Hedelberto López Blanch - Historias secretas de médicos cubanos. La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005. 248 pp. [La edición de este volumen ha sido financiada por el Fondo para el Desarrollo de la Educación y la Cultura.] [Consult em 31 de maio de 2016]. Disponível em http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf
1. Notas de leitura coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 30 de maio último. Trata-se de um extenso documento, que vai ter que ser publicado em diversas partes:
Sobre o Jorge Araújo, aqui fica uma pequena nota biográfica, para "refrescarmos" o seu CV mal conhecido da maior parte dos nossos leitores:
(i) nasceu em 1950, em Lisboa;
(i) nasceu em 1950, em Lisboa;
(ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime. e -Mansambo, 1972/1974);
(iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»;
(iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona;
(v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto.
2. Introdução
Trago hoje, ao colectivo da Tabanca Grande e aos anónimos que nos visitam regularmente, o tema que ficara em aberto na sequência da minha última narrativa relacionada com as actividades do PAIGC, em janeiro de 1974, na região de Canquelifá [P16127], de que resultou a morte do meu/nosso camarada ranger Pinto Soares, e onde é referida a presença de cubanos no apoio à guerrilha.
Esse apoio, que no início (em 1966...) era secreto, deixou de o ser com o decorrer do tempo, porque, como diz o ditado popular: «mais cedo ou mais tarde tudo se sabe».
Eu próprio e outros camaradas [,como o nosso editor Luís Graça,] tivemos "encontros de 1.º grau" (nomeadamente, emboscadas no subsetor do Xime] com os famigerados "internacionalistas" cubanos, pelo que a história da sua presença no TO da Guiné não nos pode deixar... indiferentes.
Influenciado pelos comentários produzidos pelos camaradas Luís Graça, António Rodrigues, António Duarte e Manuel Luís Lomba, que agradeço, procurei encontrar outros relatos que pudessem acrescentar algo mais ao que já se disse/escreveu a esse respeito, nomeadamente com recurso ao publicado neste espaço colectivo.
Foi a partir dos postes P950, P951 e P956 (*) que, seguindo em frente, encontrei um livro escrito pelo jornalista cubano Hedelberto López Blanch com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana, 2005], que achei interessante partilhar convosco, ainda que saiba que na linha do tempo estas memórias estejam a uma distância de cinco décadas.
Porque está escrito em castelhano (espanhol), tomei a iniciativa de traduzir e adaptar com a devida liberdade o texto ou partes do texto como meio de facilitar o acesso à sua leitura e a sua compreensão, quer daqueles a quem o contexto diz muito, quer de quem se vier a interessar pelo seu aprofundamento.
A sua tradução e adaptação são feitas de modo a respeitar as ideias expressas pelos diferentes protagonistas, o que fica mais facilitado pela minha própria condição de ex-combatente no TO da Guiné (e também de doutorando por uma universidade espanhola, se me permitem que puxe aqui pelos meus pergaminhos académicos).
Hedelberto López Blanch, enquanto jornalista e investigador, conta a história vivida por quinze médicos cubanos que estiveram em diversas partes de África - Argélia, Guiné-Bissau (ex-portuguesa), Congo Leopoldville (ex-belga), Congo Brazzaville (ex-francês) e Angola -, apoiando os "movimentos de libertação" daqueles territórios (, no caso da Argélia, foi apenas apoio à reconstrução do país, depois da independência em 1962).
No caso da Guiné-Bissau são três os entrevistados:
Porque está escrito em castelhano (espanhol), tomei a iniciativa de traduzir e adaptar com a devida liberdade o texto ou partes do texto como meio de facilitar o acesso à sua leitura e a sua compreensão, quer daqueles a quem o contexto diz muito, quer de quem se vier a interessar pelo seu aprofundamento.
A sua tradução e adaptação são feitas de modo a respeitar as ideias expressas pelos diferentes protagonistas, o que fica mais facilitado pela minha própria condição de ex-combatente no TO da Guiné (e também de doutorando por uma universidade espanhola, se me permitem que puxe aqui pelos meus pergaminhos académicos).
Hedelberto López Blanch, enquanto jornalista e investigador, conta a história vivida por quinze médicos cubanos que estiveram em diversas partes de África - Argélia, Guiné-Bissau (ex-portuguesa), Congo Leopoldville (ex-belga), Congo Brazzaville (ex-francês) e Angola -, apoiando os "movimentos de libertação" daqueles territórios (, no caso da Argélia, foi apenas apoio à reconstrução do país, depois da independência em 1962).
No caso da Guiné-Bissau são três os entrevistados:
(i) o médico-cirurgião Domingo Diaz Delgado;
(ii) o médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia, Amado Alfonso Delgado;
(iii) e o médico militar, especialista em cirurgia geral, Virgílio Camacho Duverger.
Cada um deles fala das suas muitas memórias ou experiências, vividas na primeira pessoa, e das motivações que os levaram a optar por um dos lados do combate.
Pela dimensão do conteúdo narrado no livro [pp 112-164], a metodologia utilizada teve que ser a da divisão por partes, sendo esta, justamente, a primeira delas. O blogue (e o leitor do blogue) não se compadece de textos (postes) demasiado longos.
O livro está disponível, em formato pdf, no sítio da editora, Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, La Haban. Referência bibliográfica:
Hedelberto López Blanch - Historias secretas de médicos cubanos.
La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005. 248 pp.
[Premio Memoria 2001. Prólogo de Piero Gleijeses. Ediciones La Memoria, Colección Coloquios y testimonios]. . [La edición de este volumen ha sido financiada por el Fondo para el Desarrollo de la Educación y la Cultura.] [Consult em 31 de maio de 2016]. Disponível em
(i) nasceu em 1947 em Havana, Cuba;
(ii) é licenciado em Jornalismo (1972) e, na altura, em 2005, doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade de Havana;
(iii) relatou numerosos acontecimentos internacionais ocorridos em Cuba, Angola, Zâmbia, Moçambique, Guiné, Líbia, Tanzânia, Qatar, Zimbabwe, África do Sul, Alemanha e Rússia;
(iii) relatou numerosos acontecimentos internacionais ocorridos em Cuba, Angola, Zâmbia, Moçambique, Guiné, Líbia, Tanzânia, Qatar, Zimbabwe, África do Sul, Alemanha e Rússia;
(iv) foi correspondente permanente da Juventude Rebelde na Nicarágua e assessor de redacção do diário Barricada neste país centroamericano entre 1985 e 1987;
(v) como investigador da imigração cubana, viajou até aos Estados Unidos em diferentes períodos;
(vi) entre as suas obras destacam-se: La emigración cubana em EE.UU.; Descorriendo Mamparas; Miami; Dinero Sucio; Bendición Cubana en Tierras Sudafricanas; Historias Secretas de Médicos Cubanos en África; y Cuba, pequeño Gigante contra el Apartheid; [, alguns destes títulos estão disponíveis na Amazon.com];
(vii) em 2005, trabalhava como comentarista internacional no semanário económico e financeiro Opciones, da editora Juventud Rebeld;
(viii) tem colaborado com várias publicações nacionais e internacionais como Rebelión, de Espanha, tendo recebido vários prémios de jornalismo.
5. O caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado. (sinopse feita por Jorge Araújo)
Domingo Diaz Delgado, recém formado em cirurgia, está com 29 anos, nos finais de 1965. Na altura decidiu preencher "um formulário solicitando a sua incorporação como internacionalista em qualquer movimento de libertação"... A sua inspiração era o "exemplo do heróico guerrilheiro Ernesto 'Che' Guevara" [também ele médico e que viria a ser assassinado pelas tropas bolivianas, dois anos mais tarde, em 1967].
No início de 1966, é designado então como membro do primeiro grupo de médicos e combatentes que vão partir para a Guiné.
É essa experiência de vida e de combate que ele vai relatar a Blanch (2005), "com a modéstia e a humildade características de muitos internacionalistas cubanos" (sic) , apontados pelo autor como exemplos do "verdadeiro internacionalismo" e da "verdadeira solidariedade humana".
Em 2005, data em que foi publicado o livro, o dr. Domingos Diaz Delgado era neurocirurgião, vice-director da área assistencial do CIMEQ [Centro de Investigaciones Médico-Cirúrgicas, uma unidade hospitalar de elite, que faz parte do sistema nacional de saúde cubano].
4. Antecedentes históricos do envolvimento cubano – o exemplo na Guiné-Bissau (Sinopse, da autoria de Jorge Araújo)
Blanch (2005) começa por situar o leitor no contexto histórico das lutas de "libertação anti-colonial" em África.
No início da década de 1960, poucos anos depois da tomada de poder por Fidel Castro e seus companheiros, em 1/1/1959, "Cuba não tinha muita experiência em enviar médicos para ajudar os combatentes africanos que lutavam nesse continente pela libertação dos seus países".
Havia, no entanto, já alguns antecedentes, caso do Congo Leopoldville (belga) e o Congo Brazzaville (francês), em que médicos cubanos estiveram integrados em "grupos de combatentes (...) sempre sob as ordens de um cubano".
O PAIGC, através de Amílcar Cabral, "mostrou interesse na participação de alguns instrutores cubanos para reforçar a luta armada"... Esse interesse terá sido manifestado em 12 de fevereiro de 1965, quando, e no decurso do périplo africano de Ernesto "Che" Guevara (1928-1967), este se encontrou com Amílcar Cabral, em Conacri.
"Três meses depois, em 11 de maio de 1965, o navio cubano Uvero [construído em França em 1960 e adquirido por Cuba em 1964, e que durante vários anos foi o de maior porte da marinha mercante cubana... ] desembarcava a primeira ajuda de Cuba ao PAIGC em Conacri": (i) cento e trinta e sete caixas de medicamentos; e (ii) sessenta e seis caixas com armas, munições, minas e uniformes militares; assim como alimentos, cigarros e fósforos.
Em janeiro de 1966, foi a vez de Amílcar Cabral (1924-1973) se deslocar a Havana para participar na Conferência Tricontinental [na qual foi aprovada a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina (OSPAAAL), em 12 de janeiro de 1966]. Naturalmente aproveitou a ocasião para se reunir com o presidente Fidel de Castro (n.1926).
Fidel de Castro ter-se-á comprometido a enviar "viaturas para a deslocação dos combatentes, mecânicos, instrutores militares e médicos", estes em número de nove. "Dos nove médicos solicitados, três tinham carácter de urgente, estando destinados à fronteira entre a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, de preferência um clínico geral, um cirurgião e um ortopedista". Pormenor importante; se possível, deveriam viajar de avião...
Pormenor também deveras curioso, e revelador das "cautelas" ou dos "escrúpulos" do dirigente do PAIGC:
"O pedido formulado por Amílcar teve em consideração a cor da pele de que era constituída a maioria dos combatentes recrutados, sendo uma condição fundamental para os poder introduzir no continente africano sem chamar a atenção dos serviços de Segurança e Inteligência das capitais europeias e dos Estados Unidos." (negritos nossos).
Em finais de 1965, os cubanos estavam convencidos, graças à hábil propaganda de Amílcar, que o o PAIGC: (i) não só controlava "um terço do território da Guiné"; como (ii) era um "caso de sucesso", sem paralelo, na luta anticolonialista em África...
Blanch (2005) começa por situar o leitor no contexto histórico das lutas de "libertação anti-colonial" em África.
No início da década de 1960, poucos anos depois da tomada de poder por Fidel Castro e seus companheiros, em 1/1/1959, "Cuba não tinha muita experiência em enviar médicos para ajudar os combatentes africanos que lutavam nesse continente pela libertação dos seus países".
Havia, no entanto, já alguns antecedentes, caso do Congo Leopoldville (belga) e o Congo Brazzaville (francês), em que médicos cubanos estiveram integrados em "grupos de combatentes (...) sempre sob as ordens de um cubano".
O PAIGC, através de Amílcar Cabral, "mostrou interesse na participação de alguns instrutores cubanos para reforçar a luta armada"... Esse interesse terá sido manifestado em 12 de fevereiro de 1965, quando, e no decurso do périplo africano de Ernesto "Che" Guevara (1928-1967), este se encontrou com Amílcar Cabral, em Conacri.
"Três meses depois, em 11 de maio de 1965, o navio cubano Uvero [construído em França em 1960 e adquirido por Cuba em 1964, e que durante vários anos foi o de maior porte da marinha mercante cubana... ] desembarcava a primeira ajuda de Cuba ao PAIGC em Conacri": (i) cento e trinta e sete caixas de medicamentos; e (ii) sessenta e seis caixas com armas, munições, minas e uniformes militares; assim como alimentos, cigarros e fósforos.
Em janeiro de 1966, foi a vez de Amílcar Cabral (1924-1973) se deslocar a Havana para participar na Conferência Tricontinental [na qual foi aprovada a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e América Latina (OSPAAAL), em 12 de janeiro de 1966]. Naturalmente aproveitou a ocasião para se reunir com o presidente Fidel de Castro (n.1926).
Fidel de Castro ter-se-á comprometido a enviar "viaturas para a deslocação dos combatentes, mecânicos, instrutores militares e médicos", estes em número de nove. "Dos nove médicos solicitados, três tinham carácter de urgente, estando destinados à fronteira entre a Guiné-Conacri e a Guiné-Bissau, de preferência um clínico geral, um cirurgião e um ortopedista". Pormenor importante; se possível, deveriam viajar de avião...
Pormenor também deveras curioso, e revelador das "cautelas" ou dos "escrúpulos" do dirigente do PAIGC:
"O pedido formulado por Amílcar teve em consideração a cor da pele de que era constituída a maioria dos combatentes recrutados, sendo uma condição fundamental para os poder introduzir no continente africano sem chamar a atenção dos serviços de Segurança e Inteligência das capitais europeias e dos Estados Unidos." (negritos nossos).
Em finais de 1965, os cubanos estavam convencidos, graças à hábil propaganda de Amílcar, que o o PAIGC: (i) não só controlava "um terço do território da Guiné"; como (ii) era um "caso de sucesso", sem paralelo, na luta anticolonialista em África...
Domingo Diaz Delgado, recém formado em cirurgia, está com 29 anos, nos finais de 1965. Na altura decidiu preencher "um formulário solicitando a sua incorporação como internacionalista em qualquer movimento de libertação"... A sua inspiração era o "exemplo do heróico guerrilheiro Ernesto 'Che' Guevara" [também ele médico e que viria a ser assassinado pelas tropas bolivianas, dois anos mais tarde, em 1967].
No início de 1966, é designado então como membro do primeiro grupo de médicos e combatentes que vão partir para a Guiné.
É essa experiência de vida e de combate que ele vai relatar a Blanch (2005), "com a modéstia e a humildade características de muitos internacionalistas cubanos" (sic) , apontados pelo autor como exemplos do "verdadeiro internacionalismo" e da "verdadeira solidariedade humana".
Em 2005, data em que foi publicado o livro, o dr. Domingos Diaz Delgado era neurocirurgião, vice-director da área assistencial do CIMEQ [Centro de Investigaciones Médico-Cirúrgicas, uma unidade hospitalar de elite, que faz parte do sistema nacional de saúde cubano].
A entrevista, com 27 questões, vai aqui relatada na primeira pessoa, em versão adaptada e traduzida por mim, Jorge Araújo... Optei, depois de falar com o nosso editor LG, por eliminar um ou outro parágrafo, dada a extensão da entrevista (que, de resto, pode ser lida no original em castelhano, aqui):
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf
Na impossibilidade de contactar o autor e o editor, esperamos a sua compreensão e benevolência. Seguramente que esta e outras entrevistas com médicos cubanos que combateram ao lado do PAIGC nos interessam a muitos de nós, combatentes portugueses e guineenses que lutaram contra o PAIGC, bem como aos próprios veteranos do PAIGC. A guerra já acabou, mas as suas memórias, de um e do outro lado, ainda estão vivas, enquanto estivermos vivos. (**)
Guiné > Região do Oio > Base de Sará (1966) > Da esquerda para a direita, o instrutor militar Alfonso Pérez Morales (Pina), chefe da missão cubama na Frente Norte; o ortopedista Tendy Ojeda; o cirurgião Domingo Diaz e o médico de clínica geral Pedro Labarrere. Com a devida vénia, foto de H. L: Blanch (2005), op. cit.
6. A história de Domingo Diaz Delgado (Blanch, 2005. Excertos. Tradução e adaptação livre de Jorge Araújo)
No final de 1965 fui informado de que existia a possibilidade de ir combater noutras terras do mundo, seguindo o exemplo do “Che” [ já se conhecia a sua carta de despedida lida por Fidel de Castro, em 3 de outubro de 1965] dizendo aos meus chefes que queria participar nessa luta. Preenchi um formulário como voluntário, solicitando ir para qualquer parte do mundo, em especial em países da América Latina.
No princípio de 1966, exercia a chefia dos Serviços Médicos da Divisão 1270, em Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana]. Indicaram-me ao Estado Maior das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e desde esse momento incorporaram-me no grupo onde estavam médicos e instrutores militares, num total de trinta e um combatentes que iriam participar na luta de libertação do povo da Guiné-Bissau contra o colonialismo português. Soubemos, depois, que os guerrilheiros guineenses tinham já dois ou três anos de luta, mas com muitas dificuldades, pois careciam de técnica militar, armamento e de cuidados médicos.
Fomos nove médicos, três viajaram de avião porque o PAIGC precisava deles com urgência. Eu tinha muita experiência em cirurgia, já que nessa época, desde que comecei a estudar, pude participar em determinado grupo cirúrgico.
Em 21 de maio de 1966, depois de me incorporarem neste contingente, constituído por artilheiros, apontadores de morteiro ["morteiristas", em castelhano] e médicos, embarcamos para a Guiné no navio Lídia Doce, de 2 mil toneladas.
A viagem durou dezasseis dias, chegando ao porto de Conacri em 6 de junho desse ano. O navio estava com problemas e foi um trajecto difícil, pois avariou pelo menos três vezes. Numa ocasião teve um início de incêndio na casa das máquinas e por pouco não tivemos que abandonar o barco.
Era provável que fossem armas no navio, mas naquele momento não sabíamos. Noutros sacos se colocaram mochilas, botas e outros materiais, e numas malas de madeira, um equipamento mais ligeiro. Íamos vestidos à civil. Aquilo era totalmente secreto, inclusivamente para entrar no barco não o fizemos no cais, mas somente no alto mar.
~
Entrámos em lanchas que nos levaram até ao barco e em plena noite entrámos nele na zona norte da província de Havana. As instruções que recebemos eram de permanecer no porão do barco, junto às máquinas. Devíamos permanecer alojados nos camarotes, porque nessa época os aviões Catalina, de reconhecimento da marinha norte-americana, sobrevoavam com frequência os navios que saíam do país. Tivemos vários voos de reconhecimento, daí que, enquanto não entrássemos no Oceano Atlântico, não podíamos sair. Depois, ao quarto ou quinto dia, pudemos estar na vigia, apanhar sol, e após esta angustiosa viagem, chegámos ao porto de Conacri.
Embora fossemos médicos, antes de partir de Cuba estivemos cerca de dois meses treinando física e militarmente com vário armamento, na medida que era suposto irmos para uma zona de guerra.
Fizemos essa preparação com todo o tipo de morteiros, metralhadoras e outras armas de fogo. Realizámos algumas caminhadas achadas suficientes, mas quando chegámos à Guiné demo-nos conta que deveríamos ter caminhado muito mais para estarmos melhor preparados.
Isso era feito, como se sabe por alguns livros e outros documentos que foram publicados, no acampamento Peti 1, em Pinar de Rio [um acampamento a norte do município de Candelaria, província de Pinar del Rio, local onde em janeiro de 1965 se iniciaram os treinos do grupo de soldados e civis que acompanhariam o “Che” no Congo].
Ao chegar a Conacri, o grupo permaneceu aí perto de um mês à espera de seguir para os locais de destino. Eu fui recebido, na República da Guiné, pelo principal dirigente da guerrilha, Amílcar Cabral, um companheiro inolvidável. Com ele visitei escolas em Conacri onde estavam crianças das zonas guerrilheiras e aprendi muitas coisas nos dias em que estive com ele. Tinham muitas canções revolucionárias dessa guerra que vinham aprendendo.
A Guiné-Conacri era a antiga Guiné Francesa, e a Guiné-Bissau era um país muito mais pequeno que se pode comparar em extensão de terreno com a antiga província de Las Villas [Cuba]. Muito pouco terreno e daí a dificuldade que tinham os companheiros para desenvolver esta luta.
Os portugueses tinham ali bastantes tropas. As forças militares deles eram constituídas por nativos e portugueses. Muitos guineenses lutavam ao lado deles. Ao sul se situava a Guiné-Conacri, cujo presidente nessa época, Sekou Touré, contribuiu de maneira relevante para o desenvolvimento dessas acções. (...)
18 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)
14 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra
“Donde o tempo não se mede pelo relógio” (cap X)
No final de 1965 fui informado de que existia a possibilidade de ir combater noutras terras do mundo, seguindo o exemplo do “Che” [ já se conhecia a sua carta de despedida lida por Fidel de Castro, em 3 de outubro de 1965] dizendo aos meus chefes que queria participar nessa luta. Preenchi um formulário como voluntário, solicitando ir para qualquer parte do mundo, em especial em países da América Latina.
No princípio de 1966, exercia a chefia dos Serviços Médicos da Divisão 1270, em Mariel [um município da província de Artemisa, a quarenta quilómetros de Havana]. Indicaram-me ao Estado Maior das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e desde esse momento incorporaram-me no grupo onde estavam médicos e instrutores militares, num total de trinta e um combatentes que iriam participar na luta de libertação do povo da Guiné-Bissau contra o colonialismo português. Soubemos, depois, que os guerrilheiros guineenses tinham já dois ou três anos de luta, mas com muitas dificuldades, pois careciam de técnica militar, armamento e de cuidados médicos.
(i) Quantos médicos formaram o grupo
e como fez essa viagem?
Fomos nove médicos, três viajaram de avião porque o PAIGC precisava deles com urgência. Eu tinha muita experiência em cirurgia, já que nessa época, desde que comecei a estudar, pude participar em determinado grupo cirúrgico.
Em 21 de maio de 1966, depois de me incorporarem neste contingente, constituído por artilheiros, apontadores de morteiro ["morteiristas", em castelhano] e médicos, embarcamos para a Guiné no navio Lídia Doce, de 2 mil toneladas.
A viagem durou dezasseis dias, chegando ao porto de Conacri em 6 de junho desse ano. O navio estava com problemas e foi um trajecto difícil, pois avariou pelo menos três vezes. Numa ocasião teve um início de incêndio na casa das máquinas e por pouco não tivemos que abandonar o barco.
(ii) Levavam armamento?
(iii) Como fizeram essa operação?
~
Entrámos em lanchas que nos levaram até ao barco e em plena noite entrámos nele na zona norte da província de Havana. As instruções que recebemos eram de permanecer no porão do barco, junto às máquinas. Devíamos permanecer alojados nos camarotes, porque nessa época os aviões Catalina, de reconhecimento da marinha norte-americana, sobrevoavam com frequência os navios que saíam do país. Tivemos vários voos de reconhecimento, daí que, enquanto não entrássemos no Oceano Atlântico, não podíamos sair. Depois, ao quarto ou quinto dia, pudemos estar na vigia, apanhar sol, e após esta angustiosa viagem, chegámos ao porto de Conacri.
Embora fossemos médicos, antes de partir de Cuba estivemos cerca de dois meses treinando física e militarmente com vário armamento, na medida que era suposto irmos para uma zona de guerra.
Fizemos essa preparação com todo o tipo de morteiros, metralhadoras e outras armas de fogo. Realizámos algumas caminhadas achadas suficientes, mas quando chegámos à Guiné demo-nos conta que deveríamos ter caminhado muito mais para estarmos melhor preparados.
(iv) Onde realizaram a preparação?
Isso era feito, como se sabe por alguns livros e outros documentos que foram publicados, no acampamento Peti 1, em Pinar de Rio [um acampamento a norte do município de Candelaria, província de Pinar del Rio, local onde em janeiro de 1965 se iniciaram os treinos do grupo de soldados e civis que acompanhariam o “Che” no Congo].
(v) Quanto tempo estiveram
em Conacri ?
Ao chegar a Conacri, o grupo permaneceu aí perto de um mês à espera de seguir para os locais de destino. Eu fui recebido, na República da Guiné, pelo principal dirigente da guerrilha, Amílcar Cabral, um companheiro inolvidável. Com ele visitei escolas em Conacri onde estavam crianças das zonas guerrilheiras e aprendi muitas coisas nos dias em que estive com ele. Tinham muitas canções revolucionárias dessa guerra que vinham aprendendo.
A Guiné-Conacri era a antiga Guiné Francesa, e a Guiné-Bissau era um país muito mais pequeno que se pode comparar em extensão de terreno com a antiga província de Las Villas [Cuba]. Muito pouco terreno e daí a dificuldade que tinham os companheiros para desenvolver esta luta.
Os portugueses tinham ali bastantes tropas. As forças militares deles eram constituídas por nativos e portugueses. Muitos guineenses lutavam ao lado deles. Ao sul se situava a Guiné-Conacri, cujo presidente nessa época, Sekou Touré, contribuiu de maneira relevante para o desenvolvimento dessas acções. (...)
(Continua)
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
19 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P971: Amílcar Cabral e a Cuba de Fidel Castro ou os mortos também se instrumentalizam (João Tunes)
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
19 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P971: Amílcar Cabral e a Cuba de Fidel Castro ou os mortos também se instrumentalizam (João Tunes)
18 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P967: Antologia (51): Os combatentes cubanos ou a mística da guerrilha (Victor Dreke)
14 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P959: O exemplo do Dr. Domingo Diaz (Zé Teixeira)
12 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967
11 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Depoimento de médico cubano na guerrilha do PAIGC (1966/67)
(**) Último poste da série > 20 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16219: Nota de leitura (849): “A Estrela de Ganturé”, conto de Natal inserido na Revista Liber 25 de Dezembro de 1981 (Mário Beja Santos)
(**) Último poste da série > 20 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16219: Nota de leitura (849): “A Estrela de Ganturé”, conto de Natal inserido na Revista Liber 25 de Dezembro de 1981 (Mário Beja Santos)