1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Dezembro de 2017:
Queridos amigos,
Como soe dizer-se no nosso tempo, organizou-se uma viagem de afetos para concelebrar em Bruxelas uma amizade começada há 40 anos, o viandante guarda uma enorme gratidão a quem lhe ensinou o elementar da política dos consumidores na Europa, a saber intervir em conferências e ateliês, a saber dirigir uma reunião de trabalho, a preparar um dossiê sobre questões tão díspares como as benzodiazepinas, o folheto informativo dos medicamentos e as vantagens/desvantagens do código de barras.
Cimentou-se a relação e deu-se naturalmente um intercâmbio de territórios. O anfitrião sabe que o seu hóspede tem uma doidice por andar a pé nas principais comunas de Bruxelas, mas viajam de carro até aos parques, que são belos e frondosos, visitam amigos comuns, talvez em Lovaina, talvez em Namur. Para o hóspede, o país é inesgotável nos seus referenciais flamengos e valões, espera enquanto tiver lucidez e pés para andar que Bruxelas seja roteiro obrigatório, sempre uma viagem de afetos.
Um abraço do
Mário
Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (4)
Beja Santos
Com o livro sobre os percursos de Bruxelas debaixo do braço, o viandante saiu de casa, apanhou o metro e saiu na estação de Porte de Hal. A caminhada vai começar no bairro de Marolles, já se disse que o Palácio da Justiça está lá por cima, com a sua omnipotência esmagadora, o que o viandante quer é bisbilhotar o reino do bricabraque num tempo em que Marolles muda de look, há pouquíssimos imigrantes, é bairro popular mas perdeu aquela ambiência proletária, tem a sua feira da ladra que funciona na Place du Jeu de Balle, é o coração do bairro. Quando saiu do metro, o viandante foi ver o que era o prato do dia na taberna do Faucon, ficou agradado com a proposta, há de voltar.
Na Rua Haute há muito para ver. A primeira imagem impressiona sempre o viandante, é a casa de um dos seus mais admirados pintores, Pieter Bruegel, temos felizmente dele um quadro admirável no Museu Nacional de Arte Antiga. A casa exibe uma fachada do século XVI, há a promessa de que um dia haverá aqui um museu e corre mesmo a intenção de mudar o nome de Marolles pelo de Bruegel. Bruegel viveu aqui entre 1562 e 1569, ano da sua morte. A sua fixação no bairro, povoado, então, de tecelões, artesãos e pintores respondeu a um pedido da sua futura mulher, que o queria afastado de Antuérpia. É neste período de vivência em Marolles que criou obras fabulosas que estão expostas no Museu Real de Belas Artes. E mostra-se um velho estabelecimento, abandonado, é uma lembrança dessa rua cheia de atividade daquele que foi o maior gueto proletário de Bruxelas, centro de agitação social, esta rua ficou conhecida pelas suas lojas de têxteis, de móveis e de alimentação.
Não pensem que o viandante mente, aqui está a imponente estatura do Palácio de Justiça, já se disse que ninguém lhe consegue escapar. Marolles é aprazível com as suas ruelas e becos, não questiono as razões que levaram os autores deste guia sobre os percursos de Bruxelas a considerá-la como caótica, seja, mas a verdade é que se pode por aqui cirandar entre o passado e o presente e sentir o peso das diferenças, comparar dois universos, sendo o viandante septuagenário atrai-o as marcas de diferentes séculos e ver edifícios e sobretudo lojas que lhe recordam a infância. E sentar-se num jardim, diante de arquitetura moderna e contemplar, embevecido, o Outono em flor.
Há livros que fazem o inventário destes belíssimos murais que se espalham pelo centro da cidade, os temas são múltiplos, vão desde as imagens históricas até à banda desenhada. O viandante caminha agora em direção às grandes avenidas e não resistiu a reter esta lembrança, são bem sugestivos estes murais, a cidade pode ser caótica não está desfiada por aquelas grafitis que nos magoam o olhar.
Não é um palácio é uma escola, faz parte daqueles tempos em que o ensino, a educação, a formação eram valores que mereciam arquitetura imponente. Imagem tirada numa bonita praça que conflui para a artéria dos bulevares que ligam a Bolsa até à Gare du Midi, onde se tomam os comboios para França, Países Baixos, Alemanha e muito mais.
Há bastante tempo que o viandante não passava pela Praça de Santa Catarina, contígua aos mais importantes restaurantes especializados em peixe. Os reis belgas, que dispunham da fortuna do Congo, procuraram encher a cidade de novos templos religiosos a imitar o antigo, ou a retocar templos barrocos. É assim com a Igreja e Santa Catarina, um edifício construído depois de derrubarem um velho tempo de que só sobra esta lembrança, muito bela, por sinal.
Como esta viagem é de peregrinação, importa explicar o porquê de uma imagem quase anódina, ou desinteressante. Trata-se da Igreja de Santa Madalena encostada a um edifício onde durante anos houve um velho hotel. Quando o viandante aqui desembarcou, 40 anos atrás, na Gare Central, em frente tinha um descampado, restava esta igreja, tinha resistido à terraplanagem, ao longo destas décadas o quarteirão recebeu hotéis e escritórios, resta dizer que a arquitetura respeita algum traçado antigo e não tem escala agressiva. Pois aqui o viandante se albergou num hotel que tinha um nome medieval, Hôtel des Éperonniers, a rua com o mesmo nome referente a fabricantes de esporas, o que faz sentido, ali à volta há a rua das especiarias, a rua do carvão, a rua da manteiga, nomes bem bonitos que os responsáveis pela toponímia tiveram a sensatez de não apagar. E o viandante avança de novo para os grandes bulevares.
Começou-se em Marolles, percorreu-se o Sablon, avançou-se para o centro da cidade. Ainda houve a tentação de visitar uma bela exposição de Magritte, patente no museu do mesmo nome, ou entrar na Biblioteca Real da Bélgica, situada no Monte das Artes. Mas não, o viandante especou-se de costas à fachada do Teatro de La Monnie, frente a uma arquitetura arrojada, é um diálogo que não corre mal naquele eixo dos grandes bulevares que se estendem até à Praça Rogier, não é incomum o viandante, em deambulações nesta área, ir até à Igreja de Nossa Senhora de Finisterra, mas toma a decisão súbita de ir visitar o Palácio das Belas Artes, tem saudades dos tetos da Galeria Ravenstein. Atenda-se ao que se escreve no livro dos percursos de Bruxelas: “Demore-se por esta fascinante galeria comercial englobada num vasto edifício de escritórios concebido em 1954 pelos arquitetos Alexis e Phillipe Dumont. Siga por esta passagem de luz celestial para desembocar na impressionante cúpula em betão, ornamentada por tijolos de vidros dispostos em círculos concêntricos; visão vertiginosa de uma composição magistral que não nos cansamos de contemplar. Volte de novo para trás e dê consigo em Bruxelas central”. Foi exatamente o que o viandante fez, acusa cansaço, regressa a casa, em Watermael-Boisfort, amanhã é dia de grande azáfama, com o seu anfitrião vão até Namur, visitar uma amiga e depois calcorrear a cidade.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18327: Os nossos seres, saberes e lazeres (253): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (3) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 24 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18348: Parabéns a você (1394): António Cunha, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66) e Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista das LDMs 301 e 107 (Guiné, 1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de > Guiné 61/74 - P18343: Parabéns a você (1393): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70); José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 (Guiné, 1967/69) e José Maria Claro (DFA), ex-Soldaddo Radiotelegrafista da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18347: Fotos à procura de... uma legenda (101): a "turpeça" do Jorge Araújo (ex-fur mil op esp/ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974)
Guiné > Região de Bafatá > Xime > Tabanca > c. agosto / setembro de 1972 > O nosso camarada Jorge Araújo sentado na sua "turpeça"..
Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > Os dois régulos locais com as suas "turpeças" que nunca largam por nada deste mundo... Dois tipos agarrados ao poder, deve ter pensado o régulo da Tabanca de Matosinhos, Zé Teixeira... Sentar-se no banquinho do régulo é punível com a pena capital... Os felupes não fazem a coisa por menos...
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Caro Luís,
Será que pode-se considerar uma "turpeça", onde me encontro sentado? A ser verdade, deve ser uma muito antiga, ou um modelo diferente das que vimos nas fotos do camarada Zé Teixeira. (*).
Ab. Jorge Araújo.
2. Comentário do editor LG:
Jorge, é surpreendente a capacidade de resposta dos nossos grã-tabanqueiros, a qualquer hora do dia, da noite ou da semana... Há sempre uma história, uma foto, um episódio, uma expressão, uma palavra... a propósito de tudo ou quase tudo o que aqui abordamos, relativamente à nossa querida Guiné, às suas gentes, à sua cultura, à sua história e à nossa relação com aquela terra, aquele povo...
Obrigado pela tua foto, enviada carinhosamente, "just in time"... Pois, claro, que é uma "turvela" o banquinho em que estás sentado, com uma criança ao colo e com uma catana na mão direita... Deve ser no Xime, por volta de 1972, mas também podia ser no Enxalé ou em Mansambo (aqui menos provável, já que a população era reduzida, pelo menos no meu tempo, aos guias das NT e suas famílias).
É uma "turvela", sim, senhor, embora mais tosca do que as dos "colegas" do nosso Zé Teixeira, os régulos de Djufunco, no chão felupe... As "turpeças" deles são mais artísticas e mais leves, e curioso, têm uma reentrância que facilita o seu transporte manual...
Mais curioso ainda, e não vá o irã tecê-las, têm uma cordel atado à mão do régulo que é o único (e cioso) proprietário do "banquinho"... Não sei o que é que aconteceria Zé Teixeira (ou a esposa) se se sentasse, inadvertidamente, na "turpeça" do régulo... No mínimo, teríamos um grave incidente diplomático... Ainda bem que o Zé Teixeira é um profundo conhecedor das idiossincrasias guineenses... e sobretudo é um homem sábio.
Mais curioso ainda, e não vá o irã tecê-las, têm uma cordel atado à mão do régulo que é o único (e cioso) proprietário do "banquinho"... Não sei o que é que aconteceria Zé Teixeira (ou a esposa) se se sentasse, inadvertidamente, na "turpeça" do régulo... No mínimo, teríamos um grave incidente diplomático... Ainda bem que o Zé Teixeira é um profundo conhecedor das idiossincrasias guineenses... e sobretudo é um homem sábio.
A tua "turvela", meu caro Jorge, parece ser fula e, nesse caso, diz-se um "cirã"... Em mandinga, não sei como se diz... Oferecer uma "turvela" a um convidado, estrangeiro como nós, era um ato de grande hospitalidade e de deferência... Claro que não era pelos nossos lindos olhos mas pelo que representávamos, aos olhos dos régulos, das milícias e da população...
Recordo-me de, em Saré Ganá (**), com dois meses e meio de Guiné, ainda "periquito" com todas as penas verdes no corpo, me terem "oferecido" (sic) uma morança , uma enxerga de palha de capim, uma "turpeça" e... uma jovem trintona (uma das mulheres do comandante da milícia), quando fui, com uma secção, reforçar o frágil sistema de autodefesa da tabanca, no desgraçado regulado de Joladu, no subsetor do Geba...
Meio embaraçado com a hospitalidade local (fula ou mandinga?), foi lá que me apercebi do profundo significado socioantropológico de ter ou não ter uma "turpeça"... Os meus soldados, fulas, dormiam numa esteira, quer dizer, no chão... e comiam à volta de um alguidar de arroz, acocorados no chão... Só ontem, ao fim de quase 50 anos, é que eu ouvi ou li, pela primeira vez, a palavra "turpeça"... e apercebi-me da importância de se ter ou não uma "turpeça" naquelas paragens, ontem e hoje...
_____________Meio embaraçado com a hospitalidade local (fula ou mandinga?), foi lá que me apercebi do profundo significado socioantropológico de ter ou não ter uma "turpeça"... Os meus soldados, fulas, dormiam numa esteira, quer dizer, no chão... e comiam à volta de um alguidar de arroz, acocorados no chão... Só ontem, ao fim de quase 50 anos, é que eu ouvi ou li, pela primeira vez, a palavra "turpeça"... e apercebi-me da importância de se ter ou não uma "turpeça" naquelas paragens, ontem e hoje...
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P535: Fátima, a furtiva gazela de Sare Ganá (Luís Graça)
Guiné 61/ 74 - P18346: (D)o outro lado do combate (19): Os fracassos assumidos pelo PAIGC no ataque a Buba, de 12 de outubro de 1969 … E os outros que se seguiram (ao tempo da CCAÇ 2382 e do Pel Mort 2138) - Parte I (Jorge Araújo)
Foto do camarada Francisco Gomes, 1.º cabo escriturário da CCS/BCAÇ 2834 (Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Cacine, Gadamael (1968/1969). In: https://guine6869.wordpress.com/album/ (com a devida vénia.
Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC NO ATAQUE A BUBA [12OUT1969] … E OS OUTROS QUE SE SEGUIRAM (AO TEMPO DA CCAÇ 2382 E DO PEL MORT 2138 - Parte I
por Jorge Araújo
Nas últimas três narrativas estivemos focalizados na região de Buba, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138, com a primeira visita a acontecer por acaso, quando encontrámos uma foto de um «espaldão de morteiros 81» no Arquivo Amílcar Cabral, localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares, e que, após identificado o local, nos permitiu chegar ao episódio de um ataque a esse Aquartelamento ocorrido em 12 de Outubro de 1969, domingo. Desse ataque foi produzido um “Relatório do Ataque”, como procedimento habitual, redigido pelo CMDT da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [vidé P18223].
