Camaradas,
Tentei introduzir uma resposta no poste P8658: (Ex)citações (146): Guidaje - 1973, um comentário e algumas interrogações (José Manuel Pechorro / Juvenal Amado), em seguimento ao meu comentário no P8644, mas como o texto é extenso não consegui.
Assim, agradeço a publicação do texto e 2 fotos anexas sobre Guidage, no blogue, tentando responder às duas perguntas do Juvenal.
Amigo camarada Juvenal:
Estive com o Sr. Cap Cav Salgueiro Maia em Santarém, estagiei no Centro Cripto, na Escola Prática de Cavalaria.
No dia 29 chegou a 6ª coluna auto a Guidage, comandada pelo Sr. Cap Jorge Rodrigues (Cmdt da CCaç 14), onde vinham integradas a 38ª CCmds, parte da CCaç 4512, CCaç 3414 - Cumeré, Gr esp mil 342 – Olossato, Gr Esp Mil - Farim (?) e CCav 3420.
Segundo conversas que ouvi, foi a 38ª CCmds que teve o principal embate com a guerrilha, durante o percurso…
Dei pelo aproximar do Cap Cav Salgueiro Maia ao posto de comando, onde estava próximo o Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos, não dando mostra de esgotamento e vinha dizendo, já próximo e repetindo: "tenho ("8") homens que querem desertar para o Senegal", na presença de soldados do quartel e do Comandante de Guidage. Os soldados da CCav 3420 chegaram fortemente armados e muito cansados; reconheci um moço de Santarém.
Não li o livro deste oficial, que escreveu sobre o cerco, mas baseado em pequenos relatos que li neste blog, em:
Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos), Sábado, 6 de Fevereiro de 2010:
"O chão estava lavrado por granadas, as casas, todas atingidas, pare-ciam ruínas, os homens viviam em buracos, luz e água não havia... como que para nos cumprimentar, pelas 21 horas somos flagelados por um morteiro de 82, com as granadas a cair em grupos de cinco e, para cúmulo, granadas nossas de 81 mm, das capturadas na coluna de reabastecimentos, agora disparadas contra nós. No dia seguinte, pouco depois do alvorecer, inicia-se a coluna de regresso com o pessoal que, até à data, tinha sobrevivido e que, para além dos sofrimentos de que já padecia, deitado sobre colchões velhos, saltava como pipocas cada vez que a Berliet passava num buraco".
E a descrição que ele faz de Guidage é perfeitamente dantesca:
"A enfermaria e o depósito de géneros tinham sido praticamente des-truídos; como assistência sanitária, tínhamos um sargento enfermeiro e alguns maqueiros. O pessoal dormia e vivia em valas abertas ao redor do quartel. Esporadicamente, errava-se por lanços por entre os edifí-cios ou o que deles restava. Como dormir no chão não é muito agradável, na primeira oportunidade passei revista aos escombros e tive sorte: descobri dentro de um armário que tinha pertencido a um alferes madeirense que ficou sem uma perna uma farda nº 3, o que me permitiu lavar o camuflado e, como prenda máxima, um bolo de mel e uma garrafa de vinho da madeira quase cheia e inteira no meio de tudo partido. Com isto fiz uma pequena festa com três ou quatro homens, porque era perigoso juntar mais gente. Nesta altura pensei em, depois de regressar a Bissau ir ao HM 241 saber quem era o alferes para lhe agradecer tão opíparo banquete, mas tal não foi possível e ainda hoje tenho esse peso na consciência.
Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera quatro mortos e três feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 82 com retardamento; a granada rebentou a meio de uma placa feita com cibes; o resto do abrigo ficou totalmente destruído; o chão tinha um revestimento insólito - consistia numa poça de sangue seco, cor castanha com 2 a 3 mm de espessura, rachada como barro ressequido. O odor envolvente era um pouco azedo, mas sem referência possível; o sangue empastava os col-chões e as paredes. A minha preocupação era encontrar um colchão. Depois dar volta aos oito que lá se encontravam, escolhi o que estava menos sujo. Tirei-lhe a capa, mas o cheiro que emanava de dentro era insuportável; mesmo assim, consegui trazê-lo para a superfície, onde ficou a secar debaixo da minha vigilância, para não ser capturado por outro. Depois de bem seco e com os odores atenuados, levei a minha conquista para a vala, onde, para caber, tive de o cortar ao meio, fazendo bem feliz o meu companheiro do lado que, sem esforço, ganhou um colchão, e sem saber de onde ele tinha vindo".
Noutra parte, que não recordo onde li, talvez no blog, seguindo a mesma lógica, afirmou, salvo erro:
- "Dos cerca de 40 ou 50 ataques do mês anterior (Abril), em Maio Guidage sofreu 167!":
Em Abril sofremos um ataque com armas ligeiras no dia 6, o dia dos mísseis Strela e do abate das duas DO27 e do T6,e uma flagelação no dia 28.
Durante o mês de Maio fomos atacados e flagelados 45 vezes; sendo a última a do dia 29 pelas 21 horas. 36,foram antes do dia 19...
- “Em Guidage os mortos foram enterrados na parada!”
As campas foram abertas entre a vala e o arame farpado, próximo da caserna abrigo do 1º pelotão.
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Trata-se de uma versão adaptada, de Guidage… Parece descrever uma batalha, de zona habitacional francesa, próxima das trincheiras da 1ª Guerra Mundial, tudo arrasado e destruído!
Fomos flagelados com granadas de mort 81 (1 ou 2 não explodiram) e deduzimos tratar-se das granadas que vinham nas viaturas da coluna Binta-Guidage, do dia 8 de Maio, acidentada com mina anti-carro e fortemente atacada durante a noite e madrugada do dia 9, foram abandonadas, sendo destruídas de imediato pela nossa aviação… Mas estas granadas apareceram 3 ou 4 dias depois da coluna, não a 29…
As moranças (casas da tabanca), edifícios do quartel e abrigos, em parte atingidos, não ficaram destruídos ao ponto de não continuarem a ser utilizados...
