quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12108: Ser solidário (149): Antigo capelão da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã, 1969/70), ex-alf mil Augusto Baptista, 75 anos, pároco de Perosinho e Seixezelo, V. N. Gaia, assaltado, violentamente agredido e hospitalizado, precisa de um ombro amigo, precisa de nós, camaradas! (Armando Pires)


Matosinhos > Tabanca de Matosinhos > Dezembro de 2012 > "Da esquerda para a direita: : (i) o José Teixeira, 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381; (ii) o ten cor capelão Augusto Pereira Batista, que no blogue já homenageei e que pertenceu ao meu batalhão; (iii) o João Rebola, fur mil da CCAÇ 2444, que estava em Bissorã quando nós lá chegámos, de quem me tornei amigo e que só reencontrei graças ao nosso blogue; e (iv) o Dr. Oliveira, que foi, tal como o capelão, convidado pelo Rebola a estar presente naquele almoço".

 

Nazaré > 12 de Maio de 2012 > Convívio da CCS / BCAÇ 2861,  no 42.º Aniversário do seu regresso da Guiné. O alferes capelão Baptista, hoje Tenente-Coronel reformado, está assinalado pela seta. 

(...) O Baptista está sempre presente nos nossos convívios. Sempre, não, que ele falhou três presenças seguidas e foi uma gritaria de todo o tamanho. Já vão perceber porquê. O Baptista vem propositadamente ao nosso encontro para celebrar a "nossa" Missa. Tão "nossa" que rejeitámos que ela fosse celebrada por outro pároco qualquer. A nossa indignação foi tanta que o Baptista compreendeu e nunca mais nos faltou. Porque ninguém, como ele, é capaz de dizer aquelas palavras que são a razão da grande vontade de estarmos juntos, todos os anos e sempre. Porque ninguém, na hora de chamar pelos nossos mortos, diz os seus nomes como ele. Nesse momento, ninguém como ele é capaz de encher a igreja daquela emoção que de todos toma conta, com os olhos vidrados de lágrimas.

Quero, queremos, agradecer ao Baptista por isso. Ele chega, abraça-nos, celebra a Missa, torna a abraçar-nos e despede-se, com um pedido de desculpas por não ficar para o almoço mas tem obrigações a cumprir na paróquia dele.

Camaradas: Quero dizer-lhes que esta é a única Missa que me consinto. Sou o que sempre fui Agnóstico. E quero pedir-lhes que se algum dia encontrarem o Baptista ali no Perosinho, freguesia do concelho de Vila Nova de Gaia onde ele é pároco, falem-lhe, dêem-lhe um abraço, digam-lhe quem são, ele vai gostar e vocês também. Porque o Baptista é um camarada muito porreiro. (...)


Fotos (e legendas): © Armando Pires (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem,  de ontem, do Armando Pires [, foto atual à esquerda]:

Assunto: Pedido de publicação

Luís, meu Caro Comandante em Chefe.

Só agora lendo o teu comentário à convocatória do almoço da Tabanca da Linha fiquei a saber que o Carlos Vinhal está de férias.

Acontece que enviei para ele, pelas razões que facilmente vais compreender, um pedido de publicação pedindo um gesto nosso de solidariedade para com o Tenente-Coronel Capelão, reformado, Augusto Baptista, assaltado e selvaticamente agredido na madrugada do passado dia 27 de Setembro.

Peço-te que leias e faz o que puderes. Armando Pires

PS - E não faltes ao almoço [do dia 17].


2. Mail enviado ao co-editor Carlos Vinhal (que está de férias até 13 do corrente):

Meu Caro Carlos Vinhal, Camaradas.

Não sei se leram esta noticia publicada no JN do passado sábado, ou se a viram e ouviram nos noticiários das televisões. Talvez a tivessem lido e ouvido mas não tenham ligado o nome à pessoa.

O sacerdote assaltado e agredido, de que trata a notícia, é o Tenente-Coronel Capelão, reformado, Augusto Pereira Baptista, de 75 anos de idade, hoje pároco nas freguesias de Perosinho e Seixezelo, concelho de Vila Nova de Gaia, mas que, então ainda Alferes, foi capelão do meu batalhão, o BCAÇ 2861, 1969/70, de quem vos falo no meu poste P9978, e que ainda não há muito tempo foi convidado para um dos habituais almoços da Tabanca de Matosinhos, de que no nosso blog também há relato feito pelo João Rebola, e documentado em fotografias no P10801.

O capelão Baptista, o Padre Baptista, ou o Baptista, como tão simplesmente a gente da minha companhia o trata, além das dores físicas, das quais já recupera em casa de familiares, ficou e está muito maltratado psicologicamente.

Peço-vos, se é que pedir é um termo que entre nós tenha uso, sobretudo aos camaradas do norte, e em particular aos do Porto e de Gaia, que lhe transmitam uma palavra solidária.

O Baptista precisa e merece essa palavra.

Em nome do pessoal do BCAÇ 2861,

Muito Obrigado. Armando Pires



Recorte do JN - Jornal de Notícias, de 28 de setembro de 2013 [, enviado pelo Armando
 Pires]. Vd também aqui reportagem da RPT [ Três padres roubados e agredidos em três dias, 28 de
setembro de 2013]


3. Comentário do editor L.G.

Mail interno enviado, hoje de manhã,  para o "batalhão" da Tabanca Grande:

Obrigado, Armando, pelo teu SOS, denunciando esta situação de selvática violência, mais um caso, que chega ao conhecimento da opinião pública, e que desta vez atingiu um camarada nosso. Não, isto não se passa em Bissau, ou noutro ponto qualquer do planeta sem rei nem roque, passa-se numa pacata e santa terrinha do Portugal dos "brandos costumes", europeu, civilizado, policiado,,,

Obrigado, Armando,  pelo teu gesto solidário, pelo teu apelo à solidariedade para com um camarada nosso que está em grande sofrimento psíquico, vítima de stresse pós-traumático. Pelo que me contas ao telefone, ele está em casa de um irmã, em Vila da Feira, e dificilmente estará em condições de voltar á sua residência paroquial, em Persoinho, onde foi sujeito a brutais sevícias. 

Façamos-lhes chegar as nossas palavras de conforto, de camaradagem e de solidariedade. Aqui fica o seu endereço de email, publicado com o seu consentimento, segundo o telefonema que me acaba de fazer o Armando Pires:


E se alguém o for visitar, na vila da Feira, que lhe leve também o nosso imenso abraço, do tamanho do Minho ao Algarve passando pela diáspora lusitana.

Ao Armando, eu já sugeri que apadrinhasse a entrada do Augusto Baptista na nossa Tabanca Grande, juntando o seu nome à nossa lista alfabética de amigos e camaradas da Guiné. É uma pequena homenagem a um homem que é tão querido dos nossos camaradas do BCAÇ 2861... e que no TO da Guiné nos deu conforto espiritual, e que continuou a fazê-lo, mesmo aos 75 anos, ao alinhar com a malta nos convívios anuais...

