mais escandalosa quanto invertia a regra dos Evangelhos.

– Mas, meu comandante – gaguejou o capitão Clemente – logo agora, que a minha mulher veio para cá...

– Mas você fica lá só uns dias, homem! Há meses que não se ouve um tiro para aquelas bandas... a situação melhorou é o que toda a gente diz.

O capitão Clemente partiu desmoralizado e começou a portar-se mal diante da escolta que o acompanhou ao cais, chegando ao ponto de gemer de voz embargada:

– Agora é que não torno a ver a minha mulher nem os meus filhos...

Ao cair brusco da noite, encontrava-se no seu novo e miserável posto de comando, enclausurado pelo arame farpado, remoendo angústias, ao centro do improvisado quartel: um abrigo subterrâneo com duas toscas divisões, uma saleta quase desmobilada, separada do quarto por uma vedação de bambu mal entrançado... Mais tarde quando deu as boas noites aos alferes e se fechou no quarto, voltaram-lhe à memória as fábulas incertas, tão incertas quanto divulgadas em terras da Guiné: dezenas de mortos e feridos: a Cavalaria a atolar-se, a Artilharia a esquivar-se, a Infantaria a imolar-se. Às duas da manhã, porque era preciso poupar combustível, as lâmpadas extinguiram-se e a geradora deixou de arquejar. O capitão Clemente chamou a sentinela e recomendou-lhe vigilância; que não abandonasse a porta da tabanca. A sentinela limitou-se a acenar afirmativamente. Que imbecis! E as latrinas haviam mergulhado no escuro, lá para o outro extremo. Que criminosos! Nem havia uma privada para uso privado do comandante.

O capitão Clemente começou a sentir dores de barriga. Tinha medo, é certo; mas a causa daquelas cólicas devia ser o mau estão do jantar: uns feijões embrulhados em farrapos de carne duvidosa... o capitão Clemente dormiu pessimamente, revolvendo-se na cama dura, sentir atolar na água negra do canal. Muito cedo, a passarada desatou a chilrear. O Sol, finalmente, viria trazer-lhe um pouco de alento, depois do horrível negrume daquela noite memorável.

O capitão espreitou por uma nesga da porta e avistou a sentinela. Com um berro indignado, onde perpassavam a aspereza e o peso do comando, mandou que o militar se aproximasse:

– Entra, que temos de conversar!

O soldado mal abria os olhos atordoados, pois acabara de render um camarada:

– Estás a ver aquilo, pá?

Hirto, solene, o capitão Clemente apontava um canto do quarto, onde alguns cagalhões se cavalgavam.

– Põe-te em sentido! – uivou a indignação do bravo capitão Clemente.

O soldado obedeceu, boquiaberto.

– E agora – rematou o bravo capitão, mais que fera – responde! Quem foi o filho da puta que fez uma coisa destas?

Não fica por aqui o chocarreiro virulento, de Martins Garcia, há mais contos para contar, em “Morrer Devagar”.

(Continua)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5924: Notas de leitura (72): Lugar de Massacre, de José Martins Garcia (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 8 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5952: Notas de leitura (76): Kikia Matcho, de Filinto de Barros (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5979: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (14): O acampamento na Mata dos Madeiros: um buraco no meio do nada

1. Mensagem de José Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 5 de Março de 2010:

Caro e amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás a continuação do meu roteiro por terras da Guiné.
Neste caso pela Mata dos Madeiros, onde os corpos se confundiam com a terra vermelha. Foi um tempo difícil para nós.
Aqui, nesta mata, aprendi o verdadeiro sentido das palavras camaradagem e amizade, comando e comandados.

Hoje, trinta e sete anos depois, continuo a recordar a cartilha de então.

Para ti e para todos os camaradas, com muita amizade, um abraço.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (14)

O acampamento na Mata dos Madeiros: um buraco no meio do nada


A Mata dos Madeiros não era mais que uma faixa de terreno que dividia as matas da Caboiana e do Balenguerez. Foi nesta mata, na estrada velha, tipo picada, que o General Spínola ter-se-ía encontrado com os gurrilheiros do Chão Manjaco, no processo que levaria a uma possível entrega daqueles, o que não veio a verificar-se. Esse processo, como sabemos, acabou com a morte de três majores e um alferes.

Entre aquelas duas míticas matas, avançava a nova estrada Teixeira Pinto/Cacheu. A CCaç 3327 era uma das forças de intervenção do CAOP 1, então em Teixeira Pinto. Durante a nossa intervenção na estrada, contámos com a protecção afastada de uma força da Companhia de Caçadores 2791, da Companhia de Comandos 26, do Destacamento de Fuzileiros 13, e de uma força da Companhia de Caçadores Pára-quedistas (se a memória me serve bem era a 122, ficando sujeito a correcção).

Localização da estrada Teixeira Pinto/Cacheu

Passada que foi a primeira noite, em plena Mata dos Madeiros, à guerra com os mosquitos, o amanhecer veio-nos mostrar aquilo que seria a nossa vida a partir daquele momento.

O acampamento, um buraco no meio do nada, não era mais que uma terraplanagem em rectângulo sensivelmente do tamanho de um campo de futebol. A protecção física do acampamento era formada por duas grandes barreiras de terra feitas com as máquinas da companhia empreiteira da obra. Era o que tínhamos!


Foto 1 > Um aspecto de um dos acampamentos da CCaç 3327 na Mata dos Madeiros. Ao fundo, na barreira de trás e da frente já é possível verem-se alguns postos de sentinela prontos, e um em construção (em primeiro plano). Ao fundo, a tenda grande era a cozinha de campanha. Na frente, na tenda da esquerda estava montado o Posto de Transmissões com a antena montada na frente. A tenda mais pequena resguardava a água potável (?) do sol. A tenda a seguir era o Posto de Comando (Cap. Rogério Alves).
O arvoredo ao fundo seria mais tarde cortado com a passagem da estrada junto à entrada para o acampamento.


Logisticamente, as nossas malas continuavam aos montes por todos os lados, as barracas continuavam por montar, e tínhamos que dar início às primeiras necessidades de sobrevivência. Havia que definir o plano e implementar a defesa próxima do acampamento, montar as antenas de transmissões, montar a cozinha de campanha, preparar os piquetes para o corte de lenha e escoltas ao Bachile para reabastecimento de água, pão e correspondência, e possíveis evacuações de doentes e feridos. Depois houve que definir os grupos a seguir para o mato na defesa afastada do acampamento, picagem da abertura da estrada e defesa próxima das máquinas. Os arranjos dos postos de sentinela, a preparação de um local que servisse para montar barris com água para higiene, o espaldar para o morteiro 120 e a localização da Capela ao Sagrado Coração de Maria também foram enquadrados.

Foto 2 > Pormenor desta fotografia: a boa disposição dos soldados António Cardoso, Silvestre Júnior e Avelar Ventura, todos da minha Secção. Não consigo identificar o indivíduo de camisa branca. Cada uma destas instalações(?) albergavam uma equipa.

Como missão principal, tínhamos a protecção da estrada que estava a ser construída entre Teixeira Pinto e o Cacheu, e dos cerca de 800 africanos que procediam ao corte do arvoredo no itinerário por onde passava a estrada.

Essa missão seria assegurada da seguinte forma: dois (2) grupos de combate permaneceriam fora do acampamento durante 24 horas a fazer a segurança afastada à estrada e ao acampamento. Dos outros dois grupos, um faria a picagem à estrada e montava segurança próxima às máquinas que trabalhavam na mesma até cerca das 18:00 horas, e o outro mantinha a segurança do acampamento, providenciava a lenha para a cozinha, e fazia as deslocações ao Bachile e, se necessário, a Teixeira Pinto. Cinco secções destes dois grupos faziam a segurança nocturna ao destacamento. Cada posto de sentinela era assegurado por três soldados. Perante este cenário, cada secção tinha, na generalidade, um descanso nocturno ao fim de 12 dias de serviço constante.

