1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Julho de 2017:
Queridos amigos;
Estamos agora na Guiné com o regime republicano. O primeiro governador queixou-se que encontrou tudo em estado caótico, é recebido em Bissau com críticas severas à monarquia. Não se deixa enganar, é homem crescido e sabe que está a viver num tempo de vira-casacas. O acontecimento preponderante em que se centra esta recensão pára pelo conjunto de feitos do capitão João Teixeira Pinto, caber-lhe-á um papel determinante na submissão de diferentes etnias revoltosas.
Abandonando um comedimento que se exige a qualquer inventariador documental, o autor entra na defesa de Teixeira Pinto, usa mesmo exclamativas quando necessário, deixa um discurso ambíguo sobre a deportação de um comprovado biltre, Abdul Indjai, como se a colaboração entre ele e Teixeira Pinto maculasse o herói militar que irá morrer em combate em Moçambique, em plena guerra. E o autor começa igualmente a montar uma tese que jamais fundamentará de que há dois blocos em presença e em permanente tensão: a administração e os comerciantes.
Fica por explicar por que razão se meteu por caminhos tão ínvios. É pena. O levantamento ficará para o estudo, a despeito destas veleidades.
Um abraço do
Mário
A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926,
Por Armando Tavares da Silva (6)
Beja Santos
“a Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar 1878-1926”, por Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016, é um contributo documental inescapável doravante para quem se dedicar à historiografia desta região.
Estamos agora em 1910,
Carlos Pereira é o primeiro governador do regime republicano. Por razões de ofício, o novo governador expede ofício confidencial ao ministro, dando conta do que encontrou, fala de um estado caótico, de ilegalidades e de abusos. Encontrou alguns indivíduos republicanos, o que descobriu mais foram indivíduos escorraçados, e uma evidente atmosfera de intrigas. Visita Bissau e recebe queixumes do tipo
“a inglória monarquia nunca soube aproveitar-se dos valores dos submissos filhos da colónia, alguns de reconhecidíssimas aptidões”. Há um processo contra o antigo governador Oliveira Muzanty, mais uma vez se fala num nome bastante controverso, Graça Falcão. As hostilidades não se compadeceram de um novo regime político, mas não haverá operações militares. O governador quer ver resolvido um sério problema da administração colonial que era a necessidade de encontrar mão-de-obra para S. Tomé, mas o descontentamento era muito e as deserções constantes e numerosas.
O ano de 1911 vê nascer a Liga Guineense, uma associação escolar e instrutiva, um pouco moldada na lógica do centros escolares republicanos adaptada a realidade colonial. No ano seguinte haverá desacatos na circunscrição de Cacheu e um feito que colocou Carlos Pereira na história da colónia: a demolição da muralha de Bissau.
Acontecimento que se revelará marcante é a chegada de um novo Chefe de Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, traz currículo em África, depois de estudar o que podia ser a ocupação e pacificação da província, cedo descobre que a região do Oio é dos pontos fulcrais da insubmissão, é por aí que ele pretende começar. Embrenha-se no mato disfarçado, regressa doente a Bolama, lança a seguir uma operação sem poder socorrer-se dos Grumetes, mas aproveita-se dos irregulares de Abdul Indjai e de uma coluna tendo à frente o administrador de Geba, Calvet de Magalhães. Atacam o Oio, encontra-se séria oposição inicialmente, depois é bem-sucedido na companhia de Abdul Indjai e dos cerca de 400 dos seus irregulares mais um punhado de militares. Assim se chegou à submissão dos Balantas do Oio ao Norte de Bissorã.
O autor está na posse de toda a documentação necessária para nos contar com detalhe esta primeira investida de Teixeira Pinto e os capítulos subsequentes em que há acusações a Abdul Indjai, a tomada de posse do Governador
Andrade Sequeira, o massacre do Pelotão de Polícia Rural do Alferes Pedro, as novas operações de Teixeira Pinto na região e Cacheu, a chegada do novo governador,
Oliveira Duque, a coluna contra os Balantas, que contou com o apoio indispensável da Armada, bem como Abdul Indjai. Teixeira Pinto manter-se-á na Guiné até Outubro de 1914, regressa a Lisboa, mas é prontamente reenviado para a Guiné. A terceira e decisiva campanha é a de Bissau, Papéis e Grumetes estão de novo revoltados e contam com importantes apoios exteriores. Sem escusar a brutalidade e o castigo mais exemplar, os revoltosos não têm outra solução que a de submeter-se. A Liga Guineense, em conflito frontal com a política de Teixeira Pinto, é dissolvida.
