sábado, 20 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6023: FAP (49): Saudável Convívio, na BA12, Bissalanca, em 1968, entre malta dos 3 ramos das Forças Armadas (Vitor Oliveira)

1. O nosso Camarada Vitor Oliveira (ex-1.º Cabo Melec da FAP - BA 12, 1967/69), enviou-nos em 17 de Março de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,

Envio fotos do convívio na B A 12, no ano de 1968, entre rapaziada da marinha, exército e força aérea.

Na maioria são alentejanos que eram amigos do Machado (electricista da força aérea) e que tinha a “mania” que era fotógrafo, onde nasceu, em Évora.

Os Camaradas de barbas penso que eram da malta das lanchas. Os outros, eram furriéis creio que dos Adidos.


Vamos lá ver se aparece alguém, aqui no blogue, a reconhecer-se entre esta excelente e divertida rapaziada.

Deste pessoal só me lembro do Abel
O que está ao fogão era furriel do exército

O Abel e os de barba (lógico que eram da marinha)
O Machado não aparece nesta foto porque era o fotógrafo de serviço
Aqui estão mais dois furriéis (o Abel e eu), o outro Camarada era meu colega mas não lembro do nome dele

O Machado é o que está há esquerda

Um grande abraço,
Vítor Oliveira
1º Cabo Melec 1ª66 (Pichas)

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6022: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (4): Ainda o caso do Cap Patrício que foi, por castigo, para a CCAÇ 15, Mansoa, e do comandante do Esq Rec Fox de Bafatá que invadiu o Senegal com as chaimites

1. Pergunta o José Bebiano, em 6 docorrente, ao José Cortes:


Responde-me lá. Quem é o furriel que está ao meu lado? (*)

Não sabia que o meu substituto tinha falecido. Recordei-me que era de Fátima, mas o nome nem pó?! Morreu de paludismo? Enquanto por lá estive não tive conhecimento  de qualquer morte desse tipo. Grande azar.

O Capitão José Eduardo [Patrício]  faleceu em 2008! Morreu novo. Por que foi transferido para Mansoa? Castigo? Dava-me muito bem com ele. Não tinha nada a haver com o falecido cmdt da CART 2742,  Carlos Borges de Figueiredo (**).

Estou com o meu neto mais novo ao colo, Iánis, não me deixa escrever.

Vou procurar mais alguma foto que te diga algo. Depois logo envio. Cumprimentos. E o FCPorto com o empate de hoje já foi... e o meu Belenenses tb.

Cumprimentos. José Bebiano.

2. Resposta do José Cortes [ foto acima, em Fajonquito], na volta do correio:

Assunto: Mais recordações de Fajonquito

 Caro amigo:

O furriel que está ao teu lado, chama-se Tendeiro, ele saíu da companhia para outra zona que não me lembro qual. Nunca mais o vimos, mas na pesquisa que fizemos para encontrar camaradas, quando começamos a organizar o nosso encontro anual, soubemos que mora na Reboleira Sul - Amadora e que trabalha na companhia de seguros AXA.

Com respeito ao Cap Patrocínio, foi para Mansoa por castigo. Certa noite saíu do aquartelamento com 10 militares e o grupo do Mamadú Senegal Baldé, que era o Comandante do Pelotão de Milicia, sem passar cavaco a ninguém,  como era habitual,   e entrou pelo Senegal, matando dois guerrilheiros, e exibindo depois em Bafatá o espólio que trouxe da emboscada, duas Kalas, duas bicicletas e livros.

Isto para o comandante de batalhão era manga de ronco, ele gramava o Patrocínio à brava e depois causou inveja nos outro oficiais.

O comandante do Esquadão de Cavalaria de Bafatá (***), depois disso, e num almoço em Pirada, concerteza com a cabeça quente, arrancou com as Chaimites Senegal dentro. Na primeira aldeia que encontrou estava estacionado um grupo de militares Senegaleses e ele toca a disparar, matou uma série de gente e aquilo deu buraco em Bissau e não só.

Isto, salvo erro,  foi em Janeiro de 1973, altura em que mataram o Amílcar Cabral. No inquérito que foi levantado ao Capitão de  de Cavalaria, foi referido o acto do Patrocínio e o castigo foi este ir para Mansoa, para a CCAÇ 15, companhia de africanos,  onde só os graduado é que eram brancos.

Ainda o vi uma vez na 5ª Rep. Já separado da mulher, pois ele tinha-a levado para Mansoa, mas ela só lá esteve 15 dias com o filho,  aquilo era embrulhar todos os dias e ela foi-se embora.

Quando ele saíu da companhia mandaram um Capitão velho que só lá esteve dois dias.

Depois o Spínola foi lá graduar o alferes São Pedro.  Depois falo-te sobre isso.

Um Abraço.

José Cortes
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5972: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (3): O Cap Patrício, a CCAÇ 15, dois casos de insubordinação e ainda o Cherno Baldé

(**) 7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5946: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (2): Evocando o Sold Almeida e o Fur Alcino, da CART 2742, que morreram, mais o Cap Figueiredo e o Alf Félix, na tragédia do domingo de Páscoa de 1972

(***) Não temos elementos para identificar este Esq Rec Fox, estacionado em Bafatá no início de 1973. Pode ser o Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74), ou até o anterior (1971/73), que de momento não sei qual é... Há dois camaradas que, embora ainda não sendo membros da nossa Tabanca Grande, têm histórias para contar e vontade de o fazer...


(...) Sou ex-militar do Esquadrão de Reconhecimento Fox 8840. Estive lá no início de 1973 até perto do fim do ano de 1974.

Tenho histórias a contar como vocês contam as vossas. Tivemos lá dos maiores atentados registados até essa data. Lamento principalmente o meu ex-capitão e comandante Carvalhais do Esquadrão de Cavalaria 8840 (hoje coronel) nada registar na Internet.

Não vos conheço mas gostaria de ter contacto convosco para vocês conhecerem o meu Esquadrão e recordarmos por onde e como passamos. (...)

(...) Carmindo Pereira Bento
Restaurante Ângulo-Real
2425-022 Monte-Real- Leiria. (...)

Vd. também poste de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5843: O Nosso Livro de Visitas (83): António Carlos Ferreira, ex-Fur Mil Mortágua, Esq Rec Fox 8840 (Bafatá, 1973/74)

(...) António Carlos Ferreira (ex-furriel Mortágua)
Proprietário da Adega Típica 
A Pharmácia,
Rua Brasil 81/85
Coimbra
E-mail:
adegapharmacia@gmail.com
telm: 917213076 / telef  239 404 609 (...)

Do período de 1969/71, temos o nosso camarada António da Costa Maria, que esteve em no Esq Rec Fox entre Nov 1969 e Out 1971... Receberam Chaimites  no final de 1970 ou princípios de 1971





Guiné 63/74 – P6021: Memória dos lugares (75): Recordações de Bambadinca (Armandino Alves, 1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga, Madina do Boé, 1966/68)


1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 16 de Março, que a seguir publicamos:

Camaradas,


Para conhecimento do Pessoal da Tabanca, queria informar que até Março de 68, no rio Geba com acesso a partidas para Bissau por via fluvial, só existia um cais acostável, em Bambadinca.


Quando havia operações no Enxalé, ou Porto Gole, as LDG ou as LDM ficavam no meio do rio para não encalharem. Se a maré baixava enquanto descarregavam o pessoal e os seus equipamentos, ficavam lá paradas até que ela subisse novamente.

O transporte entre a LDM e a margem era feito por uma ou duas pirogas, que levavam cerca de oito homens cada uma, e que eram literalmente empurradas por um ou dois nativos, pois a profundidade do rio era pouca e a água dava-lhes pelo peito.

Nas zonas mais fundas, as pirogas eram empurradas com o auxílio de varas, que eram cravadas no fundo do rio e impulsionadas à força de braços.

Das pirogas para terra é que eram elas. As margens estavam cobertas por um lodo de cor cinza clarinho, que espelhava os raios do sol.

Éramos avisados para descalçar as botas, amarrar os cordões e pendurá-las ao pescoço, arregaçarmos as calças, ou tirá-las, e para transportarmos a arma acima da cabeça.

Para os primeiros a desembarcar a missão nem era muito má, mas para os últimos, a lama depois de revolvida, era um autêntico calvário. Para movimentarmos as pernas, quanto mais nos mexíamos mais nos enterrávamos pelo lodo abaixo.

Ainda havia pessoal do destacamento que nos atirava cordas para nos içarem, mas com uma mão ocupada com a G3, só nos ficava a outra para nos agarrarmos.

E depois para limparmos aquela lama pegajosa agarrada às pernas?!... Não havia água que chegasse.

Por isso não se admirem de ninguém até essa data falar no cais do Xime. Ele não existia.

Assim como a estrada Bambadinca/Bafatá, que só começou a ser alargada e asfaltada em Jan/Fev 68, pois até aí era uma estrada de terra batida onde não se conseguiam cruzar duas viaturas (GMC ou Mercedes).

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589 (1966/68)
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

11 DE MARÇO DE 2010 >

Guiné 63/74 - P6020: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (16): Um dia de ronco, um lugar de (re)encontros, uma janela de oportunidades (Parte I)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Chegada do Presidente da República, Malam Sanhá Bacai, com a esposa  (à sua esquerda) e o primeiro ministro, Carlos Gomes Júnior, atrás (à sua direita)... Embora esteja de perfil,  reconhecemos, de imediato,  de lado direito, cumprimentando o Presidente, o nosso amigo Domingos Fonseca, quadro técnico da AD, responsável do Núcleo Museológico  (*) e membro da Tabanca Grande.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje  (**) > O Primeiro Ministro, Carlos Gomes Júnior, Cadoco, entre a multidão.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Intervenção do Primeiro Ministro. Carlos Gomes Júnior (Cadogo, como é conhecido na sua terra) acaba de realizar uma visita oficial a Portugal, de quatro dias, que inclui uma deslocação, ontem,  ao Porto onde  o PM se encontrou com crianças guineenses, internadas no serviço de pediatria do hospital de São João.

Em entrevista à Rádio Renascença, o chefe do Governo guineense analisou "alguns aspectos da vida do país, como a investigação em curso na justiça à morte do Presidente Nino Vieira e do ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas Tagme Na Waie. 'Há uma comissão de inquérito que está a seguir o processo e temos a garantia das Nações Unidas que vamos ter uma investigação isenta e transparente', disse"... Nas suas preocupações, também está "o combate ao narcotráfico no país".

O PM guineense, de visita a Portugal,  também tem, como objectivo,  "desenvolver várias parcerias, sobretudo na área económica"...

Os nossos camaradas da Tabanca de Matosinhos ainda se organizaram para poder enviar uma delegação ao jantar que foi organizado, ontem, no Porto... Por razões logísticas, acabaram por não poder comparecer. Em contrapartida, tencionavam estar presentes na recepção à Comunidade Guineense que vive no Norte.

Em Maio próximo, o ministro português dos Negócios Estrangeiros irá visitar a Guiné-Bissau,  acompanhado de delegação de empresários portugueses. Tem-se em vista  dar continuidade aos contactos que estão ser feito esta semana no âmbito desta visita do PM guineense que chegou a ser considerado o delfim de 'Nino' Vieira até ao conflito de 1998. 

Carlos Gomes Júnior nasceu em Bolama em 1949. Antes de entrar na política, e chegar a dirigente máximo do PAIGC,  foi um empresário e gestor de sucesso.  Não participou na luta armada como combatente. Gosta de futebol, do Benfica e de Portugal, onde estudou. Conheci, há dois anos, o seu velho pai, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Velho, cuja história de vida está para publicar no nosso blogue (tenho nas minhas mãos um texto policopiado que ele me deu em Bissau, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de Março de 2008).
 
 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Intervenção do Embaixador da União Europeia na Guiné-Bissau, Franco Nulli.
 
 



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Isabel Miranda, a poresidente da AD - Acção para o Desenvolvimento, promotora da iniciativa.  Um pequeno excerto do seu discurso, já aqui transcrito, em poste anterior (***):

" (...) O Museu 'Memória de Guiledje' é, antes de tudo, uma homenagem à geração de Cabral, a todos os que com o seu exemplo escreveram uma das mais belas páginas da nossa História. Mas é também um lugar de confluência de rios anteriormente desencontrados que hoje procuram um caminho comum.

"Encontro com os militares portugueses, aqueles que, embora em campo oposto, aprendemos a respeitar pela sua coragem e capacidade militar numa luta de longa duração e que, afinal, partilham os mesmos sentimentos de amor pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, pela sua humildade, dignidade, valentia e determinação, os quais sempre souberam distinguir o povo português do regime colonial que a ambos oprimia" (...)



 
 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Em primeiro plano, à direita, o régulo de Guiledje, Umaru Djaló; a seu lado, o Dr. Alfredo Caldeira, da Fundação Mário Soares, que deu apoio técnico ao projecto museológico.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Dois oficiais portugueses  que , presumo,  integram integram a Missão da União Europeia para Reforma do Sector de Defesa e Segurança da Guiné-Bissau.
 

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > A nossa representante na cerimónia, Júlia Neto, viúva do nosso camarada José Neto (1929-2007), em conversa com a combatente do PAIGC Francisca Pereira, sob o olhar do nosso amigo Pepito.

 
 
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > Aspecto da Tribuna de honra... O embaixador portuguê, António Ricoca Freire,  é o 5º  a contar da esquerda, estando ao lado do embaixador da UE.

 

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 20 de Janeiro de 2010 > Inauguração do Núcleo Museológico de Guiledje > A população local, em dia de ronco... Estima-se em 4 mil o número de pessoas que se deslocaram a Guileje, vindas de muitos lados, para assistirem a esta cerimónia.


Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). Direitos reservados (Lgendas: Pepito e Luís Graça)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série >   5 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5770: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (15): Um visita virtual (Parte II)
 

(...) "O Museu 'Memória de Guiledje' é, antes de tudo, uma homenagem à geração de Cabral, a todos os que com o seu exemplo escreveram uma das mais belas páginas da nossa História. Mas é também um lugar de confluência de rios anteriormente desencontrados que hoje procuram um caminho comum.

"Encontro com os militares portugueses, aqueles que, embora em campo oposto, aprendemos a respeitar pela sua coragem e capacidade militar numa luta de longa duração e que, afinal, partilham os mesmos sentimentos de amor pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, pela sua humildade, dignidade, valentia e determinação, os quais sempre souberam distinguir o povo português do regime colonial que a ambos oprimia .

"Hoje, em liberdade, reencontramo-nos com emoção, com vontade de juntar memórias, recordações, encontros e desencontros, voltar a caminhar juntos num caminho de respeito e progresso.

"Saudamos a presença da Srª Julia Neto, esposa do capitão José Neto que tanto amou este canto e que tanto contribuiu para que o Museu 'Memória de Guiledje'  fosse um êxito. Poucos dias antes de falecer, deixou-nos o seu desejo mais profundo: 'hei-de voltar a Guiledje', disse. A sua esposa, Srª Julia Neto, está hoje entre nós para realizar esta sua última vontade. Através dela saudamos todos os militares portugueses das 12 companhias que passaram por Guiledje e que quiseram deixar um pouco das suas recordações (aerogramas, fotografias, filmes, contos e narrativas).

"Saudamos por fim os nossos irmãos internacionalistas cubanos que verteram o seu sangue e suor nesta Pátria de Combatentes valorosos e, na pessoa dos hoje aqui presentes, saudamos todo um povo que prossegue a sua gesta de solidariedade para com a GB nos domínios da saúde, educação e desenvolvimento do nosso país". (...)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Guiné 63/74 – P6019: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (3): Parte 3 (Sousa de Castro)

1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos a terceira parte da actividade desenvolvida pela sua Companhia, com data de 17 de Março de 2010, dando continuidade às mensagens publicadas nos postes P5965 e P5986:


ACTIVIDADE DA CART 3494
DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (3)


DEZEMBRO1971/ABRIL 1974
Este texto foi elaborado a partir do livro:

BART 3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)

2º FASCÍCULO

MAIO 1972

12. SITUAÇÃO GERAL

- A actividade do IN não se incrementou. O próprio Aquartelamento do XIME não sofreu ataques ou flagelações o que indica retorno a uma relativa tranquilidade.

Sobre a população por nós controlada não se registou alteração, ou seja, persiste colaborante. Na dominada pelo P.A.I.G.C. ela continua a ser alvo de uma forte doutrinação e mentalização políticas em MINA e GALO-CORUBAL, porém é admissível a fragmentação da unidade população/Partido.

A intenção do inimigo crê-se que devem ser coincidentes com a do trimestre pretérito.

13. TERRENO

- As modificações continuam a ser as provenientes da capinagem, desmatação e queimadas para protecção das NT tanto ofensiva como defensivamente.


Note-se que os habitantes das tabancas procedem igualmente para benefício de si mesmos.


14. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME

- De harmonia com a correspondência retirada a MÁRIO MENDES (aniquilado pela CCAÇ12), o IN planeava nova acção na estrada XIME-BAMBADINCA, o que nos leva a concluir que no futuro acções deste teor venham a ser cometidas, pois que a suceder seria a segunda vez no espaço de 02 meses.

b) Conclusões

- Denotou-se um recrudescimento da actividade guerrilheira no tocante à colocação de minas, o prolongamento da sua actividade no Sub-Sector de BAMBADINCA e o aspecto saliente do pressionamento gorado do tráfego entre XIME-BAMBADINCA.

15. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes

- Para além dos patrulhamentos habituais, emboscadas nocturnas, seguranças descontínuas, picagens de itinerários etc., não houve neste mês nenhuma operação relevante em que a CART 3494 estivesse envolvida.

3º FASCÍCULO

JUNHO 1972

16. SITUAÇÂO GERAL

-A flagelação do XIME e o ataque de AMADALAI confirmam a vontade do IN obstar o tráfego da estrada XIME-BAMBADINCA.

Enquanto isso, a tentativa frustrada de golpe de mão ao Aquartelamento do XITOLE comprovam, porventura, maior agressividade da guerrilha.

De resto a situação manteve-se nos moldes constantes do período anterior.

17. TERRENO

- Assinala-se o início da estação das «chuvas» e a transformação da natureza como consequência adveniente.

18. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME

- A Auto-Defesa de AMEDALAI foi atacada durante 05 minutos sem resultados.

Em 26JUN72, pelas 20,30 horas o Quartel e a Tabanca do XIME, em repetição do que se disse na primeira alínea, foram uma vez mais flagelados e desta feita igualmente sem consequências para a população e nossas tropas.

Nota: No ponto atrás referido, tenho anotado num livrinho, que neste dia pelas 20,30 Horas, houve tentativa de golpe de mão junto ao arame farpado tendo a Artilharia reagido eficazmente, provocando ao IN 16 mortos e 04 feridos. Sem consequências para as nossas forças.


b) Conclusões

- O XIME não escapou à regularidade de figurar como objectivo número 1 do P.A.I.G.C. em todo sector L1 o que explica pela posição estratégica ocupada pelo citado Aquartelamento.

A ineficácia das iniciativas adversárias continua a ser praticamente norma.

A sede do BART 3873, decorridos já 05 meses, não teve qualquer ataque ou flagelação o que se percebe pelo cordão protector que a rodeia a dificultar, ou a impedir mesmo, a retirada da força atacante.

19. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes

- Acção «GARO3» com patrulhamento e emboscada por 03 GRCOMB da CART 3494 e apoio de Heli-Canhão. Desencadeou-se na área entre MADINA COLHIDO e GUDAGUÉ BEAFADA sem ter visto ou sentido o IN.

- Acção «GUARDEAR 1» a 03 GRCOMB da CART 3493, 02 GRCOMB da CART 3494, PEL’S MIL 241, 242, e 243, GEMIL’S 309 e 310, 04 GRCOMB da CCAÇ 12, PEL REC DAIMLER 3085, 01 PEL da CCS/BART 3873, PEL’S CAÇ NAT 52, 54 e 63 e PEL MIL 201, a fim de estabelecer a segurança afastada a BAMBADINCA, aquando da visita de SUA EXA O GOVERNADOR E COMANDANTE-CHEFE. Servia de apoio aéreo 01 Heli-Canhão.

Não houve contactos nem se observaram vestígios inimigos.

- Operação «ACHA CAMINHO» de 30 de Maio a 02 de Junho, a 03 GRCOMB da CCAÇ 12 e 02 GRCOMB da CART 3494 os quais realizaram patrulhamentos e emboscadas na região entre TAIBATÁ-CHICAMEL-GUNDAGUÉ FUTA-FULA e GUNDAGUÉ BEAFADA. O apoio aéreo esteve a cargo de 01 Heli-Canhão, não se registando consequências.

Uma emboscada empreendida pelo PEL CAÇ NAT 63 na estrada FINETE-MISSIRÁ provocou ao inimigo 01 morto, 01 ferido e 01 prisioneiro.

b) Conclusões

Sublinha-se a ausência de contactos com a guerrilha, bem como a sua inactividade no tocante às nossas colunas de reabastecimento, ao invés do que seria de esperar neste domínio da logística.

(continua)

Um abraço Amigo,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

Documentos: © Sousa de Castro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

13 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P5986: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (2): Parte 2 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P6018: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (15): Um erro de periquitos e o piar dos nossos camaradas

1. Mensagem de José Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 15 de Março de 2010:

Caro Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais um pedacinho das minhas memórias.
Apesar do dilúvio que se faz sentir lá fora, espero que chegue sequinho.

Um abraço amigo para ti e para os camaradas,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (15)
Um erro de periquitos que nos valeu o piar dos nossos próprios camaradas
Nos primeiros dias que passámos na Mata dos Madeiros, o render das outras forças que faziam parte da segurança à estrada constituía, sempre, novidade. Porque aquelas forças eram velhinhas, e porque, entre elas, havia açorianos conhecidos e amigos de longa data de alguns dos militares da CCaç 3327.

O tempo de rendição não era muito, mas tudo servia para uma pequena cavaqueira e troca de impressões, e das últimas novidades das terrinhas que nos viram nascer. Para além disso, esse tempo também dava para observar, dentro do possível, o armamento que essas forças utilizavam, como o dispunham no seu xadrez e a forma como depois progrediam na mata.

A CCmds 26 contava nas suas fileiras com um alferes açoriano (esqueci o seu nome), natural de São Jorge; já o protagonismo da CCaç 2791 ia para o Fur Mil Chaves, natural de Santa Maria, e no DFE 13, o Jorge Sousa, natural de Santa Cruz das Flores, e hoje a morar em Stoughton, Massachuetts, EUA, era o preferido dos florenses. Nos Pára-quedistas não havia açorianos. Os tempos de Tavira também deixaram conhecidos entre os furriéis.

Para a minha curiosidade contribuía, como factor mais importante, o facto de muitas vezes ter ouvido, em Tavira e mesmo na Ilha Terceira e em Santa Margarida, que o que nos ensinavam tinha pouca praticabilidade no teatro da guerra. Nada melhor que a imagem para satisfazer a minha curiosidade, e ali era possível observá-la a diferentes níveis.

O 4.° GComb era comandado pelo Alf Mil Francisco João Magalhães (Brunhoso, Mogadouro).
1.ª Secção - Fur Mil Manuel Lopes Daniel (A-dos-Cunhados) - Met GM42 e Mort 60
2. ª Secção - Fur Mil José A. S. Câmara (Fazenda, Lajes, Flores) - Met HK21 e Dilagramas
3.ª Secção - Luís José Vargem Pinto (Norinha, Silves) - Lança-Granadas e Dilagramas


A força da CCaç 2791, uma unidade de infantaria, era a menos apetrechada em armamento, e a que melhor se podía comparar com a CCaç 3327. O seu armamento era o normal de uma companhia de infantaria, sendo a G3 a arma mais utilizada; o dilagrama e o instalazer davam cobertura à falta de lança-granadas. Já os Comandos primavam pelo uso de armamento apreendido aos turras (uso do palavreado de então e seria descabido usar outra linguagem neste escrito). Os Fuzileiros Especiais faziam das MG42 o seu armamento por excelência, e era evidente que se armavam para a luta curta ou de corpo a corpo, tal era a profusão de granadas de mão e punhais que carregavam. Os pára-quedistas, com as suas G3 de coronha rebatível, impressionavam pela forma como fardavam e pela disciplina, ao ponto de, ainda hoje, estar sem saber se eles se preparavam para a guerra ou para uma cerimónia em parada.

Das minhas observações o que mais me chamou a atenção, como sendo diferente do que aprendera na recruta e especialidade, foi a forma rápida e firme como todas aquelas forças penetravam e davam início à sua progressão na mata. Eram tropas experientes, calejadas pelo sofrimento de muitas emboscadas, assaltos, rebentamento de minas e mortes.

Com essas pequenas observações, fui-me preparando para a minha grande primeira saída, que teria lugar pelas 11 horas do Sábado de Aleluia, em 1971.

Apesar de todos os cuidados que foram tomados para essa saída, a dois grupos de combate, foi cometido um erro tremendo, um erro de periquitos que poderia ter tido consequências catastróficas.

Encarei os meus homens para os últimos conselhos. E tremi!

A 2.ª Secção do 4.° GComb. Da esquerda para direita, na frente: Cabo José Leonardes (Topo, S. Jorge), Cabo António F. Silva (Chão Frio, P. Almoxarife, Faia), Magno Silva (Guadalupe, Graciosa), José F. Serpa (Ponte, Fajã Grande, Flores), Emanuel A. Cardoso da Silva (Castelo Branco, Faial). Pela mesma ordem, em pé: José Ramiro Serpa (Costa, Lajedo, Flores), João Lourenço A. Ventura (Fajãnzinha, Flores), José A. S. Câmara , Cmdt de Secção (Fazenda, Lajes, Flores), António Silvestre Júnior (Urzelina, S. Jorge), José Cristiano Arruda Massa (Arrifes, S. Miguel)

Sim, pela primeira vez tremi com medo. Não da guerra, mas da morte possível. Não da minha, mas de um daqueles moços tão meninos quanto eu. Foi por esse medo horroroso de poder vir a perder um soldado para a morte, que comecei a tomar a consciência que o possível sucesso dos meus homens, a sobrevivência, seria tanto maior quanto maior fosse o grau de disciplina baseada no respeito, na lealdade, na camaradagem e na amizade entre todos nós. O reconhecimento colectivo dos poderes de cada um desses predicados não era mais que o perfeito reconhecimento consciente entre comandos e comandados. Essa foi a minha mensagem.

Na minha Secção sempre houve esse reconhecimento, razão pela qual, ainda hoje, sinto um respeito enorme por aqueles meninos que tive o previlégio de comandar.

José Câmara em patrulha na Mata dos Madeiros. Também se reconhece o Cabo José Leonardes.

Demos início à nossa saída. Rapidamente entrámos na mata em direcção à antiga estrada Teixeira Pinto-Cacheu. Ao longo daquela estrada, procurámos por vestígios de infiltração IN de ou para a Mata do Balenguerez.

A meio da tarde demos algum descanso às pernas, confortámos o estômago com a ração de combate, a terceira em cinco dias, e aguardámos pelo fim da tarde, altura em que reiniciámos o nosso patrulhamento, ao mesmo tempo que procurávamos um lugar apropriado, junto da estrada velha, para embuscar durante a noite.

Cada Secção era responsável por manter dois sentinelas em alerta constante. Por princípio e consciência integrei-me na rotação, muito contra a vontade dos soldados da minha Secção que disseram não ser necessário.

Com o raiar dos primeiros alvores da manhã levantámos a emboscada e demos início ao patrulhamento matinal, ao mesmo tempo que nos aproximávamos do acampamento, onde deveríamos entrar cerca das 08:00 Horas.

De tanto andar sem encontrarmos o acampamento, apercebemo-nos que estavamos perdidos. A mata densa e difícil não deixava perceber onde estávamos. Tínhamos a consciência que tínhamos passsado à cabeça da estrada, e inflitrado a zona de acção da outra força de intervenção. Para além disso, também nos apercebemos que tínhamos cometido outro erro grave, um erro de periquito: a bússola e o mapa com os pontos de apoio e reconhecimento tinham ficado no acampamento. Este foi alertado via rádio.

Retrocedemos em direcção à antiga estrada, pedindo ao Sagrado Coração de Maria que não déssemos de caras com a outra força de intervenção. As consequências poderiam ser desastrosas.

José Câmara numa das suas visitas habituais, fosse à partida ou à chegada da mata. Este pequeno recanto da Mata dos Madeiros era, em boa verdade, o único lugar que transpirava paz.

De novo na estrada velha, obliquámos à direita e entrámos no acampamento cerca de quatro horas mais tarde que o previsto. A nossa entrada foi saudada com um grande insulto: o piar dos outros dois grupos de combate que aguardavama nossa chegada para sairem. E tinham todo o direito. Já podiam considerar-se velhinhos, a avaliar por esta ser a sua segunda saída...

A 13 de Abril de 1971 escrevi à minha madrinha de guerra. Fiz uma pequena referência sobre este assunto:

... A Vida é durinha por aqui; pelo menos para mim, que já não estava habituado a trabalhos forçados. Saio de dois em dois dias para o mato.

No Sábado de Aleluia saí às 11 horas e regressei no Domingo de Páscoa.

Andámos quatro horas perdidos; foi o nosso FOLAR DE PÁSCOA. Mas tudo acabou em bem.

O resto do dia foi bom. Tivemos “jantarada especial"...


Foi um folar de Páscoa diferente. Para não esquecer. Mas houve mais.

O nosso Domingo de Páscoa de 1971 acabaria com uma cerimónia de casamento em plena Mata dos Madeiros.

José Câmara
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5979: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (14): O acampamento na Mata dos Madeiros: um buraco no meio do nada

Guiné 63/74 - P6017: Notas de leitura (80): Abalada do Pidjiguiti, de Manuel Viana (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Este livro de Manuel Viana (não consegui encontrar dados sobre o autor) é uma completa surpresa.
É uma Guiné fantástica, há lá indícios que coisas que vivemos mas a fantasia e a cavalgada das imagens de um autor muito culto acabam por nos desorientar.
Paciência. É mais um livro sobre a Guiné, não sei se vai deixar saudades.

Um abraço do
Mário


De Bissau para Dakar, de Marselha para Paris, daqui para Lisboa

Beja Santos

“Abalada do Pidjiguiti”, de Manuel Viana (Editorial Escritor, 2001) é um livro de difícil classificação. Aliás, o autor hesita se se trata de novela ou romance ou mesmo de simbiose de géneros. É uma prosa onde abunda a linguagem vernacular, a variedade vocabular, como se o autor se sentisse seguro na floresta de termos, à moda de Camilo Castelo Branco ou Aquilino Ribeiro. Não é por acaso que aqui os invoco. Se é facto que a estrutura narrativa lembra a de uma obra modernista, o barroco das imagens, o rebuscado dos sons, os adágios e os anexins sucedem-se em tropel. Dois jovens amam-se em Bissau, são potenciais candidatos a uma história de Romeu e Julieta, até as famílias estão divididas. Alcino amava Maria. Talvez já desde o princípio, quando ainda era criança. E Maria o vice-versa. Reviam-se na natureza que os envolvia a ambos. A família de Alcino parte para a Guiné, aqui já chegou a guerra, ele e a família vivem num cubículo acanhado frente ao cais do Pidjiguiti. Para o autor, Alcino vive num mundo genesíaco: olores apimentados, trovoadas convulsivas, um rio cheio de tubarões, umas descargas de canhões não muito longe. O pai, um cantineiro, rebaixando a mãe e esmiuçando-lhe os erros do caderno.

Decide fugir, lança-se sozinho pelo mato, corre os mais desvairados perigos, é a imagem da sua Maria que o conduz como estrela ao longe. É assim que chega perto de Bissorã, corre os riscos do macaréu, conhece uma nativa que mais tarde fugirá com ele a caminho do Senegal: passaram rios e ribeiras, saltaram moitas e cômoros; fugiram de cobras verdes e beberam água de coco, comeram mangos e figos de acajueiro. As imagens, para que conste, são lindas, poéticas e exóticas: “Amestraram iguanas e guaribas urradores. Lobos maus da floresta e papagaios palradores de bico em pinça recurva próprio para vazar olhos. Abutres esgargalados de pescoço depenado saltavam de tronco em tronco a rezar-lhes pela pele grasnando lugubremente. Viram gafanhotos verdes devorarem os parceiros a partir do abdómen após cópulas prolongadas com um único fim à vista: perpetuar a espécie... Passaram no meio da mata por um hospital de campanha desmantelado pela força da barbari de que este mundo é feito. Viram passar guerrilheiros nos trilhos do mato grosso, e as tropas regulares nos trilhos de quatro rodas... Durante várias semanas caminharam para norte, umas vezes a direito e outras aos ziguezagues. Evitavam os contactos com a população nativa, e esperavam pela noite para se proverem de víveres ao nível do patamar da pura sobrevivência”. E assim chegaram a Dakar, Alcino e Iolanda.

Ambientam-se, encontraram trabalho, ambos estudam. Introduzindo uma nota erótica, Alcino tem um “caso” com a patroa, a criada de nome Melissa amava-o talvez mesmo sem saber. Os parágrafos são espessos, já se percebeu que estamos num mundo de aventuras, pressente-se que Alcino vai dar a volta ao mundo, ou quase. Mete-se num barco “graneleiro” no porto de Dakar, são dias e dias no inferno do porão, lá dentro também vai Iolanda, não se percebe bem como, chegam a Marselha, ele estuda, ela dedica-se à profissão mais antiga do mundo.

Para que não haja equívocos de que estamos na pura fantasia, Maria aparece em Marselha, mais tarde os pais sabem da existência de Alcino, chovem as ameaças, ele tem que fugir para Paris, no fundo é um indocumentado, um adolescente que tem próximo os deveres militares. Em Paris, Alcino estuda afincadamente. Iolanda, grávida de Alcino, fica em Marselha e agora dedica-se também ao teatro. Já estamos num ritmo de folhetim, todos os papéis se podem trocar, todas as aproximações podem acabar na mais dolorosa distância. Para se provar que a cultura portuguesa é universal, há um tunisino que estuda Francisco Lacerda, um músico açoriano que teve grande projecção internacional como maestro. O amigo de Alcino quer estudar a sua obra de compositor. Em Paris aparece Madame Dupont, aquela senhora consulesa que em Dakar teve prazeres carnais com Alcino. Melissa também veio e revela que a patroa deu à luz um filho de Alcino. Chegou a vez de Iolanda também aparecer em Paris. O grande circo está montado. Imprevistamente, chegam notícias de Lisboa, ocorreu uma revolução, consta que as crianças põem cravos nas espingardas dos soldados. Aos poucos, toda esta gente em permanente viagem chega a Portugal, aqui vão ocorrer catástrofes enquanto prossegue uma revolução muito festiva. Maria, afinal, vai casar com outro; Iolanda encontra um companheiro. Com a descolonização, os pais vêm da Guiné, mergulham na província. Alcino é professor em Lisboa, perto da Praça Paiva Couceiro. Num passeio à Fonte da Telha, Alcino é desconsiderado por Madame Dupont. Como não pode deixar de ser, todos os caminhos vão levar à tragédia, aos poucos toda a gente vai morrendo, por afogamento, durante as barreiras revolucionárias, etc.

Coisa curiosa, é um relato pícaro, imaginativo, de uma inviabilidade que não engana ninguém. É uma aventura truculenta, uma peregrinação delirante, chega-se mesmo a perguntar se a Guiné, o Pidjiguiti, aquela correria de dois adolescentes até Dakar, a sua adaptação a terras francesas, o rocambolesco, as peripécias demenciais, não encerram uma máxima moralizante: pede tudo à vida, oferece-te por inteiro, mas não te tomes a sério, em todas as circunstâncias. Em rigor, esta “Abalada do Pidjiguiti”, mesmo com recorte literário deixa-nos a sensação de uma enorme fluidez de uma escrita laboratorial, é a história de um desastre de um anti-herói que tudo fez para cumprir os seus sonhos, que ganhou mais difícil e se derrotou num torvelinho de banalidades ou de acasos.

O livro ficará como pertença do blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6009: Notas de leitura (79): sairòmeM Guerra Colonial, de Gustavo Pimenta (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 15 de Março de 2010:

Boa noite Carlos Vinhal
Espero que já estejas recuperado dos "desencontros" do V Encontro...

Mando mais uma das minhas "estórias" do blogando e andando, que me aconteceu em passado recente.
A vida não pára de nos surpreender!

Um abraço e até um dia destes. No V Encontro de 2010.
JERO


Na “prisão” é que está a dar!

Começo por declarar que sou um felizardo em termos de amigos. Tenho um “património de afectos” que não é brincadeira.

Sempre que posso dou uma saltada para visitar o meu amigo Moreira. Um amigo especial. Amigo das tropa.
Podemos estar alguns meses sem nos falarmos mas quando o telefone toca não são precisos nomes.
Como estás e onde estás?

Estive com ele na semana passada.
Nesta fase do “campeonato da vida” deu em agricultor.
Levei-lhe uma prenda simbólica e obrigou-me a trazer laranjas e limões. E contou-me uma história da vida… Lindíssima. Pelo menos eu achei. Vou partilhá-la com quem tem a paciência de me ler de quando em quando.



Até ao ano passado tive neste barracão com rede cerca de 150 pássaros. Tinha alguns melros e disseram-me que eram aves protegidas, que não podia ter em cativeiro. Por essa e outras razões chateei-me com tanta passarada e resolvi devolvê-los à liberdade.
Tinha alguns pombos e poucos dias depois apercebi-me que, contra a sua vontade, já tinham feito parte do “petisco” de uns caçadores que moravam por perto
.

O Moreira, que é transmontano, disse seguidamente uns palavrões, que não reproduzo, mas que queriam dizer que mais valia ter estado quieto.
Mas como nem tudo é mau na vida teve recentemente uma boa surpresa.

Num arbusto que tem dentro do seu barracão vedado com rede (mas com uma abertura no cimo) avistou um dos seus antigos melros. Tinha voltado à “prisão” e fazia com afã um ninho. O seu ninho.

O Moreira via-o entrar e sair, trazendo materiais para a sua “habitação”. Sentia-se em casa, desfrutando com à vontade a segurança da sua antiga prisão. Dias depois o ninho estava pronto e tinha 3 bonitos ovos.

Disse ao Moreira:

- Agora é que o teu melro, da tal espécie protegida, está efectivamente protegido. Vais pô-lo fora?

- Nem pensar. Aqui é que ele (ou ela) está bem.

Tirei umas fotos, dei um abraço ao meu amigo da tropa, e regressei a Alcobaça.
Apanhei pouco trânsito e fartei-me de pensar no melro do Moreira.



Um pássaro “diz-nos” que a “prisão” é opção mais segura do que viver em liberdade! Dá que pensar!

Nos dias anteriores serviços noticiosos das televisões e jornais nacionais tinham referido o suicídio de uma criança em idade escolar e a morte de um professor que (eventualmente) não aguentou a pressão da sua profissão e acabou com a vida.

Afinal que tempos são estes em que vivemos?
A segurança para viver está na cadeia?

A opção do melro dava-me que pensar.
Uma espécie protegida pela lei estava bem porque estava em cativeiro…

Segurança para viver… precisa-se!

JERO
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...

Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)

1. O nosso Nelson Herbert, jornalista na Voz da América, nascido em Bissau, há cerca de 50 anos, mandou-nos um peça de antologia que tanto poderia ser publicada na série Humor de Caserna, como na série Em Bom Português Nos Entendemos... Optámos por esta, que tem estado inactiva (*).

Trata-se de uma paródia da história do Capuchinho Vermelho e do Lobo Mau  (Le Petit Chaperon Rouge) que, como se sabe, é da autoria do francês  Charles Perrault (1628-1703), considerado o pai da literatura infantil...

Não sei quem mais gosta deste conto tradicional, se as crianças se os adultos...  Estes últimos são mais dados à paródia do texto e às suas interpretações simbólicas e psicanalíticas (A adolescente, o vermelho, a avózinha, o lobo mau que come a jovem e a velha deram origem a múltiplas e delirantes leituras, que vão deste o comportamento sexual predador dos machos até aos fantasmas da violação e ao tabu do canibalismo...).

Na realidade, esta  versão (Capuchinho Vermelho pós-Acordo Ortográfico) é mais facilmente lida e compreendida pelos nossos jovens lusófonos (do Rio de Janeiro a Luanda, de Bissau a Dili, de Lisboa a New Jersey) do que os clássicos da lusofonia, do Camões ao Craveirinha, do Eugénio Tavares ao Machado de Assis...

De tanto circular pela Net, como Spam, já ninguém sabe quem é o seu autor. Em princípio, pretende ser apenas uma paródia ao último Acordo Ortográfico... Na pior das hipóteses, lá teremos que falar assim,  chungas e chonés!, dentro de alguns anos, para os queridos netinhos nos entenderem, aos fins-de-semana, antes de irem para a cama, quando lhes contarmos as inocentes histórias do nosso tempo de meninos e moços... Tázaver, meu ? Mikas a cena, kamarada ?

Quem quer que seja (ou tenha sido) o autor desta versão yah, yah, bué bakanaprontes, man!,  merece uma chapelada... Ainda há gente com talento e disposição para o humor (que é uma forma sublimada de amor...), e que é de resto um coisa que andamos a precisar à brava (muito),  nesta recta final do inverno e neste 1º trimestre do ano de 2010  marcado por muitas nuvens negras no horizonte do nosso futuro...

Há um toque,  meu, neste texto, em dilalecto chunga ou basofe ou portuguex,  que, se bem interpreto o gesto do Nelson, pode também ser visto - e porque não ? - como uma homenagem à lusofonia e ao universo de mais de 250  milhões de falantes nossa língua (que todos juntos ocupam quase 11 milhões de quilómetros quadrados do  planeta azul)... (LG)

KAPUXINHO VERMELHO... (em dialekto xunga)  


Tás a ver uma dama kom um gorro vermelho? Yah, essa cena! A pita foi obrigada pela kota dela a ir à toka da velha levar umas cenas, purke a velha tava a bater mal, tázaver?

E atão disse-lhe:
- Ouve, nem te passes! Népia dessa cena de ires pelo refundido das árvores, ke salta-te um meko marado dos kornos para a frente e depois tenho a bófia à kola!

Pá, a pita enfia a  karapuça e vai na deskontra pela estrada, mas a toka da velha era bué longe, e a pita kagou na cena da kota dela e enfiou-se pelo boske. Népia de mitra, na boa e tal, kurtindo o som do iPod...

É atão ke, ouve lá, salta um baita dog marado, todo xinado e bué ugly mêmo, ke vira-se pa ela e grita:
- Yoo, tá td? Dd tc?
- Tásse... do gueto alí! E tu... tásse? - disse a pita
- Yah! E atão, ke se faz?
- Seka, man! Vou levar o pakote à velha ke mora ao fundo da track, ke tá kuma moka do kamâno!
- Marado, marado!... Bute ripar uma até lá?
- Epá, má onda, tázaver? A minha kota não kurte dessas cenas e põe-me de pildra se me kata...
- Dâsse, a kota não tá aki, dama! Bute ripar até à kasa da tua velha, até te dou avanço, só nakela da kurtição. Sem guita ao barulho nem nada.
- Yah,  prontes, na boa. Vais levar um baile katéte passas!!!

E lá riparam. Só ke o dog enfiou-se por um short no meio do mato e chegou à toka da velha na maior, com bué avanço, tázaver? Manda um toke na porta, a velha 'kem é e o kamâno' e ele 'ah e tal, e não sei kê, ke eu sou a pita do gorro vermelho, e na na na...'.

A velha abre a porta e PIMBA!!!, o dog papa-a toda... Mas mêmo, abre a bokarra e o kamâno e até xuxou os dedos...

O mano xêga, vai ao móvel da velha, saka uma shirt assim mêmo à velha ke a meka tinha lá, mete uns glasses na tromba e enfia-se no VL... o gajo tava bué abixanado mêmo, mas a larika era muita e a pita era à maneira, tázaver?
A pita  xêga, e tal, e malha na porta da velha.
- Basa aí ká pa dentro! - grita o dog.
- Yo velhita, tásse?
- Tásse e tal, kuma moka do kamâno... mas na boa...
- Toma esta cena, pa mamares-te toda aí...
- Bakano, pa ver se trato esta cena.
- Pá, mika uma cena: pa ké esses baita olhos, man?
- Pá, pa mikar melhor a cena, tázaver?
- Yah, yah... E os abanos, bué da bigs, pa ke é?
- Pá, pa poder kontrolar melhor a cena à volta, tázaver?
- Yah, bakano... e essa kremalheira toda janada e bué big? Pa ké a cena?
- É PA XINAR ESSE KORPO TODO!!! GRRRRRRRR!!!!

E o dog manda-se à pita, nakela mêmo de a engolir, né? Só ka pita dá-lhe à brava na kapoeira e saka um back-kick mesmo direkto aos tomates do man e basa porta fora! Vai pela rua aos berros e tal, o dog vem atrás e dá-lhe um ganda baite, pimba, mêmo nas nalgas, e kando vai pa engolir a gaja aparece um meko dakêles ke korta as cenas kum serrote, saka de maxado e afinfa-lhe mêmo nos kornos. O dog kinou logo alí, o mano xina a belly do dog e saka de lá a velha toda xeia da nhanha. Ina, man, e a malta a gregoriar-se toda!!!

E prontes, já tá...

 [Autor: Anónimo. Fonte: WWW  / Fixação de texto / revisão: L.G.. Ilustração: Gustave Doré, 1832-1883. Imagem do domínio público. Cortesia: Wikipédia]

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3447: Em bom português nos entendemos (6): Histórias... ou estórias de guerra ? Venham elas... (J. Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado

1. Continuação do relato da Batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:


Os Marados de Gadamael
e os dias da
Batalha de Guidaje


Parte II

Daniel de Matos

Levar a lenha e sair queimado!


Após cerca de 13 meses claustrofóbicos em Gadamael, estar sediado em Brá (COMBIS), a poucos quilómetros do centro de Bissau, era estar no paraíso! Mantendo a operacionalidade, passámos a prestar serviços diversos, entre os quais, fazendo escala para a segurança ao anel de Bissau, turnos de sentinela, por exemplo, no Quartel-General e no edifício do estúdio radiofónico do PFA (lê-se “PêFêÀ”, Programa das Forças Armadas), no Hospital Militar de Bissau, na residência do comandante-adjunto operacional (brigadeiro Leitão Marques), protecção às portas da rede da cidade, missões de patrulhamento e vigilância suburbana, nomeadamente aos bairros de Bandim (e mercado), Chão de Papel, Alto do Crim, Mindara, tabancas da Pedreira e Fábrica da Telha, do Reino e Gambefada, zona entre as bombas da SACOR e a segunda Avenida de Cintura, estrada do Aeroporto, Belém e estrada de Bor, Bairro da Ajuda, incluindo Madina e Missirá e, com uma periodicidade incerta, escoltando as tais colunas para Farim. Faziam-se sempre num só dia, ida e volta.

Nesse tempo, com bom piso e unidades militares ao longo da estrada, nomeadamente em Nhacra, Jugudul, Mansoa, Mansabá e no destacamento K3, – locais onde passa a estrada para Farim, – o percurso não se revelava demasiado perigoso. No essencial, é a proximidade da zona sul da mata do Oio, no enfiamento do Olossato e, cá mais para baixo, da base do Morés, que obriga a redobrado respeitinho, pois é sítio que fez História pelas muitas emboscadas aí efectuadas pelos guerrilheiros do PAIGC, retraçando corpos ao longo dos anos.

Vista aérea do aquartelamento e povoação de Mansabá

Estrada Mansabá/Farim, cujo último troço a ser asfaltado foi o de Bironque ao K3 em 1970/71.

Aquartelamento do K3
Fotos: © Carlos Vinhal e Carlos Silva. Direitos reservados.


Ora, a 14 de Maio de 1973, o pessoal dos primeiro e segundo pelotões parte de manhãzinha (cinco horas e trinta minutos) para mais uma rotineira coluna a Farim, levando simplesmente nos bolsos alguns trocos para comprar cigarros e beber uns copos no local de destino. E é sabido que nem todos terão a possibilidade de o fazer, já que a uma parte dos homens nem é permitido atravessar o rio Cacheu, não só porque a preguiçosa, rangente e fumegante jangada é peça única e, no seu vagar, efectua o vaivém entre margens atulhada de camionetas civis e de passageiros, mas também porque alguém tem de ficar a montar segurança às viaturas militares que permanecem na margem sul a aguardar a viagem de regresso.

As colunas que chegam de Bissau visam abastecer a região com os mais variados géneros. Embora o Cacheu seja navegável até Farim, mesmo por barcos de razoável envergadura, considera-se muito mais lógico e seguro o transporte por terra, e não é por acaso que, tal como outras, aquela estrada estratégica só foi alcatroada em plenos anos da guerra, tantas vidas e sacrifícios tendo custado aos militares que nessa fase por lá andaram. De facto, antes da guerra colonial ter eclodido na Guiné, o território possuía míseros sessenta quilómetros de estradas asfaltadas (e existiam em 1969 mais de mil quilómetros de vias rodoviárias)!

O mesmo princípio se aplica ao reduzidíssimo número de escolas: até há poucos anos, em todo o território, apenas se podia estudar até ao 2.º ano do primeiro ciclo; nos anos setenta, mais de 75% dos professores pertencem à tropa; filhos da terra (não europeus) licenciados na metrópole, serão apenas 6 (o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral é um deles)… Ora, em escassos anos de guerra, o PAIGC já conseguira formar em diversos países (de diferentes regimes) dezenas e dezenas de quadros guineenses e cabo-verdianos, com licenciaturas em distintas áreas. A penúria e o subdesenvolvimento são generalizados, o abandono por parte das autoridades é total. Pensemos em hospitais e postos de assistência médica e sanitária? Pois um mês antes do 25 de Abril, o próprio comandante-chefe, general Bettencourt Rodrigues, constata que dos 82 médicos existentes no território, 76 são militares e dois são família de militares! A generalidade do que existe, e não é muito, foi construído só depois do massacre do Pindjiguiti (greve de estivadores barbaramente reprimida pela polícia, a 3 de Agosto de 1959) e do consequente início da “luta armada de libertação nacional” do PAIGC, mais acentuadamente em 1961 e 1963, entre a margem direita do Cacheu e a fronteira senegalesa. Aliás, e como é óbvio, por alguma razão se desencadearia uma guerra pela independência da Guiné!...

Neste dia, portanto, as viaturas civis e também algumas GMC a pedir reforma seguem carregadinhas de sibe – madeira para reordenamentos. Reordenamentos, são construções alinhadas em aldeias estratégicas, que a dado momento começaram a construir-se concentrando populações num mesmo espaço, sempre coladas aos aquartelamentos das forças armadas e cercadas por redes duplas de arame farpado. Entre estas, montavam-se fornilhos (explosivos de segurança accionados electricamente, – geralmente ligados a uma bateria de automóvel – e compostos por granadas de mão, cuja fragmentação seria reforçada com materiais “fora de prazo”, tais como granadas de avião, de artilharia e de morteiro que por qualquer razão não haviam explodido quando utilizadas e que rebentariam “por simpatia” se conectadas a outra subtileza explosiva). Com os reordenamentos, dizem os responsáveis, impedem-se fugas e contactos com o exterior, “protege-se” a população e faz-se dela um escudo, pois se o IN bombardear o quartel, poderá é estar a matar os seus próprios familiares.

A construção de reordenamentos do território (aldeias estratégicas) não é de agora. Foi o general Arnaldo Schultz (governador da Guiné antes de Spínola, tido como um duro do regime e nomeado directamente por Salazar) que iniciou a política dos aldeamentos estratégicos, com grande propaganda, como se isso fosse uma maravilha para as populações guineenses. Pretendia suster o avanço da guerrilha e controlar os movimentos das populações rurais. Segundo Cabral, os reordenamentos “não têm dado os resultados positivos esperados pelos portugueses, por serem criados sobretudo nas zonas sujeitas à influência dos chefes tradicionais” (de súbito, forte aposta das autoridades coloniais), “especialmente na região de savanas do centro, maioritariamente fulas”. “Mais realista que esses chefes, o Povo foge quando pode e prefere o refúgio das agruras da guerra nos países vizinhos”. A agravante foi o impor determinadas chefias ao povo, que não as respeitava, ou por pertencerem eventualmente a etnias rivais, ou por estarem em desuso, ou por serem inclusivamente contra-natura. Por exemplo, a etnia balanta (a mais numerosa, que representa 30% da população, seguida, por esta ordem, pelos fulas, manjacos e mandingas) dispensava bem ter chefes a mandar, estava habituada desde sempre a resolver os seus problemas e a decidir em comunidade, exercendo um tipo de democracia com que a “civilização ocidental” tinha, e tem, muito a aprender! Além disso, a colagem dos chefes tribais nomeados pela governação da “província” contribuiu ainda mais para aumentar a desconfiança popular. Esse servilismo nota-se aos mais diversos níveis. A política incrementada já por Spínola, que incide na acção psicológica da “Guiné de Hoje, Guiné Melhor”, organizou os chamados Congressos do Povo em que, para representar esse mesmo Povo, são convocados essencialmente esses chefes tribais, – régulos, sipaios, etc.. Tipificando o comportamento desses dignos representantes, lembro uma cena passada em Bafatá, num desses congressos. Usa da palavra o Al Hagi Zacarias Baú, chefe religioso que viveu sete anos em Meca (Al Hagi, também Alaio, significa O Peregrino, e todos os fiéis que fazem a peregrinação a Meca passam a usar essa designação colada ao nome). A dado passo, – qual Dr. Luís Filipe Menezes a bramar contra os sulistas num congresso do PPD/PSD, – foge-lhe “a boca para a verdade” e exclama: “a guerra só acabará quando os brancos forem para casa”! Os cerca de dois mil delegados convidados a participar neste IV Congresso tossem, ficam estupefactos, geram burburinho. O régulo de Ganadu (a regedoria a que Zacarias Jau pertence) exige que o homem lhe seja entregue, pois “sabe muito bem o que lhe há-de fazer”. Passado algum tempo, já em Bissau, o régulo de Badora, Mamadú Bonco Sanhá (condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª classe), disse: “Nós costumamos pescar à gamboa. Às vezes, o peixe pescado à gamboa apodrece e temos que o deitar fora. Al Hagi Zacarias Jau é o peixe podre. É bom que nos desembaracemos dele!”

Às 6 horas, a coluna passa pelo Quartel-General, aí incorporando as viaturas que transportam o tal material de construção civil. Em progressão lenta, a longuíssima coluna/auto pára dez minutos em Mansoa quando são oito horas, passa por Mansabá quando faltam vinte minutos para as nove e chega a Farim (à margem esquerda do Cacheu) às nove e meia.

Tudo decorre dentro da normalidade quando, à chegada, “por decisão superior”, os alferes Igreja e Cruz são informados que, desta vez, também os Unimog e Berliet devem atravessar o rio, a bordo da jangada. Regressarão a Bissau as viaturas Daimler, de cavalaria, em protecção de alguns camiões civis, mal estes descarreguem as mercadorias. Os Marados de Gadamael recebem a notícia de que tão depressa não voltam a Bissau e que nessa noite pernoitarão em Farim e ficarão em reforço ao BCaç 4512/72 (“Firmes, Constantes”). Os homens são apanhados desprevenidos: não tinham levado, sequer, as rações de combate que lhes haviam distribuído, já que esperavam voltar ao COMBIS ainda a tempo de almoçar de faca e garfo. Mas essa dificuldade é superada quando os informam que podem almoçar e jantar na cantina e nas messes de Farim. Quanto a despesas (bebidas, mancarra, tabaco) podem efectuá-las por “requisição” (vales), que as contas irão parar à respectiva companhia, com quem as acertarão mais tarde (e assim viria a suceder, dois meses depois, até ao último centavo!).

Entretanto, tomamos conhecimento de que no dia seguinte participaremos em nova coluna, tendo por missão transportar até Guidaje parte do sibe que trouxemos de Bissau. E vamos ouvindo extraordinários relatos da situação operacional naquelas paragens e nos últimos dias: sabemos dos muitos mortos em ciladas recentes e das muitas horas debaixo de fogo que uma companhia teve de aguentar no acesso à aldeia de Guidaje, já sitiada! Nestas histórias, é sabido, quem as relata em geral nem foi participante activo e fala só do que ouviu falar, costumando cometer excessos e exagerar na dramatização dos acontecimentos. Todavia, nos dias que correm, e nos casos em apreço, nem têm necessidade de o fazer, tamanhos são os temores e a carnificina.

Importa aqui referir que em mais de um ano de estada em Gadamael a companhia contou com múltiplos ataques de artilharia, sofreu 4 mortes e alguns feridos, quer devido a flagelações quer por causa do accionamento de minas, sobretudo na picada para Guileje. Em Bissau, por múltiplas razões, a actividade operacional passou a ser diferente, e muitos dos homens que dantes não saíam “ao mato” passaram a alinhar por escala nos diferentes serviços e colunas. Isto para referir que entre os efectivos que se preparam para amanhã levar a “lenha” ao destino e ter muito prováveis contactos com o IN (asseguram-nos que uma emboscada num local chamado Cufeu será inevitável), há quem nunca tenha, tão-pouco, feito uma patrulha ou saído da porta de armas.

Também por isso, custa a passar esta noite de insónias. Embora reforçados com alguns fuzileiros de Ganturé, soldados africanos e um grupo de milícias – e enquadrados por graduados do batalhão local, que conhecem a zona, – como será possível que dois pelotões possam chegar a bom porto (Guidaje) se, à excepção da coluna de 12 de Maio, outras tropas, até especiais e muito mais bem equipadas, não conseguiram fazê-lo?
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?