Foto 3 > Pormenor da vala onde, muitas vezes, se perdia a paciência à espera de um ataque. Ainda não são visíveis os abrigos

O sucesso da nossa missão dependia muito da disciplina e do respeito, mas sobretudo da compreensão e da entreajuda entre todos. Ali, os salamaleques não eram o mais importante, mas cada um sabia exactamente qual era o seu lugar na hierarquia militar e o papel que desempenhava. A alegria e a camaradagem voltaram ao seio do pessoal pelo simples facto de estarmos fora daquele pesadelo chamado AGBIS. Aqui, na Mata, naquilo que nos competia, nós éramos donos do nosso destino.

Sabíamos que tínhamos uma boa companhia. Agora competía-nos comprovar isso mesmo.

Foto 4 > José Câmara (e a sua Secção preparando um abrigo) A. Ventura (com arma), Cabo Silva (com a pá), Serpa (pequenino), Cabo Leonardes, Serpa (grande) e Massa.

E pusemos mãos à obra!

Com a chegada e a ajuda dos capinadores, começámos a montar o aldeamento da Mata dos Madeiros. As canas de bambu e folhas de palmeira foram o material preferido dos engenheiros da obra. Os aposentos primavam pelas linhas rectilíneas, portas largas e o ar condicionado era providenciado pelas gretas entre folhas de palmeira. As camas de estilo contemporâneo, insufláveis, aos poucos se foram abatendo, acabando por ficarem espalmejadas no barro vermelho da área. Com o andar das semanas, aquele barro acabou por ficar moldado com o nosso corpo.

Foto 5 > José Câmara > Um pormenor do meu sumptuoso aposento. Como nota a limpeza das nossas miseráveis instalações!

Deixem-me ler-vos ao que então escrevi à minha madrihna de guerra.

Carta de 10 de Abril, 1971 (a última vez que escrevera tinha sido a 1 de Abril, ainda de Bissau):

Já me encontro no mato, num acampamento em que as barracas são em folha de palmeira. Dorme-se em colchões, tipo praia, deitados no chão. Connosco também temos cerca de 800 africanos. Entre eles, possivelmente, haverá alguns turras. A alimentação é muito à base de ração de combate.

De vez em quando, vamos para as valas esperar um ataque. Para a lenha vamos com um machado numa mão e a espingarda na outra. Temos que fazer escoltas, rondas nocturnas, e evacuações de doentes. Para as necessidades fisiológicas, só mesmo de espingarda. Dia sim, dia não, vou para o mato.

Enfim, esta é a história de um dos muitos militares que se encontram na Guiné. Não é melhor nem pior... tudo o mesmo. Defender algo que nem sei se valerá a pena.

Ainda não sei o que são tiros...


Foto 6 > Na minha Secção todos os trabalhos eram feitos em conjunto. Aqui estou cavando e ajudando a montar os pilares onde seriam colocados os bidões (em sistema de vazos comunicantes) de água para chuveiro.

No Sábado de Aleluía, 10 de Abril de 1971, pelas 11 horas da manhã, fazia a minha primeira saída de 24 horas. Essa saída ficar-me-ía na memória. Porque era a minha primeira grande saída, e porque foi cometido um erro que nos poderia ter ficado caro.

Coisas de periquitos!

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5862: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (13): Um buraco no inferno da Mata dos Madeiros

Guiné 63/74 - P5978: Mais casos de insubordinação no teatro de guerra: CCAÇ 5, Canjadude, 25 de Novembro de 1969 (José Corceiro)

1. Comentário de José Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5, Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71), ao poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5972: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (3): O Cap Patrício, a CCAÇ 15, dois casos de insubordinação e ainda o Cherno Baldé

Caro José Cortes


Na CCAÇ 5, dia 8 de Novembro de 1969, houve uma rebelião de todos os militares nativos, [os quais] abandonaram o Aquartelamento de Canjadude em direcção a Nova Lamego. A cadeia hierárquica foi posta em causa pelos militares Africanos… e que trabalhão!

No dia 25 de Novembro de 1969, por volta das 23.30h, um cabo metropolitano quebrou a ordem estabelecida e,  de G3 em punho, foi ao abrigo do Capitão (comandante da companhia),  desafiando-o com todo o tipo de provocações, a gritar que o queria matar ali fora,  à vista de todos.

Um abraço

José Corceiro
 
2. Comentário de L.G.:
 
O José Martins, ex-Fur Mil Trms, dos Gatos Pretos, CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70) (*), confirmou-me esta noite, ao telefone,  esta história. Ele também esteve implicado nos acontecimentos (ou foi apanhado por eles, por tabela).  Confirma que houve uma insubordinação, e que o pessoal africano só terá regressado ao quartel sob a ameaça dos T 6... Não sei se  estamos a falar do mesmo caso... Vamos ter cautela com o uso (e o abuso) dos detalhes... Espero que ele, por escrito, nos diga mais pormenores...
 
 Já aqui falámos também do caso de Paúnca (**), contado pelo J. Casimiro Carvalho, com a grave insubordinação dos soldados africanos da CCAÇ 11 (Os Lacraus de Paúnca) que expulsaram, do aquartelamento,  os graduados e especialistas, de origem metropolitana... Estamos a falar no pós-25 de Abril. Mas terá havido seguramente mais casos, no Teatro de Operações da Guiné, com tropas quer metropolitanas quer do recrutamento local... O nosso blogue fica aberta a outros comentários, depoimentos, histórias, etc., sobre este tema até aqui pouco explorado (e delicado).
 
_____________
 
Notas de L.G.:
 
(*) Sobre a CCAÇ 5, temos mais de 30 referências (sem contar  com a I Série do blogue, que não está indexada: Vd. postes do José Martins e do João Carvalho. Procurar por exemplo por Canjadude, na I Série do Blogue)

(**)  25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Guiné 63/74 - P5977: Tabanca Grande (207): Jorge Simão, de S. João da Madeira, ex-1º Cabo Escriturário, CART 2477, Cufar, 1969/71




Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 2477 (1969/71) > Vista aérea de Cufar...


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 2477 (1969/71) > O 1º Cabo Escriturário Jorge Simão



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 2477 (1969/71) >  O Jorge Simão junto ao edifício da secretaria (?)... Várias companhias por aqui passaram, além da CART 2477:  CCAÇ 763, CCAÇ 1621, CART 1687... Temos alguns camaradas pertencentes a duas destas unidades de quadrícula: Hugo Ferreira Moura (CCAÇ 1621) e  Mário Fitas (CCAÇ 763)...

Fotos: ©  Jorge Simão (2010). Direitos reservados



1. Mensagem do novo membro da nossa Tabanca Grande (*), Jorge Simão, residente em São João da Madeira, ex-1º Cabo Escriturário, CART 2477, Cufar, 1969/71:

 Assunto: pela primeira vez o meu contacto

S.João da Madeira, 5 de Março de 2010

Amigos e companheiros de Guerra, depois de algum tempo que ando aqui a "espreitar" o vosso blogue, sempre resolvi escrever para vocês, mas antes de mais vou-me apresentar:

Sou Jorge Augusto Simão, da Rua dos Viajantes, 214,  1º-Esq., 3700 - 303 S. João da Madeira, fiz parte da CART 2477 do BART 2865 e foi colocado em Cufar e o Batalhão em Catió (foi para a Guiné em Fev / 69 até Dez /70, mas eu ainda aguentei em Bissau até Fev 71, era 1º Cabo Escriturário).

Vou enviar umas fotos em Cufar, mas como é a primeira vez que escrevo, fico-me por aqui, espero umas dicas do Luis Graça, porque espero que este contacto seja o mais correcto. Numa próxima vez escreverei mais em pormenor alguns acontecimentos passados na Guerra.

Um abraço grande deste camarada e combatente da guerra da guiné.

Jorge Simão

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Jorge:  Em primeiro lugar, põe-te à vontade. Uma vez que já nos "espreitas" há uns tempos, sabes bem que aqui, na nossa Tabanca Grande, ninguém bate a pala a ninguém, respeitamo-nos uns aos outros, é certo, mas tratamo-nos por tu como camaradas que fomos e continuamos a ser...