Se até aqui o levantamento documental goza de um discurso neutral, há algo que vai mudar na narrativa, sente-se que Armando Tavares da Silva precisa de chamar a si a defesa do bom nome de Teixeira Pinto, recorrendo mesmo ao espólio documental dos seus herdeiros. O que vai levantar uma questão de princípio, que passa pela extensão dada à defesa do militar perante o acervo de acusações e um certo branqueamento do papel sinistro de Abdul Indjai, isto quando são elevadas as provas do exercício despótico que este antigo djila senegalês praticou em todos os locais por onde combateu, em desmandos, sequestros, prepotências que foram mais tarde o timbre da sua atuação seja no Cuor seja fundamentalmente no Oio.
É também neste contexto que o autor, sem dados factuais irrefutáveis, vai começando a montar a teoria da existência de dois campos opostos e em permanente conflito na Guiné, entre a administração e os mercadores/comerciantes. Exerceria já no dito conflito um papel maquiavélico o Secretário-Geral Sebastião José Barbosa.
Estamos já em 1916, Andrade Sequeira abandona a Guiné, a cobrança do imposto de palhota levanta muitos problemas, o autor estende-se novamente na defesa de Teixeira Pinto, não esconde o afã de deixar impoluto o nome deste herói de ocupação, Andrade Sequeira já partiu, é governador interino
Manuel Maria Coelho, este envolver-se-á numa teia de acusações a uma coluna de polícia à ilha de Canhabaque, temos depois
Carlos Ivo de Sá Ferreira governador, a partir de Junho de 1917. Dentro daquilo que é paz instável mesmo depois das operações de Teixeira Pinto, haverá novas operações e os Bijagós mantêm-se insubmissos.
Mas Portugal está em guerra, mobilizam-se tropas para a batalha na Flandres, para Angola e Moçambique, no fim do ano será assassinado Sidónio Pais, haverá novo governo e novo presidente da República, o Almirante Canto e Castro. As convulsões irão continuar, como é sabido. Voltando à Guiné, em Outubro de 1918 realizar-se-á uma operação contra os Felupes de Varela.
Oliveira Duque ainda volta à Guiné, mas por muito pouco tempo, suceder-lhe-á
Sousa Guerra.
Chegamos a outra questão emotiva que é a campanha contra Abdul Indjai e a sua deportação, novamente o autor dá espaço inusitado, até fica no ar uma réstia de possibilidade de que este chefe de guerra não se comportou como um desordeiro e um biltre, quando, afinal de contas, e o próprio autor o desvela, várias figuras que granjearam créditos militares caíram fragorosamente do auto do pódio, nada aponta para qualquer espírito de magnanimidade do aventureiro senegalês. E não há mal nenhum, naquilo que se chama a verdade dos factos, ver ligado o nome Teixeira Pinto ao de Abdul Indjai, o militar português, dentro dos parâmetros mentais da época, agiu em conformidade recrutando um senhor da guerra e já num contexto que será depois aprofundado a partir de
Vellez Caroço entre as etnias amigas, as problemáticas, as manifestamente hostis. O dividir para reinar, que presidiu a esta fase da política colonial.
Entramos agora no último período do levantamento documental, está-se em 1920, é publicada uma nova carta orgânica da Guiné, faz-se a redução para metade do número de vogais não funcionários do Conselho de Governo e comete-se exclusivamente ao governador a organização do Conselho de Governo, corpo de consulta representativo da população. Choveram críticas, encontrou-se substância para sempre que necessário, em defesa de certos interesses, vir dizer que o governador é um prepotente…
Em Lisboa, num cenário de crescentes dificuldades de todo o género, procura-se uma nova panaceia para fazer sair Portugal do pelotão dos países europeus mais atrasados, muitos defenderam o desenvolvimento colonial. Já passara o tempo em que se propunha a solução da Guiné ser transformada numa companhia majestática ou algo aparentado. Agora o modelo passava pela criação de colónias agrícolas. Haverá experiências e enormes expetativas, umas no Rio Grande, pensava-se em concessões gratuitas a colonos europeus e cabo-verdianos, demarcando reservas territoriais para os indígenas, outras com culturas altamente desenvolvimentistas, foi assim que se lançou um empreendimento que trouxe à Guiné Armando Zuzarte Cortesão, a Sociedade Agrícola do Gambiel, com sede em Bafatá.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de Julho de 2017 >
Guiné 61/74 - P17582: Notas de leitura (977): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (5) (Mário Beja Santos)