Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 do álbum do João Martins > 1968 > Uma mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito, a "sua" cabrinha (ou cabritinho ?), provavelmente um dos bens mais preciosos do seu escasso património familiar... Uma ternura de foto do álbum do nosso camarada João Martins, já célebre nas redes sociais.... Era mais fácil a um homem grande (fula) vender-nos uma vaca do que uma mulher grande (fula) desfazer-se do seu cabrito (*)...
'Mãe de leite', que extraordinária fotografia!, comenta o Valdemar Queiroz. Por seu turno, o nosso colaborador permanente, Cherno Baldé, que vive em Bissau, escreveu o seguinte: "A julgar pela posição e elasticidade dos seios caídos no peito e o à.vontade no amamentar não é o primeiro filho (nós dizemos 'barriga'). Ela é muito nova, não devendo ter mais de 22 anos, mas não tão nova para o casamento que, entre os fulas, começa aos 15/16 anos. Todavia, posso estar errado na minha avaliação. Quanto ao animal, parece-me impossivel determinar se é macho ou femea, nessa fase".
E acrescenta o Cherno Baldé: "Confesso que fiquei tão atónito quanto vocêes, não é uma prática corrente, nunca tinha visto nem ouvido falar. A vida (e a especialidade) dos fulas estava ligada à criação de gado bovino. Mas, também, o caprino não é negligenciado, com a sedentarização. O João Martins conseguiu, de facto, um feito que, talvez, nunca se repetirá no futuro. O instinto humano é capaz de milagres. Será possível repetir, mas não será encorajado, pelos riscos que poderia acarretar, relativamente ao(s) filho(a) humano(a), supondo que estivesse vivo(a) e utilizando a mesma fonte."
Foto: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do nosso camarada João Martins, que tem página no Facebook:
Data: 18 de março de 2018 às 18:44
Assunto: Fotografia
Amigo e camarada Luís Graça
Espero que esteja tudo bem contigo e com a Alice, assim como com os teus filhos.
Ontem vi que colocaste no blog a fotografia que tirei a uma mulher a dar de mamar a um cabrito (*).
Como tinha a possibilidade de a partilhar no Facebook, pensei que o devia fazer pois se trata de uma recordação com quase 50 anos, foi tirada em setembro de 68.
Já a tinha entregue juntamente com as minhas memórias que escrevi, pensando no blog, a página Dos Veteranos da Guerra do Ultramar (UTW) as tratou, inserindo-as no Facebook, sem que ninguém tivesse levantado qualquer objecção.
Depois de ontem a partir do blog, a ter partilhado no Facebook, qual o meu espanto ao receber deste uma mensagem de que a fotografia mostrava uma "nudez" que não era compatível com as normas por eles seguidas pelo que a tinham retirado.
Perguntei se era por iniciativa do próprio Facebook ou se era em consequência de alguém meu "amigo do Faceboo", tendo acesso à minha página, me tivesse bloqueado.
Como não obtive resposta e a opinião geral é de que não fere as susceptibilidades de ninguém, concluo que há quem queira atirar para o esquecimento todo o nosso esforço, sacrifíco e dor, assim como o sofrimento das nossas famílias, durante aqueles anos da nossa juventude, e, porque não posso aceitar que o que a nossa geração passou seja facilmente olvidado como se nada tivesse ocorrido, venho pedir-te que solicites aos nossos camaradas que partilhem essa fotografia no Facebook.
Um grande abraço com muita amizade, João Martins
2. Resposta do editor LG:
João, obrigado. Na página do Facebook da Tabanca Grande não cortaram nada... E no teu álbum de fotos da Guiné também não... Estão lá as 199 fotos de origem...Mas vou publicar o teu pedido no nosso blogue...Dualidade de critérios ? És capaz de ter razão, há puritanismo ou hipocrisia a mais no Facebook. Ou como diria a poetisa Sophia de Mello Breyner, há gente incapaz de matar galinha, mas come... galinha. [ "As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazesDe comer galinhas"].