Por efeito da pesquisa com ela [foto] relacionada, na qual se adicionou o contributo escrito das NT, tivemos acesso, «do outro lado do combate», a um relatório, sem referência ao seu autor, elaborado a propósito “das operações militares na Frente Sul”, realizadas pelo PAIGC no último trimestre de 1969, onde se incluía a análise crítica a um primeiro ataque a Buba efectuado naquele dia 12 de Outubro, com se indica acima [http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_40082 (2018-1-20).
Aí são apresentadas as principais razões para os fracassos contabilizados nessa acção [P18244].
Finalmente, e para concluir a investigação sobre os Pelotões de Morteiros que passaram pelo Aquartelamento de Buba, foi elaborado um cronograma com essas Unidades, tendente a identificar os períodos das suas respectivas comissões, no quadro temporal iniciado em 1964 até 1974 [P18283].
Por todas estas razões, o presente trabalho procura dar sequência ao modo como os responsáveis do PAIGC (re) agiram aos fracassos anteriores e o que preconizaram fazer depois disso, e com que resultados.
2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…
Recorda-se que este primeiro ataque só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo capitão cubano Pedro Peralta e por Nino Vieira.
Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, no dia 7 de Outubro, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à Pista de aviação, detectou um guerrilheiro nas imediações da Pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3, recorte abaixo).
Pelo acima exposto, confirma-se, então, o que é descrito no relatório da acção do PAIGC; “no cumprimento desta última missão de reconhecimento temos a lamentar a morte de um camarada e o ferimento de outros dois, entre os quais o camarada CAETANO SEMEDO, em consequência da detonação duma mina antipessoal” [P18244].
"Esta operação, que deveria ter início pelas 17 horas, só se iniciou meia hora mais tarde devido a atrasos na instalação dos canhões. O ataque iniciou-se com fogo dos canhões B-10, que falharam os alvos, tendo apenas dois obuses atingido o quartel. O inimigo [NT] respondeu com um nutrido fogo de morteiros [Pel Mort 2138], canhões [2.º Pelotão/BAC], metrelhadoras e armas ligeiras [CCAÇ 2382 + Pel Milícia]. Além disso, unidades inimigas [NT] de infantaria cruzaram o rio [de Buba], pondo sob a ameaça de liquidação do posto de observação, os canhões, em retirada, e os morteiros".
Citação: (1963-1973), "Irénio Nascimento Lopes; ensinando os combatentes do PAIGC a manobrar um canhão sem recuo [B-10] de origem soviética", [será que se trata do actual presidente da Federação de Futebol da Guiné-Bissau - Manuel Irénio Nascimento Lopes “Manelito”?] CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_43809 (2018-2-2).
"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."
Em função do desempenho das NT, que certamente teria provocado uma “louca correria” [digo eu] dos diferentes grupos em direcção a terrenos mais protegidos e estáveis, o que não é de estranhar neste contexto, não houve tempo para utilizar a totalidade do material de guerra transportado para o local do ataque e que, em princípio, seria todo para “queimar”. Assim sendo, e porque era mais cómodo e mais fácil correr sem pesos nas mãos ou noutros locais, grande parte desse material ficou no terreno, sendo recolhido no dia seguinte pelas NT. Disso dá-nos conta a “História do Pel Mort 2138, p.90”.
Como consequência dos sucessivos fracassos observados nas suas acções contra o contingente sedeado em Buba [NT], foi aprovado pelos comandantes da Frente Sul [que desconhecemos] a realização de um segundo ataque a esse aquartelamento, com a inclusão de alterações estratégicas e de outros procedimentos operacionais.
Como elemento histórico, seguidamente daremos conta do seu conteúdo, dividido em pequenos fragmentos, ficando a sua conclusão para a Parte II, a publicar oportunamente.
"Utilizávamos, pela primeira vez, os “rádios 104” para garantir a comunicação entre o posto de observação e a posição de fogo. Infelizmente, estes não funcionaram no momento em que se devia iniciar a operação, forçando-nos a adiá-la para o dia seguinte, com a substituição dos rádios por telefones."
"De novo tivemos de suspender a operação que devia ter lugar no dia 11 [Dez’69], devido a uma série de falhas nas instalações telefónicas e, mais tarde desistir da utilização da artilharia, dada a actuação independente da infantaria, com a qual, por falta de meios de comunicação, não foi possível combinar um outro plano em substituição do que estava previsto."
Final da Parte I.
Na Parte II deste tema, serão abordados os seguintes pontos:
1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.
2 – Análise crítica sobre os aspectos que influenciaram a marcha das operações, como sejam: o reconhecimento dos quartéis; equipamento (fardamento); alimentação; comunicações e funcionamento do corpo de exército.
Obrigado pela atenção.
Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
05FEV2018.
__________________
Nota do editor::
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)
Aí são apresentadas as principais razões para os fracassos contabilizados nessa acção [P18244].
Finalmente, e para concluir a investigação sobre os Pelotões de Morteiros que passaram pelo Aquartelamento de Buba, foi elaborado um cronograma com essas Unidades, tendente a identificar os períodos das suas respectivas comissões, no quadro temporal iniciado em 1964 até 1974 [P18283].
Por todas estas razões, o presente trabalho procura dar sequência ao modo como os responsáveis do PAIGC (re) agiram aos fracassos anteriores e o que preconizaram fazer depois disso, e com que resultados.
2. OS FRACASSOS ASSUMIDOS PELO PAIGC EM 12OUT1969… E OS SEGUINTES…
Recorda-se que este primeiro ataque só foi concretizado depois de um longo período de minucioso reconhecimento sobre as melhores condições geográficas para a actuação da artilharia com três posições de fogo distintas. Por outro lado, esse reconhecimento previa também identificar as melhores vias de acesso para a infantaria e locais para a sua disposição, uma vez que iriam estar no terreno um universo superior a três centenas de combatentes, comandados pelo capitão cubano Pedro Peralta e por Nino Vieira.
Entretanto, durante esse reconhecimento, um grupo de guerrilheiros foi descoberto pelas NT, no dia 7 de Outubro, quando o sentinela do Pel Mort 2138, colocado no posto de vigia junto à Pista de aviação, detectou um guerrilheiro nas imediações da Pista. No dia seguinte (dia 8), na continuação do reconhecimento supra, um grupo IN accionou uma mina A/P reforçada implantada pelas NT junto ao cruzamento das estradas de Nhala e Buba (in: História do Pel Mort 2138, p3, recorte abaixo).
"Nestas condições, abortou a acção da artilharia, que teve que se retirar, sempre debaixo do fogo das armas pesadas do inimigo [NT]. Como não actuou a artilharia, tampouco actuou a infantaria. Tivemos duas baixas na operação: dois feridos, um dos quais veio a falecer mais tarde. Além disso, temos a lamentar a morte de um camarada de infantaria, por acidente."
