1. Mais um episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.
Do Ninho D'Águia até África (21)
O Tabaco, para alguns
Já foi dito mais que uma vez que se vivia com alguma
angústia e desespero em cenário de guerra, alguns militares
pensavam que para atenuar estes factos, o cigarro ajudava,
como tal quase todos os militares fumavam em cenário de
guerra. Isto já era um hábito.
Diziam que dava uma certa auto estima, ajudava a passar as
horas e mantinha o militar, um pouco mais ocupado. Talvez, mais
distraído.
Não sabiam como explicar, mas talvez fizesse a
pessoa mais importante puxar pelo seu cigarro, batê-lo na palma
da mão e acendê-lo com o seu isqueiro.
Os que tinham vindo da cidade faziam esta operação com uma
ligeireza e habilidade de espantar. Os da província, como era o
caso do Cifra, aprendiam e depois também se
vangloriavam com certas habilidades.
Enchiam a boca e os pulmões com fumo, por
algum tempo, depois faziam círculos, com esse
mesmo fumo, alguns mais habilidosos, colocavam o
fumo dentro de um copo, que depois largavam, com destreza tal, que faziam uma coluna de fumo,
com várias curvas, em cima de uma mesa, feita
com o tampão de um barril de vinho vazio.
Ao
acenderem o isqueiro, produziam uma série de
malabarismos, uns mais habilidosos que outros.
Para o final do mês, alguns andavam “à crava”, que era o que
se dizia na gíria, quando alguém não tinha tabaco e pedia a um
colega, mas nesse aspecto, havia um pacto entre militares, de
nunca deixar um colega sem tabaco.
As marcas que se usavam eram,
“Três Vintes”, “Paris” e “High Life”, todos sem filtro, da
companhia tabaqueira portuguesa, e “Marlboro”, com filtro,
americano, que era só para dias de festa, pois a embalagem,
tinha “manga de ronco”, ou seja muita classe, e quando um
militar se vestia com roupa lavada, colocava a embalagem de
“Marlboro”, no bolso da camisa, às vezes cheia de cigarros “Três
Vintes”, de modo a que se pudesse ver, pois era um luxo e dava
mais estilo.
O “Marlboro” custava um pouco mais.
Depois havia os cigarros que se faziam e que circulavam
entre alguns militares, pelo menos os que já se conheciam e
estavam ali estacionados há bastante tempo, e às vezes não só,
normalmente com o nome de “especiais”. Era um mistura de ervas,
um pouco maiores que o tabaco normal, que se amassava com os
dedos, fazendo pequenas partículas, que por vezes se misturava com
o tabaco normal, outras vezes se faziam os cigarros só com essas
ervas.
Esta mistura de ervas vinha em embrulhos pequenos, num
papel amarelado, amarrado com um fio, tipo onça de tabaco, mas
um pouco maior, que depois se faziam os cigarros com uma
mortalha de papel. Quase sempre vinham do norte da província, ou
talvez do país vizinho, das terras mais secas. Tinham um aroma
delicioso, e quando se fumavam tirava a dor de dentes, relaxava
e parecia que não havia guerrilheiros no mundo, custava quase o
mesmo preço de um maço de tabaco “Marlboro”, pouco mais, mas
tinham que se fazer os cigarros, era mais difícil arranjar as
mortalhas de papel, do que própriamente a mistura de ervas, pois
só quando passava uma coluna militar, vinda do norte, é que
abastecia o pessoal.
Havia um africano que vivia na tal aldeia, com casas
cobertas de colmo, próximo do aquartelamento, que fazia estes
cigarros, enrolados em folhas de tabaco seco, eram uns charutos
pequenos e finos, um pouco maiores que um cigarro normal, esse
homem não chegava para as encomendas, mas só vendia aos
conhecidos e não cobrava mais caro, por cada cigarro, algumas
vezes não queria dinheiro, queria um embrulho de ervas, que
depois fazia o preço.
Ele dizia mais ou menos isto:
- Antes do pessoal branco, eu ter sempre erva, agora não
tenho, pessoal leva tudo. Antes, ia na mata e apanhava erva,
agora, vem “homem mau” e leva pessoal.
Com toda a certeza, quando dizia “homem mau”, se referia aos
guerrilheiros. Este homem passava o dia deitado na rede,
mascando cola, debaixo de uma espécie de alpendre, na frente de
sua “morança”, com um rádio portátil ligado com uns fios a
uma bateria que o Cifra lhe arranjou de um Unimog que tinha
sido quase destruído por um fornilho, e ouvindo música e orações
numa língua em que parecia que estavam a chorar, e as suas
quatro mulheres trabalhavam na “bolanha”, juntamente com os
filhos e as filhas. Só se levantava da rede, para entrar na
“morança” e dar continuidade a um pequenino fogo que existia a
um canto do principal compartimento, onde ardiam madeira e
folhas de cheiro, que ele dizia ser por causa dos mosquitos,
mas quase todos sabiam que esse não era o motivo, pois quando
se entrava naquele compartimento, havia um odor agradável e
ficava-se tonto e a cambalear.
Muitas vezes o Cifra via esse homem na vila, talvez
distribuindo o seu produto por alguns residentes, descalço,
trajando uma vestimenta branca que o cobria até aos pés, um
gorro de lã na cabeça, com cores que iam do amarelo ao preto, o
rádio portátil seguro com uma das mãos, no ombro, e com os
fios ligados à tal bateria que o Cifra lhe tinha dado, que uma
das suas mulheres caminhando atrás de si, carregava à cabeça.
Só se fumava esta mistura de ervas quando alguém não recebia
correio, ou se recebia, as notícias não eram as melhores, como
por exemplo a namorada ter ido ao baile da paróquia com o
vizinho e já não gostar dele como no princípio, ou ter que sair
ao outro dia para determinada operação ou andava com dores em
qualquer parte do corpo.
Quando se desejava um cigarro destes,
com toda a naturalidade se dizia:
- Estou com fortes dores neste maldito dente, tens aí um
“especial”?
Às vezes era melhor um cigarro destes do que ir ver o
“Pastilhas”, o tal cabo enfermeiro.
____________
Nota de CV:
Vd. últimos 10 postes da série de:
22 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10419: Do Ninho D'Águia até África (11): Zarco, o combatente (Tony Borié)
26 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10438: Do Ninho D'Águia até África (12): O Madragoa (Tony Borié)
29 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10454: Do Ninho D'Águia até África (13): O Bóia (Tony Borié)
2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10467: Do Ninho D'Águia até África (14): O herói "Curvas" (Tony Borié)
6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10488: Do Ninho D'Águia até África (15): O "Caneta" (Tony Borié)
9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10504: Do Ninho D'Águia até África (16): As notícias (Tony Borié)
13 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)
16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)
20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)
e
23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10559: Do Ninho D'Águia até África (20): Ida à capital da Província (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 27 de outubro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10577: Convívios (479): Paraquedistas do Cartaxo, do 'antigamente' e do 'agora' , reuniram-se no 5 de outubro
Cartaxo > 5 de outubro de 2012 > 1º encontro nacional dos paraquedistas do concelho do Cartaxo. Foto da revista Dada (Com a devida vénia...).
1. Mensagem, de 12 do corrente, do nosso leitor (e camarada) Salvador Nogueira, ex-para (passou pelo CTIG em 1969):
Decorreu no dia 5 de outubro o 1º Encontro de Paraquedistas do Concelho do Cartaxo.
Das cerca de 100 pessoas, uns 80 eram paraquedistas, dos quais 90% do 'antigamente', estando presentes homens dos primórdios, 'de 59', e a que se juntaram e muito bem, alguns 'bósnios e afeganos', 'de agora'.
Das iniciativas de reencontro a que tenho assistido, esta terá sido uma das mais homogéneas e amistosas, sobretudo tendo em conta que se tratou de uma reunião de elementos 'indiscriminados', sem referência de passado comum que não seja o facto de serem paraquedistas - o espírito mantém-se... e "que nunca por vencidos se conheçam"!
Aqui podem ver, os leitores do nosso blogue, um conjunto de fotos publicadas no Facebook
http://www.facebook.com/media/set/?set=a.10151276185594453.490252.243438434452&type=1
Um abraço, Salvador.
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 24 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10565: Convívios (478): I Encontro, nos Açores, do Pessoal da CCAÇ 3414 - BII17 - Ilha Terceira, levado a efeito no passado dia 25 de Agosto de 2012 (Joaquim Carlos Peixoto)
Aqui podem ver, os leitores do nosso blogue, um conjunto de fotos publicadas no Facebook
http://www.facebook.com/media/set/?set=a.10151276185594453.490252.243438434452&type=1
Um abraço, Salvador.
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10565: Convívios (478): I Encontro, nos Açores, do Pessoal da CCAÇ 3414 - BII17 - Ilha Terceira, levado a efeito no passado dia 25 de Agosto de 2012 (Joaquim Carlos Peixoto)
Guiné 63/74 - P10576: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte I): Tabanca e destacamento de Mejo, 1965
Alcobaça > São Martinho do Porto > Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de agosto de 2010> O Alberto Pires, o Teco, ex-mil, CCAÇ 726 (Guileje, 1964/66).
Foto de L.G. (2012)
Foto nº 2
Foto nº 4
Foto nº 6
Foto nº 1
Foto nº 3
Foto nº 5
Foto nº 7
Guiné > Região de Tombali >Mejo > CCAÇ 726 (Out 64/jun 66) > 1965 > Aspetos da vida em Mejo. Esta tabanca foi ocupada em 30 de Março de 1965, na sequência da Op Arpão, tendo lá ficado dois pelotões. Fotos do álbum fotográfico do Teco.
Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados
1. O Teco, natural de Angola, de seu nome Alberto Pires, foi Fur Mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)...A companhia esteve em Guileje entre de Outubro de 1974 e Junho de 1966. Tinha um destacamento em Mejo.
2. O nosso co-editor, jubilado, Virgínio Briote, já aqui em tempos nos deu notícia resumida da história da CCAÇ 726, ao receber o novo grã-tabanqueiro Carlos Guedes, em 24 de maio de 2010:
(...) CCAÇ 726 (breve resenha)
Mobilizada através do RI 16 a CCaç 726 embarcou para a Guiné em 6 de Outubro de 1964, tendo por Comandante o Tenente de Infantaria, Joaquim Manuel Martins Cavaleiro, até 27 de Janeiro de 1966. altura em que deixou o comando. [A CCAÇ 726 teve ainda como Comandantes o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim].
O desembarque em Bissau foi a 14 do mesmo mês. O 1º grupo de combate a ser destacado para Guileje, marchou a 28 de Outubro, o 2º a 17 de Novembro, a Formação a 30 de Novembro, e finalmente o 3º grupo de combate, vindo de Cacine, a 15 de Janeiro de 1965.
Em 30 de Março de 1965, após a Operação "Arpão", ocupou a povoação de Mejo, onde foram colocados dois Pelotões.
Em 27 de Janeiro de 1966, para reforçar a CCaç 1424, destacou dois Pelotões para o Cachil (Ilha do Como ).
A partir de 1 de Fevereiro de 1966, a actividade operacional da CCaç 726 era alargado a 4 frentes de combate: Guileje, Mejo, Cachil e em grupos de Comandos onde prestam serviço: 1 Oficial, 4 Furrieis e 4 Praças.
Em 6 de Agosto de 1966, seguiu para Bissau, a fim de embarcar de regresso a Lisboa.
Baixas em combate de Novembro de 1964 a Junho de 1966.
Mortos: 9
Feridos: 8 (...)
1. O Teco, natural de Angola, de seu nome Alberto Pires, foi Fur Mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)...A companhia esteve em Guileje entre de Outubro de 1974 e Junho de 1966. Tinha um destacamento em Mejo.
O Teco tem um fabuloso arquivo fotográfico desse tempo (mais de 500 fotos) que já prometeu partilhar connosco. Encontrámo-nos duas vezes, mas eu ainda não consegui trazê-lo até à nossa Tabanca Grande. Mas se o Maomé não vai à montanha, a gente traz a montanha até junto ao Maomé. O mesmo é dizer, que pegamos nas fotos que ele, Teco, pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, e reproduzimos algumas aqui, no blogue. Com a devida vénia, está claro... Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas. Estas que publicamos hoje foram tiradas em Mejo (provavelmente em 1965).
