1. Em mensagem do dia 2 de Setembro de 2013, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta "boa memória da sua guerra", mais uma vez apimentada qb:
Memórias boas da minha guerra
31 - "Deixem-nos trabalhar!"
Antigo RAP 2
- Ó Silva, estás tramado para este fim-de-semana. Estás de serviço de Ronda no Domingo. – Gritou o Mariz de Anadia.
- Não vou a Lisboa, este fim-de-semana, mas não olhes para mim, porque não te vou fazer esse serviço. Quero ir até ao Minho, conhecer alguma coisa. E espero encontrar uma garina. – Interveio o Machado.
- E qual é o meu papel? – Perguntei a quem me quisesse responder.
Logo o Sargento Bagaço:
- Fazer o percurso das Pontes D. Luís, Vila Chã, Sé, Rua Escura, Bainharia, Ribeira…
- …Zona das putas. – Interpôs o Delfim Nora, de Matosinhos, que aproveitou para fazer o convite:
- Não caias nessa merda. Vem, mas é, até Matosinhos para visitarmos as casas de trabalho da Rua Brito Capelo.
Deixei-me cair na cama e, em silêncio, de olhos no tecto, pus-me a pensar. Ou melhor, a “ver o filme” de uma visita que tinha feito àquela zona.
Foi em princípios de 1958.
Eu ainda não tinha 15 anos quando o meu tio de Trás-os-Montes (Boticas) veio visitar-nos.
Depois da devida autorização paternal para o acompanhar na visita a “uma pessoa amiga do Porto”, seguimos num autocarro da Feirense, directamente para junto do Café Derby.
Edifício onde esteve o Café Derby na Rua Chã.
Logo ali verifiquei o à-vontade do meu tio no relacionamento com aquelas mulheres.
Ele, um rapagão de bom aspecto e cheio de saúde, já tinha perto de 40 anos e não mostrava namorada nem intenção de casar. Parecia que aquele ambiente o satisfazia plenamente.
Na Sé, descemos por umas ruas estreitas em direcção à Ribeira.
Enquanto descíamos, eu ia ficando pasmado pelos “polícias” de humanos, de cães e de outros animais que via pelos cantos da rua. A dada altura, passámos por duas miúdas (aparentando cerca de 10 anos) que conversavam em voz alta. Uma delas pôs-se de cócoras, sem cuecas e começou a mijar, ao mesmo tempo que ia falando.
Como me demorei a olhar para a cena, a miúda perguntou:
- Oube cá, ó morcon, nunca bistes uma c____ sem pelos?
Quando me viu meio aparvalhado, o meu tio aproveitou para me dizer que aquela gente era igual à da minha aldeia e que fazia aquilo porque, normalmente, não tinha casas de banho, e que, ao contrário de nós, não tinha mato, pinhal ou campo para nos imitar.
Como bem me lembram aqueles momentos de arejar o “material”! Quem é que não gosta de dar uma mija (ou mais) e deixar o “badalo” sacudido lentamente a observar a natureza e a absorver aquela límpida aragem rural?
Ah, e daquelas mulheres de carrego à cabeça, na conversa, que abriam as pernas, puxavam as saias para a frente e deixavam cair o mijo direitinho, sempre no mesmo sítio!
Logo que entrámos na casa da Micas fixei os olhos nas suas exuberantes mamas, pouco escondidas debaixo de uma blusa muito desapertada. Enquanto ele falava para uma moça, a quem pediu uma cerveja, a D. Micas puxou-me e disse:
- Anda aqui que eu arranjo-te outra “coisa”.
Não sei o que deixou cair. Vergou-se demoradamente, possivelmente para me mostrar o traseiro e o pername. De seguida foi-se aproximando, tocando-me e aconchegou-me a cara ao centro daqueles peitos avantajados. E eu, que nem sou muito de leite, quando me apercebi, já estava com vontade de mamar.
Nove anos depois, vejo-me com vontade de repetir o percurso.
Estava uma linda tarde de sol daquele mês de Janeiro de 1967 quando descemos do RAP2, da Serra do Pilar. Seguimos o tabuleiro superior da Ponte D. Luís em direcção a Vila Chã.
A Ponte Luís I, hoje dedicado ao Metro e a peões
Depois, chegados à Sé, fui aconselhado pelo meu adjunto de que deveríamos seguir pela Rua Escura, em direcção à Bainharia e Ribeira, zona mais frequentada pelos militares.