Não tenho nenhumas dicas especiais para te dar, as nossas regras de convívio são públicas (e respeitadas...), e o que me resta para te dizer é apenas isto: Sê bem vindo, Jorge. Abanca aí, debaixo do nosso poilão, respira fundo, gere as tuas emoções, conta-nos as tuas histórias de Cufar, manda-nos as fotos que achares terem algum valor documental...

Obrigado por teres "ousado" contactar-nos. És, slavo erro, o primeiro camarada da tua companhia a ingressar na nossa Tabanca Grande, o que muito nos honra e te honra a ti, também... O próximo qu entrar já é periquito à tua beira...

Espero poder vir a conhecer-te pessoalmente em breve (por que não, no dia 19 ou 26 de Junho próximo, em Monte Real, no nosso V Encontro Nacional ?). Até lá, vai escrevendo.

Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Sobre Cufar tens cerca de 110 referências no nosso blogue (II Série)... Clica aqui.

___________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5898: Tabanca Grande (206): Agostinho Gaspar, de Alqueidão, Boavista, Leiria, ex-1-º Cabo Mec Auto, 3ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5976: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (11): Pilão, a visita obrigatória

1. Décima primeira história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 8 de Março de 2010.

Notas soltas da CART 643 (11)

Pilão, uma visita obrigatória

Quem não se lembra do célebre Bairro do Pilão, junto às bombas de gasolina da SACOR.

Bairro situado à saida da cidade de Bissau, junto à estrada para Bissalanca, problemático pois diziam esconder elementos inimigos, que não era difícil porque eles não estavam rotulados, eram iguais em tudo aos restantes residentes.
Estas afirmações têm fundamento, na medida em que em certa altura houve um incêndio de grandes proporções, que se assistiu ao rebentamento de munições e granadas.

Mas não estou escrevendo estas NOTAS SOLTAS para contar o que foi o Pilão, todos nós o sabemos de sobra, mas sim para narrar uma cena que poderia ser fatal para mim.

Certa noite, sendo eu ainda muito "maçarico", tendo talvez pouco mais de um mês de Guiné, e sendo o Café Bento na avenida principal o meu local preferido para depois de jantar, fui abordado por dois ex-combatentes, solicitando a minha permissão para se sentarem nas duas cadeiras junto à minha mesa, já que estava a esplanada cheia.

Claro eu respondi-lhes afirmativamente e de imediato os três bebemos umas cervejas frescas. Eles eram sobejamente conhecidos, um o Fuzileiro de alcunha "Mouraria" e o outro o Pára "Braga", dois elementos que desde logo me pareçeram uns camaradões, mas que mais tarde vim a saber serem individuos complicados no aspecto disciplinar, estavam sempre prontos para a pancada por tudo e por nada.

Entretanto e depois das cervejas, fui convidado por eles para uma visita ao Pilão, havia lá um bailarico com mornas e coladeras e claro, material feminino.

Lá fomos entusiasmados pela juventude dos 23 anos, de facto era verdade e a nossa integração no bailarico foi imediata.

Entretanto o Mouraria arranja logo um desaguizado com um elemento cabo-verdiano que dançava com uma guineense de alcunha "a muda". O nosso amigo queria a toda a força dançar com ela, e palavra puxa palavra, empurrões à mistura e rapidamente passaram à agressão fisica.

Os amigos do cabo-verdiano, cerca de 20, igualmente entraram na luta, assim como o Braga e claro logicamente eu também. A desvantagem como facilmente se percebe era abismável e os dois com conhecimento de sobra, tanto da nossa desvantagem como do terreno para uma fuga com êxito, não esperaram e evaporaram-se em segundos. Eu não tive alternativa, fugi também e rapidamente, sem saber para onde ir, e depois de andar deambulando pelos becos com uma noite com escuridão total, decidi esconder-me debaixo de uma "casa", pois elas estavam implantadas sobre pilotis de madeira.

