domingo, 23 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12885: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte III: Será que a lerpa, jogada no CTIG, nas longas noites de insónia, violava o nº 21º do art. 4º do RDM - Regulamento de Disciplina Militar, então em vigor ? Ou as bebedeiras de caixão à cova... não caíam sob a alçada do nº 24 º ?











Continuação da reprodução da brochuira "Deveres Militares", onde naturalmente não se fala... de direitos... A lista dos deveres de um miliatar é (ou era) longa...Publicamos os restantes 5... Ou haver mais  ? Ao todo parece que são ou eram 25 (*)... No atual RDM - Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 09ABR, com diversas alterações, a lista dos deveres é o dobro, chegando ao nº 55.... (Entro em vigor em 10 de abril de 1977, e foi promulgado pelo então Presidente da República António Ramnalho Eanes)


Fonte: "Deveres Militares", 2ª edição, SPEME, 1969. A 1ª edição é de 1963. E há uma 4ª edição de 1973. (*)

1. O documento chegou-nos, digitalizado, por intermédio do Fernando Hipólito e César Dias.  

O Fernando Hipólito [, foto atual à esquerda, ] é o nosso novo grã-tabanqueiro, com o nº 650...  Passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. Foi fur mil, CCAÇ 2544, Angola, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste, em Lumege.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

sábado, 22 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12884: Bom ou mau tempo na bolanha (49): Tira-me o retrato (Tony Borié)

Quadragésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.



Para quem visitou grandes cidades, grandes metrópoles, como Nova Iorque, São Francisco, Denver, Phoenix, São Louis, Los Angeles, Miami, Londres, Atalanta, Washington, Orlando, Las Vegas, Tóquio, Houston, Hamburgo, Paris, Rio de Janeiro, São Paulo, Roma, Milão, Bruxelas, Frankfurt, Amesterdão, Madrid, Porto, Lisboa, Chicago, Toronto ou até Montereal, sabe que em quase todas essas grandes cidades, as suas principais atracções se resumem ao Aeroporto, cheio de lojas a tentar as pessoas, ao seu qualquer grande museu, que sempre dizem que é único no mundo, a um parque, às vezes mal tratado, com alguns bancos, passadeiras em cimento, talvez um pequeno lago e algumas árvores que, ou são centenárias e vão resistindo ao “cimento armado”, ou são “rafeiras”, quase a morrer. Toda a gente lhe rouba uma folha, lhe encosta uma bicicleta, os animais abusam delas e, o “cimento armado”, a espreitá-las, esperando a oportunidade para avançar!.


Também têm um qualquer complexo de desportivo, representando o clube lá do sítio, que também dizem que é o melhor do mundo, o complexo da Universidade, que quando é um edifício antigo, até vale a pena ver, e todas, mesmo todas, têm a “Main Street”, que é uma rua, normalmente na parte baixa da cidade, fechada ao trânsito automóvel, com todas aquelas lojas que vendem “produtos de marca”, restaurantes “temáticos”, com mesas e cadeiras na passadeira, que servem uns pratos com muito pouca comida e muita cerveja, a um preço, que nós que somos “daquele tempo”, consideramos um roubo!

Se a cidade tem mar, rio ou um grande lago, normalmente, existe uma ou mais pontes, diferentes, umas mais bonitas e elegantes do que as outras, mas menos funcionais, uma zona a que chamam “marina”, ou “zona do porto”, onde talvez exista um aquário, onde tornam a dizer que tem umas “espécies muito raras”, talvez do outro mundo, onde se repete o cenário, lojas de recordações, onde se compra algo, que não mais se usa, restaurantes “temáticos”, com pouca comida, muita bebida, um preço louco, uma vista bonita, que talvez seja paga na bebida.


O resto é cimento, cimento e cimento, e as zonas periféricas, de onde talvez se possa avistar o tal cenário bonito da cidade, mas quando nos preparamos para avistar ao longe, se repararmos ao perto, vemos as casas em muito mau estado, as estradas congestionadas, as pessoas apressadas, às vezes empurrando-se, onde ninguém, ou quase ninguém se conhece. Posso estar a exagerar, mas no fundo é isto.

Ora companheiros, depois de falar de todo este “cimento armado”, cada vez tenho mais saudades da vila de Mansoa, sim de Mansoa, tal como muitos companheiros, pelo menos nos últimos postes têm falado da vila de Bafatá, Mansabá, Bissorã, não de Olossato, onde para mal daqueles martirizados militares que lá se encontravam, pouco mais havia do que as instalações do aquartelamento, pelo menos naquele tempo, mas em Mansoa, que já mais de uma vez eu disse que considerava a vila, o tal “Posto Avançado de Fronteira”, pois naquele tempo, era a partir daqui que começava a verdadeira guerra.


Lá também havia a “Main Street”, onde existiam alguns canteiros com flores, pintados de branco tal como o tronco das árvores, a loja do Libanês, onde no lugar de roupas de marca, se podia comprar desde o sabonete “Lifebuoy”, uma agulha e alguns botões ou uma camisa de tecido fino e branco, de manga curta, que tinham vindo de Macau e eram muito populares entre os militares, quando “trajavam à civil”, e creio que só havia duas medidas, (grande ou pequena), que nós emprestávamos uns aos outros, o edifício dos correios, mais um pouco abaixo o “Clube dos Balantas”, o mercado, a Igreja, e as bolanhas nos arrabaldes da vila, eram como se fossem “espelhos de água”, que as grandes cidades gastam fortunas para manter a água limpa, o rio, a ponte, também havia a “zona do porto”, claro, cheia de lama, onde as canoas do Iafane estavam ancoradas, a taberna da “Cabo-verdiana”, que servia, só às vezes, comida com muita fartura, a um preço que nem pagava a lavagem da louça, e a cerveja, tal como o pão, umas vezes roubados no quartel, outras vezes desviados, antes de chegar ao quartel, pelo menos a cerveja, quando vinha da capital.




Tal como em Nova Iorque as pessoas gostam de fotografar a Estátua da Liberdade, o Empire State Building, o Rádio City ou a ponte de Brooklyn, lá em Mansoa, os pontos mais fotografados eram a ponte sobre o rio e uma placa de sinalização, que se encontrava logo à entrada da vila, logo depois da ponte, que dizia: Encheia, Nhacra, Bissau, Porto Gole, Enchalé, Bambadinca e Bafatá, e com uma seta a indicar a direcção, não vá algum descuidado meter-se pela mata dentro, ou mesmo atravessar uma bolanha, pois naquela altura, as estradas eram pouco mais que carreiros.


Quase todos os militares ali estacionados tiravam uma fotografia junto da placa de sinalização, a quem o Curvas, alto e refilão, chamava o “urinol”, pois muitas vezes se viam cães vadios, magros e cheios de insectos no corpo, de perna alçada, junto ao poste da placa, onde às vezes o Curvas, alto e refilão e não só, vindos da sede do clube de futebol, depois de terem bebido, também se encostavam à placa e urinavam.

Às vezes, quando regressávam da sede do clube de futebol, já um pouco tontos, depois de beber cerveja, vinho, ou qualquer outro licor, o Setúbal, quase sempre dizia:
- Chegas à placa... e viras á esquerda, sempre em frente... sem olhar para ninguém, e entras no quartel antigo..., depois é só atravessar o arame farpado e estás dentro do aquartelamento...

Não havia dúvida que era um bom sinal de orientação.


A ponte, que tinha um arco de cada lado, (foto onde está o Cifra com um companheiro, que oxalá ainda esteja vivo e a veja), onde se faziam apostas, cujo prémio, às vezes era um maço de cigarros, em quem era capaz de atravessar esse arco, caminhando e batendo palmas, ao mesmo tempo.

Havia alguns que com certa coragem começavam, mas quando chegavam ao meio do arco e este começava a descer, voltavam para trás, muitas das vezes de joelhos. Havia só um militar, que era o Marafado, que atravessava todo o arco, fazendo o pino, ou seja, caminhando com as mãos, mas a troco de uma cerveja ou de um maço de cigarros “Três Vintes”. Ele dizia que tinha trabalhado num circo.

Havia a ponte velha, esta a preferida do Cifra e de outros militares que queriam alguma paz, e onde se passavam horas, sentado, fumando, pensando na aldeia atrás da montanha em Portugal, apreciando a área alagadiça, quando da maré cheia, com alguns pelicanos descendo o rio, mergulhando o pescoço, na procura de algum peixe.

Tony Borie, Março de 2014.
P.S. - Algumas destas fotografias foram cedidas pelo companheiro César Dias.
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Nota do editor:

Último poste da série de 15 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12842: Bom ou mau tempo na bolanha (48): Bolanhas em dois continentes (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12883: Blogpoesia (385): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XVI): Écloga em tempo de guerra, de David Mourão Ferreira, com anotações de Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):

Caro amigo e camarada Luís Graça

Não sendo poeta mas gostando de poesia, não posso deixar de responder positivamente ao desafio que nos lanças.

Assim, valendo-me de um dos livros de poesia, dos que me acompanharam durante a minha comissão na Guiné e nos quais procurava afogar as minhas mágoas, escolhi um poema para partilhar com a Tertúlia, se assim o entenderes, que lia com frequência, como desabafo, protesto e consolo, chegando ao ponto de modificar algumas palavras para melhor se enquadrarem com a flora local e melhor o sentir.


O livro é: "A Arte de Amar, 1948/1962",  de David Mourão Ferreira. Lisboa Editoral Verbo 1973, 271 pp. O poema é: Écloga em Tempo de Guerra , que ele dedicou a Jos]e Regio

As palavras entre parenteses [, retos, em itálico], junto a outras similares dos versos, eram as que trocava, não alteravam o sentido nem a rima do poema e assentavam melhor na minha situação.

Em anexo envio o poema, com essas adulterações. Faz dele o que julgares melhor.

Um abraço

JLFernandes


2.  ÉCLOGA EM TEMPO DE GUERRA,

de David Mourão Ferrerira

A José Régio


Só grilos desafinados
povoam a solidão.
Pastor de almas de soldados,
sigo nos campos lavrados,
sem ouvir o coração.
Se o ouvisse, que ouviria?
Alegria?
Certo, não.

Sem palavras e sem gestos,
pisando estevas e trigo [capim],
nestes caminhos funestos
alimento-me dos restos
do passado que persigo [há em mim].
(E nem sequer receamos,
entre os ramos,
o inimigo.)

Sob céus de Primavera,
por entre olivais [palmeirais] de prata,
seguimos... e quem nos dera
que a nossa febre esquecera
quem de nós nos arrebata!
Não são ’stranhos que tememos.
Bem sabemos
quem nos mata.

Que destino tão errado,
o que haviam de me impor!
Pastor a soldo forçado
de um gado que não é gado,
nem precisa de pastor!
E vamos!, vidas marcadas
p’las espadas
do terror.

“Maldito seja quem faz
profissão da nossa morte!
Quem ordena, lá de trás,
em segurança, na paz
que injustamente o conforte!”
(Mudos embora, este grito
fica dito
desta sorte.)

E vamos, como ciganos,
mas sem nenhuma aventura.
Seguem, atrás, os garranos,
pacientes, quase humanos,
a moer a terra dura.
– E segredam-nos os ventos
que estes tempos
são loucura.

À sombra de um castanheiro [mangueiro],
eis que paramos, cansados,
para instalar um morteiro
que faça fogo certeiro
sobre outros, sobre outros gados
– inocentes como o nosso,
mas que um fosso
fez danados!

Nenhuma ordem nos chega.
Ainda bem! Inda bem!
– E, cegos, na noite cega,
cada corpo é uma entrega
à calma que lhe convém.
Até o vento, mais brando,
vem sonhando
com alguém...

... E sonha então cada qual
com as pastoras distantes...
Uma zagala, um zagal...
No recanto de um pinhal [palmeiral],
promessas exuberantes...
(Anda sempre a mesma história
na memória
dos amantes!)

Se o dia há-de ser de luta,
que a noite não tenha fim!
Ao menos, quem quer desfruta
a placidez impoluta
de um primitivo jardim.
E se mais nos não concedem,
se é esse o preço que pedem,
seja assim!

David Mourão Ferreira / [Adapt. de Joaquim Luís Fernandes]

3. Comentário de L.G.:

Joaquim, a fechar esta longa maratona em que quisemos, à nossa maneira, celebrar o Dia Mundial da Poesia (*), que foi ontem, 21, deixa-me discorrer sobre este estranho fenómeno: dizem que Portugal é um país de poetas, mas não de leitores de poesia... É provável que se publiquem mais do que um livro de poesia por dia, sendo muitas as edições de autor. Estamos a falar de 3% de todos os títulos em língua portuguesa que, em 2012, atingido um total de 9473 (dos quais 73% são originais e os restantes 27% são traduções (Fonte: Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo). 

Estamos a falar de monografias, ficam de fora desta estatística as publicações periódicas...Mais de 5% do total de originais (N=6892) devem ser livros de poesia...

No entanto, quando falamos de poetas e de poesia, é preciso mostrar alguma cautela com a palavras (i) "poeta" é o que escreve poesia, mas também o "idealista", o "sonhador", o que "é dado a devaneios",  o "o que anda sempre nas núvens", o até o "pateta"... A palavra tem, às vezes, em certas bocas, conotações pejorativas.. Por exemplo, diz o povo: "De poeta, médico  e louco, todos nós  temos um pouco"...E da poesia diz que é "a música da alma",,,

Quem, de nós, na adolescência e na juventude, não escreveu pelo menos uma quadra, uns versos, uns poemas com ou sem rima, à sua amada ? E na Guiné, nas horas de solidão e lassidão, nos diários, nas cartas e nos aerogramas, escreveram-se versos...  Não importa a qualidade literária, são documentos de uma época e de uma geração... Muitos ter-se-ão perdido... Outros foram destruídos.. Outros ainda estarão esquecidos algures, numa gaveta, mala ou baú...

Joaquim, fechas com chave de ouro esta nossa iniciativa, que mobilizou cerca de duas dezenas de autores, incluindo 3 amigas nossas, a Regina Gouveia, a Joana Graça e a Filiomena Sampaio. E, contrariamente, à ideia feita de que a poesia não se lê, o nosso blogue teve, ontem,  6ª sexta-feira, o melhor desempenho da semana, com um nº de visitas superior a 2600. Bem hajam a todos e todas!

Já agora, que fostes desencantar  (e adaptar)  o conhecido poema de David Mourão Ferreira (1927-1996), "Écogla em tempo de guerra", deixa-me, Joaquim, dar aos nossos leitores só uma pequena dica, para melhor interpretação dos versos do  poeta...

Este poema tornou-se conhecido quando, em 1971, foi musicado, em França, por Luís Cília, Mas o David Mourão Ferreira tê-lo-á escrito muito antes, na altura em que cumpria o serviço militar, e por sinal em Portalegre, onde foi reencontrar (e fez amizade  com) o grande poeta e esritor José Régio (1901-1969), natural de Vila de Conde. (Régio viveu praticamente toda a sua vida naquela cidade do Alto Alentejo, onde foi professor de liceu, e onde tem um museu, que é visita obrigatória, a Casa-Museu José Régio).

Este poema deve datar de 1952 quando o poeta foi aspirante, miliciano, em Portalegre, no BCA nº 1, presumo, e onde deve ter dado instrução a recrutas:

"(...) Pastor de almas de soldados, / sigo nos campos lavrados, / sem ouvir o coração. / Se o ouvisse, que ouviria? / Alegria? Certo, não.( (...) Que destino tão errado,/ o que haviam de me impor! Pastor a soldo forçado / de um gado que não é gado, / nem precisa de pastor! / E vamos!, vidas marcadas /p’las espadas do terror." (...) "E vamos, como ciganos,mas sem nenhuma aventura. / Seguem, atrás, os garranos, /pacientes, quase humanos,/ a moer a terra dura." (...).

Essses tempos já longínquos de 1952 foram evocados por David Mourão Ferreira no número especial de "A Cidade – Revista Cultural de Portalegre" (4/5, nova série, 1990), "integralmente dedicado aos 20 anos da morte do poeta José Régio e do pintor D’Assumpção, duas personalidades marcantes das letras e das artes ligadas à capital do Norte Alentejano" (, cito a págína Largo dos Correios, de António Martinó de Azevedo Coutinho, uma personalidade marcante da vida cultural e social de Portalegre, onde nasceu em 1935).

 (...) "Disso mesmo [da complexa personalidade de José Régio]  tive sobejas provas ao longo dos cinco meses - de Março a Agosto de 1952 - em que diariamente privei com ele aqui em Portalegre, para onde me tinham arrastado, como aspirante-miliciano [, de cavalaria, a deduzir pelas botas do futuro escritor, professor universitário e figura mediática, com o seu inseparável cachimbo, na foto à esquerda, cortesia do sítio Largos Correios...], as irrevogáveis obrigações do meu serviço militar. 

"Daí data efectivamente o auge do nosso convívio. Já por mais de uma vez aludi a essa experiência e, muito em particular, numa longa entrevista que me foi feita, em Abril de 1982, pela excelente revista A Cidade, que nesta cidade se publica. Não desejo pois repetir-me. Mas não posso deixar de rapidamente reevocar aqui o que tais cinco meses para mim significaram na companhia quotidiana de José Régio e do pequeno mas extraordinário grupo de seguros e provados amigos com que nessa altura ele aqui contava: Feliciano Falcão, Arsénio da Ressureição, Lauro Corado, Firmino Crespo, João Tavares, Adelino Santos. Rara a tarde ou a noite em que pelo menos com alguns deles nos não reuníssemos no Café Central. Mais raro ainda o fim de tarde que eu não passasse com Régio no seu pequeno gabinete de trabalho desta ‘casa velha’ -’velha, grande, tosca e bela’- em que decorreram muito para cima de trinta anos da sua existência.

"E dávamos grandes passeios aos domingos… Ora a pé, pelo interior da cidade e pelos seus mais próximos arredores, ora no automóvel de Senhor Adelino Santos, que desempenhava, na ocasião, as funções de secretário-geral do Governo Civil. E eram então improvisadas excursões até Marvão, Castelo de Vide, os Olhos de Água…” [cit por Largo dos Correios > 17 de março de 2013 > David e José II].

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 22 de março de  2014 >ãManuel Sampaio / Artur Conceição / Rui Vieira Coelho

Guiné 63/74 - P12882: O que é que a malta lia, nas horas vagas (27): Em Galomaro li "A Relíquia" e "O Primo Basílio" do Eça de Queirós, José Vilhena e outros autores, ouvi a Maria Turra e decifrei os escritos do 2.º CMDT do Batalhão (António Tavares)

1. Mensagem de António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 16 de Março de 2014:

Caro Vinhal,
Junto envio um texto para publicação caso haja interesse.
Abraço de amizade.
António Tavares


O que lia em Galomaro? 

Livros e revistas que passavam de mão em mão. Recordo “A Relíquia” e “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós; livros de José de Vilhena, escritor humorístico preso pela PIDE em 1962, 1964 e 1966, e outros autores cujos nomes esqueci.
Livros emprestados por um Furriel e por um Alferes. Milicianos politicamente mais progressistas que eu, diria sem comparação.

Recordo que transportei um saco de lona cheio de livros para o Comandante do Batalhão de Nova Lamego. Saco igual ao que nos davam para transportar os nossos haveres. O senhor Tenente-Coronel vivia no Porto e através da sua esposa e de uma família amiga que tínhamos em comum foi feito o pedido a que anuí.
Após um ou dois dias da minha chegada a Galomaro, aterra na pista de aviação um DO com um impedido do Ten-Cor para levantar a encomenda. Nunca vi o Ten-Cor e nunca me agradeceu o ter sido seu carregador. Sei que não fui o único caso em que éramos servidores e desprezados… Enfim… Coisas habituais na maioria dos tropas de carreira. Não conheciam a palavra: Obrigado.

De todas as leituras, aquela que me gastou horas e horas foi ter de decifrar os escritos do 2.º Comandante do meu Batalhão que tinha uma letra quase incompreensível. Depois de compreendida a letra dos documentos/rascunhos, estes tinham de ser ditados ao Cabo Escriturário para os dactilografar na máquina que vemos na foto.


Confesso que não foi dos piores serviços que fiz naqueles longínquos 692 dias passados nas matas do leste do Comando Territorial Independente da Guiné. Em dias de calor tórrido estar a trabalhar debaixo de chapas de zinco escaldantes era aborrecido e cansativo, porém nada comparável com quem andava em Operações nas matas. Repito: era impossível comparações.

Também ouvia boa música que o Comandante comprava para as Messes de Oficiais e Sargentos. No fim da comissão ofereceu um disco a cada Sargento e Oficial da CCS. O meu disco é o da imagem.





Jogávamos matraquilhos, cartas, xadrez.

A rádio e a “Maria Turra” também eram escutadas. Esta umas vezes dizia a verdade, outras inflaccionava os acontecimentos com o número de mortos e feridos das NT. Águas passadas… Em 1970/72.


(TEXTO ESCRITO SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA)
António Tavares
Foz do Douro, 16 de Março de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12643: O que é que a malta lia, nas horas vagas (26): A Bola, o Diário de Notícias, a Vida Mundial, Banda Desenhada... (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp/ ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974)

Guiné 63/74 - P12881: Blogpoesia (384): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XV): Manuel Sampaio / Artur Conceição / Rui Vieira Coelho



[, representado no nosso blogue por Filomena Sampaio, viúva do nosso camarada Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo TRMS que pertenceu à CCS/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73]



Poema de Manuel Castro Sampaio, enviado pela viúva, Filomena Sampaio, nossa grã-rabanqueira


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[ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém(1965/67]


Não tenho o mínimo jeito ...mas uma quadra sempre se arranja...
Um abraço, Artur Conceição


Viva o dia da Poesia
e o dia da Primavera,
Haja Paz,  haja alegria,
Aqui e em toda a Terra.


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[ex-Alf Mil Médico Rui Vieira Coelho,  BCAÇ 3872 e 4518, Galomaro, 1973/74]

Caro Luís
Conforme a tua sugestão,  aqui vão uns versos feitos no sentido de identificar o lugar de reunião dos camaradas da Guiné na região do Porto,  Gondomar, mais propriamente a Tabanca dos Melros.


A todos vós, "Guinéus", .
Nessa terra d'adopção, 
Juntar Pátria,  Amor e Deus,
Unir sonho e coração.

Alguns foram vã glória, 
Outros persistem viver
Unidos pela memória, 
P'rá amizade de rever. 

Rever gentes e lugares, 
Melros de tantas tabancas
Atravessaram os mares,
Com ondas pretas e brancas,

No fundo de todos nós,
Com muita amizade e sorte
P'ra nunca ficarmos sós
Nem nunca perder o Norte.

Um grande alfabravo do Rui Vieira Coelho
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de março de 2014 >  Guiné 63/74 - P12879: Blogpoesia (383): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XIV): Pensa meu soldado cansado, pensa... (Mário Vasconcelos)

Guiné 63/74 - P12880: Parabéns a você (706): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12846: Parabéns a você (706): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12879: Blogpoesia (383): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XIV): "Pensa meu soldado cansado, pensa..." e "Mãe" (Mário Vasconcelos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 3872 - Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72 - Mansoa, e Cumeré, 1973/74), com data de 21 de Março de 2013:

Caros camaradas, editores e amigos
Um pouco em forma de resposta ao sugerido pelo Luís Graça, e por ser o dia 21 de Março, dedicado à poesia, vou nessa de publicar pequenos nadas, criados no meu tempo de militar pela Guiné. 
Sem pretensões de qualquer espécie, mas, e apenas, por uma questão de estar com todos, agora e sempre.

Ao mesmo tempo aproveito para, em forma de enquadramento, inserir uma ou outra foto relacionada com o tempo e o lugar por onde, então, me encontrava.

Assim sendo, regresso a Galomaro, ano de 1973, onde, numa altura de descontracção e reflexão, escrevi este texto, sentado, talvez na mesma tarimba que a foto seguinte reproduz. 
A cachimbada, o turbante Fula e a guitarra indígena serviram de adorno.



PENSA MEU SOLDADO CANSADO… PENSA…

Porque hás-de ser sempre o peão do xadrez?
Porque te esqueces donde vem teu soldo?
Será preciso repetir-te, vaidoso, de camuflado novo,
Que esse pano salamandra que te vestem,
Não é mais o verde acastanhado,
Mas sim o preto-volfrâmio do luto?
Queima as mortalhas do teu corpo,
E mata o frio que te vai na alma.
Carrega a tua arma, de flores,
E espreita afoito, sem medo,
O contente silêncio do tubo da arma.
Porventura tua mão tem menos dedos que a minha?
Ou do que a dele?
Não queimes a seara com as vozes dos outros.
Apanha antes a papoila vermelha,
E oferece-a à criança, que no musgo da vida,
Sentada chora.

Galomaro 1973... Guiné

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No ano seguinte, 1974, em funções no COT 9, Mansoa, num grupo de trabalho, e, se assim o digo, é porque, efectivamente, vivia-se neste comando uma atmosfera de camaradagem muito efectiva, sem perda de hierarquia ou funções.


No centro, da esquerda para a direita, recordo, se a memória me não atraiçoa, de camisola branca, o Major de Infª Eurico César Moreno, Ten. Cor. Infª Pedro Henriques e Cap. Mil. Álvaro Contreiras?

Uma outra imagem, agora com camaradas que formavam um pequeno grupo de alinhadores nas patuscadas, onde, como todos nós e a seu modo, matávamos a sede de um regresso às nossas origens.

Sentado perto desta ponte, contemplando suas águas turvas, senti, então, as agruras de um pai distante, que me puseram numa folha estes versos, dedicados à minha mulher e mãe do meu primeiro filho.



MÃE

Mãe, que salivas o amor em suas mãos pousado 
Mãe, que levas nos olhos lágrimas de teu choroso filho 
Mãe, sorriso feliz de teu bebé sorrindo 
Mãe, que em leito fazes teus braços cansados 
Mãe, em cujos seios sua vida sustentas 
Mãe, de quem tuas mãos são os seus primeiros passos 
Mãe, para quem a noite é contínuo dia 
Mãe, que do dia fazes um contínuo alerta 
Maravilhosa mãe, que tal filho tem, e para quem um dia, minha mulher ficou.
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Nota do editor:

Último poste da série de 21 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12878: Blogpoesia (382): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XIII): Impossível apagar o pensamento (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12878: Blogpoesia (382): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XIII): Impossível apagar o pensamento (Tony Borié)





1. Em mensagem de hoje, 20 de Março de 2014, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Op Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos a sua colaboração para o Dia Mundial da Poesia que hoje se comemora.







O tal velho, que todos diziam que era bom e honrado,
Vociferava na rádio e na televisão,
Que por sinal também era do nosso Estado,
Vamos para lá, agora e já, nesta ocasião!
Matar ou morrer, tal como de outras vezes,
Lá no Oriente, na Oceânia ou até na África, talvez como e quando,
Talvez como gregos, mouros, fenícios ou cartagineses,
Num navio de carga, sem aquela vela, que tinha uma cruz, sempre desfraldando!

Saindo do Tejo, a nossa vista por lá se desterra,
Os pilares duma ponte, com o nome do velho, que com a nossa aldeia por cá ficavam,
A família, esposas ou namoradas, lá atrás da serra,
O pensamento, os nossos olhos se alongavam!
Ficava a alma, não só coração na amada terra,
Beijos, xicorações, que as mágoas lá nos deixavam,
Fugimos ao porão, com o nosso corpo a soluçar,
Ao outro dia nada mais vimos, do que céu e mar!

Vimos as Canárias, que afinal eram umas ilhas,
Passámos Cabo Verde, com aquelas rochas, muito perigosas,
Já não era em quilómetros, mas sim em milhas,
Que contavam a distância naquelas ondas bastante tenebrosas!
Peixes voadores, sim que os havia no reino do Congo,
Que os Portugueses também converteram à fé de Cristo,
A Guiné era próxima, assim como o rio, que era longo,
Por este mar de lama, pensava baixinho, já não sei se existo!

Contar as vivências, que foram até, bastante perigosas,
Explicar coisas, que pessoas novas, talvez não entendem,
Guerra, tiros, sangue, bombardeamentos, cenas tenebrosas,
Companheiros mortos, fúria, raiva, que os fogos acendem!
Fome, álcool, cigarros, amor e sexo negro, arroz da bolanha, não causes mais dano,
Gritos, catra-pum-pum-pum, o som da metralha,
Quero viver, quero de novo atravessar aquele oceano, 
Quero regressar, quero estar vivo, mesmo que perca toda esta batalha!

Dois anos depois, mais velho e sofrido, da escura treva,
Milhares de cigarros, litros de álcool, naquele espaço que já foi passado,
A pele escura do Equador, cheio de razão, que alguém se atreva,
Quero viver, quero estar vivo, não catra-pum-pum-pum, vê lá tem cuidado!
Só água de lama, arame farpado, aquartelamentos, sofre companheiro,
Estás na Guiné, não no Algarve, Valença ou Caminha,
Aqui há bolanhas, terra vermelha, não monte ou outeiro,
Dois anos depois, mais velho e sofrido, já não ia, pois agora vinha!

Ah, ah, ah... deixa-me sorrir, pois já lá vão mais de cinquenta anos,
Ainda estou vivo, vou tendo dores, mas não é frequente,
Considero um milagre, andarmos por cá, sendo veteranos,
De uma guerra, que justa ou injusta, deu sofrimento e matou muita gente!
Porra, já vou longe de mais, estou a abusar da vossa paciência,
Mas podem crer, que foi um prazer, falar com vocês nesta lembrança,
Todos vocês, andaram por lá, têm no corpo, toda esta vivência,
Sorriam, e lembrem sempre aquela palavra, que é a “esperança”!


Tony Borie, Março de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P12876: Blogpoesia (381): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XII): Nunca se está completamente vestido sem um sorriso (Fernando Gouveia)

Guiné 63/74 - P12877: In Memoriam (187): Aníbal de Afonso de Sousa, ex-Alf Mil da CCAÇ 5 (Gatos Pretos) (José Martins)





1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 21 de Março de 2014, dando conta do falecimento de mais um ex-combatente:


O Alferes Aníbal de Afonso de Sousa partiu! 
Os Gatos Pretos estão mais pobres!

O Sousa deixou-nos ontem (19), ao fim do dia. Começa a ser recorrente a partida dos combatentes.

O registo que fica da sua passagem pela Companhia de Caçadores n.º 5, da Guiné, onde nos conhecemos e criamos amizade, ontem desfeita. Resta a saudade!


Alferes Miliciano de Infantaria, número mecanográfico 03651566, natural de Faro, prestava serviço no Centro de Instrução de Sargentos Miliciano de Infantaria quando foi mobilizado.

Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 3 de Setembro de 1968, assumindo as funções de Comandante de Pelotão, tendo ainda assumido as de Comandante Interino da Unidade quando tal lhe foi solicitado.

Foi louvado pelo Comandante de Companhia em Ordem de Serviço n.º 38 datada de 21 de Agosto de 1970, “porque ao longo de 24 meses de comissão se mostrou um Oficial disciplinado e correcto, sempre pronto a colaborar em todas as tarefas da Companhia, não se poupando a esforços para cumprir o que lhe era pedido. Oficial leal e amigo de todos, soube com os seus dotes criar um clima de alegria no seio dos seus camaradas, o que muito contribuiu para elevar a moral de todo o corpo de graduados. Cumpriu sempre quando das várias vezes que foi chamado a comandar a Companhia. Merece por tudo isto o Alferes SOUSA que todos o estimem, pelo que me apraz salientar a sua passagem por esta Companhia”

Foi abatido ao efectivo da Unidade em 1 de Outubro de 1970 por ter terminado a sua comissão de serviço e regressado à metrópole.

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Os editores e a tertúlia deste Blogue lamentam a partida de mais esta camarada e endereçam aos seus familiares e amigos os mais sentidos pêsames.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12858: In Memoriam (186): Maria Alice de Sousa Loureiro Costa (1948-2014), esposa do nosso camarada António da Costa Maria (ex-Fur Mil Cav, Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)

Guiné 63/74 - P12876: Blogpoesia (381): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XII): Nunca se está completamente vestido sem um sorriso (Fernando Gouveia)




Poema de Fernando Gouveia (2014)


1. Mensagem do Fernando Gouveia, associando-se à nossa iniciativa de celebrar o Dia Mundial da Poesia, uma maratona que já vai longa...


Luís:

Esperando que ainda vá a tempo de ser hoje publicada, neste Dia Mundial da Poesia, junto envio um poema construído sobre uma frase de uma canção de Little Orphan num musical da Broadway.

Como o poema tem laivos de Poesia Concreta vai como imagem e assim deve ser publicado.

Um abraço.

Fernando Gouveia 



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Os então novos membros da nossa Tabanca Grande, Regina e Fernando Gouveia, um adorável casal, transmontano, do Porto, que fez uma comissão na Guiné (Bafatá, 1968/70). O Fernando foi Alf Mil Pel Rec Inf, Comando de Agrupamento 2957, Bafatá (1968/70) na altura em que era comandado pelo Cor Hélio Felgas, já falecido.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

Úlrtimo poste da série > 21 de março de 2014 >  Guiné 63/74 - P12875: Blogpoesia (380): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XI): Alberto Branquinho / Jorge Cabral / José Manuel Lopes (Josema)

Guiné 63/74 - P12875: Blogpoesia (380): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XI): Alberto Branquinho / Jorge Cabral / José Manuel Lopes (Josema)

1. Alberto  Branquinho 


[ advogado, escritor, ex-alf mil op esp, CART 1689, , Catió, Cabedu,Gandembel e Canquelifá, 1967/69]


Luis: Correspondendo ao teu apelo, aqui vai um,  recentemente publicado no meu livro "QUASOUTONO?!".


BLOGUEMOS

Eu blogo
tu blog@s 
ele blog@
toda a gente 
mesmo os que não têm cão 
podem ter um blogue 
falando de coisas várias
ou do seu próprio umbigo

O blogue não ocupa espaço
não ladra
não comenão caga
(por vezes fede)

Vivam os blogues!
(sans blague...)


In: Branquinho, A. - QUASOUTONO?!, Lisboa, Edições Vírgula, 2004, 82 pp.



[ jurista, advogado de barra, docente universitário reformado, ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71]


Aí vai um poema escrito na Guiné. 

Abração,  J.Cabral



Modji Daaba


Modji Daaba no meu Lençol
Fecha o seu Corpo,
Como Flor,
Que teme o Sol.

Com medo e Dó,
Não dá. Empresta.
E desta noite,
Nada me resta.

Estou Só!

Fá, Nov.1969.
Jorge Cabral


[, vitivinicultor, duriense, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74,  mais conhecido na região de Tombali pelo seu pseudónimo literário Josema...e por escrever um poema todos os dias; queimou mais de 2/3 da sua produção poética do tempo de guerra; este, que reproduzimos a seguir, foi um dos que escapou à fúria do poeta...]



Tenho saudades

tenho saudades
do amor que não se compra
daquele que se sente
o tal
que vem de dentro
e
que não acaba
com um orgasmo
não quero mais
ser
aquele que se vai
assim que se vem
não quero mais
ficar vazio
não quero mais
ficar sem eco
não quero mais
perder o elo
que me liga
a ela
seja ela quem for
não quero mais fazer amor
sem ter de oferecer uma flor.


josema
Bissau/1974

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Nota do editor:


Último poste da série > 21 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12873: Blogpoesia (379): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (X): "Canção", de Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546) e "Soneto de guerra", de Cândido Morais (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P12874: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (4): O respeito pela morte

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 13 de Março de 2014:


Memórias da CCAÇ 2616

4 - O RESPEITO PELA MORTE

O último semestre da CCaç 2616, em Buba, foi um tempo malfadado. Todos os tipos de azares e desgraças, aconteceram. Além dos habituais ataques de armas pesadas ao aquartelamento, que dado os abrigos e valas existentes, não representavam grande perigo, houve toda a sorte de acontecimentos funestos. A Companhia sofreu com tudo isso quatro mortos e cerca de 20 feridos, alguns graves.

Em abono da verdade um morto e muitos feridos pertenciam a um Pelotão doutra Companhia do Comando de Aldeia Formosa que estava a reforçar a nossa. Este acidente foi provocado por uma granada de lança-granadas-foguete que depois de se lhe retirar a segurança para a introduzir na arma, com alguma inclinação a um metro e pouco do chão podia explodir. Foi isso que aconteceu junto à arrecadação do material provocando a morte imediata dum soldado e ferimentos, alguns muito graves, em cerca de quinze outros camaradas. Essa granada, penso que fabricada no Braço de Prata, teve poucos meses de utilização pois terá provocado outros acidentes noutros quartéis.

Houve de tudo, desde minas anti-pessoais e anti-carro a reencontros com a guerrilha no mato a três acidentes graves com diferentes tipos de granadas.
Este rol de desgraças penso que começou quando o Albano morreu e dois amigos dele ficaram gravemente feridos com a explosão de uma granada de mão.
Deste acidente penso que terá havido duas versões pelo que me abstenho de contar qualquer delas. Foi um acidente infeliz como houve tantos na Guiné.

Muitas armas e material explosivo, por vezes pouco seguro, deficiente instrução militar. Meses de relativo relaxe em que parecia que a guerra já tinha acabado, alternados com dias agitados por disparos e rebentamentos. Meses dum sol tropical escaldante alternados com meses de aguaceiros sem fim. A maior parte dos camaradas confinados durante quase dois anos a viver no aquartelamento, sem possibilidade de poderem gozar férias. Tudo isto criava condições propícias a todo o tipo de acidentes.

O Albano era pescador de Setúbal tal como os outros dois camaradas. Era discreto, diligente, trabalhador, popular entre todos os militares do quartel. Era um tipo de homem capaz de se relacionar com todos os outros, acima ou abaixo da sua escala hierárquica ou social, sem fazer concessões a ninguém. Só homens superiores conseguem ter este comportamento, porque para lá dos seus conhecimentos literários, técnicos ou artísticos, conseguem ter a visão correta da miséria e da grandeza dos seus semelhantes.

Tendo a idade da maioria de todos nós revelava já ser um homem mais maduro. A isso não seria alheio o facto de já ser casado e ter duas filhas e como tal ter tido cedo responsabilidades que obrigam um homem a crescer.

Lembro-me do seu corpo estar depositado na pequena capela do quartel a aguardar transporte para Bissau. Penso nisso, no choque que a sua morte provocou em todos e apesar disso na solidão de morte do seu corpo, sozinho na capela, abandonado por todos. Olho para o monitor do computador e parece que me revejo a passar próximo da capela, que ficava ao lado da estrada que levava ao cais, em frente à messe de oficiais, a pensar que o meu comportamento e o dos outros não estava a ser correcto em relação o Albano.

Vinha-me à memória a morte dos meus avós e do meu padrinho, velados em casa sempre com tanta gente à sua volta, toda a aldeia, parentes e amigos das terras próximas a entrar e a sair para nos cumprimentar e rezar pelos morto. Lembrava-me principalmente do meu avô materno Francisco, um homem calmo, meigo, amigo de tratar da horta, e de ir à "venda" beber um copo com os amigos. Para mim foi o melhor homem que alguma vez conheci e sempre ouvi os maiores elogios acerca dele, bom homem e um lavrador dos melhores.

Assisti à sua morte, recordo tudo, desde o quarto em que estava deitado, às rezas antigas, que não conhecia, que a minha avó paterna fez. Recordo também que quando expirou, a minha avó mandou vir um pão (dos grandes pães que a minha mãe cozia) e foi partido em duas partes para dar a dois pobres. Depois do funeral a minha mãe mandou dar um quartilho de azeite a todas pessoas da aldeia que dele precisassem. Não sei ou já esqueci qual o significado daquele pão.

Lembro-me dessas noites longas de velório com a minha mãe, tias, primas e outras mulheres sentadas em redor da urna sempre a rezar terços. Os homens demoravam-se pouco, saiam e depois ficavam na rua a falar das colheitas, dos animais, enfim das vidas em geral.

Na morte do camarada Albano, em Buba, faltou o amor e compaixão das mulheres para dar sentido e dignidade à despedida.
Éramos homens e jovens, não dávamos valor às cerimonias e rituais que existem e sempre existiram em todos os tipos de sociedades e têm um papel importante para repor a paz e a harmonia entre os vivos e os mortos.

As mulheres conhecem todos esses mistérios, sabem falar com os mortos e não têm pudor em chorar e em manifestar as suas crenças e a sua fé. Como dizia o poeta Louis Aragon, a mulher é o futuro homem. Eu diria que ela é o princípio e o fim do homem pois é ela que lhe dá a vida e que no final o entrega e recomenda aos deuses.

Em Buba não tínhamos padre e não me recordo de alguém que o substituísse com uma mensagem de despedida que reunisse todos os militares do quartel ou pelo menos a Companhia. Sei lá, esse ou outro gesto, como toda a Companhia formada em silêncio em frente à capela onde estava o corpo.

Do que recordo, e aceito o contraditório de alguém que tenha memórias diferentes, os corpos dos outros camaradas tiveram o mesmo triste acompanhamento.

Um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12513: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (3): Ataques com armas pesadas ao quartel

Guiné 63/74 - P12873: Blogpoesia (379): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (X): "Canção", de Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546) e "Soneto de guerra", de Cândido Morais (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova LamegoFá Mandinga e Binta, 1966/68):

Prezado Dr. Luís Graça:
Naqueles tempos a inspiração já escasseava. Ainda era, no entanto, suficiente para gravar no papel algumas quadras toscas.
Envio algumas.
Um abraço.


Canção

Quem repara na doçura do meu verso?
Eu não canto, senão para alegrar
A alma de quem sofrer e amar,
E em funda tristeza andar imerso.

Como a água que desliza num ribeiro,
Nas pedras a bater, leve e serena,
Seja minha canção assim amena,
E o meu verso, assim, fagueiro.

Alguém recordará a voz amada
A murmurar, baixinho, aos seu ouvidos,
Talvez exangue, triste e desolada,
Sonhos distantes, quase já perdidos.

Quem não sofreu a dor, o desengano?
Quem não viu a tristeza, nos seus dias?
Quem não teve ilusões fugidias,
E não sondou, do amor, o fundo arcano?

Viúva desolada, entristecida,
É filha da verdade a minha voz,
Alento para quem sofrer na vida
Alguma dor, demasiado atroz.

Prenúncio final, de uma vitória,
Do triunfo final, da irmã virtude,
Espalhe-se o meu canto na amplitude,
Alcance o homem bom, a maior glória.

Domingos Gonçalves
Mafra, Maio/1965

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1. Mensagem do nosso camarada Cândido Morais (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71):

Caro amigo
Um dia, para um livrito que produzi, incluí este soneto de guerra que nos retrata alguma coisa e que tenho todo o gosto em mandar-te, após ler o teu apelo:


Soneto de Guerra

O tempo parou e a folhagem densa
suspendeu também todo o movimento,
irmanando-se aos homens no momento
da angústia maior e mais intensa.

E todos os sons foram proibidos,
calando-se as aves sem detença,
porque pulsavam pela selva imensa
os medos doutros medos reprimidos.

Demorou o momento do trovão,
alvorada que ergueu, enfurecidos,
os rostos esmagados contra o chão.

Nos gestos maquinais, embrutecidos
o homem surgiu besta e a razão
cedeu ao mundo louco dos sentidos.

Cândido Morais
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12871: Blogpoesia (378): O Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2014, na nossa Tabanca Grande (IX): La crise, c'est fini, vive la poésie! (Luís Graça / Joana Graça)