Os mejenses podem tentar legendá-las, seria uma boa ação. O Teco, se nos estiver a ler, que nos dê notícias, dele e da história da sua CCAÇ 7267, que estava a escrever em dezembro de 2007. Dele também já aqui publicamos fotos da fortificação de Guileje. (LG).
2. O nosso co-editor, jubilado, Virgínio Briote, já aqui em tempos nos deu notícia resumida da história da CCAÇ 726, ao receber o novo grã-tabanqueiro Carlos Guedes, em 24 de maio de 2010:
Mobilizada através do RI 16 a CCaç 726 embarcou para a Guiné em 6 de Outubro de 1964, tendo por Comandante o Tenente de Infantaria, Joaquim Manuel Martins Cavaleiro, até 27 de Janeiro de 1966. altura em que deixou o comando. [A CCAÇ 726 teve ainda como Comandantes o Cap Inf Arménio Teodósio e o Cap Art Nuno Rubim].
O desembarque em Bissau foi a 14 do mesmo mês. O 1º grupo de combate a ser destacado para Guileje, marchou a 28 de Outubro, o 2º a 17 de Novembro, a Formação a 30 de Novembro, e finalmente o 3º grupo de combate, vindo de Cacine, a 15 de Janeiro de 1965.
Em 30 de Março de 1965, após a Operação "Arpão", ocupou a povoação de Mejo, onde foram colocados dois Pelotões.
Em 27 de Janeiro de 1966, para reforçar a CCaç 1424, destacou dois Pelotões para o Cachil (Ilha do Como ).
A partir de 1 de Fevereiro de 1966, a actividade operacional da CCaç 726 era alargado a 4 frentes de combate: Guileje, Mejo, Cachil e em grupos de Comandos onde prestam serviço: 1 Oficial, 4 Furrieis e 4 Praças.
Em 6 de Agosto de 1966, seguiu para Bissau, a fim de embarcar de regresso a Lisboa.
Baixas em combate de Novembro de 1964 a Junho de 1966.
Mortos: 9
Feridos: 8 (...)
Guiné 63/74 - P10575: O nosso livro de visitas (150): Agradecimento (Vanda Silva)
1. Mensagem da nossa leitora Vanda Silva, ex-madrinha de guerra (*)
Data: 26 de Outubro de 2012 10:13
Assunto: Agradecimento
(ii) Manuel Santos, 25 de Outubro de 2012 17:47
Assunto: Agradecimento
Agradeço-lhe o empenho e a rapidez em satisfazer o meu pedido que, infelizmente, tem um resultado desagradável.
Soube, através do email indicado por si (**), que o Alferes Oliveira Marques já morreu, facto que me deixou consternada.
Quanto a partilhar memórias desse tempo, deixe-me primeiro ordenar as ideias ( e o coração que a vida não afecta só o aspecto físico com rugas e cabelos brancos ).
Soube, através do email indicado por si (**), que o Alferes Oliveira Marques já morreu, facto que me deixou consternada.
Quanto a partilhar memórias desse tempo, deixe-me primeiro ordenar as ideias ( e o coração que a vida não afecta só o aspecto físico com rugas e cabelos brancos ).
Bem haja e felicidades para o seu (vosso) excelente trabalho.
_____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > Guiné 63/74 - P10552: O nosso livro de visitas (149): Vanda Silva, madrinha de guerra, procura o paradeiro do ex- alf mil António Augusto Oliveira Marques, CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69)
(**) Troca de emails entre a Vanda Silva e o o nosso camarada Manuel Santos [ou Domingos Santos]:
(i) Vanda Silva, 24 de Outubro de 2012 16:51:
Manuel Santos:
O sr. Luís Graça deu-me o seu email porque talvez me informasse sobre o Alferes Miliciano dos Comandos, António Augusto Oliveira Marques ( Tony Marques ) que esteve colocado em Susana durante 1967- 1968. Correspondia-me com ele durante esse periodo e perdi o seu contacto após a desmobilização em Dezembro de 68. Desde já lhe agradeço.
_____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > Guiné 63/74 - P10552: O nosso livro de visitas (149): Vanda Silva, madrinha de guerra, procura o paradeiro do ex- alf mil António Augusto Oliveira Marques, CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69)
(**) Troca de emails entre a Vanda Silva e o o nosso camarada Manuel Santos [ou Domingos Santos]:
(i) Vanda Silva, 24 de Outubro de 2012 16:51:
Manuel Santos:
O sr. Luís Graça deu-me o seu email porque talvez me informasse sobre o Alferes Miliciano dos Comandos, António Augusto Oliveira Marques ( Tony Marques ) que esteve colocado em Susana durante 1967- 1968. Correspondia-me com ele durante esse periodo e perdi o seu contacto após a desmobilização em Dezembro de 68. Desde já lhe agradeço.
(ii) Manuel Santos, 25 de Outubro de 2012 17:47
Eu estive em Suzana de 67-69 com esse meu grande amigo Tony Marques, era do meu pelotão. Não sei se sabe, a sua Mãe morava em Bissau e estive lá em casa dele por várias vezes.
Mas tenho que lhe dar uma má noticia , ele já morreu. Ficou em Bissau quando na disponibilidade, em casa de sua mãe.
Se pretender mais algumas informações, pode contar comigo.
Manuel Santos
Furriel miliciano
Comp 684,
Manuel Santos
Furriel miliciano
Comp 684,
Suzana e Varela 67-69
Guiné 63/74 - P10574: Notas de leitura (422): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2012:
Queridos amigos,
Aqui fica a crónica dos acontecimentos que envolveram um conjunto de operações para afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu.
Terá sido o episódio que mais impressionou o então furriel Manuel Lomba que aproveita esta circunstância para analisar por sua conta e risco a luta armada vista dos dois lados, de acordo com o que leu e as opiniões que recolheu, antes e depois do 25 de Abril. Bem vistas as coisas, são memórias da guerra e uma análise política, um olhar contundente sobre o fim do Império. Há para ali parágrafos que não poderão ser sonegados ao que melhor a literatura da guerra irá acolher nas antologias a publicar.
Um abraço do
Mário
A batalha de Cufar Nalu (2)
Beja Santos
As memórias “Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu” (por Manuel Luís Lomba, Terras de Faria, Lda., 2012) são uma peça singularíssima na literatura da guerra colonial, como foi lembrado no texto anterior. Toda a recordação da vida operacional da CCAV 703 aparece entremeada pelo enquadramento histórico e político, é um longo olhar do combatente como se pretendesse fazer o arco entre a chegada de Nuno Tristão até à independência da Guiné-Bissau, quase mesmo ao presente. Manuel Lomba, vê-se à légua, fez leituras e nos seus regressos à Guiné-Bissau fez muitas perguntas para encontrar uma elucidação dos acontecimentos. Quem pretende tocar em muitos assuntos, inevitavelmente corre riscos de ser contraditado. Não para atiçar a curiosidade do leitor que referi que há aqui pasto para controvérsia, o importante é ler tudo do princípio ao fim e não ficar condicionado pelas notas da recensão.
Pois estamos dentro da mata de Cufar Nalu, o furriel Lomba e os seus homens estão desarticulados, seguem sozinhos para um acampamento, entre explosões e gritos de mulheres e crianças e animais domésticos resolveram incendiar algumas moranças. O regresso será acidentado, muitos daqueles homens levam as tripas revolvidas, há para ali muita soltura de ventre, a noite caiu, aconchegaram-se sob a mortalha da noite tropical. Ao amanhecer, deu-se o agradável reencontro com a Companhia. As instâncias do comando mostraram-se furibundas, ameaçou-se com punição até que se descobriu que o rádio estava mesmo avariado. Final feliz para um episódio brilhantemente contado. Os sargentos do BCAV 705 vivam aboletados extramuros do forte da Amura, no rés-do-chão do que fora o consulado do Senegal, temos aqui matéria para regressar a Bissau e às comemorações do Natal de 1964. Afinal as três tentativas de assalto à mata de Cufar Nalu tinham redondamente falhado. A prosa agora divaga para as sabotagens a partir de 1962, no Sul da Guiné, é preciso entender como o PAIGC pôs toda a região em polvorosa. E em 16 de Janeiro de 1965 a CCAV 703 vai regressar à mata/santuário. Chegam a Cufar que ele assim descreve: “Um aglomerado fantasmagórico de casas de arquitetura colonial, de gente com patacão, hora todas em ruínas, consumidas por explosões e incêndios. Algumas buganvílias subsistiram, a crescer desordenadas, sob o que restava das balaustradas das suas longas varandas. O pomar de mangueiras, laranjeiras e toranjeiras também subsistira à intempérie bélica, cravejadas de estilhaços de bombas. No discreto canto das ruínas interiores da fábrica recolhemos publicações de Amílcar Cabral, umas versando as culturas do arroz e da mancarra na Guiné, outras de subversão e de doutrinação da sua guerra de libertação, emblemas e flâmulas do PAIGC e os livros, muito manuseados, Centro e Cinquenta Perguntas a um Guerrilheiro”.
Ergue-se a primeira vedação de arame farpado, montam-se emboscadas nas redondezas, algures nos trilhos entre a mata de Cufar Nalu e Boche Mende, aí os guerrilheiros têm plena circulação, por enquanto. Uma grande lala, com a extensão de talvez 2 km, entrepunha-se entre as ruínas da fábrica e a mata de Cufar Nalu. A guerrilha parece demorar a reagir à ocupação de Cufar. O autor enquadra os acontecimentos: “A operação Campo e a nomadização em Cufar da CCAV 703 tinha como missão criar a base de apoio às operações Alicate 1, 2 e 3 à até então inexpugnável mata de Cufar Nalu. O comandante-chefe investiu na sua complexidade o seu potencial disponível: a CCAV 703; todos os meios de ataque aéreo da base de Bissalanca; as CCAÇ 617 e 619, de Catió; a companhia de milícias de Catió, comandada por João Bacar Djaló; e o remanescente do Grupo de Comandos “Os Fantasmas”; e o eficiente apoio logístico e de patrulhamento fluvial da Armada”. E pelo que adiante ele dirá, a esquadra do pelotão de morteiros 912 veio de Jabadá para ficar adida a toda a força militar sediada em Cufar. Temos a descrição da construção dos abrigos e dos sucessivos patrulhamentos, um combate épico começa a travar-se. Chegou a hora das flagelações, as nossas tropas não se atemorizam, respondem com batidas e patrulhamentos ofensivos. Logo em 3 de Fevereiro, no âmbito da operação Alicate 2, "Os Fantasmas", reforçadas pela CCAÇ 617, voltaram a montar uma emboscada na acessibilidade à mata de Cufar Nalu, ter-se-á o mesmo procedimento na operação Alicate 3. Da mata, as demonstrações de força caem no interior de Cufar, os guerrilheiros estão dotados do canhão sem recuo 122, felizmente que os seus disparos não têm precisão, não destroem mais em Cufar do que já estava destruído. A descrição das flagelações é sempre viva, faz o leitor sentir a reação das nossas tropas numa grande angular. Iremos gostar de João Bacar Djaló e do capelão, este muito ativo, adaptou as ruínas da fábrica de descasco de arroz a capela improvisada, a imagem publicada no livro é elucidativa, a fé derrama-se em qualquer paradeiro por mais inopinado que possa parecer.
A 18 de Março, chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efetivo da CCAÇ 763, comandada pelo capitão Costa Campos, dotada de 8 cães de guerra, a CCAV 703 regressa a Bissau. No entanto, irá participar nas operações dos dias 10 e 11 de Abril à zona de Antuane, operação Faena, dias depois, igualmente ao lado dos fantasmas participará na operação Açor. Tenta-se de novo a sorte em afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu, em Maio, juntam-se as Companhias 728 e 764, a enquadrar o Batalhão 619 e a CCAÇ 13, de Catió; a Companhia 763 de Cufar; o Destacamento de Fuzileiros comandado por Alpoim Calvão, bem como duas esquadrilhas de bombardeiros T6, dois pelotões de granadeiros e autometralhadoras Fox e duas baterias de obuses 8.8. e escreve: “A famigerada base turra da mata de Cufar Nalu, apertada no anel de cerco e de fogo, por terra, mar e ar, não obstante a tenacidade dos turras defensores, o seu armamento pesado, o manto protetor da virgindade do seu mato, dos seus poilões, acabou por cair, as tropas tugas da operação Razia iniciaram o assalto ao início da manhã, de 15 de Maio, e entraram no seu reduto, abandonado ao meio da tarde. Segundo os intervenientes, os cães de guerra da Companhia 763 revelaram-se fantásticos. As chapas metálicas onduladas das suas 4 casas foram removidas e utilizadas na recobertura da parte da fábrica de descasque de arroz, para sede da Companhia 763, que viverá 3 meses nos abrigos subterrâneos, enquanto construía o aquartelamento”.