Foto adquirida ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Ao lado o espaldão do morteiro 81, vê-se o bloco de comando a casa do gerador e mota-bomba da água, o depósito, as viaturas e a porta da cantina de bebidas… Avistam-se embalagens das granadas do morteiro 81. O aspecto do terreno era este, as granadas de mort 82 e canhão s/ recuo quase não se notavam nesta terra dura… Os edifícios atingidos mostravam o que o tecto do comando mostra…
A enfermaria tinha placa em betão armado, atingida “duas ou três” vezes, aguentou e continuou a ser frequentada e utilizada.
Fotos adquiridas ao 1º Cabo Radiotelegrafista Janeiro (alentejano). Enfermaria depois de atingida 2 ou 3 vezes, por flagelação de morteiro de 82 mm. Tinha placa de betão armado a protegê-la…
A descrição do abrigo alvejado, na madrugada do dia 25, não corresponde... Faço ver o que aconteceu na P5479 de 16/12/2009. A granada de morteiro caiu e explodiu, no canto da placa, em cima da parede do abrigo. Devido á explosão os estilhaços do próprio tecto causaram as baixas sofridas... Só o canto do tecto de troncos de palmeira, enfraquecido pelo tempo ficou destruído. Os que estavam próximos do canto e do tecto foram atingidos. Um alferes madeirense (o Alf Mil Inf Luciano Dinis, da CCaç 19), ficou ferido com certa gravidade no abrigo, mas ficou inteiro... Não soube de Alferes que tivesse ficado sem uma perna, naquelas condições teria falecido… O pavimento do abrigo, tinha vestígios de sangue, mas não como está descrito... Eu vi logo que se fez dia. Este sim deixou de ser utilizado.
Havia um depósito de água, um gerador eléctrico e moto-bomba que tirava a água de um furo:
No quartel não faltou a água e nem a electricidade, embora houvesse cortes: Aguardávamos nas valas, e sem luz de propósito… segundo informações, teríamos um forte ataque de vingança (algumas deram a entender que o IN estava a abandonar a zona, depois do dia 19). Houve noites escuríssimas e também de luar que parecia dia.
Desligou-se o gerador, a certa hora, para poupar combustível, devido ao falhanço de 2 colunas que não passaram...
Chegamos a ter 800 homens juntos no aquartelamento, se levavam comida, retidos alguns dias, consumiam o que levavam, tinha que haver uma diminuição na quantidade e na qualidade. A vida degradou-se… Fui sempre comer as refeições ao refeitório, mas, algumas vezes fugi para o local de abrigo mais próximo…
As granadas de mort 82 não danificavam muito o terreno… Falo em flagelações com morteiro 120, a ter acontecido, só foi entre 22 e 25 de Maio... O Sr. Ten Cor Cav Correia de Campos afirmou tratar-se de mort 82... Mas as que explodiam no quartel, notava-se mais o local da explosão no chão endurecido.
O quartel de Guidage recebeu instalações novas, cobertas com chapa de zinco, feitas pela BEng em 71/72. Não havendo ataques ou flagelações, com retretes com chuveiro de água canalizada e luz do gerador, onde ia a avioneta do sector, “estávamos na cidade”…
Cobertas as valas interiores e demolidos a maior parte dos abrigos, restaram as 4 casernas abrigos dos 4 pelotões e se não erro 5 pequenos abrigos espalhados… O aquartelamento pequeno e superlotado, teve as suas consequências…
O Sr. Cap Cav Salgueiro Maia (e a CCav 3420), salvo lapso, abandonou Guidage, na coluna auto em 12/6/1973 onde foi o Sr. Ten Cor Cav António Valadares Correia de Campos. Substituído no terreno pelo futuro Cmdt do COP 3 Sr. Maj. Inf. Carlos Alberto Wahon da Costa Campos. Os 3 já morreram.
Com calma e serenidade, os que lá estiveram, cercados, numa batalha dura e cruel, vivendo a guerra! Concordará que a realidade não foi como está descrita pelo Ex. Sr. Cap Maia...
Quanto ao abandono de Guilege:
- Em Guidage
recebemos mais "duas" flagelações em Junho: No dia 1 e a 17.
Não tenho a certeza
se foram três, é provável que tenha sido mais uma no dia 11, que aconteceu o
que descrevo: Ao chegar a coluna, cerca das 18,15 h, com mort 82. Durante 10 ou
15 m. Além dos estrondos, foram nítidos os clarões... Caíram na parada perto do
comando e da enfermaria, local de maior aglomeração de soldados... A rapidez
como desapareceram! Por milagre não tivemos baixas.
O Sr. Ten Cor Cav
Correia de Campos estava no canto exterior do edifício do comando e não nos
acompanhou em corrida para o refúgio do posto de rádio; apareceu e lá se meteu,
foi das poucas vezes que o vi procurar abrigo. Fechamos a porta.
O suposto ataque de
vingança, pelo nosso ataque a Cumbamory e a sua quase total destruição, tinha
por fim reter as nossas forças operacionais no norte? Não chegando socorro a
Guileje ou Gadamael nas devidas condições.
- Não quero julgar
ninguém. Cada quartel teve a sua cruz... Não sou a pessoa habilitada para o
fazer:
Em Bissau e o
PAIGCV, certamente esperavam maior resistência em Guilege e se esta tem
acontecido, não daria tempo para o socorro aparecer?
Um abraço a todos,
José Pechorro
1º Cabo Op Cripto da CCaç 19
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em: