sexta-feira, 7 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Chegou a hora do bardo invocar a primeira perda do BCAV 490, o que nos remete para lembranças dolorosas e poderosos textos em que a literatura de guerra é fértil. A nossa memória esvoaça para aqueles acidentes estúpidos de viaturas, de afogamentos, saltamos para teatros de operações onde o apontador de dilagrama se enganou no cartuxo e só não morreu por acaso, jaz a nossos pés como um Cristo a descer da Cruz. Por acidente ou combate, é uma perda. E decidi-me remexer nessa obra-prima que é o "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz para bater à porta do horror.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (9)

Beja Santos

“Quando veio do Continente

Quando veio do Continente
trouxe o destino marcado.
A 28 de Agosto
morreu num tronco estampado.

Quem lhe havia de dizer,
quando de lá abalou,
quando seus pais abraçou
que os não tornava a ver.
Neste sítio veio morrer,
numa morte tão de repente.
Deixou pena a muita gente
e à sua família querida.
Trazia a sina já lida,
quando veio do continente.

Conduzindo uma viatura,
no dia 28 a certa hora
saiu da estrada fora
onde teve a desventura.
Ali teve a morte escura
este pobre malfadado.
Em Bissau foi sepultado.
Tão longe da sua terra,
morreu sem lutar na guerra,
trouxe o destino marcado.

A morrer foi o primeiro
cá do nosso Batalhão,
a todos deixou paixão
este amigo e companheiro;
esse soldado solteiro
andava sempre bem disposto.
Sua mãe já não vê o rosto
do filho que tanto amou
porque numa árvore se estampou a 28 de Agosto.

Pois ele vinha a guiar
ao lado um superior.
Foi ele quem viu o condutor
com a morte labutar.
O Furriel não pôde salvar
o rapaz por ele estimado.
Já não mais se pôs ao lado
de António Silva Pereira,
porque na maldita 4.ª-feira
morreu num tronco estampado.”

********************

É por demais sabido que a mina ou emboscada, a troca de tiros numa operação, o descabelado acidente pesam mais na memória, quando é a primeira vez. E a literatura da guerra está pejada destes momentos infaustos, obrigatório é contá-los, fazem parte do narrador, é um dever não o obliterar, na narrativa devem constar todos os ingredientes, a dor própria e a dor alheia, o acabrunhamento que se instala nos circunstantes. E assim se chega a um romance maior, "Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, começa-se por um episódio relacionado com a primeira operação de uma Companhia de Comandos:
“O jovem comandante da Companhia, seco de carnes e de rosto de feições regulares, inspirava confiança, apesar de ser quase da mesma idade dos homens que comandava. Mantinha uma distância de reserva entre si e eles que alguns confundiam com arrogância. Deu as ordens com voz calma, como se estivesse ainda em exercício de preparação e só depois se aproximou do soldado ferido deitado sobre um pano de tenda.
O Pedro, que ele escolhera pessoalmente para número um do primeiro Grupo, era o primeiro ferido da sua Companhia. Um dos pés estava transformado numa massa de formas irregulares onde se misturava o coiro preto da bota com a terra castanha empapada em sangue, e de onde emergiam tendões brancos desligados dos ossos.
À vista deste espectáculo empalideceu. Não conseguiu evitar esse sinal de fraqueza. Sentou-se a observar os gestos do enfermeiro: primeiro, uma injecção de morfina, depois, apertar o garrote para estancar o sangue, de seguida, uma injecção de vitamina K para facilitar a coagulação e, por fim, os movimentos tensos de limpar o melhor possível a pasta avermelhada antes de a envolver num penso.
Depois de acabar o penso que envolvia o que restava do que fora o pé do soldado Pedro, o enfermeiro arrumou a bolsa dos primeiros socorros, enterrou os novelos de algodão ensanguentados, as gazes sujas e as ampolas vazias, para o inimigo não saber que um soldado fora ferido, e preparava-se para se sentar um pouco mais longe.

- Fica aí perto, ele está a recuperar – mandou o capitão ao enfermeiro.

Vindos de muito longe, chegaram ao soldado Pedro a voz e o rosto do capitão. Lentamente começou a ver as folhas brilharem ao sol, a ouvir um zumbido na cabeça. Tentou mexer os dedos das mãos, dobrou as pernas. Parecia estar inteiro. Ele era ribatejano e tinha sido forcado amador. Sentia-se como depois de uma pega de caras: dorido, mas completo, quando muito, com alguma coisa fora do lugar.
- Não me dói, meu capitão, só tenho sede.
- É assim mesmo, vamos mandar vir um helicóptero para a evacuação, vais ver que ficas bom – disse-lhe enquanto lhe dava água.
Só então o Pedro olhou para a extremidade da perna e viu a bola branca a tingir-se de vermelho, as ligaduras ensopadas em sangue. Mas sentia o pé lá em baixo, até podia mexer os dedos!”.