Depois, o autor abalança-se a escrever sobre a formação do estado da Guiné-Bissau, dá especial ênfase aos acontecimentos de 1973 e 1974 e detalha alguns aspetos relevantes do que se passou durante a fase de transição do poder. Podemos tomar este testemunho como o de alguém que viveu em pleno a série de operações que conduziram ao desbaratamento dos grupos do PAIGC implantados perto de Cufar e que igualmente aproveita para dar a sua própria interpretação sobre os acontecimentos da luta armada e da descolonização.
É uma obra sem precedentes, em que se matiza uma leitura histórica a pretexto da vivência de um conjunto de operações, neste caso na região Sul, em condições muito ásperas.
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Nota de CV:
22 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10554: Notas de leitura (421): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Aqui fica a crónica dos acontecimentos que envolveram um conjunto de operações para afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu.
Terá sido o episódio que mais impressionou o então furriel Manuel Lomba que aproveita esta circunstância para analisar por sua conta e risco a luta armada vista dos dois lados, de acordo com o que leu e as opiniões que recolheu, antes e depois do 25 de Abril. Bem vistas as coisas, são memórias da guerra e uma análise política, um olhar contundente sobre o fim do Império. Há para ali parágrafos que não poderão ser sonegados ao que melhor a literatura da guerra irá acolher nas antologias a publicar.
Um abraço do
Mário
A batalha de Cufar Nalu (2)
Beja Santos
As memórias “Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu” (por Manuel Luís Lomba, Terras de Faria, Lda., 2012) são uma peça singularíssima na literatura da guerra colonial, como foi lembrado no texto anterior. Toda a recordação da vida operacional da CCAV 703 aparece entremeada pelo enquadramento histórico e político, é um longo olhar do combatente como se pretendesse fazer o arco entre a chegada de Nuno Tristão até à independência da Guiné-Bissau, quase mesmo ao presente. Manuel Lomba, vê-se à légua, fez leituras e nos seus regressos à Guiné-Bissau fez muitas perguntas para encontrar uma elucidação dos acontecimentos. Quem pretende tocar em muitos assuntos, inevitavelmente corre riscos de ser contraditado. Não para atiçar a curiosidade do leitor que referi que há aqui pasto para controvérsia, o importante é ler tudo do princípio ao fim e não ficar condicionado pelas notas da recensão.
Pois estamos dentro da mata de Cufar Nalu, o furriel Lomba e os seus homens estão desarticulados, seguem sozinhos para um acampamento, entre explosões e gritos de mulheres e crianças e animais domésticos resolveram incendiar algumas moranças. O regresso será acidentado, muitos daqueles homens levam as tripas revolvidas, há para ali muita soltura de ventre, a noite caiu, aconchegaram-se sob a mortalha da noite tropical. Ao amanhecer, deu-se o agradável reencontro com a Companhia. As instâncias do comando mostraram-se furibundas, ameaçou-se com punição até que se descobriu que o rádio estava mesmo avariado. Final feliz para um episódio brilhantemente contado. Os sargentos do BCAV 705 vivam aboletados extramuros do forte da Amura, no rés-do-chão do que fora o consulado do Senegal, temos aqui matéria para regressar a Bissau e às comemorações do Natal de 1964. Afinal as três tentativas de assalto à mata de Cufar Nalu tinham redondamente falhado. A prosa agora divaga para as sabotagens a partir de 1962, no Sul da Guiné, é preciso entender como o PAIGC pôs toda a região em polvorosa. E em 16 de Janeiro de 1965 a CCAV 703 vai regressar à mata/santuário. Chegam a Cufar que ele assim descreve: “Um aglomerado fantasmagórico de casas de arquitetura colonial, de gente com patacão, hora todas em ruínas, consumidas por explosões e incêndios. Algumas buganvílias subsistiram, a crescer desordenadas, sob o que restava das balaustradas das suas longas varandas. O pomar de mangueiras, laranjeiras e toranjeiras também subsistira à intempérie bélica, cravejadas de estilhaços de bombas. No discreto canto das ruínas interiores da fábrica recolhemos publicações de Amílcar Cabral, umas versando as culturas do arroz e da mancarra na Guiné, outras de subversão e de doutrinação da sua guerra de libertação, emblemas e flâmulas do PAIGC e os livros, muito manuseados, Centro e Cinquenta Perguntas a um Guerrilheiro”.
Ergue-se a primeira vedação de arame farpado, montam-se emboscadas nas redondezas, algures nos trilhos entre a mata de Cufar Nalu e Boche Mende, aí os guerrilheiros têm plena circulação, por enquanto. Uma grande lala, com a extensão de talvez 2 km, entrepunha-se entre as ruínas da fábrica e a mata de Cufar Nalu. A guerrilha parece demorar a reagir à ocupação de Cufar. O autor enquadra os acontecimentos: “A operação Campo e a nomadização em Cufar da CCAV 703 tinha como missão criar a base de apoio às operações Alicate 1, 2 e 3 à até então inexpugnável mata de Cufar Nalu. O comandante-chefe investiu na sua complexidade o seu potencial disponível: a CCAV 703; todos os meios de ataque aéreo da base de Bissalanca; as CCAÇ 617 e 619, de Catió; a companhia de milícias de Catió, comandada por João Bacar Djaló; e o remanescente do Grupo de Comandos “Os Fantasmas”; e o eficiente apoio logístico e de patrulhamento fluvial da Armada”. E pelo que adiante ele dirá, a esquadra do pelotão de morteiros 912 veio de Jabadá para ficar adida a toda a força militar sediada em Cufar. Temos a descrição da construção dos abrigos e dos sucessivos patrulhamentos, um combate épico começa a travar-se. Chegou a hora das flagelações, as nossas tropas não se atemorizam, respondem com batidas e patrulhamentos ofensivos. Logo em 3 de Fevereiro, no âmbito da operação Alicate 2, "Os Fantasmas", reforçadas pela CCAÇ 617, voltaram a montar uma emboscada na acessibilidade à mata de Cufar Nalu, ter-se-á o mesmo procedimento na operação Alicate 3. Da mata, as demonstrações de força caem no interior de Cufar, os guerrilheiros estão dotados do canhão sem recuo 122, felizmente que os seus disparos não têm precisão, não destroem mais em Cufar do que já estava destruído. A descrição das flagelações é sempre viva, faz o leitor sentir a reação das nossas tropas numa grande angular. Iremos gostar de João Bacar Djaló e do capelão, este muito ativo, adaptou as ruínas da fábrica de descasco de arroz a capela improvisada, a imagem publicada no livro é elucidativa, a fé derrama-se em qualquer paradeiro por mais inopinado que possa parecer.
A 18 de Março, chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efetivo da CCAÇ 763, comandada pelo capitão Costa Campos, dotada de 8 cães de guerra, a CCAV 703 regressa a Bissau. No entanto, irá participar nas operações dos dias 10 e 11 de Abril à zona de Antuane, operação Faena, dias depois, igualmente ao lado dos fantasmas participará na operação Açor. Tenta-se de novo a sorte em afastar a guerrilha da mata de Cufar Nalu, em Maio, juntam-se as Companhias 728 e 764, a enquadrar o Batalhão 619 e a CCAÇ 13, de Catió; a Companhia 763 de Cufar; o Destacamento de Fuzileiros comandado por Alpoim Calvão, bem como duas esquadrilhas de bombardeiros T6, dois pelotões de granadeiros e autometralhadoras Fox e duas baterias de obuses 8.8. e escreve: “A famigerada base turra da mata de Cufar Nalu, apertada no anel de cerco e de fogo, por terra, mar e ar, não obstante a tenacidade dos turras defensores, o seu armamento pesado, o manto protetor da virgindade do seu mato, dos seus poilões, acabou por cair, as tropas tugas da operação Razia iniciaram o assalto ao início da manhã, de 15 de Maio, e entraram no seu reduto, abandonado ao meio da tarde. Segundo os intervenientes, os cães de guerra da Companhia 763 revelaram-se fantásticos. As chapas metálicas onduladas das suas 4 casas foram removidas e utilizadas na recobertura da parte da fábrica de descasque de arroz, para sede da Companhia 763, que viverá 3 meses nos abrigos subterrâneos, enquanto construía o aquartelamento”.
Depois, o autor abalança-se a escrever sobre a formação do estado da Guiné-Bissau, dá especial ênfase aos acontecimentos de 1973 e 1974 e detalha alguns aspetos relevantes do que se passou durante a fase de transição do poder. Podemos tomar este testemunho como o de alguém que viveu em pleno a série de operações que conduziram ao desbaratamento dos grupos do PAIGC implantados perto de Cufar e que igualmente aproveita para dar a sua própria interpretação sobre os acontecimentos da luta armada e da descolonização.
É uma obra sem precedentes, em que se matiza uma leitura histórica a pretexto da vivência de um conjunto de operações, neste caso na região Sul, em condições muito ásperas.
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Nota de CV:
22 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10554: Notas de leitura (421): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10573: Estórias avulsas (63): Os pés inchados do António Silva (António Carvalho)
1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 22 de Outubro de 2012, trazendo uma história relacionada com uma doença (que parecia) bem grave:
Os pés inchados
Em todas as companhias havia sempre uns mais medrosos do que outros e também uns mais astutos do que outros. Arranjar uma forma de ficar no bar, na cozinha, no depósito de géneros, na arrecadação de armamento, na secretaria ou em qualquer outro sítio dentro do arame farpado, era a preocupação de alguns que, nalguns casos, iam já “cunhados” à saída de Lisboa, noutros, teciam o seu ardil, por conta própria.
Como se sabe, competia geralmente ao furriel enfermeiro ajuizar sobre a (in)capacidade física para sair para o mato, de qualquer camarada e comunicar a “sentença” ao comandante do pelotão respetivo ou ao capitão. Se a incapacidade física se tornava frequente, o próprio capitão mandava o rapaz para o médico do batalhão que por sua vez, julgando o caso grave, desresponsabilizava-se, submetendo-o a uma consulta no Hospital Militar de Bissau.
Umas vezes regressavam à sede da companhia, com a indicação de que deviam ser dispensados de tarefas muito penosas, nomeadamente alinhar nas saídas, outras vezes vinham frustrados porque não tinham conseguido enganar o hospital.
Vem este intróito a propósito de uma história alegadamente verdadeira, passada na minha companhia e narrada agora, passados 40 anos, no decurso do nosso convívio ocorrido no último 30 de junho, em Leça do Balio.
O narrador e protagonista principal foi o António Fernando Moreira da Silva, atirador do 3º grupo, quanto à segunda figura que entrou na história fui eu próprio, na qualidade de Fur. Enf. Confesso que não me lembro dos factos mas se o Silva diz que foi assim, foi mesmo.
Por entre sorrisos marotos e sonoras gargalhadas, contou o Silva como arranjou forma de me enganar assim como ao médico do batalhão e aos do HM 241, ou será que alguns se deixaram enganar, propositadamente? Eu estou tranquilo porque fui literalmente enganado.
Vejamos a esperteza e a vontade do rapaz (e sabemos como a vontade move montanhas).
Aparece-me o Silva na enfermaria, com um ar muito confrangido, mostrando-me os pés inchados como cepos. Não achando as causas e temendo as consequências de eventual agravamento do estado clínico do rapaz, toca a mandá-lo ao médico do batalhão e este, incapaz de decifrar as causas do inchaço, pede uma evacuação para o Hospital Militar de Bissau, e lá vai o Silva pelos ares a pensar: enquanto o pau vai e vem folgam-me as costas.