O Armando já se comprometeu a arranjar-nos uma foto do capelão Baptista, do tempo de Bula ou Bissorã, 1969/70. Precisa, naturalmente, da competente autorização do nosso camarada a quem desejamos uma boa e, se possível, rápida convalescência. A sua fé cristã também vai ajudá-lo a ultrapassar a brutal prova que foi esta estação do calvário.

PS - Reforço o meu pedido: amigos e camaradas, mandem mensagens de conforto e solidariedade ao nosso camarada Augusto Baptista. Ele é um ser humano como qualquer um de nós, está profundamente abalado, e é bom que sinta que o Mundo dos Maus é Pequeno e que a nossa Tabanca... é Grande!...

Aqui vai, autorizado por ele e pelo Armando Pires, o seu endereço de email:

pde.augusto@sapo.pt
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Nota do editor:

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12107: Convívios (535): Magnífica Tabanca da Linha: almoço na Adega Camponesa, em Cabreiro, Alcabideche, Cascais, no próximo dia 17, 5ª feira... Convocatória do comandante Jorge Rosales (José Manuel Matos Dinis, secretário)


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Bolama > Ilha das Cobras > Julho de 1966 > O comandante Jorge Rosales, no final da sua comissão, depois de ter passado 18 meses em Porto Gole... Recorde-se que ele, que era alf mil,  pertenceu  pertenceu à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim. (Havia mais duas, uma Bedanda, a 4ª, CCAÇ,  e outra em Nova Lamego, a 3ª CCAÇ). Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Ficou lá 18 meses. Passou os últimos tempos, em Bolama,  no CIM, a dar recruta a soldados africanos.

Foto: © Jorge Rosales (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis [, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71]


Data: 30 de Setembro de 2013 às 16:28

Assunto: A Magnífica Tabanca da Linha - Notícia feliz (*)


O tempo amainou dos calores que nos prostavam, que nos deixavam sem vontade para movimentos e andanças. O clima generoso deste País já permitiu ao Sr Comandante Rosales fazer a vindima no seu domínio lá prós limites ribatejanos, e tenho o maior prazer de informar o excelentíssimo público leitor, de que a pinga já ferve e cheira auspiciosamente, conforme comunicações detalhadas que cuidadosa e diariamente lhe são transmitidas pelo zeloso Eusébio, não o glorioso, mas o coucense que lhe cuida dos bens rústicos e, por inerência, do bom andamento da fervura.

Reproduzo o que o Sr. Comandante me transmite, com vaidade superior e a modos que suspeita, pois não posso confirmar de que o quinteiro lhe telefona diariamente, ou antes, se S.Exa. já anda com os pensamentos em processo repetitivo, em rodopio avassalador, quiçá numa manifestação desses subprodutos alzheimerianos, se é que não se trata do produto genuíno. É que está sempre a falar do mesmo com as bochechas largas a emoldurar o sorriso.

Pois bem, ou mal, S.Exa. convocou-me para lá ir fazer a mudança do vinho da cuba para os depósitos, que a produção é toda ela para ser falada no plural. Explorou-me como é fácil de perceber, tratando-se de um genuíno descendente feudal, com interesses ramificados na Galiza. Levou-me a almoçar a um restaurante local, mais ao rancho de trabalhadores afectados àquela tarefa, e obrigou-me a pagar a despesa, porque o multibanco distava para cima de dez metros de distância. Ainda me deve a massa, e o almoço nem foi grande coisa.

Como é natural entre portugueses mastigantes, que praticavam a mastigação em volta de uma feijoada dita à transmontana, e jaquinzinhos com arroz, estes mais adequados para a dieta do magnífico Comandante, empurrados para o "bolo alimentar" por uma sucessão de jarros de vinho, cuja qualidade já não me lembro se aprovei ou desaprovei, mas sei que no regresso deu-me a soneira, até ter levado uma cotovelada com a indicação de que estávamos no estabelecimento desejado da "rabo de cavalo", local pitoresco no meio da lezíria, onde fui obrigado a enfiar um café e a água efervescente de uma garrafa das pedras. Arrotei, e S.Exa. reprovou-me com um olhar implacável, quase a destinar-me às galés. Mas safei-me, voltei a ter lugar na magnífica viatura a diesel que também é sua propriedade, e reiniciàmos a viajem de regresso até à saída da autoestrada em S. Domingos de Rana, onde S. Exa. atracou a viatura a um bar que costuma frequentar, com o justíssimo fim de se dessedentar, para o que requisitou outro jarro, desta vez cheio de uma mistura de vinho e gasosa, servida fresca, que eu acho que era para disfarçar a espécie de vinho que emborcámos.

Visivelmente mais bem disposto, e depois de me evidenciar um outro circulo onde exerce influências, o Sr Comandante elogiou bastante o meu trabalho durante a transfega, e conduziu-me rapidamente aos arrabaldes do sítio onde moro, que tinha mais que fazer.

Enquanto eu do meio da rua correspondia ao seu chamamento, mandou-me informar os distintos membros da Magnífica Tabanca da Linha, mais quem os quiser acompanhar, ou aderir, que no dia 17 de Outubro, pelas 12h30, é que é!

É o quê, perguntei ainda atordoado em consequência da viajem, e obtive como resposta, o almoço, ó básico! E para não atrapalhar às mioleirinhas de V.Exas., já habituadas ao caminho, não vai realizar-se num hotel de luch(x)o, nem num restaurante com estrelinhas da good-year, michelin, ou lá o que é, mas na Adega Camponesa, no Cabreiro, em Alcabideche, por detrás do novo hospital, com o custo tradicional de quinze aéreos e vinte cêntimos. [Telefone: 214 690 328 ].

E terá como antecedentes, enchidos grelhados (que são mais saudáveis), patê de cheiro a marisco, salgados, pão e azeitonas. O prato de peixe será guarnecido com tranches de cherne, cogumelos e natas, enquanto o de carne será aviado com uma grelhada suculenta, batata-frita e salada. A culminar, se o Miguel Pessoa estiver enfastiado, pode ser que haja oportunidade para apreciarmos um buffet de sobremesas. A água, o vinho e o café estão incluídos no menú.

Por favor, não se esqueçam de confirmar a presença até ao meio-dia do dia 15, e façam, o favor suplementar de esquecerem o relato anterior sobre as actividades extra-militares de SEXA,  o nosso querido Comandante, nem façam elocubrações especulativas sobre os domínios e propriedades daquele insigne e próspero pançudo.

Para que conste, e possa servir ao altíssimo Luís como oportunidade para visitar as bases.

JD 

2. Comentário do editor (de servio, LG, já que o CV está de férias até 13 deste mês):

O comandante Jorge Rosales, aliás SEXA Comandante (vai fazer mais um aninho no dia 7, 70 + n, vamos lá ver se não se me esqueço de publicar o postalito da ordem, já  devidamente editado pelo CV, antes de sair de casa), entrou para a nossa Tabanca Grande na data hístórica de 9 de junho de 2009 (**).

É um camarada querido de todos nós. É seguramente um dos nossos "mais velhos" (, expressão que em África é ainda sinal de respeito). Como ele próprio se apresenta, ainda é do tempo do caqui amarelo!... Portanto, velhinho, como o caraças!... Mais velho do que ele só talvez mesmo o Diogo Gomes que chegou a Porto Gole, no canal do Geba, uns bons anos antes,  em... 1456!

Amigos, camaradas, correlegionários, admiradores, amantes, serventuários, bajuladores, fiéis e infiéis, mouros e morcões, tugas, guineenses, galegos, bajudas, mulheres e homens grandes que vivam num raio de uma, duas, três oui até mais  léguas com epicentro no Monte Estoril (onde o senhor tem sua morança) ...Vamos lá fazer um esforço para estarmos presentes no almoço-convívio do dia 17!!!... Nós, isto é, uma numerosa e condigna representação da Tabanca das Tabancas, a mãe de todas elas, a Tabanca Grande, pois claro!...

Sendo ele o régulo da Magnífica Tabanca da Linha, devidamente secretariado pelo sempre forte, leal e fero JD (leia-se: djuliet delta, segundo o Alfabético Fonético Internacional), o comandante Jorge Rosales tem, entre nós, um especial estatuto, como de resto os nossos demais régulos (da Tabanca do Centro, de Matosinhos, dos Melros, da Lapónia,   Ajuda Amiga, Guilomilo, etc.). Não confundir com outros como os sósias, ou impostores,  que se passam por comandantes Jorge Rosales. Por que este é que é o verdadeiro, e na Tabanca Grande...  Rosales só há um, é o Jorge e mais nenhum!

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

Guiné 63/74 - P12106: Estórias avulsas (69): Em memória do meu amigo Mamadú, pescador do Xitole, que pescava no Rio Pulom (Jorge Silva, ex-fur mil, CART 2716, Xitole, 1971/72)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > BART 2917 (1970/72) > Forças da CCAÇ 12, a descansar na Ponte dos Fulas (sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal), por ocasião de uma coluna logística Bambadinca - Xitole (Xitole era a unidade de quadrícula, do Setor L1, mais a sul; era a sede da CART 2716, em 1970/72).

Perspetiva: norte-sul, quando se vem de Bambadinca e Mansambo para Xitole e Saltinho.  A ponte, em madeira, de construção ainda relativamente recente e em bom estado, era vital para as ligações de Bambadinca e Mansambo  com o Xitole, o Saltinho e Galomaro... A ponte era defendida por um 1 Gr Comb do Xitole, em permanência, dia e noite... Na foto sãos visíveis, em segundo plano à esquerda, o fortim; em terceiro plano, ao fundo, à direita, as demais instalações do destacamento.

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom. Perspetiva: sul-norte. A coluna logística, vinda do Xitole, regressa a Bambadinca, deixando atrás o destacamento da Ponte dos Fulas. Foto do álbum de Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Humbero Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem do Jorge Silva  (que entrou para a Tabanca Grande em 23/8/2010; de rendição individual, esteve na Guiné entre 1/5/71 e 24/04/73, tendo passado pela CART 2716 e pelo BENG 447)


Luís Graça,

Um abraço e parabéns pelo óptimo trabalho que tens produzido no blogue que, cada vez mais, agrega ex-combatentes.

Baseado na realidade que vivi no Xitole, produzi um texto cujo tema reputo de interesse e que publiquei, em 28 de setembro último, no blogue da CART 2616.

Se o pretenderes divulgar e te der mais jeito em pdf, anexo-o neste formato.

Jorge Silva
ex-Fur Mil,
CART 2716 (Xitole,1971-72)
e BENG 447 (Bissau 1972/73)





Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1955) / Escala 1/50 mil > Subsetor do Xitolke > Posição relativa da Ponte dos Fulas sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal... Ficava na estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho... A oeste, o triângulo Galo Corubal / Satecuta / Seco Braima, controlado pelo PAIGC.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).


2. Em memória do meu amigo Mamadú, pescador do Xitole

por Jorge Silva

A expressão raças humanas (branca, negra, etc.) resulta de um conceito antropológico antigo e ultrapassado, cada vez mais em desuso, embora o racismo continue a ser uma infeliz e nociva realidade.

Creio que em vez dessa divisão por raças em função da cor da pele devemos considerar, tão só, uma única raça: a raça humana.

Claro que há pessoas com cores de pele branca, negra, amarela e, até, vermelha. Tal como há pessoas que, apesar da cor da pele ser branca, têm olhos azuis, enquanto outros os têm verdes, ou castanhos, ou cinzentos, ou pretos... E há outras que sendo designadas por terem pele branca afinal têm-na muita morena (escura mesmo) e, a par disso, cabelos muito escuros (mesmo pretos), enquanto também as há de pele nitidamente branca e com cabelos loiros.

Hitler foi um verdadeiro e demoníaco “mestre” nestas distinções. E por isso tornou-se o primeiro responsável pelo genocídio de milhares e milhares de seres humanos, para além das nefastas consequências de uma guerra mundial que prejudicou de forma irreparável a humanidade. Hitler não quis ou não foi capaz de perceber que tal diversidade humana é um dom da natureza e uma mais valia da humanidade. E por isso procurou destruir a obra humana, criada pela própria natureza, cuja diversidade os homens se encarregaram de ir enriquecendo ao longo de milhares e milhares de anos.

Ao contrário de Hitler saibamos, pois, aproveitar a riqueza dessa diversidade. E para tal ultrapassemos preconceitos com mais informação válida e mais conhecimento, pois enquanto eles persistirem não seremos capazes de compreender as diversas realidades, costumes e culturas.

Eu tive a sorte de ter a oportunidade de poder começar a compreender as referidas diferenças a partir de 1971.

Com 22 anos fui para a Guiné (Xitole). Branco, e crescido no meio de brancos, fui conviver com negros. Católico,  fui para o meio de muçulmanos, de etnia Fula.

Tive lá um amigo especial, o pescador do Xitole que, na altura,  teria 40 e tal anos, mas que quando tinha apenas 15 anos foi levado de Dakar pelos franceses até Paris para, mesmo sendo menino, ser incorporado no exército francês e ser forçado a participar na última guerra mundial.

O pescador (que,  se a memória não me falha,  se chamava Mamadú), era um homem maduro, vivido e culto. Quando estive destacado na Ponte dos Fulas, juntamente com o David Guimarães, o pescador acompanhou-nos e, com excepção dos fins de semana, em que ia para junto da família, permaneceu connosco cerca de um mês, para lançar as redes no Rio Pulom e capturar o peixe que nos saciou a fome.

Nas muitas conversas que tive com o Mamadú, um dia perguntei-lhe porque é que os homens do Xitole passavam os dias sentados na aldeia enquanto as mulheres se entregavam à vida dura da agricultura, inclusive com filhos às costas e outros a seu lado. E, soltando o que me ia na mente, perguntei-lhe porque é que tais homens não ajudavam as mulheres nos trabalhos agrícolas e, ainda de forma mais directa, se tal se deveria ao facto de esses homens não gostarem de trabalhar...

O meu amigo pescador captou-me o preconceito e,  com imensa calma, feita de muita sabedoria, o Mamadú perguntou-me se na minha terra (Porto) eu encerava o chão, lavava a louça, lavava a roupa à mão, estendia a roupa para secar, passava a roupa a ferro, etc., etc.

Estávamos em 1972 e, também por preconceitos, tudo isso era, inquestionavelmente, trabalho de mulher. De tal modo que qualquer homem que assumisse a realização dessas tarefas seria alvo de epítetos nada abonatórios nem desejáveis.

Naturalmente respondi-lhe que não, o que correspondia à verdade. Mas mesmo que assim não fosse ter-lhe-ia dito na mesma que não. Com um sorriso amigo e de compreensão ele explicou-me que lá no Xitole as coisas também funcionavam de idêntico modo, pois trabalhar a terra era serviço exclusivo de mulher, pelo que se algum homem fosse ajudar a mulher a trabalhar a terra perderia a consideração e o respeito da aldeia.

E, completando a lição, o Mamadú explicou-me que os Fulas eram comerciantes por natureza, pelo que estavam sentados à espera que a guerra acabasse para, sem correrem perigos, poderem trilhar as matas, de aldeia em aldeia,  com a mercadoria às costas, para comercializarem os seus produtos e sustentarem a família.

Percebi, então, que esses amigos Fulas do Xitole não eram malandros. A guerra é que o era. De tal forma que nem sequer os deixava trabalhar.

Aprendi, então, que não devia avaliar os outros à luz da minha cultura e dos meus valores e muito menos com a mente envenenada por preconceitos. O meu amigo Mamadú, pescador do Xitole, ensinou-me isso e muitas coisas mais. E com isso ajudou-me a crescer e a ser homem.


Há pouco tempo informaram-me que ele já teria falecido, o que muito lamento. Evoco-o deste modo, cumprindo uma obrigação que tinha para com esse amigo, já que deixei passar a oportunidade de, olhos nos olhos, lhe agradecer o quanto me ensinou, com uma paciência, uma maturidade e uma humildade difíceis de igualar, a atestar que tive o ensejo de ter estado diante de um homem culto e bom de pele negra.Obrigado, Mamadú, velho pescador do Xitole. E, apesar de ser católico,  desejo que Alá te guarde.

Jorge Silva [, foto à esquerda, do tempo da CART 2716, Xitole, 1971/72]




Página do blogue da CART 2716 (Xitole, 1970/72), Amigos do Xitole,  criada e administrada pelo Jorge Silva
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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 2 (José Ribeiro)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 2 (José Ribeiro)


1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, enviou-nos mais algumas fotos de Galomaro:

Aspectos do 
Aquartelamento Galomaro 

Postal do meu orgulho pessoal.
Galomaro > Gen. Spínola discursando para a tropa presente.
Galomaro > Com a minha G3.
Galomaro > A malta das transmissões.
Dulombi > Operação no mato.
Cassamba > após ataque do IN.
Galomaro > Unimog destruído em emboscada.

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P12104: Inquérito online sobre o futuro das relações da Guiné-Bissau com Portugal, 40 anos depois da proclamação (unilateral) da independência em Vendu Leidi, na região do Boé, na fronteira leste com a Guiné-Conacri: Resultados finais (n=178)... Os pessimistas tem maioria absoluta (59 %), contra 17 % de indiferentes e 24 % de otimistas...

Os resultados da nossa última sondagem (de 21 a 27 do corrente) são conclusivos... Numa amostra (de conveniência, portanto de modo algum representativa da nossa população de leitores, amigos e camaradas da Guiné), e num total de 178 respostas, os pessismistas estão em larga maioria (59%)... Os indiferentes somam 17% e os otimistas não passam de 24%...


Resumo. Distribuição (agregada das respostas) (=178)

1/2.Muito (n=31) ou bastante (n=27) 
pessimismo (n=58) (32,6%)

3. Algum pessimismo (n=47) (26,4%)

4. Indiferença. nem pessimismo nem otimismo (n=30) (16,9%)

5. Algum otimismo  (n=36) (20,2%)

6/7. Bastante (n=5) ou muito (n=2) otimismo (n=7) (3,9%)

 Votos apurados: 178


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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores:



(...) Sondagem > 40 anos depois da independência da Guiné-Bissau, a 24 de setembro de 1973, vejo o futuro das relações (políticas, diplomáticos, económicas, sociais, culturais, etc.) deste país com Portugal com...

[Resposta numa escala de 1. Muito pessimismo,  a 7. Muito otimismo... Só se pode escolher uma hipótese de resposta.]


1. Muito pessimismo
2. Bastante pessimismo
3. Algum pessimismo
4. Indiferença. nem pessimismo nem otimismo
5. Algum otimismo
6. Bastante otimismo
7. Muito otimismo

(...)

Guiné 63/74 - P12103: (In)citações (55): Eu desejo acreditar na Guiné-Bissau, nos seus jovens, mulheres e homens de boa vontade, que trabalham nas bolanhas, nas matas, nos rios e no mar... (Paulo Salgado, ex-alf mil, cav, op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; cooperante)

1. Mensagem de Paulo Salgado, com comentário a propósito da nossa sondagem, que encerrou a 27 do corrente, sobre o futuro das relações da Guiné-Bissau com Portugal (*)


Data: 28 de Setembro de 2013 às 18:34

Assunto: As minhas ideias - à guisa de sumário


Luís e restantes Camaradas do Blogue,


Por diversas vezes tenho manifestado o quão importante foi para mim ter "regressado" à Guiné em trabalho da minha profissão [, como administrador do Hospital Nacional Simão Mendes, Bissau].

Tive oportunidade de conhecer grande parte do território daquele País Irmão (sim. repito, Irmão, sem qualquer pejo e sem deslumbramentos...), de contactar muitas pessoas, mesmo antigos combatentes do PAIGC.

Tive oportunidade de escrever alguns textos sobre algumas experiências que vivenciei.

Sobre o tema das relações entre os dois Países, direi o seguinte (é a minha opinião, claro):

Primeiro: As relações entre os nossos Países deveriam caracterizar-se pelo direito de reciprocidade (entenda-se: igualdade, solidariedade, justiça); nenhum tem mais culpa ou menos culpa de as mesmas decorrerem bem ou mal. Que fique bem claro: há muitos aspectos destas relações que poderiam estar mais transparentes e amistosos se Portugal tivesse uma postura mais proactiva com todos os PALOP - esta questão tem anos e nunca foi resolvida devidamente...

Segundo: Existem, desde há alguns anos, interesses externos que convergem para a ganância de uns tantos, através de processos indignos de corrupção. Sabemos todos quem são os mestres desta "aventura", comendo à mesa da corrupção activa e passiva (ou são as duas activas?), prejudicando o normal desenvolvimento e crescimento da Guine-Bissau.

Terceiro: Permito-me recordar algumas ideia do grande cineasta Flora Gomes (Atual - Expresso, de 18 de maio de 2013: «Tenho confiança que a África vai mudar. O problema é a velocidade a que as coisas hoje se processam, o que pode dar azo a novos atropelos. Temos muitos jovens formados cheios de boas ideias, à espera de uma alternativa.»

