1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Outubro de 2010:
Queridos amigos,
Não acho uma investigação sensacional mas comporta investigação séria e digna da nossa atenção. São os arquivos desses telegramas trocados entre Salazar, os Ministros das Colónias ou do Ultramar e os Governadores do Império. Dão conta da limitação de poderes e de uma fidelidade irrestrita ao ditador.
Para que conste. Leitura recomendável para quem quer saber sobre administração colonial.
Um abraço do
Mário
De governador para ministro, de ministro para Salazar
O Ultramar secreto e confidencial
Beja Santos
O projecto de investigação tem todos os ingredientes para ser aliciante: estudar a forma como se administrou o Império, durante o regime de Salazar, apreciando, no essencial, os telegramas trocados entre Salazar, os Ministros das Colónia ou do Ultramar e os Governadores do Império (“O Ultramar Secreto e Confidencial” por José Filipe Pinto, Edições Almedina, 2010).
O relacionamento entre o regime de Salazar/Caetano e as parcelas do Império viveu, como é compreensível, a ritmos diferentes: uma estagnação durante a fase de arranque e consolidação do regime, em que o ponto alto foi o Acto Colonial, o Império era encarado como o património de gesta, terra de missionação e de civilização à luz dos valores ocidentais; segue-se a guerra e as medidas cautelares para contar com o Império num período de graves carências; depois a descolonização e as três frentes de guerra, as sucessivas ópticas de resolver o problema, desde a versão federal do início dos anos 60, passando pelo projecto de Franco Nogueira que sugeria a concentração de energias em três “pérolas” (Angola, Moçambique e Cabo Verde) entregando as outras parcelas aos “ventos da história”, até chegarmos ao 25 de Abril e a descolonização a todo o vapor.
O autor equaciona em primeiro lugar, o relacionamento dos Ministros das Colónias ou do Ultramar durante o Estado Novo. Os sucessivos ministros faziam parte de uma placa giratória não só do círculo mais restrito de Salazar (como Armindo Monteiro) como da administração ultramarina, passando para outros cargos, como foi o caso das empresas do Império, desde os diamantes aos caminhos-de-ferro. Ferreira Bossa, que se sucedeu a Armindo Monteiro, antes de ser Ministro das Colónias já fora Inspector-Geral da Administração Colonial e, depois de cessar funções como ministro, viria a ser Subsecretário de Estado das Colónias, Director-Geral da Administração Política e Civil do Ministério das Colónias e Governador de S. Tomé e Príncipe, de 1946 a 1947. O seu sucessor, Vieira Machado, já fora Subsecretário de Estado das Colónias e assumiu depois o cargo de Director do Banco Nacional Ultramarino. Marcello Caetano, seu sucessor, é um colaborador credenciado junto de Salazar, etc. Mas quem decide sempre não é o Ministro nem o Conselho Ultramarino, é o ditador, ele tudo centra, está permanentemente atento ao equilíbrio das forças dentro do regime: quando Adriano Moreira procura a inovação e levanta protestos dos grandes interesses, é rapidamente substituído. O autor, sumariamente, passa em revista, a actividade desenvolvida por estes ministros, deixa claro a sua subalternidade política e fidelidade a Salazar.
Segue-se a análise da Administração do Império, a sua organização territorial. Recorde que em Cabo Verde, ao contrário das demais colónias, a administração metropolitana era tida como modelo, pois existiam municípios e freguesias (chegou a admitir-se elevar Cabo Verde ao estatuto de ilhas adjacentes, Salazar reprovou). A participação das populações esteve sempre condicionada ao estatuto de civilizado. Na Guiné, possessão que nunca foi encarada como colónia de povoamento, o Governador era assistido por um decorativo Conselho de Governo, onde não entrava nenhum guinéu.
Com o Acto Colonial, a política centralizadora de Lisboa acentuou-se. O número de eleitores foi sempre diminuto. O que estudava de administração colonial no ensino superior era praticamente microscópico, até aos anos 60, havia sim estabelecimentos de ensino para preparar altos funcionários para as parcelas do Império.