Na verdade, conseguiu trazer de Bissau um relatório clínico que uma vez entregue ao nosso Capitão mereceu deste a decisão de o colocar na carpintaria a ajudante do carpinteiro Costa. E por ali se manteve até ao resto da comissão, exceptuando um período intermédio durante o qual esteve deslocado em Catió na construção de um aldeamento (também não se pode ter tudo).
Mas afinal, o que há de especial nesta história?
É que o Silva teve a manha de, propositadamente, fazer inchar os seus pés, apertando-os com ligaduras durante a noite. De manhã, lá aparecia ele na enfermaria, com ar de inocente, a mostrar os pés inchados como cepos. E este rapaz acreditava que era doença… e das grandes.
A história vai aqui contada com a aquiescência do António Silva, sendo certo que muitas outras semelhantes se passaram, na Guiné e nos outros territórios.
António Carvalho
ex-Fur Mil Enf.º
CART 6250/72
Mampatá
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)
Os pés inchados
Em todas as companhias havia sempre uns mais medrosos do que outros e também uns mais astutos do que outros. Arranjar uma forma de ficar no bar, na cozinha, no depósito de géneros, na arrecadação de armamento, na secretaria ou em qualquer outro sítio dentro do arame farpado, era a preocupação de alguns que, nalguns casos, iam já “cunhados” à saída de Lisboa, noutros, teciam o seu ardil, por conta própria.
Como se sabe, competia geralmente ao furriel enfermeiro ajuizar sobre a (in)capacidade física para sair para o mato, de qualquer camarada e comunicar a “sentença” ao comandante do pelotão respetivo ou ao capitão. Se a incapacidade física se tornava frequente, o próprio capitão mandava o rapaz para o médico do batalhão que por sua vez, julgando o caso grave, desresponsabilizava-se, submetendo-o a uma consulta no Hospital Militar de Bissau.
Umas vezes regressavam à sede da companhia, com a indicação de que deviam ser dispensados de tarefas muito penosas, nomeadamente alinhar nas saídas, outras vezes vinham frustrados porque não tinham conseguido enganar o hospital.
Vem este intróito a propósito de uma história alegadamente verdadeira, passada na minha companhia e narrada agora, passados 40 anos, no decurso do nosso convívio ocorrido no último 30 de junho, em Leça do Balio.
O narrador e protagonista principal foi o António Fernando Moreira da Silva, atirador do 3º grupo, quanto à segunda figura que entrou na história fui eu próprio, na qualidade de Fur. Enf. Confesso que não me lembro dos factos mas se o Silva diz que foi assim, foi mesmo.
Por entre sorrisos marotos e sonoras gargalhadas, contou o Silva como arranjou forma de me enganar assim como ao médico do batalhão e aos do HM 241, ou será que alguns se deixaram enganar, propositadamente? Eu estou tranquilo porque fui literalmente enganado.
Vejamos a esperteza e a vontade do rapaz (e sabemos como a vontade move montanhas).
Aparece-me o Silva na enfermaria, com um ar muito confrangido, mostrando-me os pés inchados como cepos. Não achando as causas e temendo as consequências de eventual agravamento do estado clínico do rapaz, toca a mandá-lo ao médico do batalhão e este, incapaz de decifrar as causas do inchaço, pede uma evacuação para o Hospital Militar de Bissau, e lá vai o Silva pelos ares a pensar: enquanto o pau vai e vem folgam-me as costas.
Na verdade, conseguiu trazer de Bissau um relatório clínico que uma vez entregue ao nosso Capitão mereceu deste a decisão de o colocar na carpintaria a ajudante do carpinteiro Costa. E por ali se manteve até ao resto da comissão, exceptuando um período intermédio durante o qual esteve deslocado em Catió na construção de um aldeamento (também não se pode ter tudo).
Mas afinal, o que há de especial nesta história?
É que o Silva teve a manha de, propositadamente, fazer inchar os seus pés, apertando-os com ligaduras durante a noite. De manhã, lá aparecia ele na enfermaria, com ar de inocente, a mostrar os pés inchados como cepos. E este rapaz acreditava que era doença… e das grandes.
A história vai aqui contada com a aquiescência do António Silva, sendo certo que muitas outras semelhantes se passaram, na Guiné e nos outros territórios.
António Carvalho
ex-Fur Mil Enf.º
CART 6250/72
Mampatá
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)
Guiné 63/74 - P10572: Os nossos seres, saberes e lazeres (49): Mário Beja Santos, passa à situação de aposentado a partir de 31 de Outubro
1. Uma mensagem de carácter particular e de despedida, do nosso camarada Mário Beja Santos, foi enviada aos seus companheiros de trabalho, com conhecimento ao Blogue, a propósito da sua passagem à situação de Aposentado a partir do próximo dia 31 de Outubro de 2012.
Por que achamos que a passagem à situação de aposentação, na vida civil, é uma espécie de passagem à disponibilidade/reserva na vida militar, pedimos-lhe autorização para dar conhecimento público da novidade à tertúlia.
Reza assim a sua mensagem:
Meus prezados colegas,
Chegou a hora de me reformar, mudo de estatuto no próximo dia 31.
Confesso que não era sem tempo, comecei em 1 de Agosto de 1964, fui mecanógrafo, depois fui para a tropa, a seguir entrei nestas lides de que tanto me orgulho. Projetos não me faltam, tenho mais livros na forja, continuo muito ligado à imprensa regional e participo ativamente numa IPSS da saúde, mas não ficarei por aqui.
Venho saudar-vos, agradecer-vos muitíssimo as provas de estima de que beneficiei ao longo de todo o tempo em que convosco convivi, vim para aqui logo em Janeiro de 1986, tinha sido extinto o Gabinete de Defesa do Consumidor, onde fui diretor de serviços, a seguir trabalhei 4 meses para a FAO, na cidade de São Paulo, nunca mais saí daqui, mesmo dando aulas fora do horário de trabalho.
[...]
Com muita cordialidade e os maiores e melhores votos pessoais e profissionais,
Mário Beja Santos
2. Comentário de CV:
Julgo poder falar em nome da esmagadora maioria da tertúlia, e aproveitar esta oportunidade para desejar ao nosso camarada Mário Beja Santos os maiores êxitos na sua nova vida.
Agora que vai ter mais tempo disponível, não o vai desperdiçar a descansar, mas a fazer aquilo que não conseguia fazer antes por o dia só ter 24 horas.
Vamos com certeza continuar a ter a sua colaboração no Blogue, dando-nos a conhecer, através das suas recensões, a literatura sobre a história da Guiné e a bibliografia da guerra colonial.
Sabemos que continuará a escrever os seus romances e livros temáticos e a colaborar em iniciativas de carácter cultural e de solidariedade. Vamos continuar, assim, a ouvir falar muito de si
Termino com um bem-vindo ao grupo dos pensionistas que se negam a passar a tarde sentados nos bancos dos jardins.
Em nome da tertúlia, um abraço de
Carlos Vinhal
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10123: Os nossos seres, saberes e lazeres (48): Festa do pão do moinho, 1 de julho de 2012, Atalaia, Lourinhã (Parte II): A banda da Associação Musical da Atalaia... é uma festa! ... (E onde se fala também dos antigos prisioneiros portugueses na ìndia, 1961/62) (Luís Graça)
Por que achamos que a passagem à situação de aposentação, na vida civil, é uma espécie de passagem à disponibilidade/reserva na vida militar, pedimos-lhe autorização para dar conhecimento público da novidade à tertúlia.
Reza assim a sua mensagem:
Meus prezados colegas,
Chegou a hora de me reformar, mudo de estatuto no próximo dia 31.
Confesso que não era sem tempo, comecei em 1 de Agosto de 1964, fui mecanógrafo, depois fui para a tropa, a seguir entrei nestas lides de que tanto me orgulho. Projetos não me faltam, tenho mais livros na forja, continuo muito ligado à imprensa regional e participo ativamente numa IPSS da saúde, mas não ficarei por aqui.
Venho saudar-vos, agradecer-vos muitíssimo as provas de estima de que beneficiei ao longo de todo o tempo em que convosco convivi, vim para aqui logo em Janeiro de 1986, tinha sido extinto o Gabinete de Defesa do Consumidor, onde fui diretor de serviços, a seguir trabalhei 4 meses para a FAO, na cidade de São Paulo, nunca mais saí daqui, mesmo dando aulas fora do horário de trabalho.
[...]
Com muita cordialidade e os maiores e melhores votos pessoais e profissionais,
Mário Beja Santos
2. Comentário de CV:
Julgo poder falar em nome da esmagadora maioria da tertúlia, e aproveitar esta oportunidade para desejar ao nosso camarada Mário Beja Santos os maiores êxitos na sua nova vida.
Agora que vai ter mais tempo disponível, não o vai desperdiçar a descansar, mas a fazer aquilo que não conseguia fazer antes por o dia só ter 24 horas.
Vamos com certeza continuar a ter a sua colaboração no Blogue, dando-nos a conhecer, através das suas recensões, a literatura sobre a história da Guiné e a bibliografia da guerra colonial.
Sabemos que continuará a escrever os seus romances e livros temáticos e a colaborar em iniciativas de carácter cultural e de solidariedade. Vamos continuar, assim, a ouvir falar muito de si
Termino com um bem-vindo ao grupo dos pensionistas que se negam a passar a tarde sentados nos bancos dos jardins.
Em nome da tertúlia, um abraço de
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10123: Os nossos seres, saberes e lazeres (48): Festa do pão do moinho, 1 de julho de 2012, Atalaia, Lourinhã (Parte II): A banda da Associação Musical da Atalaia... é uma festa! ... (E onde se fala também dos antigos prisioneiros portugueses na ìndia, 1961/62) (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P10571: (Ex)citações (202): A coragem que muda a vida dos outros (Juvenal Amado)
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 20 de Outubro de 2012:
A CORAGEM QUE MUDA A VIDA DOS OUTROS
A coragem é um acto não programável difícil de entender e mais difícil de explicar
Este texto é motivado pelo o último poste do Tony Borié* do qual transcrevo aqui um excerto dedicado ao ex Furriel Roger:
“Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue”.
Tony Borié
Rogério Cardoso (Roger) junto da sua autometralhadora Paulucha, viatura batizada com este nome em homenagem a sua filha Paula
O heroísmo é um acto não programável, é difícil de entender e mais difícil de explicar. Não tem idade, quem a pratica não é por ser bonito ou feio, não tem boa o má forma física, nem grau académico e por fim não tem causas pois pode-se ser corajoso mesmo numa causa errada.
Tem muitas fardas, mas também existe na ausência delas, não sei se existe algum estudo aprofundado, que daí resulte um padrão que enquadre quem a pratica. É ponto assente que o heroísmo aparece na beira de um rio, no mar em terra, em combate, num salvamento e é sempre um momento de dádiva supremo, porque tem risco da própria vida.
Será heroísmo a ausência do medo? Por outro lado sem o medo também não há heróis. Não faltariam heróis .
Haverá algum treino psicológico para o efeito? Penso que ninguém decide quando vai ser corajoso para além do racional.
“Não há outra saída”
“Não posso deixar o nosso camarada ali”
“Não posso deixar de ir”
Será que a ocasião fará o “ladrão”?
Quantos actos heróicos nasceram de uma certa insensatez, que faz o individuo desprezar as mais elementares regras da sua própria sobrevivência? Há dias a falar com um camarada que combateu na Guiné, contou-me como tinha caído numa emboscada com feridos e um morto. Retiraram deixando o morto no terreno. No quartel reorganizaram-se e formaram um grupo de combate só com voluntários para voltar ao local. Dos tinham caído na primeira emboscada só dois se ofereceram. Ao chegar ao local nova emboscada com mais feridos e mortos, sendo um deles um dos que já tinham caído na primeira emboscada.
O que levou aqueles homens a oferecerem-se para lá regressar?
Solidariedade?
No fundo era-lhes intolerável deixarem os outros irem e eles protegerem-se no quartel?
Em Alcobaça temos um ex combatente da Guiné com várias condecorações e entre elas a Cruz de Guerra. Numa das minhas deslocações lá, tentei falar com ele. Quis saber de viva voz como tinha acontecido, o que tinha sentido e o que o tinha levado a passar de soldado normal, para o patamar dos heróis.
Não quis falar do que lá se passou, o seu estado físico e depressivo denunciam um profundo desgosto pela vida que tem presentemente. Gostaria que ele tivesse falado comigo, porque na altura era ideia minha escrever a sua estória para o blogue. De qualquer forma, sabemos que ele contribuiu com a sua coragem para evitar maiores desgraças para si e seus camaradas.
Talvez ainda faça mais uma tentativa sem melindrar o camarada. Quanto aos nossos heróis muita coisa se poderá escrever sobre eles, é que muitos de nós, devemos muito, a muito poucos.
Diz o Tony no fim do seu texto:
“Felizmente, ainda está vivo [O Roger], e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.”
Eu congratulo-me por ele estar vivo e aproveito para lhe enviar um abraço.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói
Vd. último poste da série 25 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)
A CORAGEM QUE MUDA A VIDA DOS OUTROS
A coragem é um acto não programável difícil de entender e mais difícil de explicar
Este texto é motivado pelo o último poste do Tony Borié* do qual transcrevo aqui um excerto dedicado ao ex Furriel Roger:
“Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue”.
Tony Borié
Rogério Cardoso (Roger) junto da sua autometralhadora Paulucha, viatura batizada com este nome em homenagem a sua filha Paula
O heroísmo é um acto não programável, é difícil de entender e mais difícil de explicar. Não tem idade, quem a pratica não é por ser bonito ou feio, não tem boa o má forma física, nem grau académico e por fim não tem causas pois pode-se ser corajoso mesmo numa causa errada.
Tem muitas fardas, mas também existe na ausência delas, não sei se existe algum estudo aprofundado, que daí resulte um padrão que enquadre quem a pratica. É ponto assente que o heroísmo aparece na beira de um rio, no mar em terra, em combate, num salvamento e é sempre um momento de dádiva supremo, porque tem risco da própria vida.
Será heroísmo a ausência do medo? Por outro lado sem o medo também não há heróis. Não faltariam heróis .
Haverá algum treino psicológico para o efeito? Penso que ninguém decide quando vai ser corajoso para além do racional.
“Não há outra saída”
“Não posso deixar o nosso camarada ali”
“Não posso deixar de ir”
Será que a ocasião fará o “ladrão”?
Quantos actos heróicos nasceram de uma certa insensatez, que faz o individuo desprezar as mais elementares regras da sua própria sobrevivência? Há dias a falar com um camarada que combateu na Guiné, contou-me como tinha caído numa emboscada com feridos e um morto. Retiraram deixando o morto no terreno. No quartel reorganizaram-se e formaram um grupo de combate só com voluntários para voltar ao local. Dos tinham caído na primeira emboscada só dois se ofereceram. Ao chegar ao local nova emboscada com mais feridos e mortos, sendo um deles um dos que já tinham caído na primeira emboscada.
O que levou aqueles homens a oferecerem-se para lá regressar?
Solidariedade?
No fundo era-lhes intolerável deixarem os outros irem e eles protegerem-se no quartel?
Em Alcobaça temos um ex combatente da Guiné com várias condecorações e entre elas a Cruz de Guerra. Numa das minhas deslocações lá, tentei falar com ele. Quis saber de viva voz como tinha acontecido, o que tinha sentido e o que o tinha levado a passar de soldado normal, para o patamar dos heróis.
Não quis falar do que lá se passou, o seu estado físico e depressivo denunciam um profundo desgosto pela vida que tem presentemente. Gostaria que ele tivesse falado comigo, porque na altura era ideia minha escrever a sua estória para o blogue. De qualquer forma, sabemos que ele contribuiu com a sua coragem para evitar maiores desgraças para si e seus camaradas.
Talvez ainda faça mais uma tentativa sem melindrar o camarada. Quanto aos nossos heróis muita coisa se poderá escrever sobre eles, é que muitos de nós, devemos muito, a muito poucos.
Diz o Tony no fim do seu texto:
“Felizmente, ainda está vivo [O Roger], e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.”
Eu congratulo-me por ele estar vivo e aproveito para lhe enviar um abraço.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói
Vd. último poste da série 25 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)
Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol
Guiné > Região de Quínara > Empada > 1969 > Sentados: primeiro plano, Furriel Serôdio, Furriel Gonçalves (à esquerda), segundo Sargento Nogueira; de joelhos: Furriel Silva (enfermeiro); de pé: à esquerda: Furriel Silva e soldado Andrade.
Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do nosso camarada Manuel Serôdio que vive em França, Rennes, capital da região da Bretanha (*)
Data: 15 de Outubro de 2012 15:01
Assunto: Companhia 1787Mon cher ami Luis, voici la continuation des récits concernant la 1787. Je vois que ton français est de très bonne qualité, si tu parles aussi bien que tu l'écris, bravo. [Meu caro amigo Luís, aqui vai a continuação dos relatos sobre a minha CCAÇ 1787. Vejo que o teu francês é excelente, se falares tão bem como escreves, estás de parabéns. ] Um abraço amigo.
2. Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte III): De Porto Gole a Cutia
A 13 de Janeiro de 1968, deslocou-se a Unidade para Porto Gole, a fim de tomar parte na mais importante e perigosa de todas as operações que [a CCAÇ 1787] efetuou na Província
Operação "ESCUDO NEGRO"
Situação:
a) Forças inimigas
Entre os rios Olom e Mansoa, estão referenciados a base do Sará e o grupo itenerante de Suarecumba.
b) Base do Sará:
Efetivo entre 25 a 50 elementos armados. Armamento: Morteiros de 82, e de 60, Lança Granadas-Foguete, Lança-Roquetes, Metralhadoras Pesadas, e Pistolas Metralhadoras. Instalações: 10 a 12 casas, 1 enfermaria, 1 arrecadação.
c) Grupo de Suarecumba:
Efetivo: entre 20 a 25 elementos armados, podendo estar em reforço, e dispondo de Morteiros de 60 e de Lança Granadas-Foguete.
d) A sul do rio Mansoa, conhecem-se a base de Lorcher e os grupo itenerantes de Mato Corba, Cubadjal e Mato Cão.
Nossas tropas: CCaç 1787, 2 grupos de combate da Companhia 1879, e a 5ª Companhia de Comandos.
Missão: 1) Destruir a base do Sará; 2) Patrulhar a região entre os rios Olom e Mansoa.; 3) Capturar ou aniquilar os elementos rebeles, destruindo instalações e meios de vida; 4) Pesquisar informações.
Deslocamento por Cã Mamadú para a passagem do afluente do rio Mansoa a sul de Manter, de modo a atingi-lo ao fim da tarde. No dia 16, após a ação da Força Aérea de ataque ao objetivo, deslocamento rápido para a margem esquerda do rio Mansoa, procurando interceptar o inimigo que se deslocasse para sul, e prevendo o reforço à 5ª Companhia de Comandos. Bater a região do Sarauol, explorar o eixo Sarauol- Ambum Nhire, e render a C.Cava 1749 na segurança do local de transposição do rio Olom em Mandingará. A 17, retirar para Cutia.
Em 15 de Janeiro, pelas 10 horas, iniciou-se a operação, progredindo com grande rapidez por um trilho situado em mata fechada. Cerca das 15,30 horas, foi deflagrada uma armadilha por um elemento da coluna. Ferido aparentemente sem gravidade, veio o soldado nativo Ansumane, a falecer pouco depois, sem se ter conseguido ligação rádio a fim de o poder evacuar.
Nota pessoal: o irmão do soldado falecido, que também fazia parte da coluna, recuperou as botas do irmão que eram novas, ( tinham-lhe sido oferecidas dias antes da operação) e calçou-as, jà que as suas estavam em mau estado. Imagens simples e terríveis ao mesmo tempo.
A Companhia saíu do trilho, o que se revelou avisado, pois ao voltar ao mesmo para orientação, foram detetadas outras duas armadilhas. Quase ao anoitecer foi atingida uma clareira onde se resolveu passar a noite.
Depois de se ter reabastecido de àgua e quando, jà de noite, o segundo grupo de combate procurava local para se instalar, foi deflagrada nova armadilha que causou dois feridos graves e quatro ligeiros. Entretanto foi conseguida ligação com Porto Gole a quem foi pedida evacuação dos feridos. Escolheu-se local para a mesma, montando-se a seguarança. No local escolhido, os helicópteros não conseguiram poisar, pelo que foi tentado novo local, onde foi necessário abater algumas árvores.
Ao cansaço moral juntou-se esgotante cansaço físico. Finalmente os helicópteros conseguiram aterrar, evacuando-se o morto e os feridos.
De seguida dirigimo-nos para o rio Mansoa, por forma a cumprir a missão, atravessando matas densas, onde por vezes era necessário rastejar, mas chegando ao local a tempo de assistir ao bombardeamento do objetivo pela Força Aérea. A cerca de 1 km do rio Mansoa foram observados vestígios de sangue no capim. Pouco depois, na antiga tabanca do Sarauol efetuou-se a junção da Companhia com a quinta Companhia de Comandos. Descançaram-se 20 minutos, aproveitados para consumir a segunda refeição.
Depois continuou-se a marcha a corta-mato pois os trilhos podiam estar armadilhados. O rio Olom foi alcançado pela 21,30 horas. Foram mais de 12 horas consecutivas de marcha através de matas densas. Montado o dispositivo de segurança, passamos a noite na margem do rio.
No dia seguinte [, 16 de janeiro], foi detetada a nossa presença, e o inimigo flagelou-nos por duas vezes. Da segunda vez, o inimigo revelou-se extraordináriamente agressivo, tendo chegado a poucos metros de nós, ouvindo-se elementos a gritar: "fôgo, fôgo". O inimigo sofreu 1 morto confirmado e outras baixas prováveis.
Foi pedido o apoio da Força Aérea para a travessia do rio, a fim que as nossas tropas não arriscassem a sofrer ataques, sem poder reagir. A travessia do rio extraordináriamente difícil, foi efetuada por meios de barcos de borracha em vagas sucessivas. Cerca das 17 horas concluiu-se a travessia. A Companhia dirigiu-se então para Cutia, de onde em viaturas seguiu para Mansoa.
A Companhia conseguira penetrar em território totalmente controlado pelo inimigo, e onde jamais as nossas tropas tinham atuado.
(Continua)
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10526: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte II): Bula, Op Bolo Rei, uma grande operação de 15 dias, de 22/12/67 a 3/1/68: 40 mortos e 5 feridos confirmados e 14 capturados, do lado IN; 7 mortos e 32 feridos do lado das NT; recuperados 44 elementos pop
Guiné 63/74 - P10569: (Ex)citações (201): Não me lixem com o Pifas! (Salvador Nogueira)
1. Mensagem do nosso leitor (e camarada, ex-oficial paraquedista que passou pelos 3 TO da guerra de África), Salvador Nogueira (de quem, naturalmente, não temos nenhum foto já que já não é nem pretende vir a ser grã-tabanqueiro):
Data: 23 de Outubro de 2012 19:50
Assunto: Desabafo
Amigo Luís,
tu, tendo estado 24 meses à espera do avião para Lisboa - presumo- qualquer que fora a tua especialidade, operacionalidade, efectividade, produtividade e outras coisas acabadas em 'ade', estiveste no mato e, tendo vivido lá, com tudo o que isso deixa entrever de bom ou mau - nem todos tinham que ter a mania de ser 'desportistas'- poupa-me aqueles merdas do Pifas e do caraças!
PS - E se publicasses este palavreado todo havia porrada no Rossio ou continuávamos todos muit'amigos como dantes? Não eu e tu, a malta do tabancal...
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Nota do editor:
Data: 23 de Outubro de 2012 19:50
Assunto: Desabafo
Amigo Luís,
tu, tendo estado 24 meses à espera do avião para Lisboa - presumo- qualquer que fora a tua especialidade, operacionalidade, efectividade, produtividade e outras coisas acabadas em 'ade', estiveste no mato e, tendo vivido lá, com tudo o que isso deixa entrever de bom ou mau - nem todos tinham que ter a mania de ser 'desportistas'- poupa-me aqueles merdas do Pifas e do caraças!