Eu desejo acreditar na Guiné-Bissau, nos seus jovens, nas mulheres e homens de boa vontade, que trabalham nas bolanhas, nas matas, nos rios e no mar... (**)

Paulo Salgado

[ex-alf mil cav, op esp.,  CCAV 2721, 
Olossato e Nhacra, 1970/72; 
administrador hospitalar reformado, 

domingo, 29 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12102: Convívios (534): O 1º encontro dos bedandenses em Peniche: 28 de setembro de 2013, sob a batuta do Belmiro da Silva Pereira (Parte I) (Luís Graça)


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > Na tasca secreta do Belmiro, o bolo do encontr0  > Depois da Mealhada, Peniche, que como é sabido é ponto mais ocidental de Portugal continental a norte do Cabo da Roca.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013  > No Cabo Carvoeiro, junto ao restaurante "Nau dos Corvos",  o Rui Santos (, um  dos veteranos, da 4ª Companhia de Caçadores Indígenas) e o João Martins, artilheiro: ambos passaram pela CCAÇ 6.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 
28/9/2013 >  
Cabo Carvoeiro, com as Berlengas ao fundo: Lassana Jaló, fula, da CCAÇ 6, ferido em combate, a viver em Portugal; o Gualdino José da Silva (fur mil, de 1967/69); e o Rui Santos.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Algures no promontório do Carvoeiro, onde atacámos a sardinhada... Da esquerda para a direita, o Hugo Moura Ferreira,  e o Belmiro da Silva Pereira ( ex-alf mil, 1969/71, hoje médico, e a alma deste encontro na sua adorada terra, Peniche).  Com o Belmiro, está o seu filho.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Em primeiro plano, à esquerda: o ex-cap inf, hoje cor  ref,  com 78 anos (que comandou a CCAÇ 6 em 1967/68), bem como o ex-alf mil médico João António Carapau... 

Em conversa com estes dois camaradas, descobri que o Mundo é Pequeno (e a nossa Tabanca... é Grande): o nosso "mais velho" nasceu na Lourinhã, em Reguengo Pequeno, tendo ido para Lisboa com um ano; aí fez a sua vida, seguiu a carreira militar, com comissões em Moçambique, Angola, Guiné, Timor e Açores... 

O João António Carapau, conceituado pediatra, está reformado do Hospital da Estefânia, vive na Portela, tendo sido amigo e vizinho do Prof Mário Faria, meu amigo e colega na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa, e também ele alf mil médico em Moçambique (entretanto já falecido). 

Por nada deste mundo consegui convencer o "nosso capitão" a ir fazer uma visita ao nosso blogue: ele não usa o computador, não tem endereço de correio eletrónico e... "tem raiva a quem tem" (, que é uma maneira airosa de nos mandar à fava...).  De resto, é um homem de espírito e camaradão.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Aspeto parcial  da mesa dos bedandenses e seus amigos... Do lado esquerdo, o Fernando Sousa, o José Guerra (1º cabo,  1971/73) e o João Martins (pelotão de artilharia, 1968/69, o único que esteve ainda com o alf mil Belmiro Pereira da Silva).


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O "patrão" da casa, Belmiro da Silva Pereira, dando as boas vindas.



Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Um artista português, do tempo dos Beatles... Ao fundo, ao canto esquerdo, um dos bedandendes de 1972/73, o Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil, hoje advogado.


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O Fernando Sousa  (, que é de 1971/73), mais a esposa, atentos à atuação do "one man show" que é o Belmiro  (que já foi diretor do Centro de Saúde de Peniche, e era meu conhecido das lides da saúde). Tem página no Facebook.



Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Uma  tarde bem passada, garantiram-me o Renato Vieira de Sousa (ex-cap inf) e o João António Carapau (ex-alf mil médico)


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O "alfero" Joaquim Pinto Carvalho (Cadaval), à direita; mais o 1º cabo do SPM, Luís Nicolau, vizinho da Benedita, Alcobaça... São compadres - o Joaquim é padrinho de casamento de um filho do Nicolau. "Cumplicidades" bedandenses...



Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O Hugo Moura Ferreira, que tomou a peito o desafio de "substituir", à última hora, o Tony Teixeira, que ficou de baixa, em Espinho. Tem página no Facebook.



Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > Da esquerda para a direita - Victor da Luz Calado, ex-fur mil do Pel Caç Nat 53 (maio de 1968 a maio de 1970, tendo estado em Bambadinca de novembro de 1968 a novembro de 1969!), o João Martins e o Lassana Jaló, o mais bedandense dos bedandenses... 

O Victor, alentejano de Almodovar, vive em Setúbal, e tem um belíssimo queijo de Azeitão, que eu provei!... O mais incrível é que estivemos juntos em Bambadinca, pelo menos 3 a 4 meses!... E não temos nenhuma ideia um do outro...



Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > As esposas: do Joaquim Pinto Carvalho (à ponta esquerda), do Gualdino José da Silva (ao centro), e do Hugo Moura Ferreira (à ponta direita; a Lorena viveu 4 meses na Guiné, no tempo da comissão do Hugo).


Peniche >  O 1º encontros dos bedandenses, em terras do sul... > 28/9/2013 > A tasca secreta do Belmiro > O nosso querido grã-tabanqueiro Belarmino Sardinha e a esposa, do lado direito... Brincámos com os apelidos: à sardinhada não faltou o Sardinho nem o Carapau... Foto das despedidas... à esquerda, de costas, o Belmiro...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição:   Blogue Lu
ís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. O 3º e último encontro do pessoal que passou por Bedanda, com destaque para a CCAÇ 6, tinha sido na Mealhada, no passado dia 29 de junho último (se não me engano).  

Embora sempre gentilmente convidado pelo Tony Teixeira, de Espinho, nunca me foi possível alinhar, a mim e à Alice,  por razões de calendário. Mas desta vez não podia dizer mesmo que não ou arranjar qualquer desculpa: afinal, era aqui em Peniche, ao pé de casa, ou melhor, da casa da Lourinhã (, donde sou natural)... E nesse sábado eu estava lá.

Bom, o 4º encontro foi ontem, em Peniche, sob organização do Belimiro da Silva Pereira que foi alf mil da CCAÇ 6, em 1969/71. tendo juntado três dezenas e meia de bedandenses, familiares e amigos. 

O Belmiro já estava no 2º ano de medicina quando foi chamado para a tropa. Na altura não deu as habilitações académicas corretas, pelo que foi parar ao contingente geral. Mas alguém (creio que o capitão) descobriu  a marosca e o nosso Belmiro lá foi, contrariado, para a EPI, para o COM, em Mafra. Quis o azar que, depois, fosse parar com os quatro  costados ao então tão temido TO da Guiné. De rendição individual, como os demais, lá foi fazer a guerra em Bedanda, na CCAÇ 6.

Quem foi do seu tempo, ou que ainda o apanhou em Bedanda foi o nosso  grã-tabanqueiro João Martins. Dos bedandenses do blogue, ou meus conhecidos, estiveram presentes, além dos já mencionados (Hugo Moura Ferreira, Rui Santos e João Martins), eu, a Alice, o Joaquim Pinto Carvalho (que falta apresentar formalmente à Tabanca Grande), mais a esposa, Maria do Céu.  e ainda o Belarmino Sardinha e a esposa (têm casa no Cavadaval, e vieram com o Pinto de Carvalho). 