Não é possível neste curto espaço apreciar a acção dos governadores do Ultramar nos Ministérios do Estado Novo. Escolha-se a título meramente exemplificativo a Guiné. Armindo Monteiro é Ministro de 1933 a 1935. Na Guiné está o major Carvalho Viegas, que irá permanecer em funções até 1940. Carvalho Viegas é altamente criticado na região, sobretudo pela campanha de pacificação dos Bijagós. Era acusado de aldrabão e troca-tintas. É com ele que a Guiné deixa de viver permanentemente em guerra. O Governador era acusado de praticar uma tirania oficial, praticando inúmeras arbitrariedades. Com Vieira Machado, Ministro das Colónias entre Fevereiro de 1936 e Setembro de 1944, foi Governador nos últimos anos Ricardo Vaz Monteiro. A Guiné, ao contrário de Cabo Verde, não esteve dentro das grandes preocupações estratégicas, se bem que a correspondência detecte alguns casos de espionagem envolvendo a Alemanha e a França. É neste período que se procedeu à reforma administrativa da colónia. Marcello Caetano será Ministro de Setembro de 1944 a Fevereiro de 1947. É o tempo das primeiras tentativas de absorção do Estado da Índia e em que se recupera a posse de Timor. Caetano tomou a medida de fixar missionários estrangeiros, o que vai levantar a oposição na Santa Sé. A Guiné continua primitiva. Quando Carmona pretendeu visitar a colónia, o Governador lembrou a carência de infra-estruturas. Em 1945, chega Sarmento Rodrigues, um nome incontornável como Governador que deixou obra: Bissau mudou de rosto, rasgam-se estradas, mexe-se na estrutura portuária, a cultura passa a ser uma prioridade, etc. Tão relevante é o seu desempenho que será nomeado Ministro das Colónias entre Agosto de 1950 e Julho de 1955. Como Governador, será substituído por um tecnocrata, Raimundo Rodrigues Serrão e mais tarde por Diogo Melo e Alvim. Limitaram-se praticamente a gerir a obra iniciada por Sarmento Rodrigues.
Raul Ventura irá substituir Sarmento Rodrigues, será Ministro entre Julho de 1955 e Agosto de 1958. Já não há ilusões sobre as ameaças ao Império, os movimentos nacionalistas estão na corrida. Álvaro da Silva Tavares é Governador de 1956 a 1958, é um nome cinzento a juntar aos seus dois predecessores. Lopes Alves, um conhecedor do Ultramar, é Ministro de Agosto de 1958 a Abril de 1961. Os grupos nacionalistas movimentam-se em Casablanca, Monróvia e Conacri. Estão prestes a chegar os estados independentes, será à sua volta que se irão abrigar alguns movimentos de libertação. Peixoto Correia é Governador da Guiné de Agosto de 1958 a Abril de 1961. O PAIGC está em franca progressão, outras organizações são apoiadas pelo Senegal. Em 1959, dá-se o massacre do Pidjiquiti. A PIDE entra em força em Bissau. As críticas dos civis, aqueles que escrevem as suas denúncias intitulando-se “bons portugueses” às prepotências chegam até ao Ministro. Chegou a hora das grandes decisões, Salazar nomeia Adriano Moreira, que vem com propósitos de reformas. Peixoto Correia não mede bem o que se está a passar na Guiné, nem no Senegal nem em Conacri. Senghor tenta ser mediador e fazer colocar uma força política em Bissau que prepara uma transição para a independência a prazo. Salazar começa por dizer que sim e depois recua.
José Filipe Pinto, não sei onde é que vai buscar mas põe o nome de Vasco Martínez Rodrigues como novo Governador até 1965. Iniciou-se a guerra. Os campos demarcam-se.
O que fica para dizer? Os governadores não tinham espaço de manobra e os ministros praticamente aguardavam a decisão do ditador sobre reformas, investimentos, ensino, cultura, etc. O Império teve uma gestão altamente centralizada. Casos como o do Spínola decorrem da angústia de tudo estar praticamente perdido. Foram excepções. Não se pode estudar os precedentes da descolonização sem ir a estas fontes, como fez José Filipe Pinto.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Outubro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7094: Notas de leitura (155): Polón di Brá, de João Carlos Gomes (Mário Beja Santos)