Se há coisa que ainda hoje não consigo conter é uma agressividade surda em relação aos galarozes que ficavam em Bissau porque sim. Isto, sem falar na Polícia Militar, claro... é outro nível de merdice e é, era!, para tratar à porrada ou a cagar de muito alto.
Bem, o Pifas é um boneco sem graça, descaracterizado. Lembra estranhamente aquele mamarracho da Expo98, também descaracterizado, estúpido; mas é um boneco. Agora, a recordação periódica daqueles merdas da rádio e das suas actividades pseudo-sérias, é para irritar quem dormiu em Madina Xaquili ou para verificar o desportivismo de quem fazia emboscadas às guardas de flanco do PAIGC no corredor do Guileje?
Em bom jargão - não me f... ! Que eu bem me lembro quem fazia e quem não fazia nenhum lá na Guiné; a começar por alguns vistosos acólitos do General Caco e a acabar nuns alferes filhos-d'algo, passando p'os pifas e fifas e ...
desculpa o estendal!
Um abraço, Salvador.
Bem, o Pifas é um boneco sem graça, descaracterizado. Lembra estranhamente aquele mamarracho da Expo98, também descaracterizado, estúpido; mas é um boneco. Agora, a recordação periódica daqueles merdas da rádio e das suas actividades pseudo-sérias, é para irritar quem dormiu em Madina Xaquili ou para verificar o desportivismo de quem fazia emboscadas às guardas de flanco do PAIGC no corredor do Guileje?
Em bom jargão - não me f... ! Que eu bem me lembro quem fazia e quem não fazia nenhum lá na Guiné; a começar por alguns vistosos acólitos do General Caco e a acabar nuns alferes filhos-d'algo, passando p'os pifas e fifas e ...
desculpa o estendal!
Um abraço, Salvador.
PS - E se publicasses este palavreado todo havia porrada no Rossio ou continuávamos todos muit'amigos como dantes? Não eu e tu, a malta do tabancal...
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10528: (Ex)citações (200): Pois que viva... o VAT 69! (Tony Borié / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P10568: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (10): Hoje, no Porto Canal, às 22h00, o Programa Testemunho Directo vai ser dedicado aos ex-combatentes da guerra do Ultramar
1. De acordo com informações chegadas ao nosso Blogue, ontem dia 24 de Outubro de 2012, através do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), hoje dia 25 de Outubro pelas 22h00, irá para o ar no Porto Canal o programa televisivo Testemunho Directo com apresentação de Carla Ascenção.
Um dos intervenientes será o nosso camarada António da Silva Batista, o morto-vivo, que feito prisioneiro pelo PAIGC, foi dado como morto pelas autoridades militares.
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2. Pela mesma via recebemos esta informação de João Sobral, Presidente da Direcção da Associação APOIAR:
PORTO CANAL- 25 OUTUBRO, 22 HORAS - Testemunho Directo
O Testemunho Directo é o espaço onde o PORTO CANAL dá tempo à grande reportagem.
Um programa em que os assuntos que mais interessam à sociedade são falados, pensados e sentidos na primeira pessoa.
Esta semana a grande reportagem será sobre os ex-combatentes da Guerra do Ultramar e por isso será do maior interesse o seu contributo para a compreensão do stress pós-traumático enquanto doença que afecta de modo muitas vezes incapacitante uma (%)percentagem dos ex-combatentes. Perceber a luta que a Apoiar e outras associações tem levado a cabo em nome destes homens, vitórias obtidas e caminho ainda a percorrer.
A NÃO PERDER
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3. Mensagem do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 24 de Outubro de 2012:
Caro Carlos Vinhal
Só para conhecimento, amanhã 25/10/2012 às 22 horas passa no Porto Canal uma pequena reportagem comigo sobre o tema o que a guerra fez com que a minha vida desse uma reviravolta.
De certeza que tem alguns lapsos devido à inexperiência do autor.
Um abraço
José Colaço
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4. Recebemos também ontem, dia 24, esta informação complementar do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74):
O programa Testemunho Directo do Porto Canal a ir para o ar amanhã, dia 25 de Outubro pelas 22h00, será retransmitido nos dias:
26 (sexta-feira) às 13h00;
27 (sábado) à 01h00;
28 (domingo) às 19h00 e
31 (quarta-feira) às 15h00
Sousa de Castro
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10379: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (9): associações de militares e ex-militares, procuram-se (Valdemar Reis, doutorando em Ciência Política pela NOVA)
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Guiné 63/74 - P10567: Agenda cultural (225): Doclisboa'12, de 18-28 de outubro de 2012: Um filme a não perder: "Terra de ninguém", de Salomé Lamas (estreia mundial absoluta, a 24, na Culturgest; repetição a 26, no cinema São Jorge, 16h)
Carregar o programa, em pdf, aqui.
Terra de Ninguém / No Man’s Land
Salomé Lamas | 72' / Portugal / 2012
COMPETIÇÃO PORTUGUESA - LONGAS
ESTREIA MUNDIAL PRIMEIRA OBRA
Sinopse: Paulo oferece retratos sublimados das crueldades e paradoxos do poder, assim como das revoluções que o depuseram, apenas para erguer novas burocracias, novas crueldades e paradoxos. O seu trabalho como mercenário encontra-se na franja destes dois mundos.
24 OUT. 21:30 - Culturgest - Gr. Auditório / 26 OUT. 16:00 - São Jorge - Sala 3
Fonte: Página do Facebook da realizadora, Salomé Lamas
Comentários:
(i) Jorge Mourinho:
Terra de Ninguém é o título do filme de Salomé Lamas (Culturgest, amanhã, 21h30, e São Jorge, sexta, 16h) que se instala de corpo inteiro na questão da identidade. Identidade de tema - Paulo de Figueiredo, ex-comando tornado mercenário conta a sua história frente à câmara - mas também de formato - Terra de Ninguém inscreve-se na forma tradicional do documentário, mas, pela natureza da história do Portugal pós-revolucionário que Paulo conta, levanta questões sobre a natureza da realidade e sobre o próprio documentário enquanto seu registo. Salomé Lamas tem trabalhado na fronteira entre a arte e o cinema, e ao explorar de modo assumido esse limbo, Terra de Ninguém é tão fascinante conceptualmente como absorvente narrativamente. E mais não dizemos. (Excerto de Jorge Mourinho, Ypsilon, Público, 23/10/2012)
(2) Luís Graça:
Filme que me surpreendeu, da jovem e talentosa realizadora Salomé Lamas... Sério candidato ao prémio das longas metragens - competição portuguesa...Paulo Figueiredo, 66 anos, conta a sua história de vida, em quatro dias, em 80 curtíssimas cenas, numeradas de 1 a 80, respondendo a perguntas de um guião que nunca se ouvem, apenas as respostas, secas, curtas, telegráficas, assertivas, onde a ausência de emoção é a nota dominante e obsessiva... Se bem apanhei toda a história, Paulo Figueiredo, estatura meã, seco de carnes, já meio calvo, nasce em Malanje, Angola, em 1945 ou 1946. Guarda as melhores recordações da infância despreocupada e feliz, do convívio entre brancos e negros em Malanje..."Angola poderia ter sido um grande Portugal"... Diz-se "engenheiro", profissão que nunca terá exercido...
Neto do homem que fundou o Casino Estoril (Fausto de Figueiredo, 1880-1950), filho de mãe alemã judia, de olhos azuis, 1,90 m de altura, que terá emigrado para Angola, na II Guerra Mundial (presumo). Paulo terá 15 anos em 1961, quando "rebenta o terrorismo" no norte de Angola. As imagens de cabeças cortadas e corpos empalados, de mulheres e crianças, parecem persegui-lo... Faz o serviço militar em Angola, oferece-se para os comandos, é alferes numa Companhia de Comandos (14ª ? 19ª ?., não consegui fixar), e numa outra (4021ª ?) (, há aqui uma referência a Jaime Neves, que não percebi)... Em princípio, terá sido comando entre 1967 e 1974, a acreditar na sua história... Era conhecido como o "alferes granadas". E às granadas chamava "sanzalas"...
Há relatos, sempre secos, da sua atuação como militar em Angola, alguns pouco ou não verosímeis, estereotipados... Depois vem o 25 de abril (a notícia só lhe chega "dois meses depois", o que é muito pouco provável...), a guerra civil, a independência, a retirada dos portugueses, a vinda para Portugal... Sente-se inadaptado em Portugal. Precisa do "cheiro a sangue e a pólvora", confessa. Dá-lhe "adrenalina" (sic) ir às urgências do Hospital de São José... É segurança na Fidelis, empresa ligada a um grupo de antigos comandos (, trabalhou por exemplo no Pão de Açucar, nos Olivais). É guarda costas (?) de Kaúlza de Arriaga, de Sá Carneiro, defende herdades no Alentejo... Até que surge, através da CIA, um convite para atuar como "mercenário" para combater a guerrilha na América Latina (Nicarágua, El Salvador), depois de ter explorado a hipótese (não concretizada) de "trabalho" na Rodésia...
De "mercenário" passaria por fim a "killer" (sic) ao serviço de um dos GAL - Grupos Antiterroristas de Libertação, espanhóis, que entre 1983 e 1987 praticaram o chamado "terrorismo de Estado". A sua missão era eliminar "etarras", por 10 milhões de pesetas por cabeça (sic)... Faz sempre questão de distinguir o seu trabalho como "mercenário" (mas "militar", sempre) e como "killer" (sic)... Faz questão de sublinhar a existência de um código de ética que o levava, por exemplo, a abortar uma ação quando havia vidas de "inocentes" (crianças, mulheres) em jogo... Na sua contabilidade da morte, como "killer" fala de 15 alvos abatidos, eliminados, liquidados... Nada lhe pesa na consciência... É frio, cerebral, racionalizador... "O terror combate-se com o terror"...
Acaba por ser preso em França e condenado em Espanha a 30 anos de prisão... Passou por diversas cadeias espanholas de alta segurança, tendo sido libertado ao fim de 15 anos... Criminoso, amoral, psicopata, mitómano, justiceiro ?...A realizadora descobre-lhe o rasto em Portugal, e está interessada apenas em "ouvir" e "documentar" a "verdade" do Paulo... Nunca faz nenhum "juízo moral" sobre o seu entrevistado e o seu comportamento passado. De resto, as suas "confidências" têm coerência e parecem ser consistentes... Nos quatro dias em que tem um "palco" e uma "audiência", ele conta a sua história de vida. E que vida!... Agarra o espectador, consegue inclusive ser empático e sedutor, tem algum sentido de humor (negro) que nos leva a esboçar um sorriso amarelo... Não se percebe bem se chegou a constituir família, se tem filhos e netos... Mas, numa das raras confidências em que "fraqueja", ele diz que a coisa que mais desejaria, antes de morrer, era poder sentar-se no sofá a ver televisão, rodeado dos filhos e dos netos...
As últimas cenas do filme mostram-nos a sua condição de "sem abrigo", vivendo algures em Lisboa, debaixo de um viaduto, com dois negros...A realizadora, que acabou o filme muito recentemente, prometera-lhe que ele seria o primeiro espectador do seu filme... Perdeu-lhe definitivamente o rasto. Há um dedicatória, no fim, a este homem que terá morrido recentemente, sem papéis, sem identidade, sem documentos, na "terra de ninguém". e que é parte da nossa história, da história da geração dos homens que fizeram a guerra colonial e o 25 de abril... Perturbante, perturbador, a não perder... (Luís Graça)
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10557: Agenda cultural (224): Lançamento do livro póstumo “Golden Gate - Um quase diário de guerra”, de José Niza (1938-2011), ex-alf mil médico em Angola (BCAÇ 2877, 1969/71) (Carlos Pinheiro)
Filme que me surpreendeu, da jovem e talentosa realizadora Salomé Lamas... Sério candidato ao prémio das longas metragens - competição portuguesa...Paulo Figueiredo, 66 anos, conta a sua história de vida, em quatro dias, em 80 curtíssimas cenas, numeradas de 1 a 80, respondendo a perguntas de um guião que nunca se ouvem, apenas as respostas, secas, curtas, telegráficas, assertivas, onde a ausência de emoção é a nota dominante e obsessiva... Se bem apanhei toda a história, Paulo Figueiredo, estatura meã, seco de carnes, já meio calvo, nasce em Malanje, Angola, em 1945 ou 1946. Guarda as melhores recordações da infância despreocupada e feliz, do convívio entre brancos e negros em Malanje..."Angola poderia ter sido um grande Portugal"... Diz-se "engenheiro", profissão que nunca terá exercido...