Esta Companhia de Comandos, destinada a ir ao assalto de santuários da Frelimo, viverá horas de horror, aqui se deixa alguns parágrafos dispersos de uma escrita universal sobre os nossos trabalhos africanos, uma lembrança intemporal para as dores que qualquer combatente tem pouca vontade de transmitir:
“Os homens moveram-se sem necessidade de ordens. Ligaram os cabos dos guinchos de reboque ao casco e à torre da autometralhadora para libertarem do interior do blindado o corpo meio esmagado do furriel do Esquadrão de Cavalaria a escorrer sangue e espuma da boca. Desceram-no, desarticulado, da velha lata para os braços do enorme soldado Bento, que pegou nele ao colo como a um menino.
Deitou-o docemente à sombra de um arbusto compondo-lhe os membros. A cara de criança em corpo de gigante do soldado dos Comandos enfrentou a do outro, com a face branca da morte, sem acreditar que já não estivesse vivo. O gigante Bento, que mal cabia na farda camuflada, voltou pelo mesmo caminho na sua passada de urso cansado, com a espingarda, que parecia um brinquedo, pendurada às costas, à espera de o mandarem fazer mais algum serviço.

- O apontador da metralhadora também está morto, esmagado pela torre que saiu dos encaixes. O condutor é que não sei, não se pode passar para o seu lugar – explicou um dos que tentavam enfiar-se dentro da Fox. – Pelo menos os pés devem estar desfeitos…
- Para já é preciso tirar este caixão com rodas daqui para podermos continuar.”

E despedimo-nos com outra água-forte deste notabilíssimo romance, o fim do desventurado Casal Ventoso:
“No rescaldo, ainda com o coração a saltar debaixo da pele os homens correram para ele, para amparar o Casal Ventoso. O capitão, o Cardoso, o Lencastre, o Lino, o Torrão, o Transmissões, chegaram perto do soldado criado no maior barro de lata de Lisboa.
O Lencastre foi o primeiro a levar a mão ao nariz e a engolir um vómito seco, mas os outros também não conseguiram reprimir um gesto de repulsa quando encararam a barriga aberta do Casal Ventoso e viram as volutas azuladas dos intestinos a engrossarem viscosas entre os dedos ensanguentados. O Casal Ventoso espalhava diante deles o que todos temos trazido escondido no nosso interior, e sentiram as pernas fraquejar à vista do repugnante espectáculo das vísceras que nos fazem idênticos aos animais de talho. Agoniaram-se com o cheiro das fezes soltas e escorrerem pelo camuflado roto”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 31 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19844: Notas de leitura (1182): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19853: Notas de leitura (1183): "Entre o Paraíso e o Inferno (De Fá a Bissá)", por Abel de Jesus Carreira Rei; edição de autor, 2002 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19868: Convívios (901): XXXIV Encontro Anual da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74): Carapinheira, Montemor-o-Velho, 1 de junho de 2019 (Jorge Araújo)


Foto de família dos ex-combatentes da CART 3494 que compareceram no Castelo de Montemor-o-Velho, antes da partida para Carapinheira.



COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494 (CART 3494)  (Xime-Enxalé-Mansambo-Ponte do Rio Udunduma, 1971/1974) > O XXXIV ENCONTRO/CONVÍVIO ANUAL > "OPERAÇÃO CARAPINHEIRA – MONTEMOR-O-VELHO", EM 1 DE JUNHO DE 2019








Fotos (e legendas): © Jorge Araújo  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); 
coeditor do blogue desde março de 2018



1.  INTRODUÇÃO

No passado sábado, dia 1 de Junho, mantendo a tradição iniciada em 14 de Junho de 1986, no Restaurante «O Frangueiro», em Aver-o-Mar, Póvoa de Varzim, onde os pioneiros pelo projecto encetaram uma caminhada pela "rede viária nacional" apontando ao (re)agrupar das/dos tropas do contingente da CART 3494, estes voltaram a "alinhar" em mais uma "operação anual" [encontro/almoço/convívio], quarenta e cinco anos após o seu regresso à Metrópole, depois de cumprida a sua Missão Ultramarina no TO do CTIGuiné, no período de 1971 a 1974 [correspondente a vinte e oito meses].

Recorda-se que o colectivo da Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494] era a terceira Unidade de quadrícula do BART 3873, sedeado em Bambadinca, tendo estado aquartelada no Xime, com 3 Gr Comb (Jan 1972/Mar 1973), Enxalé, com 1 Gr Comb (Jan 1972/Abr 1973), Mansambo, com 3 Gr Comb (Mar 1973/Mar 1974) e Ponte do Rio Udunduma, com ½ Gr Comb em rotação (Jun 1973/Fev 1974). O regresso aconteceu nos TAM em 3 de Abril de 1974.

