por Luís Graça
Na bicha das cinco da tarde,
no pára arranca do trabalho casa trabalho,
pára não pára,
arranca não arranca, empanca,
a vida,
a vida tão cara,
tão avara,
tão complicada às vezes,
à tarde,
uma mulher só na cidade,
formiguinha no meio do grande formigueiro humano,
ouves o sax do velho Luís Morais,
evocando as cores das impossíveis ilhas tropicais,
às cinco da tarde,
Na bicha das cinco da tarde,
no pára arranca do trabalho casa trabalho,
pára não pára,
arranca não arranca, empanca,
a vida,
a vida tão cara,
tão avara,
tão complicada às vezes,
à tarde,
uma mulher só na cidade,
formiguinha no meio do grande formigueiro humano,
ouves o sax do velho Luís Morais,
evocando as cores das impossíveis ilhas tropicais,
às cinco da tarde,
na RDP África,
Lura, essa voz magnífica,
amor ca tem,
Lura, essa voz magnífica,
amor ca tem,
o amor que não há,
o amor que não chega,
o amor que não chega,
nem por e-mail,
toupeira,
nas autoestradas das linhas de montagem
onde pára arranca empanca a vida,
em viagem,
ah! que pena,
toupeira,
nas autoestradas das linhas de montagem
onde pára arranca empanca a vida,
em viagem,
ah! que pena,
já não se escrevem mais cartas de amor,
diz o locutor de serviço,
com selo e lacre,
envelope fechado
diz o locutor de serviço,
com selo e lacre,
envelope fechado
e carimbo do correio,
entregue pelo moleque lá no musseque,
para certificar a data-hora dos nossos desencontros,
aqui e agora,
para certificar a data-hora dos nossos desencontros,
aqui e agora,
ou lá no Puto, Portugal,
a propósito de alguém que se foi embora
a propósito de alguém que se foi embora
e de quem não fizeste o luto,
o namorado que irá morrer na guerra colonial.
Tiram-te a pele,
o tutano,
e, de permeio, o amor,
o namorado que irá morrer na guerra colonial.
Tiram-te a pele,
o tutano,
e, de permeio, o amor,
o doce engano,
e não há coração que aguente
o pára arranca da bicha do trabalho casa trabalho,
a gigantesca centopeia de homens e mulheres sós na cidade,
na segunda circular,
e não há coração que aguente
o pára arranca da bicha do trabalho casa trabalho,
a gigantesca centopeia de homens e mulheres sós na cidade,
na segunda circular,
no IC 19,
na mesa a toalha barata,
na mesa a toalha barata,
aos quadrados,
a sopa fria,
a sopa fria,
os fugazes amores de verão,
os suores da meia estação,
veste, despe o robe,
e no outono a depressão,
e se há inferno é no inverno,
a massa fria polar
da solidão,
a caixa do correio cheia
por causa dessa coisa do spam,
desesperando por esperar
um toque de telemóvel,
os suores da meia estação,
veste, despe o robe,
e no outono a depressão,
e se há inferno é no inverno,
a massa fria polar
da solidão,
a caixa do correio cheia
por causa dessa coisa do spam,
desesperando por esperar
um toque de telemóvel,
um msn,
um sinal,
a campaínha,
a cama,
a campaínha,
a cama,
os lençóis desfeitos,
à tarde, demasiado tarde para amar
no Monte Abraão,
uma mulher no pára arranca empanca da vida,
nos anéis circulares da cidade sitiada,
a cidade anaconda,
a paixão de quarentena
à tarde, demasiado tarde para amar
no Monte Abraão,
uma mulher no pára arranca empanca da vida,
nos anéis circulares da cidade sitiada,
a cidade anaconda,
a paixão de quarentena
aos cinquentas e tais,
o corpo exangue,
o desejo, surfando na onda,
a doença do amor, letal,
proibido amar,
diz o semáforo, vermelho,
e não é amor, é dor,
é saudade, diz a morna,
que o B.Leza faria cem anos
se ele ainda hoje fosse vivo,
lá no Mindelo piquinino,
às cinco da tarde a casa vazia,
os filhos que partiram
mas deixaram cá as fotos, emolduradas,
de quando eram bebés,
lindos de morrer,
ternurentos,
e eram filhos de sua mãe,
ah! as intermitências da liberdade vigiada,
o guarda-mor da saúde, totalitário,
mantendo tenso o cordão sanitário
que estrangula a vida,
a pele esticada,
o corpo exangue,
o desejo, surfando na onda,
a doença do amor, letal,
proibido amar,
diz o semáforo, vermelho,
e não é amor, é dor,
é saudade, diz a morna,
que o B.Leza faria cem anos
se ele ainda hoje fosse vivo,
lá no Mindelo piquinino,
às cinco da tarde a casa vazia,
os filhos que partiram
mas deixaram cá as fotos, emolduradas,
de quando eram bebés,
lindos de morrer,
ternurentos,
e eram filhos de sua mãe,
ah! as intermitências da liberdade vigiada,
o guarda-mor da saúde, totalitário,
mantendo tenso o cordão sanitário
que estrangula a vida,
a pele esticada,
o tutano chupado,
a merda da vida, fodida,
que o aumento esperança média de vida te traz,
sobre os carris dos quilómetros
do teu têgêvê sem futuro,
as contas por pagar,
a casa hipotecada à banca,
os anos que faltam para a reforma,
o risco de cancro da mama,
a carreira amorosa congelada como a feijoada,
o multibanco do coração cor de rosa fora de serviço,
os cheques que vencem
a merda da vida, fodida,
que o aumento esperança média de vida te traz,
sobre os carris dos quilómetros
do teu têgêvê sem futuro,
as contas por pagar,
a casa hipotecada à banca,
os anos que faltam para a reforma,
o risco de cancro da mama,
a carreira amorosa congelada como a feijoada,
o multibanco do coração cor de rosa fora de serviço,
os cheques que vencem
antes de a paixão esfriar e morrer,
ao virar da última rua do quarteirão,
no pára arranca empanca da casa trabalho casa,
ao virar da última rua do quarteirão,
no pára arranca empanca da casa trabalho casa,
e o Ribeiro Sanches,
físico-mor do reino no exílio,
a dizer-te que não há cura para os males de amor
e, se a paixão é doença,
a dizer-te que não há cura para os males de amor
e, se a paixão é doença,
não sei o que fazes aqui,
parada na maldita picada,
minada,
que te leva do trabalho para casa
e da casa para o trabalho,
e um dia para a casa mortuária,
o ninho da cegonha abandonado,
a casa vazia,
a sopa fria no prato,
o trabalho sem pica,
a vida sem sal,
sem o teu chabéu de comer e chorar por mais,
stress, the kiss of death
parada na maldita picada,
minada,
que te leva do trabalho para casa
e da casa para o trabalho,
e um dia para a casa mortuária,
o ninho da cegonha abandonado,
a casa vazia,
a sopa fria no prato,
o trabalho sem pica,
a vida sem sal,
sem o teu chabéu de comer e chorar por mais,
stress, the kiss of death
or spice of life,
cada meco a falar sozinho
para o boneco,
no bar do fast food,
emparedado,
no comboio do Cacém,
no autocarro da Carris,
na CRIL, na CREL,
cada meco a falar sozinho
para o boneco,
no bar do fast food,
emparedado,
no comboio do Cacém,
no autocarro da Carris,
na CRIL, na CREL,
no carro comprado a prestações,
o último amante, romântico ma non troppo,
morto em Israel,
os amigos de Alex cada um para seu canto,
e o baile, combinado, dos anos sessenta
que ficou para as calendas gregas,
o último amante, romântico ma non troppo,
morto em Israel,
os amigos de Alex cada um para seu canto,
e o baile, combinado, dos anos sessenta
que ficou para as calendas gregas,
quando a crise acabar,
as flores no cabelo,
o Make Love Not War,
o All You Need is Love,
Vietname nunca mais,
black power, blá-blá…
em plena guerra fria a quente,
o terror do nuclear ao sol poente.
E a tua velha senhora no fim da estação da vida,
em casa à tua espera,
o Alzheimer devastador,
o avião que não mais faz escala na tua África perdida,
na tua adolescência de Luanda e as suas ilhas,
a restinga do Mussulo,
o meu tarrafe do Geba,
as balas tracejantes,
o teu Huambo sem meninos à volta da fogueira,
o comboio para Benguela metralhado,
os erros meus,
as doces ilusões,
terríveis as deceções,
as tuas negras emoções,
os amanhãs que não cantam mais,
o mundo que a gente queria mudar de repente,
assim com um toque de varinha mágica,
a crise de valores,
a profusão de cores,
o pilão dos teus cheiros e sabores,
e a muamba que já não é mesma muamba,
nem muito menos o óleo de palma,
a cachupa do nosso contentamento,
aos fins de semana,
o muzonguê frio no fim da rebita,
de manhã ao acordar,
as flores no cabelo,
o Make Love Not War,
o All You Need is Love,
Vietname nunca mais,
black power, blá-blá…
em plena guerra fria a quente,
o terror do nuclear ao sol poente.
E a tua velha senhora no fim da estação da vida,
em casa à tua espera,
o Alzheimer devastador,
o avião que não mais faz escala na tua África perdida,
na tua adolescência de Luanda e as suas ilhas,
a restinga do Mussulo,
o meu tarrafe do Geba,
as balas tracejantes,
o teu Huambo sem meninos à volta da fogueira,
o comboio para Benguela metralhado,
os erros meus,
as doces ilusões,
terríveis as deceções,
as tuas negras emoções,
os amanhãs que não cantam mais,
o mundo que a gente queria mudar de repente,
assim com um toque de varinha mágica,
a crise de valores,
a profusão de cores,
o pilão dos teus cheiros e sabores,
e a muamba que já não é mesma muamba,
nem muito menos o óleo de palma,
a cachupa do nosso contentamento,
aos fins de semana,
o muzonguê frio no fim da rebita,
de manhã ao acordar,
para mais um dia, sem pica,
para afivelar a máscara
para afivelar a máscara
e desempenhar os papéis
que os outros esperam de nós,
l’enfer, c’est les autres,
o inferno são os outros...
Não te adianta, amiga, chorar
que os outros esperam de nós,
l’enfer, c’est les autres,
o inferno são os outros...
Não te adianta, amiga, chorar
sobre o leite de coco derramado,
ou dizer que fizeste tudo errado,
o amor da tua vida,
o curso,
ou dizer que fizeste tudo errado,
o amor da tua vida,
o curso,
o emprego,
os filhos,
os filhos,
o país de retorno que não era o teu,
o divórcio,
o século ao dobrar do milénio,
o divórcio,
o século ao dobrar do milénio,
a liberdade avençada,
porque é esta é a tua história,
porque é esta é a tua história,
mesmo indevida,
este é o teu tempo e o teu lugar,
e até pode ter um final feliz,
a tua telenovela das cinco
no pára arranca empanca da vida,
só depende da autora do guião
e do tempo de reflexão que antecede a ação,
deixa o carro na garagem,
este é o teu tempo e o teu lugar,
e até pode ter um final feliz,
a tua telenovela das cinco
no pára arranca empanca da vida,
só depende da autora do guião
e do tempo de reflexão que antecede a ação,
deixa o carro na garagem,
compra um passe social,
vai a pé ou de metro,
mas não trepes pelas paredes,
atira a matar,
não de Kalash mas de ternura,
vai a pé ou de metro,
mas não trepes pelas paredes,
atira a matar,
não de Kalash mas de ternura,
direitinho ao coração
que diz que não aguenta mais uma paixão
que diz que não aguenta mais uma paixão
aos cinquenta e tal,
querida amiga, afinal,
fomos feitos para amar
querida amiga, afinal,
fomos feitos para amar
e desamar,
esperar e desesperar.
viver e morrer,
esperar e desesperar.
viver e morrer,
e não há volta a dar,
se há uma antídoto para a morte,
é o amor,
se há uma antídoto para a morte,
é o amor,
escrevia o Saramago, o mal amado,
e eu acho que ele tinha razão,
mas o meu livro de culinária existencial
diz para lhe acrescentares
uma pitada de humor quê bê,
ao amor...
Se conseguires rir-te do amor,
e eu acho que ele tinha razão,
mas o meu livro de culinária existencial
diz para lhe acrescentares
uma pitada de humor quê bê,
ao amor...
Se conseguires rir-te do amor,
estás salva.
Carpe diem, amiga,
compra um bom vinho tinto,
Carpe diem, amiga,
compra um bom vinho tinto,
encorpado,
do Douro ou do Alto Alentejo,
e põe um cêdê,
ouve a tua Mariza Monte
ou grita à janela do Monte Abraão
Amor I Love You,
porque gritar faz bem,
gritar à janela a plenos pulmões
liberta a tua energia negativa,
esses miasmas, esses iões,
e põe um cêdê,
ouve a tua Mariza Monte
ou grita à janela do Monte Abraão
Amor I Love You,
porque gritar faz bem,
gritar à janela a plenos pulmões
liberta a tua energia negativa,
esses miasmas, esses iões,
manda à merda esses cabrões.
e depois senta-te,
e depois senta-te,
no sofá,
desliga a droga da televisão
e põe a máscara da tua serenidade,
desliga a droga da televisão
e põe a máscara da tua serenidade,
respira fundo,
dá tempo de antena a ti própria,
lambe as tuas próprias feridas,
que a vida não se delega,
dá tempo de antena a ti própria,
lambe as tuas próprias feridas,
que a vida não se delega,
nem se congela,
nem se põe entre parênteses.
Ou então pinta um grafito
nem se põe entre parênteses.
Ou então pinta um grafito
nas muralhas da cidade.
Vi um há dias:
– Amor ? Amor ? … Amor és tu!
Só podia ser de um adolescente,
apaixonado, doente,
Vi um há dias:
– Amor ? Amor ? … Amor és tu!
Só podia ser de um adolescente,
apaixonado, doente,
como tu,
no teu caso, eu sugeria
no teu caso, eu sugeria
uma pequena emenda, subtil:
– Amor ? Amor ?... Amor sou eu!
E ninguém morre, louco,
– Amor ? Amor ?... Amor sou eu!
E ninguém morre, louco,
de amores intermitentes,
no píncaro do verão da nossa raiva,
no píncaro do verão da nossa raiva,
aos quarenta graus centígrados,
com as febres palúdicas,
com as velhas e malditas sezões da África nossa,
no pára arranca empanca do trabalho para casa
e da casa para o trabalho:
dizem que a vida é bela
e que, afinal,
somos nós...
dizem que a vida é bela
e que, afinal,
somos nós...
que damos cabo dela.
PS – Querida amiga de Alex,
PS – Querida amiga de Alex,
minha querida amiga,
no país sem retorno,
não sabia o que te dizer
não sabia o que te dizer
com princípio, meio e fim,
mas se isto fosse um poema,
mas se isto fosse um poema,
era recado,
uma canção ligeiramente desesperada,
a deixar no voice mail,
e seria uma coisa assim,
uma canção ligeiramente desesperada,
a deixar no voice mail,
e seria uma coisa assim,
sem palavras a mais:
vais ver que a dor passa,
que, com esse coração, ainda aguentas,
e que já não é pecado,
o amor aos cinquentas...
e tais.
Alfragide, 15/12/2015. Revisto, 8/3/2014
vais ver que a dor passa,
que, com esse coração, ainda aguentas,
e que já não é pecado,
o amor aos cinquentas...
e tais.
Alfragide, 15/12/2015. Revisto, 8/3/2014
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Nota do editor: