domingo, 9 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13864: Armamento que equipava um bigrupo do PAIGC em novembro de 1970 (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74)



Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos). Repare-se que na sua generalidade os guerrilheiros usam sandálias de plástico e há uma grande indisciplina no vestuário. Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. São alegadamente tiradas em "regiões libertadas", aquando de uma visita, ao PAIGC; de uma delegação  sueca..

Pedi ao nosso especialista em armamente, Luís Dias, que está reformado a Polícia Judiciária, e que foi alf mil  para identiciar este armamento. Ampliei e decompus a foto em quatro partes, para melhor visualização dos pormenores.

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI) [Edição: LG]



O Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), empunhando uma pistola-metralhadora, a PPSH, a famosa "costureirinha". Foto de Luís Dias.


1. Resposta do Luís Dias, em 7 do corrente, ao meu pedido de identificação doa armamento (foto de cima)

Caríssimo Luís

Está tudo bem contigo? Continuo a ser um leitor do blogue, da nossa Tabanca Grande, embora, de facto, não tenha sido tão participativo quanto desejaria. Vou tendo uma vida atarefada, mas também tenho escrito sobre armamento para publicação no Facebook, em "Armamento Militar do Exército Português".

Tenho estado a actualizar o que escrevi sobre o armamento que utilizámos na Guiné (*), bem como o do PAIGC, com mais fotos, aliás, também tenho algumas destas fotos. Quando estiver pronto posso remetê-lo para tua apreciação e se achares que é de publicar, estarás à vontade.

Em relação ao que me pedes, embora nalguns casos haja dificuldade em identificar as armas, devido à posição das mesmas e qualidade da fotografia, julgo que no essencial são estas [que passo a descrever a seguir]:.



Foto nº 5 


Na 1ª foto, onde está um grupo de 8 elementos, só consigo certificar que o 2º indivíduo, da esquerda para a direita tem nas mãos uma metralhadora ligeira Dectyarev (ou também como é conhecida Dectyaryov) RPD, de origem,  normalmente, ex-URSS, no calibre 7,62 x 39 mm M43, de 1953, operando com uma fita de 150 munições inseridas num tambor. Só produzia fogo contínuo (automático).

Nos outros elementos não se percebe quais as armas que têm na sua posse.


Metralhadora ligeira Dectyarev RDP, calibre 7,62 x 39 mm, m/13, 153 (Origem: ex-URSS).




Foto nº 2

Na 2ª foto, onde estão 5 elementos e da esquerda para a direita verifico que: (i)  o primeiro tem uma metralhadora ligeira Dectyarev RPD, igual à acima descrita; (ii) o  segundo elemento terá uma espingarda semi-automática Simonov SKS-45, no calibre 7,62 x 39mm  M43, da ex-URSS (ou países satélites e da China), surgida em 1945, levando 10 munições dentro de uma caixa, com inserção superior (tipo pente como a mauser) e tendo uma baioneta acoplada. 

Os outros elementos na frente transportam Lança granadas foguete RPG 2, da ex-URSS e países satélites e também da China,surgido em 1949, pesando 4,67 Kg, quando carregada com a granada de 80mm, com capacidade para atingir alvos a um máximo de 200 m (práticos entre 100-150 m).



Espingarda semi-automática Simonov SKS-45, calibre 7,62 x 39mm  M43, 1945 (Origem: ex-URSS). 


LGFog (Lança granadas foguete)  RPG 2, com  4,67 kg de peso (quando carregada com a granada de 80 mm), 1949. (Origem: ex-URSS)



Foto nº 3

Na foto 3, estão 7 elementos, sendo possível identificar no 1º elemento  na frente (da esquerda para a direita), uma espingarda automática Kalashnikov, no calibre 7,62 x 39mm, M43, de origem ex-URSS, mas podendo ser fornecida também pelos países satélites  e pela China, surgida  a partir de 1949, carregador com capacidade para 30 cartuchos, uma cadência de tiro de 600 tpm, peso de 4,78 kg (com as munições), com uma energia de 715 m/s e com alcance prático até 400m.





Espingarda automática Kalashnikov,  calibre 7,62 x 39mm, M43, 1949, com carregador curbo de 30 cartuchos  (Origem: ex-URSS)



Por trás deste elemento está outro com o que parece ser uma espingarda semi-automática Simonov SKS, já identificada anteriormente. Ao lado do 1º e na frente está um guerrilheiro também com uma metralhadora ligeira Dectyarev RPD, também referida anteriormente.

Ainda na frente, do lado direito da foto e de lado está um elemento que parece ter nas mãos uma espingarda Simonov, que também já foi referida.




Foto nº 4

Na foto 4, onde se vêem 5 elementos, nota-se que o 1º do lado esquerdo tem uma espingarda automática ou de assalto Kalashnikov AK-47, o 2º 3º e 5º elementos não se consegue ver qualquer arma, parecendo que o 4º elemento é também possuidor de uma espingarda de assalto kalashnikov AK-47.



Foto nº 5


A foto 5 é a foto de todo o grupo e não acrescenta nenhuma outra arma diferente das que mencionei. O armamento apresentado aqui pelos guerrilheiros [que no total somam 28]  é um pouco inferior ao normal de um  bigrupo do meu tempo, em que surgiam também os RPG7 e mais AK-47 ou mesmo AKM do que as Simonov. Não se vê pistolas metralhadoras [, "costureirinhas",], que ainda usavam, mas também faltam elementos para completar o bigrupo, vê-se mais indivíduos lá atrás e esses poderão ter outras armas.

Junto fotos para comparação destas armas.

Um grande abraço para ti e para todos os editores.
Luís Dias

[Texto e fotos (do armamento): Luís Dias](*)

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores Luís Dias sobre Armamento;

21 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5682: Armamento (1): Morteiros, Lança-Granadas, Granadas e Dilagrama (Luís Dias)

23 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)


sábado, 8 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13863: In Memoriam (203): José Fernando de Andrade Rodrigues, ex-alf mil at, e cmdt interino (de 1/1/71 a 1/3/71), da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72)... Morava em Rio de Mouro, Sintra... Será amanhã celebrada missa em sua homenagem, na sua terra natal, Ribeira das Taínhas, Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, RA Açores (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) [foto à esquerda]

De: Arsénio Puim

Data: 7 de Novembro de 2014 às 22:25

Assunto: Falecimento do nosso companheiro da Guiné José Fernando Rodrigues


 Amigo Luís Graça:

Envio-te uma notícia relativa ao falecimento do nosso companheiro da Guiné José Fernando [de Andrade] Rodrigues, a qual podereis usar para uma informação no blogue, se porventura ainda não o fizestes.

Um abraço - Arsénio Puim


No próximo domingo, dia 9 de Novembro, será celebrada missa em memória do nosso camarada José Fernando de Andrade Rodrigues, que faleceu no passado dia 29 de Outubro. 

A cerimónia terá lugar na igreja paroquial de Ribeira das Tainhas, concelho de Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, Região Autónoma dos Açores, onde nasceu e viveu e onde residem ainda hoje os seus irmãos.


José Fernando integrou o BART  2917 [, Bambadinca, 1970/72,] como alferes miliciano,. tendo, pertencido  à companhia operacional sediada no Xime 
[, CART 2715]

[Está, de resto, na lista dos comandantes da companhia, por esta ordem: cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, alf mil inf José Fernando de Andrade Rodrigues, cap srt Gualberto Magno Marques, cap inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, cap inf José Domingos Ferros de Azevedo].

 Gozava de grande estima no batalhão e era conhecido pelo seu espírito jocoso e divertido.


Faleceu vítima de doença oncológica, em Rio do Mouro, concelho de Sintra, onde residia. 



2. Não temos, infelizmente, nenhum registo fotográfico do nosso camarada José Fernando de Andrade Rodrigues. Os sentídos pêsames de toda a Tabanca Grande para a família e amigos mais chegados, bem como para os nossos camaradas da CART 2715. Vou pedir ao camarada Puim que nos represente a todos, na cerimónia religiosa de amanhã e que, se possível, nos arranje uma foto do nosso camarada com quem fiz, se não erro, a trágica Op Abencerragem Candente, 25 e 26 de novembro de 1970. LG

Na História da Unidade - BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) pode ler-se:

(...) "O Comando das companhias do batalão não sofreu alterações com excepção da CART 2715 (...):

- De 15 nov 69 a 01 jan 71: Pelo Capitão de Artilharia Vitor Manuel Amaro Santos. (Evacuado em 01 juan 71 para o HM 241 em Bissau e posteriormente para a Metrópole);

- De 01 jan 71 até 01 mar 71: Pelo Alferes Mil  Inf  Joseé Fernando Andrade Rodrigues (Interinamente);

- De 01 mar 71 até 16 jul 71: Pelo Capitão de Art Gualberto Magno Passos Marques (Comandante da CCS/BART 2917) (Interinamente);

- De 16 jul 71 até 11 out 71:  Pelo Capitão de Infantaria Artur Bernardino Fontes Monteiro (Em 11 out 71 regressou a Bissau a fim de aguardar transporte para a Metrópole por ter terminado a sua comissão de serviço nesta Província);

- De 11 out 71 até 27 mar 72: Pelo Capitão de Infantaria José Domingos Ferros Azevedo." (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13862: In Memoriam (202): Albino Nunes, CCAV 2748 / BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72)... Que Deus o tenha em bom lugar (Francisco Palma)

Guiné 63/74 - P13862: In Memoriam (202): Albino Nunes, CCAV 2748 / BCAV 2922 (Canquelifá, 1970/72)... Que Deus o tenha em bom lugar (Francisco Palma)


O Albino Nunes e a esposa num dos convívios anuais do pessoal  da CCAV 2748 (Canquelifá, 1970/72)


Foto: © Francisco Palma (2014). Todos os direitos reservados.  [Edição: LG]



1. Mensagem do Francisco Palma (ex-sol cond auto, CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), nosso grã-tabanqueiro e frequentador regular da Tabanca da Linha:


Data: 7 de Novembro de 2014 às 16:30

Assunto: Falecimento do camarada, ex-combatente da CCAV 2748 / BCAV 2922 (Canquelifá



​A CCAV 2748 está de luto: faleceu o Albino Nunes, no passado dia 9 de setembro de 2014. Era ui,m nosso estimado camaradae grande amigo.

Fiquei surpreendido e chocado pela notícia,  que só hoje me  foi comunicada,  pelo nosso camarada Firmino Moreira
.
O Albino era um camarada alegre e  divertido, não só na Guiné como cá entre nós. .Procurava nunca faltar aos convívios onde sua alegria era contagiante.

Que Deus o tenha em bom lugar e, até breve, amigo Albino Nunes.

Francisco Palma

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13845: In Memoriam (201): Coronel Piloto Aviador Manuel Bessa Rodrigues Azevedo (1938-2014): "Blé, eu sei que, lá por onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade" (António NMartins de Matos, ten gen pilav). …

Guiné 63/74 - P13861: Bom ou mau tempo na bolanha (74): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (14) (Tony Borié)

Septuagésimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Resumo do dia

Pela manhã ainda fomos à outra margem do “Russian River” pescar e, já era perto do meio dia, quando abandonámos este aprazível local, rumo ao norte, à fronteira com o Canadá, havia uma longa jornada pela frente, mas como nesta altura do ano é quase sempre de dia, não nos metia qualquer dificuldade, poderíamos parar onde muito bem entendêssemos.

Assim, tomando a direcção do norte, passadas algumas milhas, fizemos um desvio para leste, visitando a cidade de Seward, ainda na Península Kenai, cujo nome foi dado à cidade por William H. Seward, que na altura era Secretário de Estado dos USA, pessoa que no ano de 1867 finalizou o negócio da compra do território do Alaska à Russia.




Entre outras coisas, esta cidade é a “Milha 0” do “Historic Iditarod Trail”, que era um caminho sobre a neve, onde as pessoas transitavam, algumas com aqueles “trenós” puxados por cães, que eram autênticos “atletas”, onde por volta dos anos de 1900 era o meio de transporte para pessoas e bens, do porto de Seward para o interior do território do Alaska.

Seguindo rumo ao norte, passámos de novo a cidade de Anchorage, de que já falámos. Para quem vem do sul, um pouco antes da cidade, a estrada tem duas vias que terminam pouco depois, onde quem quer atravessar a cidade, rumo ao norte, tem que seguir por ruas normais, algumas com luzes de tráfico, com pouca sinalização, onde o GPS ajuda bastante, era de dia, a cidade de Wasilla era logo ali, um pouco antes, desviámo-nos para leste, continuando na estrada número 1, a que também chamam “Glen Highway”. Abastecemo-nos de gasolina na cidade de Palmer, onde uma rapaz, com rosto de esquimó, entre outras coisas nos explicou que as cidades de Wasilla e Palmer são as quintas da pequena metrópole, que é a cidade de Anchorage, pois existem por aqui muitas culturas de vegetais e, recebeu o seu nome de um empresário chamado George W. Palmer, que em meados da década de 1880 construiu um posto de trocas, ao lado do rio Matanuska, modificando o estilo de vida e subsistência, fazendo comércio com os “Athabaskan” e, outros grupos nativos que viviam ao longo da rota do Rio Matanuska, onde os Russos já tinham chegado àquela região do Alasca, por volta do ano de 1741, trazendo a tradição religiosa ortodoxa russa, para os povos indígenas da região.


Estávamos a entrar no extenso vale de Matanuska, preparando-nos para um deserto de estrada, entre montanhas e vales, onde o rio Matanuska corre lá no fundo, umas vezes revoltoso, outras espalhando-se por extensos areais, com avionetas estacionadas nas margens do rio e seus afluentes, dando a entender que era o único meio de transporte que existia naquela área, a paisagem era linda, mesmo muito linda, mas um pouco perigosa. Parámos no “Matanuska Glacier”, que fica localizado mais ou menos a 100 milhas, (160 quilómetros) da cidade de Anchorage, é entre montanhas, e dizem que aquela extensão de gelo, com aproximadamente 27 milhas de comprimento (43 quilómetros), por 4 milhas de largura, (6,4 quilómetros), com muitos séculos de idade, vem descendo mais ou menos 1 pé, (30 cm), por dia.



Deixando o Glacier, o seu “welcome”, ao “aquecimento global”, e claro, a sua história para trás, continuámos, pois ainda era de dia, aparecendo sempre povoações que estavam marcadas no mapa com letras grandes, mas assim que nos aproximávamos, eram pequenas, onde não havia estações de serviço, hotéis, parques de campismo ou quaisquer outras facilidades, eram algumas casas isoladas. Numa dessas povoações, que era um encontro de estradas, talvez pela hora tardia, pois o nosso relógio marcava 10h30 da noite, havia um estabelecimento que proporcionava comida e dormida, mas o preço não estava de acordo com a nossa situação financeira, seguimos viagem, o Jeep e a caravana rolavam sem problemas, o sol desapareceu por algum tempo, chegámos à povoação de Tok, era pouco mais das 12h00 horas da noite, mas ainda era de dia.


Aqui, dormimos num motel, com muitas pessoas, principalmente aventureiros que viajam em motos, por quem nós temos muita apreciação, considerando mesmo uns heróis, que se sujeitam a um clima e estado de estradas bastante difícil, que naquela altura confraternizavam com cerveja, oferecendo-nos.

Neste dia percorremos 673 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $4.32 e $4.57 o galão que são aproximadamente 4 litros.


Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13834: Bom ou mau tempo na bolanha (72): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (13) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13860: Agenda cultural (351): Lançamento do primeiro livro do nosso camarada bedandense, Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino", no passado dia 30 de outubro, na sede da ADFA, em Lisboa

Autor: Fernando Sousa
Editora: Chiado Editora
Local: Lisboa
Data de publicação: Setembro de 2014
Número de páginas: 304
ISBN: 978-989-51-2033-8
Colecção: Bios
Género: Biografia
Preço de capa: 14€ (papel) | 3E (eBook) [Encomendar aqui]

Sinopse

"Este livro  fala de realidades. Fala de mim, da minha vivência, da minha forma de ser e de estar, da minha entrega a tudo aquilo em que acredito. Das minhas convicções, dos meus sentimentos, da minha passagem por uma Guerra e suas consequências,  de pesadelos sem fim, das muitas emoções.

Nele procurei inserir e exaltar os ensinamentos assimilados, das várias gerações com que me fui cruzando neste caminho da vida, de várias épocas, em dois mundos e duas culturas diferentes.

É também e, sobretudo, o meu testemunho, um avivar de memórias, um sopro da alma, um grito de revolta, de uma dor comida, um desejo ardente, um despertar de consciências e um exemplo de vida
."


Fernando Sousa

Fernando [de Jesus] Sousa  [, foto atual, à direita]


(i) é membro da nossa Tabanca Grande desde 6 de agosto último (*):

(ii) foi 1º cabo 1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71;

(iii) foi gravemente ferido em Julho de 1971;

(iv)  nasceu a 24 de Dezembro de 1948 em Bebeses, concelho de Penedono distrito de Viseu;

(v) "marcado pela dureza do trabalho desde tenra idade,  sem possibilidades de poder estudar" (...) vveu na primeira pessoa a guerra na Guiné, hoje “Guiné Bissau"  /(...); fFormado na escola da vida, tirando proveitos das poucas habilitações literárias,  desfrutando de uma vivência sempre em constante aprendizagem, e nunca enjeitando desafios" (Fonte: Chiado editora):




Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.).(**) > Aspeto geral da assistência.



Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.) > O autor, Fernando Sousa, é o segundo a contar da esquerda para a direita: "Tenho à minha esquerda Rita Costa,  directora de edição da Chiado Editora, seguida do apresentador do livro,  prof. Dr. António Lavouras Lopes" (...) "e á  minha direita, o comendador José Eduardo Gaspar Arruda, presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas".



Lisboa > ADFA - Associação dos Deficienets das Forças Armadas > 30 de outubro de 2014 > Sessão de lançamento do livro do Fernando Sousa, "Quatro Rios e Um Destino" (Lisboa: Chiado Editora, 2014, 304 pp.) > A sessão de autógrafos.

Fotos do Bruno Sousa, inseridas na página doi Facebook da Tabanca Grande (2014).
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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13859: Da Suécia com saudade (44): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte V): Quando se discutia, item a item, o que era ou não era ajuda humanitária: catanas, canetas, latas de sardinha de conserva... (José Belo)



Foto nº 30 > Equipamento hospitalar > Um autoclave para esterilização de material médico.-cirúrgico--- Material que só pdoe operar com energia elétrica... [Legenda original: "Liberated areas in Guinea Bissau"].


Foto nº 33 > Uma escola no mato, longe da tabanca para não ser alvo de ataques aéreos  [ Legenda original:  "A school with no roof yet in the liberated areas in Guinea Bissau. The schools were built hidden in the woods far from the villages, since they were targets of the Portugueses."]


Foto nº 12 > Visita da delegação sueca, em novembro de 1970, a um escola do mato


Foto nº 28 > Abastecimento de uma "loja do povo"... Deveria ser uma armazém, na retaguarda, no território da Guiné-Conacri, junto à fronteira, donde depois partiam as colunas de reabastecimento para o interior, para as chamadas áreas libertadas. [Legenda original: "Transporting rice in the liberated areas in Guinea Bissau."]


Foto º 20 > Vida quotidiana da guerrilha e da população sob o seu controlo... Em primeiro plano, um guerrilheiro equipado com a espingarda automática, de origem russa, Kalashnikov.  [Legenda original: "Military activities in the liberated areas in Guinea Bissau in November 1970."]


Guiné-Bissau > PAIGC > s/l> Novembro de 1970 > Algures, nas "áreas libertadas" (sic),  fotos do  fotógrafo norueguês Knut Andreasson, por ocasião de um visita de uma delegação sueca ao PAIGC, na Guiné-Conacri e no interior da Guiné-Bissau. Algumas destas foto foram publicadas no livro Guinea-Bissau : rapport om ett land och en befrielserörelse  / Knut Andreassen, Birgitta Dahl, Stockholm : Prisma, 1971, 216 pp. [Título traduzido para português: Guiné-Bissau: relatório sobre um país e um movimento de libertação].


[As fotos podem ser usadas, devendo ser informado o Nordic Africa Institute (NAI) e o fotógrafo, quando for caso disso. Este espólio fotográfico de Knut Andreasson, relativo à visita à Guiné-Bissau em novembro de 1970, foi doado pela viúva ao NAI]



Não há nenhum evidência de a delegação ter estado, efetivamente, no interior do então território da Guiné,  administrado por Portugal; por razões de bom senso e segurança, Amílcar Cabreal deve tê-los levado a passear, quansdo muto  até à fronteira... Mas também não podemos afirmar o contrário... Há fotos que, obviamente, são tiradas na República da Guiné (leia-se Guiné-Conacri) onde o PAIGC tinha bases de apoio por ex., Boké, Kandiafara, Conacri...)

Novembro de 1970, final da época das chuvas, início do tempo seco,  não era o melhor mês do ano para uma delegação  de um país europeu se aventurar pelo o interior da Guiné, para mais na véspera da Op Mar Verde...Ao que sabemos, a visita prolongou-se de 6 de novembro a 7 de dezembro de 1970... Não sabemos onde estavca a delegação no dia em que foi invadida Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1971).  A delegação era chefiada pela ex.lider parlamenter  edeputada socialdemocrata Birgitta Dahl...

Há um relatório da missão, em sueco, da autoria  de Birgitta Dahl [”Rapport från studieresa till Republiken Guinea och de befriade områdena i Guinea-Bissau,  6 november–7 december 1970” (”Relatório da viagem de estudo à República da Guiné e às zonas libertadas da  Guiné-Bissau, 6 de Novembro–7 de Dezembro de 1970”), Uppsala, Janeiro de 1971 (SDA)].

No ano a seguir, em  1971, K. Andreassen e B. Dahl publicaram o seu livro sobre a viagem, não sabendo nós se há qualquer referência à invasão de Conacri...  [Guinea-Bissau: Rapport om ett Land och en Befrielserörelse (”Guiné-Bissau: Relatos de um país e de um movimento de libertação”), Prisma, Estocolmo].

Fonte: Tol Selltröm - A Suécia e as lutas de libertaçãoo nacional em Angola, Moçambique e Guiné. Uppsala: Nordiska Africka Institutet, 2008.  2008,, pp. 161 e ss.   [disponível aqui, em português, em formato pdf].
(LG)




1. Continuação da  alguns dados e notas de contextualização, da autoria do nosso camarada José Belo (na Suécia há quase 4 décadas) sobre a ajuda sueca ao PAIGC, a partir de 1969, e depois à Guiné-Bissau, a seguir à independência (*):

Assunto - Problemas quanto a defenir auxílio humanitário

Resumo:

Durante a guerra o governo sueco enviou para o PAIGC um total de 53,5 milhöes de coroas, ao valor actual [c. 5,8 milhões de euros]. Destinaram-se a financiar a maioria das actvidades civis do partido: alimentacäo, transportes, educação, saúde, incluindo um vasto número de avultados fornecimentos às Lojas do Povo. A Guiné foi posteriormente incluída (como único país da África Ocidental) nos chamados "países programados" para a distribuicäo da assistência sueca ao desenvolvimento. Recebeu durante o período de 74/75 a 94/95, um total de 2,5 mil milhões de coroas suecas [c. 270 milhões de euros], colocando a Suécia entre os 3 maiores assistentes económicos da Guiné-Bissau.

A Suécia nunca deu nenum cheque em branco ao PAiIGC, tanto mais que Portugal era um dos seus importantes parceiros comerciais no âmbito da EFTA - Associação Europeia do Comércio Livre, a que ambos os países pertenciam, e de que foram membros fundadores. Ainda em vida de Cabral, em abril de 1972 o Comité ds Nações Unidas para a Descolonizacäo tinha adoptado uma resolução reconhecendo o PAIGC como o único e legítimo representante do território da Guiné-Bissau. Foi um tremendo sucesso político-diplomático para o PAIGC. Isso em nada alterou o pragamtismo da diplomacia sueca. A Suécia só irá reconhecer a Guiné-Bissau como país independente, em 9 de agosto de 1974, ano e meio depois da morte de Amílcar Cabral (que também era um político pragmático). Em novembro de 1972, foi a Noruega,. um país da NATO, a apoiar politica e diplomaticamente o PAIGC. A ajuda militar, essa, foi liderada pela URSS.



Os programas de assistência humanitária eram decididos anualmente entre a agência estatal sueca (SIDA) e o PAIGC.

Inicialmente com a presença de Amílcar Cabral que se deslocava a Estocolmo incógnito.

Para o governo sueco era importante que esta assistëncia näo viesse a tornar-se em apoio à luta armada, mantendo-se unicamente nas áreas civis.

Obviamente era algo difícil de controlar na sua totalidade e implicações mais ou menos subtis.
Os avultados auxílios em alimentação, medicamentos, material escolar, transportes,etc,etc, eram transportados desde a Guiné Conackri para as zonas libertadas do interior da Guiné-Bissau.

Aí, combatentes e população apoiante viviam lado a lado e tinham acesso aos mesmos.

Exemplos de artigos nas listas estabelecidas criavam problemas do tipo:

(i) Säo este tipo de sapatilhas,ou de botas um artigo militar?:

(ii) Säo estas catanas para a agricultura passíveis de ser usadas como armas?

Conta-se que num destes encontros para estabelecer as listas de artigos, e perante este tipo de problemas, Amilcar Cabral terá pegado numa caneta e perguntado:

- Mas isto näo é também uma arma?

Quanto aos alimentos enlatados, o departamento sueco encomendou a uma fábrica local, Strömstad Canning, [,Varet, Strömstad], 100  toneladas de latas de sardinha. [Na imagem à esquerda, uma das marcas de sardinhas, em tomate, "Glória", que a empresa comercializava].

A fábrica procurou informar-se de qual o tipo de etiquetas e texto a serem impressos nas latas. Contactado o então representante do PAIGC em Estocolmo (Onésimo Silveira),  foi por este escolhida a impressäo de uma bandeira do PAIGC, com o texto "Áreas libertadas da Guiné-Bissau".

A propósito, vd. o livro de Tol Selltröm - A Suécia e as lutas de libertaçãoo nacional em Angola, Moçambique e Guiné. Uppsala: Nordiska Africka Institutet, 2008,   (disponível aqui, em português, em formato pdf): na pag. 159, há una foto, a preto e branco dessa lata de sardinhas. com a bandeira do PAIGC, e  os seguintes dizeres:

"PAIGC | Sardinha em óleo de soja | GUINÉ-BISSAU - ZONAS LIBERTAS | Strömstad Canning, Co, A/B, Strömstad, Suécia | País de origem: Suécia | Peso líquido: 225 gramas" 

[Por o documento estar gravado em pdf, não conseguimos copiar e editar a imagem...De qualquer modo 100 toneladas, perfaz 100 mil quilos; admitindo que cada caixa pesasse 300 gr - peso ilíquido - , dá um carregamento de mais de 333 mil latas de sardinha... LG].

 Escusado será dizer que algumas de estas latas vieram posteriormente a aparecer, aqui e acolá, junto das populações sob o controlo portuguës.

José Belo (**)

(continua) 
________________

Notas do editor:

(*) Vd. nota biográfica de Onésimo Silveira (n. Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1935) na Wikipédia em inglês, donde recolhemos os seguintes elementos:

(i)  quando jovem poeta, era uma dos críticos literários mais proeminentes de Cabo Verde;

(ii)  esteve ligado ao grupo Claridade;

(iii) foi um acérrimo defensor da entidade cultural africana das ilhas;

(iv) estudou em  em Uppsala, na Suécia durante a década de 1960, depois de ter passado um períona China; licenciou-se em ciências políticas;

(v) em Uppsala tinha ligações estreitas um grupo local Comité África da Sul,  o que foi fundamental para o início das acções de ajuda e solidariedade para com o PAIGC, na Suécia;

(vi) tornou-se o representante do PAIGC, na Suécia;

(vii) fez várias visitas à Noruega , onde estabeleceu boas relações com o Conselho  Norueguês para a Africa e o Partido Trabalhista norueguês, tendo desempenhou um importante papel no apoio norueguês oficial ao PAIGC em 1972;

(viii) representou também o PAIGC nas visitas à Finlândia;

(ix) foi demitido do seu cargo de representante do PAIGC na Suécia, em novembro de 1972 (alegadamenet pr razões disciplinares, ao não ido a um  reunião na Guiné-Conacri; no entanto, o  PAIGC reconheceu publicamente o seu importante trabalho no âmbitio da cooperação e ajuda  entre a Suécia e PAIGC;

(x) trabalhou depois para as Nações Unidas, que representou em países como a Somália , Angola e Moçambique;

(xi) com a abertura política multipartidárias em Cabo Verde a partir de 1990, era hostil ao PAICV;

(xii) Em novembro de 1998, formopu o seu próprio partido político , o Partido Trabalhista e da Solidariedade (PTS) ;

(xiii) Foi presidente do município do idade do Mindelo:

(xiv) Em 2006 , foi eleito membro do Parlamento como candidato do PAICV.

(**) Últimos postes desta série

3 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13842: Da Suécia com saudade (40): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte I)... à Guiné-Bissau, de 1974 a 1995, foi de quase 270 milhões de euros... Depois os suecos fecharam a torneira... (José Belo)

4 de movembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13847: Da Suécia com saudade (41): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte II)... Um apoio estritamente civil, humanitário, não-militar, apesar das pressões a que estavam sujeitos os sociais-democratas, então no poder (José Belo)

5 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13849: Da Suécia com saudade (42): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte III)... Pragmatismos de Amílcar Cabral e do Governo Sueco, de Olaf Palme, que só reconheceu a Guiné-Bissau em 9 de agosto de 1974 (José Belo)

6 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13853: Da Suécia com saudade (43): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte IV): Rússia e Suécia, vizinhos e inimigos fidalgais, foram os dois países que mais auxiliaram o partido de Amílcar Cabral (José Belo)

Guiné 63/74 - P13858: Memórias de Mansabá (34): As amêndoas da Páscoa de 1969 (Francisco Henriques da Silva)

Vista aérea do quartel de Mansabá
Foto: © Carlos Vinhal


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 1 de Novembro de 2014:

Meu caros camaradas e amigos,
Por razões várias, tenho prestado uma colaboração muito irregular a este blogue (mea culpa!) que, aliás, leio sempre com interesse e debato os “posts” aí publicados com os meus amigos e ex-camaradas de armas Mário Beja Santos e Raul Albino.
Junto vos envio uma descrição de um grande ataque a Mansabá, em 3 de Abril de 1969, poucas semanas depois da minha companhia se ter instalado naquela localidade, para participar na protecção aos trabalhos da construção da estrada Mansabá-K3-Farim.
Não disponho de qualquer fotografia de Mansabá no meu arquivo e muito menos do ataque em questão.

 Com um abraço cordial e amigo
Francisco Henriques da Silva
Ex- alferes miliciano de infantaria, C. Caç. 2402 (Có, Mansabé e Olossato), 1968-1970
Ex- embaixador de Portugal em Bissau (1997-1999)


MEMÓRIAS DE MANSABÁ

34 - As amêndoas da Páscoa

A 3 de Abril de 1969, Quinta-feira Santa, pelas 11 da noite, dá-se o grande ataque ao quartel de Mansabá, em que o grupo de combatentes inimigos devia ser superior a 120 elementos, armado com canhões sem recuo, morteiros de 82mm, metralhadoras pesadas, para além do armamento ligeiro habitual (Kalashnikovs, “costureirinhas”, RPG-2 e RPG-7, morteiro de 60mm, etc).(1)

A intensidade de fogo nos primeiros minutos, para além do efeito surpresa, impediu toda e qualquer reacção da nossa parte. Os rebentamentos incessantes faziam-se ouvir por todo o lado e percebia-se que tinham atingido a maioria das instalações militares.

No que me respeita, tinha acabado de fechar a luz, depois de passar os olhos, como era meu hábito, por um livro qualquer, porque no dia seguinte era dia de trabalho (ou seja, de protecção aos trabalhos em curso na estrada Mansabá-Farim), quando começou o fogachal. Encontrava-me num edifício constituído por um renque de pequenos apartamentos térreos, no enfiamento da pista de aviação, portanto num local completamente aberto e exposto ao fogo do inimigo, que estava, na prática, a fazer tiro de pontaria ao casario com, pelo menos, um ou dois canhões sem recuo e duas metralhadoras pesadas, para já não falar dos lança-rockets e das armas ligeiras que disparavam ininterruptamente. A cadência de fogo era, pois, de uma enorme violência. As coisas complicavam-se. As balas sibilavam em várias direcções. Os rebentamentos persistiam. Agarrei na G-3 e nas cartucheiras, vesti apenas a camisa do camuflado. Creio que uma bala terá trespassado a rede de mosquiteiro da janela indo alojar-se na parede. As coisas estavam a ficar feias. De xanatos e, em cuecas, corri para o quarto de banho, uma pequena dependência, nas traseiras, com uma parede de separação. Preparei-me para o pior, porque a violência do tiroteio e das explosões não abrandava. No quarto propriamente dito eu estaria demasiado exposto e o fogo vinha precisamente do fundo da pista, mesmo em frente. As balas de uma “pesada” iam quebrando as telhas do meu quarto mesmo por cima da minha cabeça. Um rebentamento muito próximo – fiquei momentaneamente surdo - dava-me a entender que uma canhoada ou morteirada devia ter destruído um dos apartamentos vizinhos. Se acaso os guerrilheiros tentassem entrar nas instalações, eu dispunha pelo menos da G-3 e de 5 carregadores para me defender. Tive a nítida sensação de que podiam tentá-lo. Não se atreveriam a tanto, ficava para a próxima... Quem sabe?

 Quartel de Mansabá - 1-Quartos dos Oficiais; 2-Edifífo do Comando: 3-Messe dos Oficiais

Será que tive medo? Não, creio que não tive, ou seja, o medo emocionalmente paralisante e que inibe o raciocínio, a decisão e a acção, mas também não podia iludir o sentimento de espanto, bem como, a veemência inicial do ataque, que atingiu proporções inusitadas. Por outro lado, também não terei tido aquela sensação habitual da entrada em combate, aquele nó na garganta, a boca seca com um gosto amargo, aquela sensação indizível de que ia começar um jogo incerto, mas que de algum modo o podia controlar, pelo menos na parte que me tocava Aqui não, estava só, literalmente só. Valia apenas por mim. Era tudo.

Entretanto, o fogo inimigo abrandou, enquanto se encetava a resposta do nosso lado, tímida e lenta, primeiro na base de morteiro 81 e uns largos minutos depois com as peças de artilharia. O tempo de reacção da nossa parte foi demasiado arrastado, o que permitiu ao IN actuar com total à-vontade. Tendo o fogo do exterior abrandado, corri para um abrigo situado na extremidade da fiada de apartamentos. Ouvi uma mulher a chorar e também o que me parecia ser o choro de uma criança. Devia ser família de algum dos engenheiros civis. Passei em corrida. Trazer mulheres e crianças para a guerra!?! Francamente...

Bati à porta, energicamente e com alguma impaciência.

- Oh, minha senhora, saia daí. É melhor refugiar-se no abrigo. É mais seguro – gritei-lhe cá de fora, agachado junto a um pequeno muro de resguardo, que a bem dizer não protegia nada, porque choviam balas tracejantes por todos os lados que iam iluminando o céu estrelado.

Noutro apartamento ao lado, alguém acendeu uma luz. Crispado, já com os nervos à flor da pele, vociferei não sei muito bem para quem:

- Desligue lá essa m... imediatamente, senão ficamos aqui todos! Não vê que isso chama a atenção?

No final da fiada de casas, lá estava o abrigo. Entro e ponho logo os pés numa quantidade infinda de fezes humanas, os meus xanatos de quarto para nada serviram. Fiquei sujo quase até aos joelhos. Os nossos bravos soldados, jamais prevendo que pudessem ser alvo de um ataque, tinham transformado o abrigo em retrete colectiva!

Não estava ali viv’alma. Enfim, para que é serviam os abrigos? Boa pergunta. Uma metralhadora lá para o fundo da pista ainda estava activa. Disparei inutilmente três ou quatro tiros, naquela direcção, porém sem qualquer convicção. O certo é que não estava a fazer nada e, entretanto, o fogo tinha amainado consideravelmente, ouvindo-se apenas tiros isolados e uma ou outra rajada. Passei pelo quarto, vesti uns calções, corri então para a parada em direcção a um dos barracões onde estavam instalados os meus homens. De caminho, vi 3 ou 4 feridos, de outras unidades, um jazia numa poça de sangue a contorcer-se com dores, um outro coxeava e tinha um braço ensanguentado, mais longe perto do abrigo do morteiro 81 alguém jazia prostrado no solo, sem dar sinal de vida (Morto? Ferido? Sei lá...). Enfim, não parei. Havia gente a correr por todos os lados e ainda se respondia ao fogo.

Entro no barracão, onde estariam os meus homens e gente da minha companhia. Pergunto de chofre:
- Temos muitos mortos e feridos?

Não era um dos meus soldados, mas pertencia à C.Caç. Respondeu-me:
- Feridos há alguns, meu alferes. Mortos creio que não, mas nas outras companhias parece que morreu gente.

Os enfermeiros e maqueiros corriam de um lado para o outro. Alguns feridos pareciam necessitar de evacuação urgente, porque aparentavam ferimentos graves. Com grande parte dos edifícios atingidos (quase todos), foi um milagre não se terem verificado mais vítimas. Para tal bastaria uma canhoada em cheio numa das casernas. Procurei o nosso capitão. Estava de serviço, mas não o encontrei.

Num abrigo de pequenas dimensões, perto da messe de oficiais e da torre de transmissões, vi o comandante de batalhão, deitado numa cama a olhar para o tecto, com um ar inquieto.

- Há muitos feridos e mortos? – perguntou-me.
- Alguns, meu comandante, alguns, ainda não se sabe ao certo quantos.
- Então, têm de ser evacuados – concluiu
- A esta hora e nestas condições não creio que seja possível - repliquei.
- Você está todo enlameado – interrompeu ele, mudando de assunto e olhando para as minhas pernas.
- Não é bem lama, meu comandante. Como sabe, estamos na estação seca. É outra coisa. Com sua licença...

Dei meia volta. Creio que não se apercebeu, nem sequer pelo olfacto, do meu estado real de sujidade, nem, tão-pouco, das razões para tal.

Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

O capitão que encontrei um pouco mais tarde disse-me que o comandante de batalhão havia solicitado apoio aéreo, o que era uma asneira, pois a aviação já nada podia fazer àquela hora, uma vez que a “guerra” tinha, de facto, acabado, nem actuava em plena escuridão. Seguiu-se uma noite sem pregar olho a cuidar dos feridos, a contabilizar os homens, a verificar os estragos e à espera de ordens. A população civil da tabanca e os trabalhadores da obra tinham sido duramente atingidos, mais do que a própria tropa, e registavam-se vários mortos e feridos entre eles, para além de inúmeras moranças incendiadas.

Os comandos lá conferenciaram entre si e deram-me por missão, bem como a outros grupos de combate da minha companhia, de efectuar um reconhecimento, logo ao raiar do dia, pelos presumíveis locais de instalação do inimigo, designadamente pela pista de aviação e região circunvizinha. Verificámos dois ou três factos curiosos: antes do mais, era extremamente difícil, à primeira vista, determinar os ditos locais, uma vez que, contrariamente ao que era usual, não se viam invólucros pelo chão; em segundo lugar, os trilhos de aproximação tinham sido apagados com ramos de árvores, que nos impediam de determinar com algum grau de certeza os rodados das armas pesadas (muitas, como viemos a saber mais tarde, foram previamente desmontadas e transportadas a ombro por carregadores – técnica que era também utilizada, como se sabe, na guerra do Vietname) e as próprias pegadas do grupo inimigo; em terceiro lugar, as posições dos canhões sem recuo e dos lança-rockets só se conseguiam detectar pelas ervas queimadas ou pelos vestígios de pólvora no solo; finalmente, o terreno, vasculhado a pente fino, não estava minado, o que, felizmente, contrariava as nossas piores expectativas.

Na Sexta-feira Santa, pouco depois de terminado o nosso reconhecimento no terreno, desembarcado do helicóptero para se inteirar do que se havia passado e dar algum alento às tropas, lá estava o inefável “Caco” Baldé. Uma das alcunhas porque era conhecido, à época, António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe da Guiné. Baldé é um nome comum entre as etnias fula e mandinga e “caco” pelo facto de usar monóculo. Mostrou-se insatisfeito com o comportamento do comandante de batalhão.

Foto 3 > Mansabá > Um dos edifícios atingidos
Fotos: © Raul Albino

Uns dias mais tarde, por ordem do “hómi garandi da Bissau”, é lançada uma grande operação de retaliação na mata do Morés com pára-quedistas que, para além de terem infligido algumas baixas ao inimigo e de capturarem numeroso material de guerra, descobriram um mapa com a localização exacta das instalações militares e civis de Mansabá, com as medições em passos aferidos da localização das diferentes construções existentes e com indicação precisa das actividades que ali se desenvolviam. Ora, aí estava uma das explicações para a constante fuga de capinadores e de trabalhadores que, aliás, continuavam a circular, como sempre, sem quaisquer restrições, dentro do quartel. As deficiências da nossa intelligence foram mais que notórias, sem falar, evidentemente, das patentes falhas da segurança, que carecem de adjectivação adicional e que, aliás, continuavam.

Depois disto, Spínola, incumbiu-nos de nova missão: o Olossato, do outro lado da mata do Morés, onde iríamos terminar a nossa comissão de serviço.
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Notas do editor:

(1) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13457: Memórias de Mansabá (33): No dia em que morri (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

Guiné 63/74 - P13857: Notas de leitura (648): “Triângulo de Guerra”, de António Garcia Barreto, Edição de Maria Simão, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Março de 2014:

Queridos amigos,
“Triângulo de Guerra” tem toda a legitimidade para merecer a nossa atenção. Todos aqueles três palcos da guerra de África tinham pontos afins e a sua especificidade. Moçambique tinha os milhares de quilómetros, as zonas de retinta paz e os vespeiros bem referenciados.
António Garcia Barreto não diz que faz a guerra, não se macaqueia em herói, não entoa exemplaridades, o que torna todo este seu relato num acontecimento literário genuíno e que mais uma vez nos leva a perguntar como é que é possível que belos romances permaneçam ignorados.

 Um abraço do
Mário


Triângulo de guerra: Um livro soberbo, injustamente esquecido (2)

Beja Santos

António Garcia Barreto tem ganho notoriedade na escrita pelas suas incursões na literatura infanto-juvenil, na ficção e no ensaio. Este seu romance “Triângulo de Guerra”, Edição de Maria Simão, 1988, não aparece mencionado no que mais significativamente se escreveu na literatura de guerra de Moçambique. O que não me surpreende, se pensarmos que nenhum crítico se pronunciou, no que toca à Guiné, sobre o esplêndido “Estranha Noiva de Guerra”, de Armor Pires Mota, não vi até hoje uma palavra de apreço e de admiração pelo fabuloso diário do soldado Inácio Maria Góis. Os críticos agarram-se a vários ícones, as edições discretas parecem condenadas a ficar à margem, ao esquecimento perpétuo.

Em “Triângulo de Guerra” não há equívocos sobre a matéria autobiográfica, o alferes, algures num porto, responde pelo reabastecimento, leva vitualhas até aos confins do território. Descreve ambientes, superiores e colaboradores. Aqui e acolá, há reencontros, como aquele que ocorreu com Carlos, companheiro da infância e da juventude, falaram das aulas de admissão ao liceu, de filmes e livros, do acontecimento que foi tirarem a fotografia com a farda número um. Nesse ponto fundamental para a logística da guerra, há uma crescente atmosfera de tédio, nervos em franja, chegam aerogramas a noticiar a morte de ente queridos, mas a rotina é inexorável. Uma tragédia pode deslizar para uma comédia ou para o grotesco. O tenente denominado Cabeça de Tuba, um desgraçado moral, a maldade personificada, recusa férias a um soldado a quem lhe morreu a mãe, o Rapa-Malgas. Este vingou-se, na primeira oportunidade: “Com o Rapa-Malgas enfarpelado num casaco branco, a servir no bar da unidade as bebidas do convívio, o tenente pediu que lhe fossem buscar um uísque com muito gelo, tinha uma secura astral. Colaço achou que era altura de agradecer toda a boa vontade do Cabeça de Tuba para consigo. Enxotou o ordenança dizendo-lhe que ele próprio levaria a bebida. Num espaço de segundos foi à retrete e urinou para dentro de um garrafa de cerveja, voltou ao bar e adicionou um dedal de mijo a uma boa dose de uísque, mais duas pedras de gelo, já está! Foi levar ao tenente essa bebida preparada por um barman imaginativo e sem escrúpulos e o oficial bebeu-a de um trago, estranhando, porém, o sabor amoniacal. É Old Par, velhíssimo, meu tenente, um lote acabado de chegar! Apressou-se Colaço a responde, tão sério que lhe doíam os malares com a força que fazia para não estrebuchar a rir. O Cabeço de Tuba elevou o copo no ar, à altura dos olhos, intrigado, procurando na memória gustativa o verdadeiro sabor de um uísque velho. Como não chegasse a qualquer conclusão, encolheu os ombros e disse: Traz-me outro, mas com mais gelo, é muito forte. E Colaço saiu do gabinete transportando o corpo arredondado e balofo, irmãos gémeo do leão-marinho a viver fora do seu ecossistema, e foi preparar outro uísque que saiu igualzinho ao primeiro: um mijuísque”.

Há gatos-pingados de ocasião que jogam às cartas em cima das urnas, há festanças que levam a engates, nosso alferes foi capturado pela mulher do médico veterinário, andava esfaimada de sexo, fez dele um garanhão. E porque se vive na vizinhança da guerra, o nosso alferes põe-se à frente de uma coluna para ir abastecer uma unidade, no regresso estoirou uma tragédia. Nessa viagem de retorno foram surpreendidos por bátegas de água violentas que reduziam a picada a um caudal de lama. “Quando a chuva se esgotou e parecia que a terra ressequida sorvia aqueles caudais, recomeçou o trajeto até ao aquartelamento. Assim se percorreram cinquenta quilómetros. Aqui e acolá interrompia-se a marcha, seguia-se com prudência para não quebrar os eixos dos rodados, os carros não queriam deixar de estar próximos uns dos outros. O carro que seguia à frente na coluna foi tragado, num segundo, pela boca camuflada de uma cova abissal, enfiando-se pela terra dentro que nem brinquedo de criança, matando nessa voragem inaudita o condutor e o cabo-contador-de-anedotas que seguia a seu lado com um furriel e nos alegrara a existência desfiando o seu chorrilho de histórias curtas. No rescaldo desta armadilha montada pelos guerrilheiros ficaram feridos outros soldados. A desolação era geral e contagiante”.

Como vive o essencial da guerra à distância, o narrador dá-se ao direito de ter rebates de alma: “O que me angustia não é tanto sentir o tempo escoar-se com a lentidão basculante das caravelas a navegar no mar liso e sem vento, mas constatar que a guerra se refugia na mata, um pouco como os duendes nas casas assombradas, e aí concretiza as suas aflitivas travessuras, belisca-nos o corpo até à morte mais horrível, amedronta, dilacera, envelhece, rasteira-nos ao mais leve descuido. As pessoas vivem um quotidiano quase feliz, sobre o qual paira, veladamente, uma ameaça por esclarecer”. E na cidadezinha também se vive a psicose do inimigo, anda-se à caça dos passadores de informações. A certa altura a desconfiança caiu num soldado negro, de nome Manhiça, a quem o furriel apelidara de Gulliver Negro, homem de temperamento cordato. Vendo-se perseguido, apertado numa rede que parecia não entender, afastou-se dos outros, tornou-se num homem acossado. E reagiu, o autor dá-nos um episódio eloquente: “Num desses dias, precisou de ir à cidade, vestiu-se à pressa, a camisa do avesso e os submarinos dos sapatos de encomenda, iguaizinhos aos do palhaço do pobre de qualquer circo, desabotoados, meteu-se num jipe de supetão para agarrar a boleia, tentando encaixar as pernas longas dentro da viatura, ante o olhar gozão do condutor que não deixou de exprimir o seu gozo: Corta as pernas, pá, vais ver que depois é canja! O Gulliver Negro desta vez não achou graça, colocou a manápula de garrote em cima do ombro do motorista e começou a apertá-lo, os dedos espetavam-se na carne como arpões, quase trilhando os ossos: Ripete lá os brincadeira, disse o Gulliver, senhor de si, mas o soldado não teve força para retorquir”. Mas o ressentimento continuou: “À falta de qualquer prova concreta, o Gulliver Negro foi transferido de unidade e a sua falta deixou um vazio na caserna, entre os camaradas, conforme deu a entender o Rapa-Malgas. A tropa já se havia habituada ao gigante indefeso, ao seu ressonar diabólico que não andava longe do rugir de uma cratera vulcânica em atividade, abalando os frágeis alicerces da caserna. A verdade é que os ataques às colunas prosseguiram mesmo despois do afastamento do Gulliver Negro. Não seria de estranhar, porém, a existência de informadores dos guerrilheiros entre os elementos que compunham o corpo de guias negros. A guerra também passava por aí”.

Há sempre surpresas na cidadezinha, Elisa, a lavadeira de alferes, e sua amásia na conjuntura da comissão, é presa como informadora, nosso alferes entra em pânico, chegou o Natal e o Cabeça de Tuba anda feliz, faz a peregrinação dos armazéns para se abastecer e levar o bem-estar às famílias dos oficiais da unidade. O Rapa-Malgas irá morrer nos confins do mato, vai chegar um soldado conhecido por Miss Katy, travesti de profissão, traz na sua bagagem um vestido vermelho-vivo, Miss Katy foi apedrada no charco, vai acabar tudo à bordoada, Miss Katy ou o soldado Alberto, recebeu guia de marcha, arrumou o baú da arte e foi representar para outro público.

E finda a comissão, o eco da guerra chega trazido pelos que demandavam a cidade. “Os homens, na caserna, despejavam a tensão nervosa sobre os armários, esmurrando-os, pontapeando-os, destruindo-os aos poucos. O alferes que me veio substituir recordou-me a minha figura, dois anos atrás, como se eu me olhasse frente a um espelho. Acabei por concluir que nada aprendi em todo este tempo perdido, exceto a solidariedade no infortúnio das vidas apanhadas na malha de um conflito cada vez mais difícil de justificar nas razões que o mantinham”.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13841: Notas de leitura (647): “Triângulo de Guerra”, de António Garcia Barreto, Edição de Maria Simão, 1988 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13856 Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (35): O Manuel Simões, de Judgudul, e os Africanistas à portuguesa... Ser africanista é um estado de espírito, e não precisa de andar com "os pretinhos ao colo".

1. Mensagem de Antº Rosinha (o único grã-tabanqueiro que tem direito a abreviatura do nome, Antº, é um traço de distinção por, à boa maneira africana, ele um dos nossos "mais velhos", quer dizer, com mais experiência, mundo e sabedoria; na nossa Tabanca Grande, respeitam-se os mais velhos, mesmo quando aqui e ali podemos discordar das suas opiniões e conselhos; pessoalmente, é um camarada por quem nutro afeto e respeito, embora só o tenha encontrado uma vez, no II Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Pombal, em 2007) [, foto à esquerda, tirada por LG]



Data: 5 de Novembro de 2014 às 14:24
Assunto: Manuel Simões de Judgudul e os Africanistas à portuguesa (*)


Amigo Luís Graça, sobre o poste em referência [P13821] (*)  penso que devo um pequeno  esclarecimento.

Em primeiro lugar, queria dizer que as dúvidas quanto à construção da estrada Jugudul- Bambadinca, actual, não é do tempo colonial, é de 1982/3, com uma empresa, lembro-me que seria  francesa, com financiamentos habituais daquele tempo, Banco Mundial, Árabes, CEE,  etc.

Sobre o que o Luís Graça comenta sobre a minha «boca» ao chamar " africanista à portuguesa" a Manuel Simões, que representa a imagem de muitos milhares que durante séculos embarcaram para África e esqueceram  a terra deles ou dos pais e avós, penso com toda a sinceridade que não há palavra mais apropriada para eles do que chamar-lhe «africanistas».

Há aquela ideia dos exploradores ingleses, portugueses como Serpa Pinto ou Cecil Rodes, (Brancos) enviados como estudiosos para o  interior de África, ou militares para expandir fronteiras, e regressavam às metrópoles com a imagem,  aquela imagem vestidos à safari, caqui e capacete de cortiça, atribuindo-se a eles  vagamente essa palavra «africanistas».

Também a missionários ou estudiosos (brancos) de línguas e costumes africanos também se lhes atribui o nome de africanistas.

Porque não se deveria ter chamado a estes geógrafos uns, geólogos outros, missionários que estudavam dialectos, simplesmente, chamarem-se «africanólogos»?

Também  serão africanistas aqueles funcionários que fazem comissões atraz de comissões em África, através de ONG e ONU, ajudando "aquele pobre povo", como dizem,  comovidos, que os colonialistas exploraram.

(E nessa ordem de ideias ainda teremos um dia  que chamar «europeistas» aos inúmeros africanos que "estudam" muitíssimo bem todos os europeus e estudam e praticam todos os seus hábitos e suas línguas.? E num momento em que os africanos avançam para a «Europa e em força» por Melila e Lampedusa, qualquer dia até lhe chamaremos  de colonialistas  e invasores? Quem sabe, um dia?)

Alguém  considerar-se africanista, ou colonialista, ou emigrante em África, penso que é mais um estado de espírito, do que aquilo que alguém o queira classificar.

Para um branco ser um grande africanista à portuguesa  não era obrigatório dormir numa esteira, (quirintim) e encher a casa de crianças mulatas,  mas também ajudava.

Os milhões de brancos que emigraram ou nasceram em África durante séculos, e optaram por qualquer circunstância  adoptar África como sua terra (forçados pela família em criança, deportação,  dificuldades económicas para regressar, boa  adaptabilidade climática ou vida social muito bonita e fácil) se esqueceram das terras de origem, jamais será correto dizer que se trata de um colonialista, ou mesmo emigrante.

Sejam portugueses, boers da África do Sul ou rodesianos (Zimbabué), esses brancos, não podem ser considerados simples colonialistas, antes pelo contrário, eram antes, grandes africanistas.

Casos como na Guiné, Manuel Simões, Luandino Vieira em Luanda, Mia Couto em Moçambique, para vincar bem a minha ideia,  mais do que guineense, ou angolano ou moçambicano, intimamente estes brancos sentem-se africanos.

Ora quem se sente africano e não tem carapinha,  não pode deixar de ser um perfeito  africanista, mesmo que os " Mugabes"  não os considerem  africanos.

E quem é europeísta? Será que pelo facto de os turcos e israelitas insulares como os gregos e cipriotas e peninsulares como  íberos e ítalos, pelo facto de entrarmos na taça dos campeões europeus, somos europeus? Ou europeístas apenas?

Ora quem se sente europeu tem que ser europeísta, mesmo que os Napoleões e os Hitleres não  considerem como europeus muito loiros, os insulares  peninsulares do sul e outros vizinhos.

No entanto há brancos que viveram a vida em África e nunca tiveram o mínimo sentimento de africanista, e outros brancos que em menos de um ano se tornam, ainda hoje, genuínos africanistas.

Ser africanista é um estado de espírito, e não precisa de andar com "os pretinhos ao colo".  Nem deve!

Quando no 25 de Abril vieram para Portugal os retornados,  poucos  tínhamos espírito  africanista, mesmo os que estávamos há muitos anos em África, porque a maioria era funcionário público, mais tarde "trabalhador da Função Pública", e estávamos só à espera da reforma para regressar para a terra dos brancos, «a minha terrinha»

Aqueles que na realidade se sentiam africanistas, não aceitavam um dia repor a gravata e as ceroulas  e tornar a "enclausurar-se" nestes pequenos e limitados espaços da idade média, as nossas aldeias,  e largar aqueles espaços abertos, embora  da idade do ferro.

Infelizmente a maioria destes africanistas perderam a vez na terra que tinham adoptado como sua.

No caso dos portugueses, os genuínos africanistas e seus descendentes foram muito incomodados em África e recebidos com muitas reservas em Portugal, quando vieram com os retornados.

A maioria dos africanistas,  em idade de reprodução, desapareceram para o Brasil, EUA, Canadá e França.

Falam muito mal dos portugueses, e têm, tal como os actuais dirigentes africanos das nossas ex-colónias,  que tomaram conta "dos seus destinos", pouca consideração por nós.

Claro que têm motivos diferentes para criticarem o tuga, mas de qualquer maneira, sempre que tenham que fugir de onde estão,  recebemo-los  de braços abertos.

Uma curiosidade sobre os africanistas à portuguesa, não foi só nas ex-colónias portuguesas que se instalaram inúmeros portugueses.

No ex-Congo Belga foram tantos os portugueses que permaneceram após a fuga total dos Belgas em 1960, que protegidos pelas populações e que se foram entendendo com aqueles que tomaram "conta dos seus destinos", que foi possível o comércio de distribuição não desaparecer completamente, e evitar alguma fome.

Os africanistas à portuguesa levaram séculos a ajudar a construir os PALOP que sobraram.

Acontece que alguns dirigentes desses países não escondem grande desgosto por esses africanistas não tenham sido outros um pouco mais "loiros".

Os dirigentes africanos,  em geral,  não gostam de africanistas, detestam.

Isto é uma regra, e com todas as regras têm uma excepção, apareceu Mandela.

Como português, tenho a maior admiração pelos africanistas como Manuel Simões.(**)

Cumprimentos,

Antº Rosinha

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(...) Luís Graça disse...

Confesso que tenho um certo fascínio por homens como este, "africanistas", como diz o Rosinha... Não sei se o termo não será pejorativo e sobretudo inapropriado...

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o/a africanista (substantivo com 2 géneros) é “a pessoa que se dedica à exploração ou estudo da África”.

Presume-se que venha de outras paragens, de outros continentes, a Europa, por exemplo, que foi a grande potência “colonizadora” desde os finais do séc. XIX até à emergência dos nossos estados africanos.

Nesse sentido, o “africanismo” antecederia o “colonialismo”: como se costuma dizer, primeiro vem o explorador, depois o antropólogo, depois o missionário, e depois a tropa, o administrador, o cobrador do imposto de palhota e, por fim, o o comerciante (porque sem dinheiro não há economia monetarizada)...

Mas talvez o Rosinha queira dizer, com o termo africanista (não confundir com panafricanista. que tem um outro sentido, mais filosófico e político…) aquele (em geral branco…) que se considera nascido e crescido em África, ou que tenha vivido e trabalhado em África, ou que muito simplesmente ama a África, as suas paisagens, as suas gentes, as suas culturas… sem ter que ser um “colon”.

Nesta acepção, mais lata, somos todos, aqui, "africanistas"...

Manuel Simões, africanista ? Antes de mais, era português e guineense, nascido em Bolama, com costela beirã, do lado do pai, e provavelmente caboverdiana, do lado da mãe...  E, não menos importante, sobreviveu quer ao “colonialismo” quer ao “paigecismo” (, nas suas várias versões cabralismo, ninismo, etc.)…

Deixou muitos amigos e conhecidos, lá e cá, a começar pela nossa Tabanca Grande.  Tenho pena que não tenha deixado escrito um "manual de sobrevivência"... Ele atravessou dois séculos (1941-2014), "prenhes” de história e de histórias... LG