1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este divertido texto de alta ficção tecnológica, que é como quem diz, como seria se assim fosse, o que não é o caso, antes pelo contrário.
… i-guerra…
Recostei-me no sofá, e pensei: Vou recordar! Boa. O quê?
Este tipo tem cada ideia! Recordar o quê? Olha, meu velho, batatinhas!
Bem. O melhor é não fazer esforços com a massa cinzenta, porque ainda pode resultar, do esforço, uma “hérnia no cérebro” e não é nada aconselhável que isso aconteça, até que o inchaço é bastante desconfortável.
Pus um “olhar em branco”, virado para o mais longe possível, na esperança de não ver nada, e assim nada me surgiria para pensar. Mas não. Deixar de dar ocupação, à massa que temos dentro da caixa craniana, é um bocado difícil.
Mesmo à minha frente, numa mesa especialmente comprada para o efeito, estava o meu portátil, daqueles pequeninos que, se não tivermos muito cuidado, estamos a teclar em duas letras ao mesmo tempo. E veio-me à memória os meus tempos de bancário, nos remotos anos setenta do século passado [século passado, é sempre uma expressão que fica bem em qualquer texto].
Pois é.
“In illo tempore”, também é de bom-tom meter expressões em latim, naquele tempo, dizia, os computadores ocupavam uma sala, de dimensões razoáveis e climatizada, e os técnicos que nela trabalhavam usavam bata branca. Ainda não havia sido descoberto o “H1N1”, porque senão trabalhariam, também, com luvas anticépticas e descartáveis.
Pois bem. Eram máquinas enormes, em que a informação era “metida” através de cartões perfurados. Os mais idosos ainda se devem lembrar duns cartões que eram distribuídos pela empresa que fornecia a electricidade, que de nada serviam, já que, lembro-me, “andou pendurado no contador da luz” até que o senhor que lá foi fazer a contagem, disse:
- Ainda tem isto? Pode rasgar e deitar fora. Não serve para nada!
Pois eram esses cartões, perfurados, que se utilizavam no banco onde trabalhei, para enviar informações para o computador central, e processar as transferências de emigrantes, secção onde prestava serviço.
Por causa disso, dos cartões, recordei-me do Sébola. Exactamente, cebola com “s”, bom colega, amigo do seu amigo, óptimo desenhador, mas, como sempre há um mas, um bom bocado conservador, especialmente no que respeita “às novas tecnologias da época”. Mexer em papéis, arquivá-los, ordená-los, tudo bem. Trabalhar com os cartões, é que não.
Um dia de menos trabalho, a meio do mês abrandavam as transferências do estrangeiro, aproveitei e contei-lhe uma história.
Disse-lhe que, no dia anterior, tinha ido jantar com os meus pais e, depois do jantar, fiquei à conversa com o “velhote” e, como não havia grande gama de assuntos, falámos de computadores, e de como se processava o serviço, desde a “chegada dos cartões à secção” até à “devolução dos mesmos” para serem processadas as operações correspondentes.
Fiquei maravilhado. O Sébola, já um bom bocado mais velho que eu, ouviu com todo o interesse a minha descrição, onde, não podia deixar de o fazer, enfatizava o interesse que o meu pai na minha discrição “computadicional”. No final do relato da “suposta conversa” havida no fim do jantar do dia anterior, diz-me com um sorriso:
- Oh, Martins. O seu pai nem bocejou nem nada?
Imaginem, também, que não tinha havido um determinado dia, de um determinado mês, de um determinado ano. Que a guerra tinha continuado. Que os nossos filhos, e d’alguns, os netos, não tinham ido à tropa, como aconteceu.
Comecei a imaginar o que seria a Guerra do Ultramar, chamo-lhe assim porque era o nome que tinha na altura, e que nós conhecemos por termos sido actores e não espectadores, mas com as tecnologias actuais.