O grande ausente, por razões de saúde, foi o nosso querido Tony Teixeira, de Espinho. Para ele vai um especial abraço, com desejos de rápidas melhoras.

2. Entretanto, e em jeito de homenagem aos nossos amigos e camaradas bedandenses, aqui ficam alguns dos versos que improvisei, ontem, em cima do joelho. São quadras populares, de sete sílabas métricas, e onde refiram sobretudo os bedandenses que já conhecia:


Homenagem aos camaradas bedandenses

Se ele há crise, … que se lixe!,
Gritam alto os bedandenses,
Aqui presentes em Peniche,
Quer tugas quer guineenses.

P’ró Belmiro não estar só,
Veio o Sousa, veio o Guerra,
Veio o Lassana Jaló,
E até eu, da minha terra.

Não fui da CCAÇ 6,
Logo não sou bedandense,
Fui da 12, como sabeis,
E por isso bambandinquense.

Tenho-vos a todos no coração,
Mas faltei à Mealhada,
Amigo, camarada, irmão,
Aqui estou p’ra sardinhada.

Ao Tony estou obrigado
P’lo seu gesto de carinho,
Aqui estou eu, convidado,
E ele, retido em Espinho.

Quem faltou à sardinhada,
Foi o nosso amigoTeixeira,
Faltou-lhe a pedalada,
‘Tá desculpado, diz o Pereira.

Saúdo o Pinto Carvalho.
E os demais bravos alferos.
Gente de rimbimba o malho,
Sempre fortes, leais e feros.

O Rui Santos é o mais velhinho,
Da quarta, de caçadores,
De bajuda, foi paizinho.
Na Guiné teve dois amores.

[Ele e a esposa tiveram a primeira filha,
na Guiné, hoje com 50 anos]

Na guerra do anda e desanda,
Foi Martins o artilheiro,
Do grande obus de Bendanda,
E de tiro muy certeiro.

Hugo Moura Ferreira,
Outro grande tabanqueiro.
Tuga com eira e beira,
Foi de Bedanda o primeiro.

[A entrar para o nosso blogue, ainda na I Série, em 2006, portanto um histórico da Tabanca Grande]

Luís Graça

_____________

Vivam todos em geral,
Vivam todos os que aqui estão,
Viva o dr. Belmiro,
Mais o nosso capitão.


[Um espontâneo, o Gualdino José da Silva, ex-fur mil 1967/69]


De Bedanda para Peniche.
Numa bela sardinhada,
Que tremenda gulodice,
Com uma guitarra a vibrar.
Ó que bela rapaxiada,
Para seu passado lembrar!


Fernando Sousa

[É leitor do nosso blogue, fiz-lhe o convite para integrar a nossa Tabanca Grande, tem histórias para contar]

Vd. mais fotos (e vídeos) no Facebook > Grupo Bedanda / CCAÇ 6
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12062: Convívios (533): Confraternização anual do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh SR 2199, dia 5 de Outubro de 2013, na Mealhada (Luís de Sousa)

Guiné 63/74 - P12101: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (9): Continuação do balanço - Usos e costumes

1. Em mensagem do dia 23 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o nono, da sua série Pós-Guiné 65/67:


O PÓS-GUINÉ 65/67

9 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA

USOS E COSTUMES

(continuação do balanço)

Outro uso esquisito à brava, era aquele de todos comerem no mesmo prato. Punham lá dentro as mãos, embrulhavam a bianda fazendo bolas e metiam-nas na boquinha ávida.
Nisso não havia grandes diferenças com o que fazíamos no meu Alentejo, onde tragávamos todos do mesmo barranhão, mas aqui, cada um ia tirando para a sua própria malga, usando a sua própria colher.
E qu'alegria quando nos calhava também um pedacinho de conduto.

Experimentei, porque a psico assim o obrigava, amassando relutantemente, com o tamanho dos berlindes com que joguei na escola. Isto inicialmente, porque depois e porque o petisco até nem era nada mau... aviava... aviava, acabando por me tornar "garganêro" quanto baste.

E foi assim bastas vezes na tabanca em Farim, do meu amigo Felupe o 44, mas ao mesmo tempo, vinha a galinha de chabéu preparada por uma das suas mulheres e isso sim, era de comer e chorar por mais. Tudo regado naturalmente, com água de Lisboa, que eu levava num garrafão oval de 14 litros, mas do tinto para que não restem dúvidas.

Frango de chabéu - Foto: © Fernando Gouveia

Completava-se a refeição com um pedaço de ouvido de porco, outro da focinheira do mesmo animal, que previamente haviam salgado e cozinhado (ensinara-lhes eu) só para o "furriel", qu'eles não comiam, por via da religião, o que eu achava óptimo. Não comiam eles, mas deglutíamos nós depois no K3 o restante do "ólimal", o que era uma festa e aquela rapaziada estava sempre desejosa que eu chegasse.

Assavam o bicharoco em brasas de lume especialmente acendido para a ocasião, não sem que antes o besuntassem com toda a especiaria picante que por ali houvesse. O frigorífico a petróleo ficava vazio de bazucas nestas ocasiões e o vinho jorrava sim senhor, para além daquela bebida barata (50 pesos), o Vat 69, que nunca provara, mas que vira os cow-boys beberem, enquanto se matavam uns aos outros.

A princípio nem gostei por saber a tintura de iodo, mas depois de lhe ganhar o gosto, jamais abandonei. Hoje sorvo-o por imposição médica e às vezes até biso. A seguir e se houvesse qualquer operação na mata, parece que os IN's eram mais qu'a muitos quando afinal eram só muitos.

Oh maléficos benefícios do álcool!!! Só que então não havia disponíveis os vallium's, lexotans e quejandos.


E DEPOIS DO ABRIL DE 1974 

Passaram-se anos, foi-se tornando mais fraco aquele grito da "luta continua", insisto, curiosamente a mando dos que nunca lutaram... em bocas de quem tece elogios aos desertores e fugitivos e na destes.
Mas qu'a raio percebem eles de luta e do sangue que daí advém?
Calem-se de vez e respeitem os combatentes.
Utilizem "o povo unido jamais será vencido" a outra "o povo é quem mais ordena", ainda a outra "a terra a quem a trabalha" (Tá bem dêxa, - deixem-me rir - e quem é que foi ou vai nisso ainda hoje?).

Tentem que sejam verdades, mas não esqueçam o que disse um Presidente dum País que esteve lá onde se reúnem os deputados, coitados que tão sacrificados e mal vistos continuam. Foi o seguinte: "a política é para os políticos... o trabalho para os trabalhadores".
Outro, 1.º M cá do burgo na altura, ainda foi mais concreto: "não gosto nada de ser sequestrado... Bardamerda".

Era o PREC e hoje pergunto-me: "préc... é qu'isso serviu"?
O pobre povo acreditou, as ocupações iam-se dando numa fugaz tentativa de melhoria de vida e desejo honesto que tal se desse, e as "manifes" no único trabalho útil. Como dizia o antes citado, numa dessas demonstrações populares:
- "È SÓ FUMAÇA"... enquanto iam rebentando uns realmente fumarentos e barulhentos petardos ali mesmo no Terreiro do Paço.

E acrescentou depois: -
"O POVO É SERENO".

O resultado está à vista: Os pobres estão mais pobres, os coitados dos ricos mais ricos e até estes recorrem à sopa do Sidónio, à Cáritas, às igrejas... e alguns até vão de Mercedes, onde transportam as lancheiras que entram vazias e saem cheias.

Azedume? Qu'al quê!!! Realidades que magoam.


6 DE JANEIRO DE 1992

Enriqueci neste dia e o acontecimento para além do mais, fez-me esquecer as baralhações e a inquietude que me acompanharam nestes anos subsequentes à desmobilização e depois, e pior, após a revolução.
Contudo tinha boas vidas, familiar e profissional. Nasceu o meu primeiro neto que, para além do mais, foi um ouvinte atento e A GUINÉ SEMPRE PRESENTE.
Nunca me interrompeu (o que fez, sim, quando começou a falar)... e serenamente adormecia.

Contei-lhe as minhas vivências boas e de tal forma que ele agora ao ler os "Melhores 40 meses da minha vida" apenas diz: "Já conhecia".

Rejuvenesci, foram-se algumas dores d'alma... ganhei nova vida e a alegria foi tanta que proclamei:

- A PARTIR DE HOJE QUE ESTE DIA SEJA RESPEITADO, CONHECIDO E COMEMORADO, COMO O "DIA DE REIS".

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço

Guiné 63/74 - P12100: Blogoterapia (235): Quando a morte nos retorna aos princípios - Reencontro com Benjamim Lopes da Costa, 1.º Cabo do Pel Caç Nat 52 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
É empolgante quando alguém que estimamos profundamente e constou que tinha morrido nos telefona a dizer que tem saudades nossas, que nos quer ver com urgência, que no fim do mês regressa a Bissau, depois de uma longa estadia com tratamentos médicos.
Foi esta a grande alegria que me deu o Benjamim Lopes da Costa, um dileto colaborador que tive no Cuor, mesmo que em circunstâncias penosas houve que lhe dar voz de prisão, como aqui se descreve.
Há algo de muito forte nesta camaradagem da Guiné que não cabe nas palavras.

Um abraço do
Mário


Quando a morte nos retorna aos princípios

Beja Santos

Chama-se Benjamim Lopes da Costa. Tem 70 anos. Vive no Bairro da Ajuda, em Bissau. É funcionário reformado do BCEAO. Estudou e foi enfermeiro. Frequentou Bolama e chegou ao Xime, era o cabo Costa. Do Xime foi transferido, em Abril de 1969, para o Pel Caç Nat 52, em Missirá. Vinha substituir o Paulo Ribeiro Semedo, tragicamente sinistrado em Chicri. Dedico-lhe uma referência no Diário da Guiné, nas Terras do Soncó: “Chegou o Benjamim Lopes da Costa que veio substituir o Paulo. O Benjamim será um camarada inesquecível, mesmo quando, cheio de sofrimento, lhe darei voz de prisão após uma emboscada em que ele perdeu a cabeça e me chamou branco assassino”. Cordato, sempre leal, cooperativo, contei sempre com os seus primores de caráter. Aquela fatídica noite de 3 de Agosto, porém, foi um tremor de terra na minha existência, parece que um chicote me tagantou todo o sistema nervoso. Talvez valha a pena recordar o que sobre esse infausto evento se impôs escrever:

Mataste uma mulher, branco assassino!

Em 1 de Agosto, parto para Finete acompanhado de uma dúzia de colaboradores. Assentara com o Casanova e com o Pires o que havia a fazer em Missirá nesta primeira semana do mês, sendo que as idas a Mato de Cão nos seriam sempre comunicadas em Finete, para onde se deslocaria um contingente de 15 homens, respetivamente com morteiro 60, dilagramas e bazuca, e que aqui seria reforçado com milícias, e eu assumiria, sempre que possível, o comando. Continuávamos a ter muitos doentes, militares e civis, quase todos os dias o David Payne atendia sofredores de malária e múltiplos vírus. Levei rações de combate, colchões, mosquiteiros, o indispensável Lion Brand para afugentar a bicharada, algum material de engenharia para apoiar as obras em curso, e, a despeito dos vendavais e novas enxurradas de água, sempre dentro do ciclo "chove agora copiosamente, daqui a um bocado faz sol, troveja depois", recordo um tempo magnífico, patrulhamentos à volta de Boa Esperança, travessia até Canturé e descida até à bolanha de Gambana. Ao fim da tarde do primeiro dia, encontrámos marcas de sandálias de plástico em trilhos que ligavam Gambana até Malandim. Que desaforo! As gentes de Madina passeavam-se mesmo junto a Finete. A 2, conferi carga de material enquanto os Cabos Benjamim Costa, Domingos Silva, Alcino Barbosa e António Queirós ajudaram nas obras do novo balneário e de um abrigo reforçado, no alto do morro, com uma posição estratégica para os acessos de Malandim.

É nessa tarde que escrevo à Cristina: "Faz agora exatamente um ano que recebi uma guia de marcha para seguir para Bambadinca. Cheguei a 3 de manhã ao cais de Bissau foi uma longa viagem que acabou ao anoitecer no cais de Bambadica. Eu era o “periquito de Missirá”. Na tarde do dia seguinte, há de aparecer o Saiegh acompanhado de Mamadu Camará e Campino, todos me olham como curiosa novidade. Nunca mais esqueci o olhar do Saiegh, dois carvões iluminados, resguardados por pestanas muito bonitas, olhos como azeitonas brilhantes que não iludiam um grande ressentimento, como vim a comprovar. Nesse dia, em Missirá, a gente da Madina deixou na fonte panfletos a convidarem os "colonialistas" a desertar; na véspera, Uam Sambu, também não muito longe da fonte de Cancumba, viu o seu peito estilhaçado por uma granada mal armadilhada. Será uma noite muito difícil, esta primeira noite em Missirá: oiço uma língua que mal percebo, parece um português arcaico entremeado com diferentes linguajares, o que não estava longe da verdade. Choro mansinho dentro do meu mosquiteiro, num abrigo onde se ouve o tossir áspero do rádio de transmissões para onde o Teixeira de vez em quando se dirige e fala acaloradamente. Estou a dimensionar uma pavorosa solidão, depois de ter visto alguns despojos macabros que o Saiegh guardava em frascos. Desculpa as longas descrições, os pormenores entediantes, os sustos que te dei. Sei que sofreste muito com as minhas cartas, com os meus mortos e feridos, as flagelações. Desculpa tudo, estou certo que Deus assim andou connosco, e nos deu força".