Neto do homem que fundou o Casino Estoril (Fausto de Figueiredo, 1880-1950), filho de mãe alemã judia, de olhos azuis, 1,90 m de altura, que terá emigrado para Angola, na II Guerra Mundial (presumo). Paulo terá 15 anos em 1961, quando "rebenta o terrorismo" no norte de Angola. As imagens de cabeças cortadas e corpos empalados, de mulheres e crianças, parecem persegui-lo... Faz o serviço militar em Angola, oferece-se para os comandos, é alferes numa Companhia de Comandos (14ª ? 19ª ?., não consegui fixar), e numa outra (4021ª ?) (, há aqui uma referência a Jaime Neves, que não percebi)... Em princípio, terá sido comando entre 1967 e 1974, a acreditar na sua história... Era conhecido como o "alferes granadas". E às granadas chamava "sanzalas"...
Há relatos, sempre secos, da sua atuação como militar em Angola, alguns pouco ou não verosímeis, estereotipados... Depois vem o 25 de abril (a notícia só lhe chega "dois meses depois", o que é muito pouco provável...), a guerra civil, a independência, a retirada dos portugueses, a vinda para Portugal... Sente-se inadaptado em Portugal. Precisa do "cheiro a sangue e a pólvora", confessa. Dá-lhe "adrenalina" (sic) ir às urgências do Hospital de São José... É segurança na Fidelis, empresa ligada a um grupo de antigos comandos (, trabalhou por exemplo no Pão de Açucar, nos Olivais). É guarda costas (?) de Kaúlza de Arriaga, de Sá Carneiro, defende herdades no Alentejo... Até que surge, através da CIA, um convite para atuar como "mercenário" para combater a guerrilha na América Latina (Nicarágua, El Salvador), depois de ter explorado a hipótese (não concretizada) de "trabalho" na Rodésia...
De "mercenário" passaria por fim a "killer" (sic) ao serviço de um dos GAL - Grupos Antiterroristas de Libertação, espanhóis, que entre 1983 e 1987 praticaram o chamado "terrorismo de Estado". A sua missão era eliminar "etarras", por 10 milhões de pesetas por cabeça (sic)... Faz sempre questão de distinguir o seu trabalho como "mercenário" (mas "militar", sempre) e como "killer" (sic)... Faz questão de sublinhar a existência de um código de ética que o levava, por exemplo, a abortar uma ação quando havia vidas de "inocentes" (crianças, mulheres) em jogo... Na sua contabilidade da morte, como "killer" fala de 15 alvos abatidos, eliminados, liquidados... Nada lhe pesa na consciência... É frio, cerebral, racionalizador... "O terror combate-se com o terror"...
Acaba por ser preso em França e condenado em Espanha a 30 anos de prisão... Passou por diversas cadeias espanholas de alta segurança, tendo sido libertado ao fim de 15 anos... Criminoso, amoral, psicopata, mitómano, justiceiro ?...A realizadora descobre-lhe o rasto em Portugal, e está interessada apenas em "ouvir" e "documentar" a "verdade" do Paulo... Nunca faz nenhum "juízo moral" sobre o seu entrevistado e o seu comportamento passado. De resto, as suas "confidências" têm coerência e parecem ser consistentes... Nos quatro dias em que tem um "palco" e uma "audiência", ele conta a sua história de vida. E que vida!... Agarra o espectador, consegue inclusive ser empático e sedutor, tem algum sentido de humor (negro) que nos leva a esboçar um sorriso amarelo... Não se percebe bem se chegou a constituir família, se tem filhos e netos... Mas, numa das raras confidências em que "fraqueja", ele diz que a coisa que mais desejaria, antes de morrer, era poder sentar-se no sofá a ver televisão, rodeado dos filhos e dos netos...
As últimas cenas do filme mostram-nos a sua condição de "sem abrigo", vivendo algures em Lisboa, debaixo de um viaduto, com dois negros...A realizadora, que acabou o filme muito recentemente, prometera-lhe que ele seria o primeiro espectador do seu filme... Perdeu-lhe definitivamente o rasto. Há um dedicatória, no fim, a este homem que terá morrido recentemente, sem papéis, sem identidade, sem documentos, na "terra de ninguém". e que é parte da nossa história, da história da geração dos homens que fizeram a guerra colonial e o 25 de abril... Perturbante, perturbador, a não perder... (Luís Graça)
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10557: Agenda cultural (224): Lançamento do livro póstumo “Golden Gate - Um quase diário de guerra”, de José Niza (1938-2011), ex-alf mil médico em Angola (BCAÇ 2877, 1969/71) (Carlos Pinheiro)
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Guiné 63/74 - P10566: Ciganos, meus camaradas (Tino Neves, ex-1º cabo escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)
1. Texto enviado pelo nosso camarada Constantino (ou Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), membro da nossa Tabanca Grande desde 2006
Assunto - Ciganos
Desta vez, não vou contar histórias nem enviar fotos, simplesmente lançar um "mote" ou "tema" como queiram chamar, que é: ex-Combatentes de etnia cigana. Este tema ainda não foi abordado na nossa Tabanca Grande.
Assunto - Ciganos
Desta vez, não vou contar histórias nem enviar fotos, simplesmente lançar um "mote" ou "tema" como queiram chamar, que é: ex-Combatentes de etnia cigana. Este tema ainda não foi abordado na nossa Tabanca Grande.
E porque é que me lembrei disso ? Porque na minha Companhia (CCS/Bcaç 2893) havia um, que vivia no Bonfim, Porto, o qual se vangloriava muito desse estado e do qual eu vou contar uma pequena história.
Já em Bissau, de regresso à Metrópole, estávamos sentados na esplanada da Cervejaria MarSol (assim se chamava, se a memória não me falhar, ou algo parecido, pois era a Cervejaria maior e mais conhecida de Bissau). Foi quando por lá passou um daqueles vendedores ambulantes, vestidos de branco, a vender um rádio portátil, e pedindo por ele 3.000 pesos. O meu camarada cigano ofereceu-lhe 500 pesos, e o vendedor praguejou qualquer coisa e foi-se embora. Mas, passados alguns minutos, apareceu outra vez, com o mesmo rádio, julgo eu, e vendeu-o então ao meu camarada pelos 500 pesos.
Era ver a satisfação do meu camarada que dizia em voz alta e em bom som:
- Eu sou cigano e sei fazer bons negócios!...
Mas houve um imprevisto, cinco minutos depois de o rádio estar a tocar no seu som máximo, "pifou", deixou de tocar mais, O meu camarada surpreendido tratou logo de abrir o rádio a ver o que se passava com ele, e acabou por ver o que não queria, uma caixa quase vazia, somente tinha 2 transistores e alguns fios.
Como não podia deixar de ser, o seu orgulho foi seriamente atingido, e correu logo à procura do "nharro" que conseguiu enganar um cigano... "para o matar", dizia ele, muito irritado.
Conto esta história, não tendo a intenção de ofender os ciganos, pois tenho conhecido e conheço actualmente muitos ciganos e tenho-os por amigos, e mesmo o meu camarada da história sempre foi bom amigo e boa pessoa, somente ficou muito irritado por se sentir enganado.
E também conheci lá em Nova Lamego outro cigano, não me recordo a que companhia pertencia, pois passou por lá apenas alguns meses, falava com ele muitas vezes e só fiquei a saber que era cigano porque ele me confidenciou esse facto, pois se o não fizesse nunca o viria a saber.
Mais tarde vim a saber que ele era jogador de futebol, não me lembro ao certo a equipa, mas talvez o Beira Mar, só me lembro de ser numa equipa do norte. Ele se chama Montoya ou Montoia.
Sem mais
Um Abraço a todos os Camarigos da Tabanca Grande
Tino Neves
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Tino, por te teres lembrado dos nossos camaradas "ciganos portugueses" que fizeram a guerra colonial como todos nós. E por nos teres contado uma história protagonizada por um "cigano português", teu camarada, nosso camarada...
Não sabemos ao certo quantos "ciganos" passaram pelos três teatros de operações de África. Nem mesmo hoje sabemos, ao certo, quantos são os "ciganos portugueses", até por que ao longo dos séculos houve misturas com populações não ciganas, apesar da maior prevalência de práticas endogâmicas entre as comunidades ciganas... São 50 mil ? 100 mil ?...
Seria interessante que aparecessem aqui, no nosso blogue, testemunhos em primeira mão e na primeira pessoa de camaradas nossos, "ciganos"...
Concordo contigo: o tema é delicado, sensível, recomendo a consulta do sítio do Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI). Os "ciganos portugueses" não são diferentes, geneticamente, dos "outros portugueses"... Nem hoje ninguém fala já dos portugueses de origem judia, berbere (moura) ou africana subsariana (descentes de escravos) ... Continuamos a falar dos "ciganos", das "comunidades ciganas", do "povo cigano", muitas vezes por más razões, já que são vítimas de discriminação e de estereótipos sociais, e têm maiores dificuldades de integração e de participação como cidadãos portugueses...
Pessoalmente, tenho reservas ao uso do conceito de "etnia" ou "minoria étnica" aplicado aos portugueses de origem cigana... Mas este é assunto que dá pano para mangas...Há uma "União Romani - União de Todos os Ciganos Portugueses" que tem tomado posições públicas sobre estas questões de "identidade", mas que não tem - ao que eu saiba - uma página na Net.
Por último, e não menos importante, ainda bem que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 13.º, o Princípio da igualdade de todos os cidadãos ("1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.")...
Sabemos, contudo, que da lei fundamental à prática quotidiana vai, muitas vezes e em muitos casos, uma distância considerável, continuando nós a usar indevidamente (na comunicação social, nas nossas conversas, nos nossos escritos...) conceitos como "raça", por exemplo, "raça cigana"...
PS - O título do poste é da responsabilidade do editor. A expressão "o meu camarada cigano" é da autoria do Tino Neves.
Sem mais
Um Abraço a todos os Camarigos da Tabanca Grande
Tino Neves
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Tino, por te teres lembrado dos nossos camaradas "ciganos portugueses" que fizeram a guerra colonial como todos nós. E por nos teres contado uma história protagonizada por um "cigano português", teu camarada, nosso camarada...
Não sabemos ao certo quantos "ciganos" passaram pelos três teatros de operações de África. Nem mesmo hoje sabemos, ao certo, quantos são os "ciganos portugueses", até por que ao longo dos séculos houve misturas com populações não ciganas, apesar da maior prevalência de práticas endogâmicas entre as comunidades ciganas... São 50 mil ? 100 mil ?...
Seria interessante que aparecessem aqui, no nosso blogue, testemunhos em primeira mão e na primeira pessoa de camaradas nossos, "ciganos"...
Concordo contigo: o tema é delicado, sensível, recomendo a consulta do sítio do Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI). Os "ciganos portugueses" não são diferentes, geneticamente, dos "outros portugueses"... Nem hoje ninguém fala já dos portugueses de origem judia, berbere (moura) ou africana subsariana (descentes de escravos) ... Continuamos a falar dos "ciganos", das "comunidades ciganas", do "povo cigano", muitas vezes por más razões, já que são vítimas de discriminação e de estereótipos sociais, e têm maiores dificuldades de integração e de participação como cidadãos portugueses...
Pessoalmente, tenho reservas ao uso do conceito de "etnia" ou "minoria étnica" aplicado aos portugueses de origem cigana... Mas este é assunto que dá pano para mangas...Há uma "União Romani - União de Todos os Ciganos Portugueses" que tem tomado posições públicas sobre estas questões de "identidade", mas que não tem - ao que eu saiba - uma página na Net.
Por último, e não menos importante, ainda bem que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 13.º, o Princípio da igualdade de todos os cidadãos ("1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.")...
Sabemos, contudo, que da lei fundamental à prática quotidiana vai, muitas vezes e em muitos casos, uma distância considerável, continuando nós a usar indevidamente (na comunicação social, nas nossas conversas, nos nossos escritos...) conceitos como "raça", por exemplo, "raça cigana"...
PS - O título do poste é da responsabilidade do editor. A expressão "o meu camarada cigano" é da autoria do Tino Neves.
Guiné 63/74 - P10565: Convívios (478): I Encontro, nos Açores, do Pessoal da CCAÇ 3414 - BII17 - Ilha Terceira, levado a efeito no passado dia 25 de Agosto de 2012 (Joaquim Carlos Peixoto)
1. Em mensagem do dia 20 de Outubro de 2012, o nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA,
CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) enviou-nos uma reportagem do último Convívio do pessoal da sua Unidade, levada a efeito na Ilha Terceira no passado dia 25 de Agosto de 2012:
No ano passado manifestei a alegria que tive ao conseguir organizar o primeiro convívio da minha Companhia a CCAÇ 3414. Foi muito difícil a organização porque os soldados eram na maioria do Arquipélago dos Açores e apenas os graduados e alguns soldados eram do Continente.
Ultrapassando todas as dificuldades, conseguimos que este nosso primeiro encontro, realizado em Coimbra, fosse um êxito embora só tenham aparecido os camaradas do Continente.
Fiz o relato deste encontro e o camarada José Câmara escreveu:
“O ano passado a minha CCAÇ 3327 teve o seu primeiro convívio em Coimbra. Depois de amanhã parto para os Açores para outro convívio no BII 17… Deixa-me sugerir que tentes a experiência nos Açores. Não será fácil, mas digo-te que valerá a pena.”
Seguindo o conselho do camarada J. Câmara, formamos uma equipa encarregue de organizar o convívio de 2012 nos Açores, mais precisamente em Angra do Heroísmo onde estava sediado o BII 17. Começaram-se a fazer os contactos, e desde logo se notou uma certa dificuldade na deslocação aos Açores (a crise…).
Então organizou-se um primeiro convívio em Setúbal. Quem pensava que este convívio não teria a mesma emoção que o do ano anterior, enganou-se. Apareceram outros camaradas que não tinham ido no ano anterior. Foi grande a alegria no reencontro com estes novos camaradas.
Aproximava-se o dia do Convívio nos Açores. Partimos para o aeroporto das Lages. Como iria decorrer o reencontro com os soldados que já não víamos há 39 anos? A emoção começou logo à chegada ao aeroporto. Alguns camaradas estavam à nossa espera. Desnecessário será dizer que ninguém se conhecia. Mas passado o primeiro impacto, começou-se logo a rever os velhos tempos passados na Guiné.
Chegou finalmente o dia do Convívio. Logo de manhã dirigimo-nos para o quartel, antigo BII 17 e actual Guarnição 1. Fomos recebidos pelo Comandante Coronel Araújo e pelo Subcomandante Coronel Silveira. Começaram aqui os abraços com aqueles que iam chegando. Claro que cada um tinha que se apresentar. A falta de cabelo, as barrigas e a idade dificultavam o reconhecimento. Pessoalmente, fiquei muito emocionado ao rever principalmente os soldados do meu pelotão. Com um deles tive grande dificuldade com a pronúncia.
Começou-se com uma homenagem aos camaradas mortos na Guiné. Foi um momento emocionante. Após depositar uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares mortos daquela unidade, quando o ex-alferes Gomes (em representação do Comandante de Companhia) usou da palavra para recordar o Parreira e o Ribeiro (mortos em combate), viram-se as lágrima a correr pela face de quase todos.
Foi um momento verdadeiramente penoso.
Recordou que aquando da morte do Parreira no rebentamento duma mina, os soldados não deixaram que o corpo fosse abandonado e durante dois dias acompanhou-nos até chegar ao nosso quartel.
Percorremos toda a área do quartel; as gargalhadas e as conversas enchiam o ar de vida. E assim de conversa em conversa, lá fomos seguindo para a quinta onde nos esperava um “repasto” altamente rico e requintado.
O ambiente era alegre. Todos queriam fazer ouvir a sua voz. Os organizadores olhavam atentos para que nada faltasse. E tudo corresse pelo melhor. Até a RTP Açores nos acariciou com a sua presença, fazendo uma reportagem sobre este encontro.
No decorrer do almoço fomos surpreendidos por um grupo musical açoriano que abrilhantou o convívio com os seus cantares.
O Subcomandante Coronel Silveira, que nos acompanhou na visita ao quartel e durante o almoço, usou da palavra elogiando o trabalho prestado ao País e o espirito de camaradagem e solidariedade que nos une. No final, como prova da sua simpatia e simbolizando a gratidão por todos nós, ofereceu-nos uma pequena lembrança. Foi lida uma mensagem do ex-comante de Companhia, Capitão Ribeiro de Faria, explicando o motivo da sua ausência.
Finda a refeição houve uma “Largada de Touros”, mas poucos foram os que participaram, pois o respeito que tinham pela sua integridade física era maior que pegar “o touro pelos cornos”.
Assim se passou um dia inesquecível, ficando o entusiasmo e vontade que no próximo ano possamos desfrutar de outros momentos iguais. Quero agradecer ao Caldeira e à sua simpática esposa, assim como a todos quantos contribuíram e trabalharam para que encontro fosse uma realidade.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10502: Convívios (477): 13.º Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 3852, dia 27 de Outubro de 2012 em Vila do Conde (Manuel Carmelita)
I CONVÍVIO DA CCAÇ 3414 NO BII 17
ANGRA DO HEROISMO – ILHA TERCEIRA
No ano passado manifestei a alegria que tive ao conseguir organizar o primeiro convívio da minha Companhia a CCAÇ 3414. Foi muito difícil a organização porque os soldados eram na maioria do Arquipélago dos Açores e apenas os graduados e alguns soldados eram do Continente.
Ultrapassando todas as dificuldades, conseguimos que este nosso primeiro encontro, realizado em Coimbra, fosse um êxito embora só tenham aparecido os camaradas do Continente.
Fiz o relato deste encontro e o camarada José Câmara escreveu:
“O ano passado a minha CCAÇ 3327 teve o seu primeiro convívio em Coimbra. Depois de amanhã parto para os Açores para outro convívio no BII 17… Deixa-me sugerir que tentes a experiência nos Açores. Não será fácil, mas digo-te que valerá a pena.”
Seguindo o conselho do camarada J. Câmara, formamos uma equipa encarregue de organizar o convívio de 2012 nos Açores, mais precisamente em Angra do Heroísmo onde estava sediado o BII 17. Começaram-se a fazer os contactos, e desde logo se notou uma certa dificuldade na deslocação aos Açores (a crise…).
Então organizou-se um primeiro convívio em Setúbal. Quem pensava que este convívio não teria a mesma emoção que o do ano anterior, enganou-se. Apareceram outros camaradas que não tinham ido no ano anterior. Foi grande a alegria no reencontro com estes novos camaradas.
Aproximava-se o dia do Convívio nos Açores. Partimos para o aeroporto das Lages. Como iria decorrer o reencontro com os soldados que já não víamos há 39 anos? A emoção começou logo à chegada ao aeroporto. Alguns camaradas estavam à nossa espera. Desnecessário será dizer que ninguém se conhecia. Mas passado o primeiro impacto, começou-se logo a rever os velhos tempos passados na Guiné.
Chegou finalmente o dia do Convívio. Logo de manhã dirigimo-nos para o quartel, antigo BII 17 e actual Guarnição 1. Fomos recebidos pelo Comandante Coronel Araújo e pelo Subcomandante Coronel Silveira. Começaram aqui os abraços com aqueles que iam chegando. Claro que cada um tinha que se apresentar. A falta de cabelo, as barrigas e a idade dificultavam o reconhecimento. Pessoalmente, fiquei muito emocionado ao rever principalmente os soldados do meu pelotão. Com um deles tive grande dificuldade com a pronúncia.
Começou-se com uma homenagem aos camaradas mortos na Guiné. Foi um momento emocionante. Após depositar uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares mortos daquela unidade, quando o ex-alferes Gomes (em representação do Comandante de Companhia) usou da palavra para recordar o Parreira e o Ribeiro (mortos em combate), viram-se as lágrima a correr pela face de quase todos.
Deposição coroa de flores
Foi um momento verdadeiramente penoso.
Recordou que aquando da morte do Parreira no rebentamento duma mina, os soldados não deixaram que o corpo fosse abandonado e durante dois dias acompanhou-nos até chegar ao nosso quartel.
Foto da praxe
Percorremos toda a área do quartel; as gargalhadas e as conversas enchiam o ar de vida. E assim de conversa em conversa, lá fomos seguindo para a quinta onde nos esperava um “repasto” altamente rico e requintado.
"ANTES MORRER LIVRES QUE EM PAZ SUJEITOS"
O ambiente era alegre. Todos queriam fazer ouvir a sua voz. Os organizadores olhavam atentos para que nada faltasse. E tudo corresse pelo melhor. Até a RTP Açores nos acariciou com a sua presença, fazendo uma reportagem sobre este encontro.
RTP Açores
No decorrer do almoço fomos surpreendidos por um grupo musical açoriano que abrilhantou o convívio com os seus cantares.
Grupo musical "Os Se7e da Vida Airada "
O Subcomandante Coronel Silveira, que nos acompanhou na visita ao quartel e durante o almoço, usou da palavra elogiando o trabalho prestado ao País e o espirito de camaradagem e solidariedade que nos une. No final, como prova da sua simpatia e simbolizando a gratidão por todos nós, ofereceu-nos uma pequena lembrança. Foi lida uma mensagem do ex-comante de Companhia, Capitão Ribeiro de Faria, explicando o motivo da sua ausência.
Finda a refeição houve uma “Largada de Touros”, mas poucos foram os que participaram, pois o respeito que tinham pela sua integridade física era maior que pegar “o touro pelos cornos”.
Assim se passou um dia inesquecível, ficando o entusiasmo e vontade que no próximo ano possamos desfrutar de outros momentos iguais. Quero agradecer ao Caldeira e à sua simpática esposa, assim como a todos quantos contribuíram e trabalharam para que encontro fosse uma realidade.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10502: Convívios (477): 13.º Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 3852, dia 27 de Outubro de 2012 em Vila do Conde (Manuel Carmelita)
Guiné 63/74 - P10564: Bibliografia de uma guerra (65): As nossas Enfermeiras Pára-quedistas vão editar um livro, precisando de depoimentos daqueles que com elas tenham trabalhado (Miguel Pessoa)
1. Mensagem do nosso camarada Miguel
Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav
Reformado) com data de 21 de Outubro de 2012:
Amigo Carlos
Sendo de há muito defensor das causas das nossas enfermeiras pára-quedistas e pretendendo elas fazer circular um pedido de colaboração aos camaradas que com elas tenham trabalhado, procuro ajudá-las enviando-te para publicação este texto que elas prepararam tendo em vista a eventual inclusão de depoimentos de terceiros no livro que as enfermeiras pára-quedistas pretendem editar sobre a sua vivência durante a guerra de África.
E este blogue, pela importância que já ganhou, visível no largo leque de amigos e camaradas que o acompanham, parece-me ser um óptimo local para divulgar este pedido.
Com um abraço
Miguel Pessoa
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10389: Bibliografia de uma guerra (64): Heróis do Ultramar, de Nuno Castro (Maria Teresa Almeida)
Amigo Carlos
Sendo de há muito defensor das causas das nossas enfermeiras pára-quedistas e pretendendo elas fazer circular um pedido de colaboração aos camaradas que com elas tenham trabalhado, procuro ajudá-las enviando-te para publicação este texto que elas prepararam tendo em vista a eventual inclusão de depoimentos de terceiros no livro que as enfermeiras pára-quedistas pretendem editar sobre a sua vivência durante a guerra de África.
E este blogue, pela importância que já ganhou, visível no largo leque de amigos e camaradas que o acompanham, parece-me ser um óptimo local para divulgar este pedido.
Com um abraço
Miguel Pessoa
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10389: Bibliografia de uma guerra (64): Heróis do Ultramar, de Nuno Castro (Maria Teresa Almeida)
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