Temos que lembrar que, há cinquenta anos, quando começou a última fase das campanhas de África de 1961 a 1974, [já que houve muitas mais, desde 22 de Agosto de 1415 com a conquista de Ceuta até 25 de Junho de 1975 com a independência de Moçambique], os nossos camaradas iam armados da velha Mauser, com arreios modelo “não sei quantos” e as fardas eram de cotim, tecido muito em voga à época e dos mais baratos e resistentes do mercado. Os oficiais iam armados de pistola Walther e os sargentos com a FBP, daquelas que ainda não tinham recebido a patilha de segurança. No terreno, as tropas “guiavam-se” pelas Cartas Topográficas, que foram produzidas antes do início dos conflitos finais.
Na minha “área de conhecimento”, nas Transmissões era usado o material “herdado da Guerra da Coreia” (25 de Junho de 1950 a 27 de Julho de 1953), ou seja os AN-GRC 9, os AN-PRC 10 e os AVF/THC 736, mais conhecidos por “Banana”. Bem, depois deu-se a evolução e começaram a aparecer os CHP 1 e DHS 1, e mais tarde os RACAL, que já não foram contemporâneos meus.
Na área do “cripto”, o local devia ser isolado e resguardado e, onde só podia entrar quem “estivesse autorizado” pelas NEP (Normas de Execução Permanente), havia aquela “quantidade” de maior ou menor dimensão de “Códigos”, para se poder cifrar e/ou decifrar as mensagens que corriam no espaço, entre dois postos, quer transmitidos em fonia e/ou grafia.
Dentro da área das Transmissões, mas noutro registo completamente autónomo, existiam as “Transmissões Pessoais” que não faziam mossa ou concorrência, às “Transmissões Oficiais”. Estas, as Oficiais, quando necessário, apoiavam as Particulares, com o envio ou recepção de correspondência particular “Zulo”, mais conhecidos por “Telegramas”. E é verdade. Este tema de telegramas dá, sem dúvida, para um texto autónomo que, entrosado com a área civil, facilitou e embarateceu a circulação de notícias, previamente padronizadas e “codificadas através de um número”.
Os milicianos que continuariam a existir e, não me admirava nada que, os actuais países da CPLP, que neste escrito continuariam a lutar pela sua independência, seriam Governados por um General Miliciano ou um Almirante da Reserva Naval.
Vejamos, para o caso da Guiné, que conhecemos melhor:
Os “velhos Petromax” já eram ligados por um sistema automático e, cada poste de iluminação de alta potência, dispunha de uma placa solar para alimentação.
Dispostos estrategicamente por todo o aquartelamento, ligados em paralelo entre si, existiam vários painéis solares que, mesmo que algum fosse atingido e/ou avariasse, não impedia que os outros continuassem a iluminar o posto de recolha e distribuição de energia.
A cozinha, já dispunha de excelentes equipamentos de confecção das refeições. O refeitório foi modificado e, sinais dos tempos, passou a ser “self-service”. Os pratos de alumínio desapareceram, para dar lugar a uns tabuleiros em aço inox que dispunham já do formato dos pratos para sopa e o “prato do dia”. Local para o copo, pão e fruta. Com água quente em abundância, pelo menos em comparação com o nosso tempo. O trabalho dos faxinas era um “louvar a Deus”, além da dispensa de operações.
A ideia do Zé Teixeira, o “nosso fermero”, foi adoptada e “isso” resolveu uma série de problemas. O velho poço ou o recurso à água da bolanha, foi ultrapassado. Furos “tecnológicos” foram efectuados pelos aquartelamentos e todos dotados de motor, accionados pela electricidade gerada por uma placa solar.
A existência de poços, permite que haja uma “agricultura de subsistência” em cada unidade, tendo-se algumas, tornadas auto-suficientes quer em produtos frescos quer mesmo em agropecuária.
No que respeita ao armamento ligeiro, a “velha Mauser” deixou de existir, tendo sido substituída pela G3, já de fabrico nacional, com autorização patenteada e passível de adaptações.
A G3, quase a completar 50 anos de idade, continua a existir, mas agora com cuidados ecológicos. A coronha e guarda mão, inicialmente em madeira e mais tarde de plástico, são agora fabricadas com materiais reciclados e recicláveis e, portanto, amigos do ambiente. A parte metálica, de uma nova liga mais resistente e muito mais leve, permitiu adaptar outros “adereços” que lhe dão outras possibilidades. Além de um “raio laser” para permitir um “tiro de precisão”, dispõe de uma lanterna led, alimentada por um acumulador, que é carregado quando a arma é colocada no armeiro. Se necessário, pode ser accionado o botão de um dispositivo que produz energia, com o movimento da arma. Estes dispositivos são um complemento aos “óculos de visão nocturna”, permitindo que as forças façam mais operações durante a noite, evitando o calor abrasador do dia.
Os velhos mapas, que agora ainda podem ser encontrados no blogue da Tabanca Grande, são uma preciosidade, por raros, e alvo de leilões na net. Esses mapas, dizia, são agora substituídos por
ipad, que são carregados com os mapas e o plano de operações no dia anterior à operação e são dotados de uma pilha especial, fabricado para este modelo, com uma autonomia de 120 horas, o que é excelente.
Em cada operação é incorporada uma Equipa de Foto-cine, com a missão de filmar a operação, para posterior envio ao escalão superior, evitando “baldas” ou o inconveniente de estar a manuscrever o relatório para ser elaborado à máquina em “n” cópias. Agora vai, por mail, para as diversas entidades.
No entanto, antes de seguir para “distribuição”, o “Estado-Maior” da Unidade, mesmo ao nível de Companhia, reúne com os oficias e sargentos que tomaram parte na operação, num “briefing”, visionam a mesma, tecem os comentários aconselhados, e anexam ao vídeo, da operação, a filmagem da reunião. Serviço limpo e rápido.
As transmissões entre a força em operação e o aquartelamento e feito por telemóvel 3G, o que permite, inclusivamente, “conversação em privado” com o Comandante da Unidade e/ou do escalão superior. Permite o envio e recepção de SMS e, também muito importante, o envio de imagens, como trilhos descobertos, minas implantadas e descobertas, etc.
Aos elementos que constituem a força em operação, é que é vedado o uso de telemóveis, já que a opinião pública foi fortemente afectada pelo caso do soldado que, durante uma patrulha quando estava a falar com a namorada, foi atingido. Antes da força “sair para o mato” passa através de um “pórtico detector” que denuncia os “aparelho transportados indevidamente”.
Há também outras razões. Foram descobertos “infiltrados” nas unidades que, mais não eram, que jornalistas disfarçados e que, durante os patrulhamentos enviavam relatos em directo para rádios e televisões, incluindo, muitas vezes, imagens via MMS.
Continuando com as transmissões, deixaram de existir, nas unidades combatentes, não só os Radiotelegrafistas, que já eram uma minoria no nosso tempo, mas também os Radiotelefonistas. Os Operadores de Mensagens, também deixaram de existir. Agora, todas estas especialidades, foram substituídos por “Operadores de Informática”, credenciados pela Chefia das Transmissões, para poderem lidar com “material e informação crítica”.
Numa Parceria Publico Privada (PPP), foi assinado um protocolo entre o Ministérios das Forças Armadas e dos Combatentes e a Universidade Norte-Leste (sediada em Braga, ou, talvez um pouco mais abaixo) que, em cooperação estreita com a empresa “Verão Academy”, desenvolverem um programa para “criptar e descriptar” mensagens.
Esta parceria revelou-se de extrema utilidade, já que ao receber a mensagem, via e-mail, o Operador faz “Copy/Paste” para a aplicação “Cripto Translation” e, instantaneamente, aparece no monitor a “mensagem em claro”, tendo bastado para tal colar o texto a “trabalhar” na aplicação, indicar se é “tradução ou retroversão”, indicar o código utilizado e clicar sobre a janela "Executar". É mais ou menos, mas mais aperfeiçoado, do que o que fazemos quando queremos usar uma aplicação de “tradutor”. Seguidamente, e por circuito interno (seguro), a mensagem é encaminhada para o Comando que, depois de ler, não necessita de imprimir, bastando gravar na pasta destinada “aos assuntos” relacionado com o texto.