Infogravura adaptada do livro «Guerra Colonial», do Diário de Notícias, p. 295.
As setas a amarelo servem para referenciar a zona onde se iniciou o ataque.
Como curiosidade, uma outra situação de captura de material ao PAIGC já se tinha verificado um ano antes, mais concretamente em 23 de Novembro de 1968, sábado, pelas 15h30, quando elementos da mesma Unidade - CCAÇ 2382/BCAÇ 2834 (1968/1969) -, que se encontravam perto do cruzamento de Buba, contactaram com uma coluna de reabastecimento IN, causando a estes baixas prováveis.
Foram apreendidas [, vd. foto acima]:
- 74 granadas RPG;
- 16 granadas de Morteiros 82;
- 3 minas anticarro;
- 11 minas antipessoais;
- 20 cunhetes 7,9 mm;
- muitos medicamentos e géneros enlatados, incluindo um "poster" do 'Che' Guevara [in; História da Unidade, da qual retirámos a citação que abaixo se reproduz].
Como elemento histórico, seguidamente daremos conta do seu conteúdo, dividido em pequenos fragmentos, ficando a sua conclusão para a Parte II, a publicar oportunamente.
3. O SEGUNDO ATAQUE A BUBA EM 10DEZ1969)… QUE PASSOU PARA 11DEZ1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO
"Dado o fracasso da primeira operação contra Buba, tentada no dia 12 de Outubro [1969], foi decidido cumprir a missão de atacar Buba na fase final da campanha [último trimestre]. Para isso levámos a cabo novos reconhecimentos: novas vias de acesso para a infantaria e escolha de novo posto de observação.
As nossas forças deviam actuar no dia 10 de Dezembro [1969], quarta-feira, com os seguintes efectivos [indicam-se no quadro abaixo, como elemento de comparação logística, as quantidades utilizadas no 1.º ataque]:
"Deviam actuar primeiro as peças do GRAD, em seguida os morteiros 120 da mesma posição de fogo que as peças do GRAD e, por último, a infantaria devia assaltar o quartel."
"Dado o fracasso da primeira operação contra Buba, tentada no dia 12 de Outubro [1969], foi decidido cumprir a missão de atacar Buba na fase final da campanha [último trimestre]. Para isso levámos a cabo novos reconhecimentos: novas vias de acesso para a infantaria e escolha de novo posto de observação.
As nossas forças deviam actuar no dia 10 de Dezembro [1969], quarta-feira, com os seguintes efectivos [indicam-se no quadro abaixo, como elemento de comparação logística, as quantidades utilizadas no 1.º ataque]:
Desenvolvimento da acção:
"Deviam actuar primeiro as peças do GRAD, em seguida os morteiros 120 da mesma posição de fogo que as peças do GRAD e, por último, a infantaria devia assaltar o quartel."
Citação: (1963-1973), "Operador de rádio da guerrilha", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43758 (2018-2-2)
Na Parte II deste tema, serão abordados os seguintes pontos:
1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.
2 – Análise crítica sobre os aspectos que influenciaram a marcha das operações, como sejam: o reconhecimento dos quartéis; equipamento (fardamento); alimentação; comunicações e funcionamento do corpo de exército.
Obrigado pela atenção.
Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
05FEV2018.
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Nota do editor::
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18244: (D)o outro lado do combate (17): ataque a Buba em 12 de outubro de 1969, ao tempo da CCAÇ 2382 e Pel Mort 2138: os fracassos assumidos pelo PAIGC (Jorge Araújo)
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Pel Mort 2138
Guiné 61/74 - P18345: Fotos à procura de... uma legenda (100): quem não tem "turpeça", senta-se no chão... e quem "turpeça" também cai...
Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > O local sagrado das reuniões da comunidade, que neste dia se abriu pela primeira vez para reunir com a comunidade de brancos que visitou a tabanca, vendo-se os régulos no lugar que ocupam habitualmente, sentados nas suas "turpeças".
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Na sua visita a Jufunco, no chão felupe, em maio de 2013, o José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos, fez as seguintes observações sobre os seus "pares", os régulos locais, e os seus símbolos do poder:
O grande músico guineense Binham tem uma canção chamada "Turpeça de mortu"... Tenho pena de não "apanhar" a letra... Julgo que ele vem da melhor tradição da grande música guineense, de crítica social e de intervenção cívica e política (Zé Carlos Schwarz, etc.)... Talvez aqui o Cherno Baldé nos possa, mais uma vez, dar uma ajudinha a perceber a letra... Há um videoclipe disponível no You Tube...
(...) O régulo faz-se acompanhar de um pequeno banco em madeira, onde só ele se pode sentar, sob pena de perda de vida. Mesmo quando nos acompanharam pela tabanca, levavam o banco debaixo do braço e, quando parávamos, sentavam-se nele. Cada terra tem seus usos e costumes, mas este é, com o devido respeito, deveras estranho.
Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.
Neste local sagrado, os dois régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho".(...)
Pudemos visitar o chão sagrado debaixo do poilão onde o povo simples vai encontrar-se com o Irã, o espírito superior, para implorar proteção e cura dos seus males, bem como o local sagrado onde os homens grandes se reúnem para decidir sobre as grandes questões que afetam o seu povo.
Neste local sagrado, os dois régulos sentados no seu banco tradicional explicaram como se desenvolvem as reuniões da comunidade, cujas decisões são seladas com um jantar bem regado com vinho de palma e aguardente de cana. Do animal morto para o repasto ficam ali guardados a cabeça ou parte da dentuça como sinal de que houve acordo e o mesmo deve ser posto em prática. Isto fez-me lembrar os meus tempos de criança quando os homens de negócios nesse interior de Portugal selavam os seus acordos com uma caneca de saboroso vinho".(...)
2. Em crioulo, este "banquinho" (que é mais do que um adereço da casa que serve para a pessoa se sentar-se) chama-se "turpeça"... Em fula, é "ciran" ou "cirange" (no plural). Alguns de nós, como o António J. Pereira da Costa ou eu próprio, temos em casa objetos destes, feitos em madeira, com função de adorno ou peça de artesanato "guineense"...
O termo apareceu-nos no subtítulo de um livro, da autoria de Santos Fernandes, recenseado pelo Beja Santos: "Lideranças na Guiné-Bissau: avanços e recuos". Na capa vem um destes banquinhos tradicionais, de que todos estamos lembrados: com a seguinte legenda: "a imagem de 'turpeça', símbolo de poder na Guiné-Bissau" (**).
O nosso querido amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, contou-nos, a propósito, a seguinte históira: "O caso mais insólito que observei com este fenómeno das 'Turpeças', aconteceu em 2004 quando o Ministério das Obras Públicas, onde trabalhava, convidou as autoridades locais das ilhas dos Bijagós para uma reunião de concertação em Bissau. Estranhamente, todos traziam consigo uma 'turpeça', a sua 'turpeça', porque na sua tradição estava consignado que deveriam utilizar sempre aquela e não outra qualquer. Fiquei estupefacto, mas é a realidade. Não conhecia e nunca tinha visto" (**).
3. O vocábulo ainda não vem nos dicionários da língua portuguesa, e nomeadamente no Houaiss. Mas acho que o temos de grafar. Não era, que me lembre, usado no tempo colonial... Mas hoje é usado, pelos guinenses, urbanizados. Ou faz parte do "calão político": tenho-o encontrado com significado equivalente à nossa "cadeira do poder"... Fala-se por exemplo dos dirigentes partidários instalados nas suas "turpeças", de costas viradas para o povo...
E é nesse sentido que temos de entender as argustas observações etnográficas registadas pelo "régulo" Zé Teixeira, quando foi em 2013 a Jufunco em visiat aos seus colegas... O tal "banquinho" é, antes de mais, um símbolo de poder... Quem tem poder, tem "turpeça"... Quem não tem, senta-se no chão... O chão é o plano da igualdade... O chefe, nas línguas latinas, vem do "caput" (cabeça): chefe é aquele cuja cabeça sobressai da multidão de cabeças, o povo, o grupo, os outros... Daí o "banquinho", o "cirã", a "turpeça", a "cadeira", o "trono", o "penacho", o "chapéu", a "coroa", as "divisas", os "galões", as "dragonas", enfim, todos os símbolos de status que conferem poder, autoridade... (Mas há uma diferença semântica e conceptual entre líder e chefe: liderança é uma relação, chefia um atributo).
O termo apareceu-nos no subtítulo de um livro, da autoria de Santos Fernandes, recenseado pelo Beja Santos: "Lideranças na Guiné-Bissau: avanços e recuos". Na capa vem um destes banquinhos tradicionais, de que todos estamos lembrados: com a seguinte legenda: "a imagem de 'turpeça', símbolo de poder na Guiné-Bissau" (**).
O nosso querido amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, contou-nos, a propósito, a seguinte históira: "O caso mais insólito que observei com este fenómeno das 'Turpeças', aconteceu em 2004 quando o Ministério das Obras Públicas, onde trabalhava, convidou as autoridades locais das ilhas dos Bijagós para uma reunião de concertação em Bissau. Estranhamente, todos traziam consigo uma 'turpeça', a sua 'turpeça', porque na sua tradição estava consignado que deveriam utilizar sempre aquela e não outra qualquer. Fiquei estupefacto, mas é a realidade. Não conhecia e nunca tinha visto" (**).
3. O vocábulo ainda não vem nos dicionários da língua portuguesa, e nomeadamente no Houaiss. Mas acho que o temos de grafar. Não era, que me lembre, usado no tempo colonial... Mas hoje é usado, pelos guinenses, urbanizados. Ou faz parte do "calão político": tenho-o encontrado com significado equivalente à nossa "cadeira do poder"... Fala-se por exemplo dos dirigentes partidários instalados nas suas "turpeças", de costas viradas para o povo...
O grande músico guineense Binham tem uma canção chamada "Turpeça de mortu"... Tenho pena de não "apanhar" a letra... Julgo que ele vem da melhor tradição da grande música guineense, de crítica social e de intervenção cívica e política (Zé Carlos Schwarz, etc.)... Talvez aqui o Cherno Baldé nos possa, mais uma vez, dar uma ajudinha a perceber a letra... Há um videoclipe disponível no You Tube...
O crioulo é fascinante. A(s) língua(s) humana(s) é(são) fascinante(s). Infelizmente não podemos dominá-las todas... Mas acho que o termo "turpeça" deve ser grafado e enriquecer a nossa lusofonia. Mas pergunto, na minha "santa ingorância": o vocábuo "turpeça" (em crioulo) não será uma corruptela do português "tripeça", assento, também baixinho, composto de 3 pés, e sem encosto ?
Aqui fica mais uma pista para os nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné. (***)
_________________
tripeça | s. f.
tri·pe·ça |é|
(tri- + peça)
substantivo feminino
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tripeça | s. f.
tri·pe·ça |é|
(tri- + peça)
substantivo feminino
1. Assento de três pés e sem encosto. = TRIPÉ
2. [Figurado] Ofício de sapateiro.
3. [Burlesco] Grupo de três pessoas que andam sempre juntas.
cair da tripeça
• Ter idade avançada e indícios de senilidade.
"tripeça", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/tripe%C3%A7a [consultado em 22-02-2018].
2. [Figurado] Ofício de sapateiro.
3. [Burlesco] Grupo de três pessoas que andam sempre juntas.
cair da tripeça
• Ter idade avançada e indícios de senilidade.
"tripeça", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/tripe%C3%A7a [consultado em 22-02-2018].
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11923: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (12): Djufunco, a hospitalidade felupe, a solidariedade portuguesa
(**) 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18339: Bibliografia (46): “Lideranças na Guiné-Bissau, Avanços e recuos”, por Santos Fernandes, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 10 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11923: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (12): Djufunco, a hospitalidade felupe, a solidariedade portuguesa
(**) 21 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18339: Bibliografia (46): “Lideranças na Guiné-Bissau, Avanços e recuos”, por Santos Fernandes, Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P18344: Notas de leitura (1043): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (23) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2017:
Queridos amigos,
Tudo quanto se escreve neste documento é de uma extrema gravidade. A Guiné Portuguesa, nas vésperas da II Guerra Mundial, tem à frente um governador indigno cercado de uma alcateia de corruptos. O que aqui se afirma sobre a pacificação de Canhabaque põe às avessas o que consta na historiografia oficial. E no seu todo o documento do gerente Virgolino Teixeira revela o lado mais funesto de um colonialismo quase sem regras. Bom, os governadores que se seguem continuam a gozar de uma imagem de rigor e integridade, felizmente.
Um abraço do
Mário
Carta da Guiné de 1933
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (23)
Beja Santos
O documento chancelado como “Absolutamente Confidencial”, que o gerente Virgolino Teixeira enviou dirigido ao Presidente do Conselho Administrativo do BNU, em 10 de Outubro de 1938, é uma peça irrecusável para o estudo da Guiné no período que precede a II Guerra Mundial. É devastador na carga denunciante, começa nas imoralidades que atribui ao Governador Carvalho Viegas, não deixa pedra sobre pedra o estado das instituições, desentranha o mau funcionamento de toda a economia, como se procurou exemplificar nos dois textos anteriores.
Agora vai falar de uma coisa que lhe interessa particularmente, que tem a ver com o seu múnus:
“Um dos pontos mais interessantes ligado à economia da colónia é a questão das transferências. A respectiva comissão reguladora funciona em Bolama pela razão do senhor Governador Viegas querer pôr e dispor das disponibilidades para fazer figura de grande financeiro e provar ao senhor ministro que a colónia paga tudo, no exterior, e até antecipadamente. Para isto, fica a parte do leão, mas que leão, para o Estado, e fica… quase nada para as transferências comerciais do banco e dos particulares. Mas isto não interessa ao senhor governador que só pensa no fortalecimento da sua posição pessoal. E para atingir os cumes dos altos problemas financeiros, entra a acumular milhares de contos na metrópole – à custa do sacrifício das disponibilidades da colónia – e paga, de uma só vez, a dívida da colónia que podia pagar em dezenas de anos. É certo que o orçamento da colónia deixa de ter o peso do encargo da amortização anual. Mas o comércio e os particulares, principalmente, ficam arrasados porque, como se esperava e se fez sentir ao senhor governador, a colónia entraria, por força, no desgraçado regime de falta de transferências. Sabia o senhor governador Viegas que a desgraçada situação que ia criar à colónia. Nada o deteve porque, acima de tudo estava o interesse pessoal e, diga-se com desassombro, criminoso.
A todas as razões respondia, tanto a mim como a outros: não tenho dó do comércio ou dos particulares, eles que comprem frangos para transferir ou que vão transferir à Casa Gouveia. Há tanto de imoralidade neste estribilho como há de ilegalidade. É o chefe supremo da colónia a incitar ao desrespeito à lei. É o chefe supremo da colónia a canalizar as transferências da colónia para a Casa Gouveia que chega a cobrar – com conhecimento dele – 13 a 15% de prémio, metendo-lhe nos cofres milhares de contos e criando ao comércio e aos particulares situações desgraçadíssimas. O particular não tem defesa. Tem que dar pão a filhos e pais que têm na metrópole. A Casa Gouveia, com o beneplácito do senhor governador, tira-lhe a pele na transferência. O comerciante, cuja pele vai também para a Casa Gouveia, sustenta preços na relação do que Gouveia lhe leva. A vida encarece, os géneros escasseiam e a colónia desacredita-se no exterior, porque não cumpre pontualmente os seus compromissos. É este o quadro criado conscientemente, criminosamente, pelo senhor governador Viegas. Mas agora que o vê, quer desfazer-se da responsabilidade que tem. Agora que vê a colónia a braços com a desgraçadíssima que lhe criou, usa e abusa daquela formidável falta de carátcer que Nosso Senhor lhe deu e despede, sem inteligência mas com a mais solerte velhacaria, na culpa para o actual Encarregado de Governo – pessoa moral que não pode ser atingida sob aspecto nenhum – e para o gerente do banco, a pessoa que menos tem a ver com o estado de coisas que o senhor governador Viegas criou.
Não há que recear as suas investidas. Usa do embuste e da mentira. É fácil desmascará-lo com dois números e três considerações”.
O gerente também procura pôr em pratos limpos o timbre político do governador. Atribui-lhe a responsabilidade de ter demorado a criar a União Nacional na Guiné. Sem grande fé nacionalista, escolheu para vítima o Dr. Severiano de Pina, advogado que ele pusera em juiz interino, por um lado elogiava-o e por outro denunciava-o como perigosíssimo elemento político contra a Ditadura. O ministro das colónias demitiu o Dr. Pina, o governador Viegas chamou-o para lhe dizer que tinha acabado de saber que ele era vítima de manejos políticos dos nacionalistas, pedia-lhe para aceitar a demissão dos cargos que exercia. E quando vai a Lisboa, o governador Viegas acusa o Encarregado de Governo de ser o perseguidor político do Dr. Pina.
Um dos libelos mais pesados deste documento recai sobre a campanha levada a efeito pelo governador Viegas contra os Canhabaques, ele procura esclarecer a situação:
“Os Canhabaques estão absolutamente insubmissos à nossa soberania. O senhor governador Viegas fez-lhe guerra mas guerra sem plano, sem método e sem finalidade de antemão marcada. Os Canhabaques, fornecidos de pólvora pelo Pinho Brandão, matavam à farta os nossos soldados. Na oficialidade, seguia magoado mas cumprindo ordens o Chefe do Estado-Maior, Capitão Rodrigues. Os Canhabaques mataram e a certa altura o senhor governador Viegas resolveu considerá-los pacíficos e retirou… vencido. É a verdade. Fez alarde de vitória. Distribuiu louvores. Propôs condecorações aos heróis e sentou-se à secretária para escrever então os planos de combate que se ele se descuida mais em fazê-los seriam talvez um trabalho póstumo. Pelo menos o foram, em relação à acção. Em Lisboa, como é natural, pois um governador da colónia deve ser uma pessoa leal e honrada, que não mente, acreditaram e os Canhabaques ficaram então… submissos de todo.
O governador vai a Lisboa; os Canhabaques continuam a fazer das suas e o então Encarregado de Governo – nulidade moral e intelectual – vê uma ocasião de ser também herói e pede material de guerra e guerreiros de terra, mar e ar. Coisa de arromba. O seu telegrama devia ter sido bomba que caiu no ministério. Chamado o senhor governador Viegas, este deve ter desmentido tudo e dito que voltava já para a colónia para provar que tudo era falso. E veio e chamou o traidor que vendia pólvora aos Canhabaques e disse-lhe: ou você me traz aqui Canhabaques a prestar vassalagem ou meto-o a ferros. O Victor Hugo chamou-o e disse-lhe: ou me dás já uns 17 contos para eu tapar um roubo que fiz e está na iminência de ser descoberto, ou vais já a ferros. O homem e dinheiro lá seguiram. Lembrou-se talvez de Egas Moniz. Como tem por amante uma Canhabaque, apresentou-se ao chefe com mulher, filho, tabaco e aguardante e jurou-lhes que podiam vir a Bolama, prestar vassalagem ao governo que ele jurava que lhes não faziam mal. Os chefes beberam, fumaram, exigiram que o Pinho Brandão deixasse filhos e mulher como reféns e vieram a Bolama onde foram recebidos no Palácio do Governo, como hóspedes ilustres. E para que a farsa seja mais completa, o senhor governador gritou logo na TSF a submissão absoluta dos Canhabaques à sua pessoa. Enfim, os Canhabaques eram amigos. Mas ele é que lá não vai pagar-lhes a visita, sob pena da cabeça lhe rolar dos ombros se se internar na ilha.
Tudo o que ele tiver dito para Lisboa sobre Canhabaque é mentira pura, e sabe-se que é por o Encarregado de Governo – ferido por ele – nesta questão, contou a quem quis tudo que de confidencial o senhor governador Viegas oficiara sobre o caso. Tudo mentira.
Depois, o senhor governador Viegas, tendo terminado os planos póstumos da sua guerra, publicou um livro sobre ela, que distribuiu. Deu-me um mas veio depois pedir-me que o escondesse porque o senhor ministro não consentia que tal documento circulasse.
Como V. Exa. vê, tudo, absolutamente tudo, que este homem faz e diz é embustice, é mentira, é imoralidade.
Veja V. Exa. este ridículo, esta trapalhice. Para ter a popularidade dos negros, chama um pintor de fancaria, dá-lhe uns poucos de contos e manda-o fazer uma tela, corpo inteiro, do governador preto Honório Barreto. E o modelo? Pergunta o pintor. E um retrato do homem, ao menos, para me guiar. Não há, deixe-se disso, pinte lá um governador preto. Ele já morreu há tantos anos que não há quem se lembre da cara dele. E, que diabo, as pessoas mudam. E o pintor pintou um mamarracho com que o senhor governador Viegas encheu a parede do seu gabinete de trabalho, mas tendo o cuidado de escolher a parede atrás das costas, como se tivesse remorsos do que fez e receio de olhar de frente para o governador Honório Barreto, mesmo não sendo ele pintado. Mentira, em tudo desonestidade de processos. Em tudo vilania”.
Já na fase final do seu libelo acusatório, Virgolino Teixeira dá remédio para pôr termo a estas chusmas de imoralidades:
“Não são precisas violências. É preciso apenas o governo central conhecer com verdade esta montanha de mentiras que tem sido o governo do governador Viegas. Todos têm certeza que é tão alta a honestidade do governo da nação que ele acabará como tão desgraçado e infame estado de coisas, logo que haja quem, honesta e desassombradamente sem paixões, grite contra quem comete o crime que está fazendo o governador da Guiné.
É esta a única e suficiente esperança que as gentes honradas da Guiné têm. É tempo de se terminar com a bacanal tremenda de trapalhices de tal homem cuja fibra moral nem se torceu ante o cometimento da mentira de lesa-Pátria que é a história de Canhabaque. É preciso que nesse governo seja colocado uma figura moral que conheça a Guiné e que não tenha medo de enfrentar a quadrilha que a infesta. É grave o que aqui escrevo. Mas empenho junto de V. Exa. a minha honra de que tudo é absolutamente verdade. E nenhuma paixão pessoal me move contra o senhor governador Viegas, com quem tenho mantido todas as boas relações que me são obrigadas pelo cargo. Individualmente, repugna-me; porque sou português daqueles que não admitem actos infames em quem deve dar altos exemplos morais que não desonrem o nome da pátria. Perdoe tê-lo importunado com tanto que escrevi. Fico bem escrevendo a V. Exa. o que escrevi, porque tenho a esperança que V. Exa. poderá contribuir, junto de quem direito, para que acabe esta tristíssima desgraça que assolou e assola a Guiné, na pessoa do senhor governador Viegas”.
Reitero que nada de semelhante lera em tais tipos de libelos. Tratar-se-ia de uma época em que a administração em Lisboa facilitava as línguas soltas, os termos desbragados, pretendia-se a verdade das coisas.
Coisa curiosa, já que me foi dado ler os relatórios que transitam da década de 1960 para 1970, doravante a linguagem será mais comedida como se tivesse consolidado esse princípio do Estado Novo em que “cada um deve estar no seu lugar”.
(Continua)
____________
Notas do editor:
Poste anterior de 16 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18324: Notas de leitura (1041): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (22) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 19 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18331: Notas de leitura (1042): História do Dia do Combatente Limiano”, por Mário Leitão (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P18343: Parabéns a você (1393): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70); José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 (Guiné, 1967/69) e José Maria Claro (DFA), ex-Soldaddo Radiotelegrafista da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 21 de Fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18336: Parabéns a você (1392): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Guiné 61/74 - P18342: Vídeos de guerra (15): "Guerre en Guinée" (ORTF, 1969, 13' 50'): o governo português suportou o custo das viagens e estadia de todos os elementos da equipa do programa "Point Contrepoint", da televisão pública francesa, durante cerca de um mês... Eu assisti à montagem do filme e trouxe, de Paris, cópia para o Marcelo Caetano... Quando viu a cena da emboscada, disse-me: "Temos que acabar com esta guerra" (Manuel Domingues)
Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, depois da emboscada que vitimou 3 militares portugueses (2 mortos e 1 ferido)... No "Paris-Match" haveria de escrever um artigo de 2 páginas, com fotos suas, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30-31).
Na foto, em grande plano, a Geneviève Chauvel, e a seu lado, o capitão Sentieiro (de que só se vê parte do corpo) momentos após a emboscada. Foto cedida, em 2007, ao Virgínio Briote pelo cor cav ref José Maria Sentieiro, que vive em Torres Novas, e tem a Cruz de Guerra de 1.ª Classe.
Capa da revista "Paris-Match", nº 1071, de 15 de vovembro de 1969. Segundo o nosso camarada e colaborador permanente Torcato Mendonça, a revista, de venda livre em Bissau, terá sido apreendida nessa semana...
No sumário do referido número do Paris-Match, entre os artigos da seção "Estrangeiro", há um sobre Nixon e a sua maioria silenciosa, e outro sobre a odisseia da Apolo XII (que se preparava para a 2.ª alunissagem, a 19 de Novembro). A revista inseria ainda um pequeno texto da autoria de Geneviève Chauvel, então uma jovem jornalista da Agência Gamma, sobre "Guinée: l' étrange guerre des Portugais" (pp. 30--31) ["Guiné: a estranha guerra dos portugueses"].
Guiné > Região do Cacheu > Bula > Pecuré > Op Ostra Amarga > 18 de outubro de 1969 > O General Spínola, à esquerda, ladeado pelo major João Marcelino (2.º Comandante do BCAV 2868, então em Bissau e que apanhou boleia no heli) e o ten cor Alves Morgado, Comandante do BCAV 2868 que acompanhou o desenrolar da acção. Foto tirada momentos após a emboscada. Imagem extraída do Paris-Match (,edição de 11 de novembro de 1969).
Excerto do artigo da Geneviève Chauvel, p. 30
Sobre o gen Spínola, escreveu Geneviève Chauvel:
(...) "Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.
(...) "Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.
Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”. (...)
Paris-Match, nº 1071, L’étranger, pp. 30 e 31, texto de Geneviève Chauvel-Gamma. Tradução livre de V. Briote. (Com a devida vénia...).
1. Mensagem do nosso camarada e grã-tabanqueiro Manuel Domingues, ex-alf mil op esp, comandante do Pel Rec Info, CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) (*)
Relativamente ao filme da ORTF e à reportagem do Paris Match (**), posso adiantar o seguinte: Participei em setembro e outubro de 1969 no apoio à equipa da ORTF [, a televisão pública francesa] que realizou o filme e que incluiu Portugal e o Ultramar, com deslocações do Minho a Timor, captando imagens em todas as possessões ultramarinas.
Esta equipa englobava cerca de uma dúzia de pessoas, entre as quais uma jornalista do Paris Match [, Geneviève Chauvel, ao serviço da agência Gamma] e um do Figaro [Jean-François Chauvel, que era simultaneamente o produtor do programa televisivo "Point-Contrepoint"].
O objectivo inicial era recolher material para incluir no programa "Point-Contrepoint" (tipo Prós e Contras) em que de um lado se afirmava que Portugal era uma potência colonialista, que explorava os povos coloniais que lutavam pela sua libertação. Esta ideia era suportada em reportagens e depoimentos fornecidos pelos movimentos de libertação a que se juntavam alguns opositores do regime, no exílio, entre os quais Manuel Alegre. Do outro lado, pretendia-se refutar esta ideia, afirmando a ideia de que o Ultramar fazia parte integrante de Portugal e mostrando o grau e ritmo de desenvolvimento que se estava a processar, sobretudo em Angola e Moçambique.
A equipa responsável pelo programa, durante as negociações, pôs como condição poder verificar com total liberdade a realidade em todos os territórios, sobretudo na Guiné, Angola e Moçambique, onde se desenvolviam as lutas de libertação.
O Governo Português aceitou, apenas impondo como condição que o elemento que tinha apoiado a equipa nas suas deslocações em Portugal e no Ultramar, estivesse presente nos estúdios da ORTF para assistir à montagem do filme, evitando surpresas que já tinham acontecido em programas idênticos nos Estados Unidos onde a ideia de confronto acabou por ser subvertida e resultou num manifesto antiportuguês. Portanto, e em resumo, tive a oportunidade de acompanhar todo o processo.
Capa do livro "Uma campanha na Guiné |
O próprio Marcello Caetano quis ver a cópia que eu tinha trazido [de Paris] e foi durante a sessão, quando viu a cena da emboscada na Guiné que pulverizou dois dos elementos das NT, pronunciou para mim a esperançosa frase:
- Temos que acabar com esta guerra (****).
O impacto na opinião francesa e o elevado volume de material recolhido nos próprios locais levou os produtores da ORTF a fazerem vários documentários.
Já não disponho do exemplar do Paris Match nem da cópia do filme, mas ainda disponho da reportagem do Figaro da mesma altura, onde o autor define Spínola como um misto de Goering e de Marquês de Cuevas, reportagem essa que vou tentar digitalizar e que enviarei depois para os nossos tertulianos.
Um abraço cordial do
Manuel Domingues (*****)
Guiné Região de Cacheu > Bula > Carta (1953) > Escala 1/50 mil > Sítios por onde se desenrolou a Op Ostra Amarga, de 12 a 18 de outubro de 1969: ponta Matara (vd. carta de Pelundo), ponta Ponaté, ponta Portuga, ponta Penhasse, Bissauzinho, Bofe...
Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)
Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2868 (1969/70) > Op Ostra Amarga >18 de outubro de 1969 > Excerto de Sintrep (?) > No último dia, 18, as NT acionaram uma mina A/P na região de Badapal, sofrendo dois feridos; na região de Pecuré, um grupo IN não estimado emboscou as NT, acabando por retirar com 4 mortos e 2 sofridos, e sofrendo as NT 2 mortos e um ferido...Já na região de Biura, um grupo IN, também não estimado, voltou a emboscou as NT, sem consequências, e acabando por retirar face à reação, pelo fogo e manobra,das NT.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2018)
______________
Notas do editor:
(`*) Reprodução parcial do poste de 13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)
(**) Vd. postes de:
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)
8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)
11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)
(***) 18 de julho de 2005 > Guiné 63/74 - P111: Bibliografia de uma guerra (5): "Uma campanha na Guiné, 1965/67", de Manuel Domingues (ex-alf mil op esp, cmdt pel rec inf, CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/67)... Nota de leitura de A. Marques Lopes
(***) De acordo com a ficha técnica do vídeo, disponível do portal do INA - Institut National de l'Audiovisuel, a equipa da televisão pública francesa que se integrou na Op Ostra Amarga, devia ser constituída por, pelo menos, os seguintes elementos; Jean Baronnet, realizador; Jean François Chauvel, jornalista / repórter: Roger Mathurin, operador de som; e Jean Louis Normand, operador de imagem... Haveria ainda a Geneviève Chauvel, que representava a agência Gamma e a revista Paris-Match...
O responsável pelo programa "Point Contrepoint", da ORTF, em 1969, era o jornalista Jean- François Chauvel (1927-1986), que também trabalhava para o Figaro, como grande reporter... Encontrei na Wipipedia, em francês, uma pequena nota biográfica, pela qual fiquei a saber que ele era casado, desde 1961, com a Geneviève, em terceiras núpcias... Foi além disso, membro da resistância francesa, tendo sido ferido em combate em 1944, com apenas 17 anos, tendo condecorado quer pela França pela América, por feitos em combate.
(...) Fils de l'ambassadeur de France Jean Chauvel, il est né à Pékin le 30 mars 1927 et mort à Paris le 10 février 1986.
Après des études scolaires difficiles, il s'est engagé dans la Résistance à l'âge de 15 ans. Après la Libération de Paris, il a rejoint la 2ème division blindée et a été grièvement blessé près de Baccarat à l'automne 1944, ce qui lui a valu la croix de guerre 1939-45 avec palme et le purple heart américain. Après la Libération, il a découvert le métier de journaliste dans des publications modestes parisiennes, puis a sérieusement appris le métier pendant plusieurs années à l'AFP.
Dans les années 1960, il a été intégré à la rédaction du Figaro comme grand-reporter et a été l'un des tout premiers à alerter l'opinion publique nationale et internationale sur le drame du Biafra.
En 1968, il est l'un des membres fondateurs du syndicat étudiant l'UNI.
Il est producteur de l'émission de l'ORTF Point - Contrepoint en 1969.
Au début des années 1970, il a créé et animé deux émissions de reportages pour l'ORTF : 52 (janvier 1973-août 1974) et Satellite, consultables dans les archives de l'INA. À la même époque, il a publié ses mémoires sous le titre À rebrousse-poil, un succès d'édition.
Il a ensuite quitté et le Figaro et la télévision pour produire ses propres reportages, dont Des hommes sans nom sur la Légion étrangère en 1980." (,,,)
Vd. também 15 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)
Au début des années 1970, il a créé et animé deux émissions de reportages pour l'ORTF : 52 (janvier 1973-août 1974) et Satellite, consultables dans les archives de l'INA. À la même époque, il a publié ses mémoires sous le titre À rebrousse-poil, un succès d'édition.
Il a ensuite quitté et le Figaro et la télévision pour produire ses propres reportages, dont Des hommes sans nom sur la Légion étrangère en 1980." (,,,)
Vd. também 15 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)
(****) Vd. (*) Vd: Novo Contacto com a Guiné: a esperança marcelista. In: Domingues, Manuel - Uma Campanha na Guiné, do Autor.
(*****) Último poste da série > 20 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18335: Vídeos da guerra (14): visionamento e resumo analítico do vídeo da ORTF / INA, "Guerre en Guinée" (1969, 13´ 50''): tradução e adaptação de Luís Graça e Virgínio Briote
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