João, obrigado. Na página do Facebook da Tabanca Grande não cortaram nada... E no teu álbum de fotos da Guiné também não... Estão lá as 199 fotos de origem...Mas vou publicar o teu pedido no nosso blogue...Dualidade de critérios ? És capaz de ter razão, há puritanismo ou hipocrisia a mais no Facebook. Ou como diria a poetisa Sophia de Mello Breyner, há gente incapaz de matar galinha, mas come... galinha. [ "As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazesDe comer galinhas"].
Um bom fim de semana. Até 3ª feira, na Quinta das Conchas, para a nossa caminhada matinal (das 10h às 12h, todas as semanas, às 3ªs). Ab, Luís.
3. Resposta do João Martins, acabada de receber:
Luís: Procura ver no meu mural. Cortaram uma fotografia e voltei a colocar com pedido de esclarecimento. Não creio que a verdadeira razão seja a fotografia em si, mas o facto de eu contar que, após ter percorrido uns 300 metros, ter encontrado uma tabanca onde me sentei à sombra de uma árvore, terem aparecido uns 5 africanos com catanas na mão prontos a matarem-me, eu ter pedido intervenção divina e, em consequência disso, terem espetado as catanas na árvore.
Para comunistas e agnósticos, esta descrição é demais. Pois pressupõe a existência de Deus e a sua ação na nossa proteção. Só que é tudo verdade, e as verdades são para serem transmitidas. Perante elas, é nossa obrigação revelá-las, custe o que custar e a quem custar.
Grande abraço e muito obrigado. João Martins.
4. Comentário, final, do nosso editor:
Nada de teorias da conspiração!...Nem adianta vitimizarmo-nos... Se te cortarem a foto, vamos protestar, por dualidade de critérios... E por excelo de zelo censório...Concordo contigo: é uma foto "inocente", até "poética", e inegavelmente de grande interesse etnográfico ou simplesmente documental.
Veja-se aqui o caso dos ameríndios awá-guajá:
(...) "Os awá-guajá são uma das últimas tribos námadas das Américas. Na sua reserva, no noroeste do Maranhão, eles mantêm a tradição de contato próximo com os animais. O filhote de cutia é alimentado com o fruto do babaçu. E o de macaco é amamentado pelas índias.
"O awá-guajá é um povo muito único. E essa relação que eles têm com o bicho, ele passa a ser membro da família", conta Bruno Fragoso, coordenador de Índios Isolados da Funai. A índia Tapanií explica que quando o macaco órfão que ela adotou ficar maior e mais agressivo, ela o soltará na mata. É na floresta que a vida dos awá-guajá se renova e também corre risco no encontro com invasores. (...)(**)
PS - É contra os princípios do blogue, fazer quaisquer juízos de valor sobre o "comportsmento" de um camarada. Não cometerei a indelicadeza, muito menos a arrogância, de pôr em causa a tua visão das cinco catanas espetadas ao teu peito e desviadas, "in extremis", para uma árvore, por proteção divina,,, Em Piche, em 1968...
Ao teu depoimento, só posso acrescentar o meu: estive numa companhia africana, de fulas, entre 1969 e 1971, combati com eles no mato, fiquei muitas noites nas suas tabancas, estive destacado em Nhabijões ("tabanca turra", balanta, ou, pelo menos, classificada como "sob duplo controlo"), dormi no Pilão em "camas turras", e ainda tenho a cabeça em cima dos ombros...E eu nunca me armei em herói... Mas, também é verdade, se vi turras (e vi muitos...), nunca os vi por toda a parte, debaixo da cama, muito menos em tabancas amigas... Claro que, quando um periquito chegava à Guiné, até era capaz de ver leões e elefantes, à noite, junto ao arame farpado... Conheci sentinelas que me garantiram ter visto estes animais, imagina, em sítios onde não havia registo histórico recente da passagens de leões e elefantes...
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18393: Fotos à procura de... uma legenda (102): Uma mulher fula a amamentar a "sua" cabrinha!... Ainda em tempo, celebrando o Dia Internacional da Mulher (Foto de João Martins, Piche,1968)
(**) Vd. 16 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18425: Fotos à procura de... uma legenda (103): Malta do Pel Rec Daimler 1129, do meu tempo de Nova Lamego (Virgílio Teixeira, alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)