Quando se torna necessário, o Comandante escreve o texto que quer, directamente no seu PC (personnal computer, não Posto de Comando), e envia para o Operador de Informática que cifra o texto e o envia, por e-mail, para os destinatários.
Deixou de haver “Toque de Ordem” e, a “Ordem de Serviço” deixou de ser dactilografada. Esta é digitada na secretaria e enviada para a equipa de Foto-cine que a faz circular pelo circuito interno de televisão, não havendo, portanto, razão para que o pessoal desconheça o conteúdo da mesma. Quem dispuser de equipamento compatível e, desde que tenha subscrito essa funcionalidade, pode receber essas informações no telemóvel,
ipad,
mail, ou “descarregar", mediante pedido, directamente no seu
ipod.
O Corneteiro já esqueceu o “Toque a Pré”, dado que esta cerimónia deixou de existir. Os pagamentos são efectuados por transferência bancária para todos os elementos da Unidade. A Cantina das Praças, o Bar dos Oficiais e Sargentos, assim como o Depósito de Géneros, dispõem de terminal Multibanco, onde pode ser efectuado o pagamento pelo cartão de “Identificação Militar” que dispõe de um
chip, para poder ser utilizado como cartão de débito ou crédito, bastando para tal a introdução de um PIN. Os montantes, das operações, são movimentados, imediata e automaticamente, nas contas a que a cartão está associado.
Para uso no comércio local, agora bastante desenvolvido, existe junto da Secretaria um “terminal Multibanco” para levantamento de dinheiro. Esta caixa é abastecida pelos serviços do “Banco Tesouro/Militar”, pelo que os militares, com a Especialidade de “Bancorários”, visitam as Unidades para efectuarem o carregamento das máquinas, com dinheiro fresco. É nessa altura que são distribuídos os “extractos de conta”, mas são raros, porque além de caros, são incentivadas as adesões ao extracto “on-line”.
Como é um serviço que, além de caro, pode desenvolver uma “espécie de pirataria” por parte dos “movimentos de libertação”, como a detecção por aeronaves ou assaltos às “carrinhas de transporte de valores (anfíbias)”, encontra-se em estudo um convénio, entre o Banco Tesouro/Militar com o Banco Provincial, para a criação de um Instituto que faça a gestão das operações entre os bancos (militar e civil) digamos que uma espécie de SIBS, que assim criará mais alguns postos de trabalho para a população.
Também o Laboratório das Forças Armadas, em colaboração com as Universidades, nacionais e estrangeiras, estão a desenvolver um novo fármaco, com efeitos “rejuvenescedores e recuperativos de memória” (tipo “viagra”), que será distribuído em “unidose” [afinal sempre é exequível a unidose] para, em colaboração com as Associações de Combatentes, se encontre uma forma de fazer voltar ao activo aqueles que há muito se encontram desmobilizados, uma vez que, com a experiência destes e os novos equipamentos, se consiga, de vez, terminar com este conflito.
Afinal acabei por não recordar nada. Adormeci e tive um sonho incrível. Este sonho já foi há algum tempo, e ainda me pergunto se é realidade ou ficção.
Parece-me mais ficção, porque a verdade, verdadinha, é que parece que vamos ter de novo a forma de comunicar com fumo. Não será com aquelas “máquinas de fumo” que se usam em espectáculos tipo “Hollywood”, porque os produtos de consumo nestas máquinas, fundamentalmente a electricidade, vai aumentar de preço por causa do aumento do IVA, mas vamos usar os FUMOS DA HISTÓRIA, antes que estes se dissipem no ar.
José Marcelino Martins
08 de Setembro de 2011
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2011
Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)
Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2011 >
Guiné 63/74 - P8735: Blogoterapia (188): Encontros, ou como abrir o tal Capítulo da Vida (Torcato Mendonça)