Uma emboscada com uma crise de nervos

E, portanto, em 3 de Agosto vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das cinco da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos atuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Cherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando as sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência. Levara para Finete alguns livros, tais como "A vida de Charlot", por Georges Sadoul, um volume com as aventuras Sherlock Holmes, um belo livro policial de Ellery Queen, um romance que mal iniciei de Truman Capote e estava a meio de um policial de Erle Stanley Gardner, " O caso do pato afogado". Este último, envolto num plástico, acompanha-me até à emboscada de Malandim. Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caiu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadinca, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho. Em 5 de Agosto vou escrever à Cristina: "Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das sete, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: “alto, alto já!” Rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços. Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: “Matou uma mulher, és um branco assassino!”. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral que se cruza com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me. Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa, seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu". Atravessado o Geba, parece que corremos até à rampa de Bambadinca, em segundos alcanço a messe de oficiais onde Jovelino Pamplona Corte Real joga bridge. Cá fora fica o grupo acompanhante, tudo gente que presenciou os acontecimentos de Malandim.


Um diálogo extraordinário com o novo comandante

- O que o traz aqui a estas horas? 
- Meu Comandante, fizemos uma emboscada perto de Finete, surpreendemos um grupo que ia para Madina, matei um dos elementos, um dos meus cabos perdeu a cabeça e insultou-me, chamando-me "branco assassino". É indispensável que se reponha a ordem. Tem que ficar aqui preso. É a si que compete dar voz de prisão. 
- Homem, nem pensar. Na guerra, não se prende toda a gente só porque se perde a cabeça. Fale-lhe a bem, obrigue-o a pedir desculpa, vai ver que não houve insubordinação nenhuma. 
- Meu comandante, mantenho com todos os militares em Missirá e Finete uma relação de autoridade e estima que não posso nem quero perder. Não vou agora fazer um relatório com este episódio aldrabado. Não pudemos capturar o inimigo por este desrespeito, este ato insensato que estragou o patrulhamento ofensivo. Os meus soldados nunca entenderiam ter-se feito silêncio sobre este acontecimento. Aliás, não aceito desculpas aos soldados que adormecem no posto, nunca deixo passar em branco as tentativas àqueles que querem pagar reforços para fugir ao serviço. O cabo Costa ou é punido ou eu não volto para Missirá. 
- Acalme-se, vamos para o meu gabinete.

E fomos, eu fiz sinal para que todos viessem atrás de nós. Entrei a seguir ao comandante no seu gabinete, a luz acendeu-se, ele sentou-se e voltou a propor-me um exercício de cortesia. 
- Veja se serena. Quando se é implacável em excesso, corre-se o risco de perder o verdadeiro respeito que a tropa nos deve ter. O melhor é o cabo ficar aqui, eu converso com ele, eu trago-o à razão. 
- Não, meu comandante. O cabo Costa chamou-me branco assassino na presença de todos os camaradas. Sei que é um excesso, conheço as suas qualidades, mas a vida militar faz-se de exemplos. Ou ele entra na prisão à sua ordem, ou eu informo os meus soldados que a partir de hoje não os comando. E juro-lhe que não voltarei ao Cuor se não se fizer justiça pelas suas mãos. Asseguro-lhe que não volto atrás.

O comandante olha-me intensamente, o tempo suficiente para perceber que era escusado tentar demover-me. Não estou em pânico nem exaltado, a dor que me atravessa não é reparável por qualquer voz de prisão. 
- Bom, vou mandá-lo prender, ele fica à minha custódia. Depois vejo o número de dias de prisão que lhe vou dar. 
- Desculpe, o meu comandante vai mandá-lo conduzir para a prisão na nossa presença. Os meus soldados precisam de ver com os seus olhos quem faz justiça, quem castiga a insubordinação.

Levantando-se a custo, como se deslocasse todo o peso do seu corpo e da sua decisão, Jovelino Pamplona Corte Real chama o oficial de dia. Quando este chega, ordena-lhe que conduza o cabo Costa para a prisão, que era qualquer coisa como um galinheiro ali em frente. Apercebendo-se do que estava a acontecer, o Benjamim procurou justificar-se. Insensível a qualquer pedido de reparação, perfilei-me e informei que ia partir imediatamente para Finete. Não falo com ninguém, nem durante a viagem nem depois. Mais tarde, frente a toda a tropa formada na parada de Missirá, leu-se a ordem de serviço com a punição: 8 dias de prisão disciplinar por se ter dirigido ao seu comandante em tom e termos denotando falta de respeito, atitude que impediu a perseguição imediata de um grupo inimigo, porque o seu comandante tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos. E não era mais rigorosamente punido devido às suas qualidades e capacidades de colaboração”.

Um pouco mais tarde, reconciliámo-nos, também está escrito no Diário da Guiné. O Benjamim esteve no jantar do meu casamento no restaurante Pelicano, em 20 de Abril de 1970. Logo a seguir, abandonou o pelotão, já levava mais de três anos de vida militar. Empregou-se como enfermeiro (instrumentista), no Hospital Central de Bissau. Em 1978, fez concurso para o BCEAO, aqui se reformou há dois anos atrás. Azar meu, alguém me informara que morrera num desastre de viação, não muito depois da minha estadia como cooperante por vários meses, em 1991, houvera mesmo um lauto almoço em sua casa, apareceu outro querido amigo, o irmão do Benjamim, Benício Lopes da Costa, então secretário-geral da Assembleia Nacional Popular, era um quadro brilhante do PAIGC, uma grande promessa. Com o Benjamim carteei-me nos primeiros anos após o regresso a Portugal, em Agosto de 1970. Comunicou-me o casamento, enviei-lhe as alianças. Depois a alegria do reencontro, em 1991. Seguiu-se o silêncio, a notícia da sua morte tinha sido tão chocante que nada mais averiguei.

Ora em 1 de Dezembro de 2010 reencontrei o Benício em casa do Chico Bá, encontro mais emocionante não podia ter sido, chorámos convulsivamente, ele tinha escapado a um poderoso AVC, faltou-nos tempo para conversar, seguia para Dakar, para um exame de rotina, eu regressava no dia seguinte a Portugal. Fui aí que perguntei pelo Benjamim, como estaria a família e a resposta calma do Benício alegrou-me: “Ele está bem, a mulher e os sete filhos também”.

E passaram os anos, sem rasto do Benjamim. Há dias toca o telefone, ouviu-se o seu vozeirão inconfundível: “É o Benjamim, finalmente encontrei o Mamadu Camará que me deu este número de telefone. Quero vê-lo rapidamente, sei que há livros que escreveu sobre os nossos tempos, marque encontro”.

Apareceu ao anoitecer de 26 de Setembro, em minha casa. Tirei-lhe várias fotografias, escolhi esta que vos mando. E depois fomos jantar fora e falámos do futuro. No restaurante, tirámos outra fotografia, para que conste.

O Benjamim vem regularmente a Portugal, o assunto é sério e tem a ver com a próstata. Regressa agora a Bissau com os livros e promete telefonar-me, estar em contacto, para o ano, queira Deus, voltaremos a ver-nos.

Há mortes que modificam as nossas vidas, aquela de 3 de Agosto de 1969 reajustou a nossa existência, o que estava quebrado soldou-se, agora pesa o que pesa a nossa amizade. Temos razão para dizer que para todo o sempre. O Benjamim é um dileto camarada da Guiné.

Joaquim Lopes da Costa

Joaquim Lopes da Costa e Mário Beja Santos
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Nota do editor

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Guiné 63/74 - P12099: Parabéns a você (629): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

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