Era bem visível o trânsito lento dos magalas, a divagar e a observar tudo e todos mas mais focados no mulherame. Entravam e saíam dos tascos ou de portas manhosas, vindos não sei de onde.
De repente, cai uma penicada mesmo na nossa frente. Então, oiço de lá de cima, em voz alta:
- Ai Birgem Nossa Senhora de Fátima, que ia molhando a Ronda da Tropa! Descuuuuulpem! Descuuuulpem!
Rua Escura - Pormenor
Não percebi que aquilo era um aviso (não só para nós), continuámos a descer e, enquanto observávamos se acaso teríamos sido atingidos com a dita penicada perfumada, surge nova remessa.
Desta vez, fomos atingidos ligeiramente. Ficámos atordoados e sem saber o que fazer.
Foi, então, que um sujeito (talvez o Júlio) saiu de um bar e veio ao nosso encontro para nos acalmar, elucidar-nos e pedir desculpa. E logo uma catraia, bem boa, por sinal, encostando-se exageradamente à minha pistola, pousou as mãos no meu ombro esquerdo e melosamente acrescentou baixinho:
- Senhor Meleciano, num benha p’ráqui assim armado porque a tropa gosta de estar à buntade e as donzelas querem trabalhar. Por fabor deixem-nos trabalhar! Deixem-nos trabalhar!
Forçados a regressar ao Quartel, rapidamente me lavei e mudei de roupa.
Quando ia a atravessar a rua, em frente do Café Mucaba, parou um carro de onde me chamaram.
Avenida de Gaia. Antigo Mucaba à direita
Era o Neca Folhetas, que namorava uma vizinha e que insistiu para ir com ele para o Porto. Mal entrei, disse-me que queria ir dar uma volta pela zona do métier. Disse-lhe que não ia. Só se fosse lá para os lados da Cadeia, Clérigos, cimo dos Caldeireiros, etc.
Corremos três ou quatro bares e viemos para o cimo dos Caldeireiros.
Perante um aglomerado de gente, aproximámo-nos e constatámos que lá dentro do bar havia confusão. Abeiramo-nos da porta e perguntei a um militar o que se passava. E ele respondeu:
- É o caralho do Mirandela. Anda apaixonado por uma gaja e não a larga.
- E não o conseguem trazer? - perguntei.
- Foda-se!!! É que ele já está com os copos e de naifa é um perigo! Ninguém se aproxima dele.
Ouve-se, então, uma mulher a lamentar-se:
- Uma galdéria cheia de bida, podia ganhar umas coroas e o gajo não ajuda nada. É mesmo morcon!
E logo outra acrescenta:
- Filha da puta da Ronda que nunca mais chega! Assim, não temos condições para trabalhar! Ó meu Deus, o que mais pedimos é que nos deixem trabalhar. Deixem-nos trabalhar!!!
Silva da Cart 1689
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Zona histórica do Porto
Fotos: © Jorge Teixeira (Portojo)
ADENDA
Significado de palavras usadas no texto, tal como extraído do
“Manual do Morcon”, integrado no
“Dicionário da Lingua Romontica Portuense”:
- À maneira – De longe a mais portuense de todas as
palabras e expressões e que significa:
“como debe ser”, “com categoria”,”com qualidade”, enfim, “à maneira mesmo”.
- Foder –
Bocábulo pouco utilizado na
región e raramente referido a sexo. No caso da
expresson “Bouta foder” ou
“touaqui toutafoder” pode significar:
“Bou-te esvaziar dois pneus da biatura e tu só tens uma roda sobressalente”.
- Donzela – Qualquer
baca que f__a mais de dez vezes ao dia.
- Fdp –
Expressón raramente usada. Usa-se mais
“grande filha da puta”. Na zona de Campanhã acrescenta-se sempre
“bouta foder”.
- Galdéria – Tola. Que podia ganhar muito mais se tivesse juízo (para o “negócio”).
- Garina –
Debe ser de Lisboa, a puta.
- Puta –
Palabra que se emprega em manifestações de amizade e carinho, tais como:
“Meu belo filho da puta”.
-
“Deixem-nos trabalhar!” – Frase muito
bulgarizada entre as putas e, também, entre os políticos, quando nos querem endrominar.
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Nota do editor
Último poste da série de 26 DE AGOSTO DE 2013 >
Guiné 63/74 - P11981: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O Jorge Ribeiro era um "gentleman"