Depois de uns minutos que me pareciam horas, porque ouvia e sentia que era perseguido por um grupo numeroso, pelas vozes e barulho, aproveitei um silêncio repentino e saí, e eis que senti um pouco mais à frente uma mão no meu braço e uma voz dizendo:
- Oh meu Furriel,  venha já comigo.

Senti que era um amigo e segui-o rapidamente, finalmente estava a umas escassas dezenas de metros da estrada principal. Quem me ajudou, estava presenciando a cena de longe, conheceu-me porque eu tinha sido seu instrutor em Santa Margarida uns meses atrás.

Serviu-me de lição, primeiro não me meter em terrenos desconhecidos, segundo saber escolher os companheiros de farra.

RC
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

Guiné 63/74 - P5975: Convívios (202): 32.º Convívio Anual da CART 2519 “Os Morcegos de Mampatá”, vai decorrer em 08 Maio 2010 - Odemira (Mário Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos uma mensagem, anunciando a festa anual da sua Companhia:



CART 2519 “OS MORCEGOS DE MAMPATÁ”
32.º CONVÍVIO ANUAL
08 de Maio de 2010



Camaradas,

O Convívio Anual dos "COIRÕES DE MAMPATÁ", realiza-se em São Teotónio (Odemira).

Às 10h30 - Concentração das tropas, que está prevista para o Campo de Futebol de São Teotónio.

Às 13h00 - Almoço que terá lugar no Grupo Desportivo "O Renascente ".

A Ementa é a tradicional: As habituais Entradas, seguindo-se os pratos de Peixe e Carne, e, após uma Sobremesa, remataremos com um café e o digestivozinho da ordem.

O Bar estará sempre aberto.


A organização está a cargo do nosso Camarada Rosca Moída, cujo telemóvel é: 961 141 187.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5954: Convívios (113): Pessoal do BCAÇ 3872, dia 1 de Maio de 2010, em Cabeçudo - Sertã (Juvenal Amado)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador, Seco Camará

1. O Velho Picador, mais um texto para a nova série Ao correr da bolha, enviado por Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), em mensagem do dia 2 de Março de 2010:


Ao Correr da Bolha - III

O Velho Picador


Vi num “Poste” uma foto do velho Seco Camará. Senti saudades dele. Senti saudades de ter menos quarenta anos e, com ele e um grupo, voltarmos a ir ao Poidom, a fazer as “operações” de outrora, parando em “grande alto” para descansar e comer a ração. Diria então o velho Seco, caso a ração dele fosse contemplada com polvo ou lulas:
- Alfero,  rabo de rato, troca pelas tuas sardinhas.

Eu ria e trocava. Comíamos e conversávamos e eu com ele ia aprendendo, não a arte da guerra, mas só a guerra naquele bocado da Guiné que ele, velho mandinga, conhecia como a palma de suas mãos.

Há quantos anos? Desde o inicio, há cinco ou seis anos atrás. Que pensaria ele de nós que íamos e vínhamos à cadência de um ou dois anos? Não sei. Era um velho guerreiro, colaborador das NT ou Nossas Tropas. Morreu, talvez menos de dois anos depois, nem tanto. Voou para o Paraíso dos Mandingas, o velho Seco Camará.

Antes a morte em combate que teve, do que o abjecto e cobarde pelotão de fuzilamento dos libertadores. Quantos amigos meus, como o Seco, passaram por isso?! Quantos? Homens que foram auxiliares das NT e ingloriamente assim desapareceram.

Que fariam eles, durante a guerra, se não andassem connosco? Iam para a guerrilha. Mesmo estando connosco,  quantos em nós acreditariam? Quantas reservas poriam à nossa actuação, à nossa presença e, se colaboravam, quantos não o faziam contrariados com certos militares nossos.

Lembro aqui o caçador Lhavo. Homem grande, olhar e porte altivo, vestimenta muçulmana. Era o meu guia preferido. Não facilitava os pedidos para colaborar. Lembro que foi ele a encontrar o acampamento do Mamadu Indjai. Não queria ir. Naquele fim de tarde falei com ele pausadamente, o Capitão afastado a observar e o Lhavo a entender o que eu lhe dizia. Depois olhou-me e calmamente disse:
- Amanhã ao nascer do Sol vem a Afiá, agora vai para Candamã.

Assim foi feito e com bons resultados.

O Lhavo uma vez ficou aborrecido comigo. Regressávamos da [Op] Lança Afiada, manhã a nascer,  e avistamos uma vaca de mato. Ele queria atirar. Fiz-lhe sinal que não. Baixou a arma e já em Mansambo disse-lhe o porquê. Compreendeu e apertamos as mãos. Talvez se tenha aí cimentado mais a nossa amizade.

Esta gente das Tabancas é que para mim foi, e ainda hoje é, o Povo da Guiné.

Um outro homem diferente mas por quem tinha amizade, o António Bonco Balde, régulo em Candamã, Alferes de 2º Linha (nunca o vi vestido de militar), homem criado numa Missão, empregado em Bissau e regressado a Candamã após a morte do pai. Homem de múltiplos saberes e com ele aprendi muito. Miúdo alferes de 23 anos e Fula, talvez, de quarenta e…homem bom.

Só um breve episódio.

Estava com o meu grupo em Candamã e Afiá, tabancas em auto defesa. Um dia de Afia informaram que faltavam muitos homens. Já sentíramos isso em Candamã. Falamos com o Régulo António Bonco. Ele disse já saber e que eu tinha que compreender. Os “tchãos” não davam o suficiente para alimentar as famílias. Conversamos bastante e agora resumo em breves palavras. Dizia ele:
- Os homens vão para a apanha da mancarra no Senegal. O pior é que quem os leva,  ganha dinheiro, quando regressam quem lhes faz o câmbio ganha dinheiro e eles nem metade do que ganharam trazem.

Fiz um relatório sobre essa exploração, os lucros de comerciantes sem escrúpulos, o silencio da Administração e, se as Informações militares de nada sabiam…ou sabendo…até porque assim cada vez se desguarnecia mais a defesa das tabancas. O Régulo fez questão de assinar também. Foi o relatório enviado à Companhia, o Capitão levou ao Batalhão e este ao Agrupamento.

Sempre se passou algo mas depois fez-se silêncio. Antes do silêncio foram-nos entregues sacos de arroz para distribuir, equitativamente, pela população. Assim não se resolve nada,  dizia o Régulo e eu… história encurtada, inacabada e a merecer tratamento duro nesse tempo.

Quem aos inimigos, perdoa às mãos… pois!

Curiosamente, dizem, se bem me lembro, que o Comandante do BCaç 2852 e um Capitão foram molestados, digamos assim, após o ataque a Bambadinca. Os civis ou a administração civil teria algo a ver com isso? Certamente que não! E que interessa isso agora? Nada!

Será que os homens das tabancas continuam a serem explorados? Certamente que não!
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5958: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (2): SPM 4758

Guiné 63/74 - P5973: Memória dos lugares (74): Fotos de Bedanda (Vasco Santos, 1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda - 1972/73)





1. O nosso Camarada Vasco Santos, ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6, Bedanda - 1972/73 -, com data de 10 de Março de 2010, algumas das fotos do seu álbum de memórias:



Bedanda
Memórias

Eu, com o meu amigo Filipe (de Transmissões). Esta foto era uma daquelas que enviávamos para o jornal “A Voz da Guiné”, a fim de ali serem publicadas, pois havia um apartado reservado para os "castiços" das companhias. A foto destinava-se a ser impressa com a legenda: “Os castiços de Bedanda”.

Aqui estou eu e o nosso querido amigo, Dr. Mário Bravo. Pode ser que agora ele se lembre de quem é o cripto que está na primeira foto publicada no poste P5801 (da sua autoria), em 11 de Fevereiro de 2010.

A equipa de futebol de praças (Bedanda 15FEV1972)

Eu, na Tabanca, com a tia Djaló, avivando memórias para que alguns ex-Camaradas possam relembrá-la.

As bajudas de Bedanda (1972).
Um abraço,
Vasco Santos
1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6

Emblema da colecção pessoal: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.___________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

11 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5801: Memória dos lugares (69): O isolamento de Bedanda (Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72)