Assim, conforme previsto no "Plano da Missão XXXIV", os voluntários foram chegando ao local da concentração, devidamente equipados, onde se procedeu ao respectivo "controlo" e distribuição de tarefas. O local escolhido foi o «Castelo de Montemor-o-Velho», localizado na Vila, Freguesia e Município com o mesmo nome, e inserido no Distrito de Coimbra.



Situado na margem direita do Rio Mondego, constituiu-se num ponto estratégico na defesa da linha fronteiriça do baixo Mondego, em particular na região de Coimbra, sendo, por isso, a principal fortificação da região, no contexto da Reconquista Cristã da Península Ibérica.




A primitiva povoação do sítio de Montemor-o-Velho remonta à pré-história, ocupada sucessivamente por Romanos, Visigodos e Muçulmanos, atraídos pelo estanho da Beira Alta.

As primeiras referências documentais à povoação e ao seu castelo remontam ao século IX quando Ramiro I, Rei das Astúrias, e seu tio, o abade João, do Mosteiro de Santa Maria do Lorvão, localizado na Freguesia de Lorvão, Município de Penacova, o conquistaram no ano de 848. O soberano transmitiu ao tio estes domínios, com o encargo de defender o castelo, mantendo-lhe guarnição, cujo alcaide abade João entregou a D. Bermudo, filho de sua irmã, D.ª Urraca. Ainda naquele ano resistiu ao cerco que lhe foi imposto pelo califa [emir] de Córdoba, Abderramão II (Toledo; 792-Córdova; 852) ou "Abd ar-Rahmãn", neto de Abderramão I.


Sobre este episódio, existe uma lenda que refere que no século IX, então ao tempo do abade João, o castelo foi cercado pelas forças de califa de Córdoba, comandadas por um cristão renegado – Garcia Ianhez-Zuleima. Em número inferior, os combatentes do castelo, com grande dificuldade em sustentar a defesa, deliberaram dar morte por degola aos demais, mesmo aos seus parentes, a fim de lhes pouparem o cativeiro e possíveis afrontas dos mouros. Assim tendo procedido, arremeteram contra o inimigo superior, dispostos a morrer em combate. Fizeram-no, entretanto, com tal ímpeto, que o levaram de vencido.

No século XVIII, sob o reinado de D. João V (1706-1750), a tradição enriqueceu-se com um desfecho piedoso: os familiares dos defensores, ressuscitados por milagre, saíram do castelo ao encontro dos vencedores. A imagem de Nossa Senhora da Vitória com uma cicatriz vermelha no pescoço, na Igreja local, evoca o milagre.

Anos mais tarde, no início do século XIX, no contexto da «Guerra Peninsular» (1807-1814), as dependências do castelo foram ocupadas pelas tropas francesas de Napoleão (1769-1821), sob o comando de Jean-Andoche Junot, entre 1807 e 1808, 1.º Duque de Abrantes e coronel-general dos Hussardos. Três anos mais tarde, no caminho da retirada das tropas derrotadas de André Masséna (1758-1817), foi saqueado e devastado, juntamente com a vila.

Com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal (1834), o seu pátio de armas passou a ser utilizado como cemitério da vila. Nesta fase registou-se o reaproveitamento das suas pedras pela população. Em 1877 uma das suas torres foi adaptada como «Torre do Relógio».

O Castelo e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova encontram-se classificados como Monumento Nacional por Decreto publicado em 23 de Junho de 1910. Em 1929, por iniciativa de um particular, empreendeu-se uma campanha de defesa que chegou a promover alguns restauros no monumento. O Castelo de Montemor-o-Velho está em bom estado de conservação, encontrando-se actualmente aberto ao público.




2. O DESENROLAR DAS ACÇÕES


A "Operação Carapinheira" - a XXXIV consecutiva - esteve a cargo do camarada António de Sousa Bonito (nosso gã-tabanqueiro), que definiu a concentração a partir das 09h30, de modo a facilitar a sua organização, uma vez que, a paredes meias com o nosso evento, iria decorrer o Encontro Nacional da ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, comemorativo do 45.º Aniversário da fundação da instituição, com a festa convívio a ter lugar no Pavilhão Multiusos da Carapinheira, onde se registou a presença de mais de oitocentos associados, familiares, entidades e amigos da ADFA.

Entretanto, porém, este nosso Encontro de 2019 acabava de ficar marcado por um indelével acontecimento, tão impensável como imprevisível, e que tinha a ver com a morte, ocorrida ao início desse dia, do irmão mais novo do camarada António Bonito.

Foi um choque brutal… mas que já não havia nada a fazer! Contudo, esta ocorrência acabaria por pesar no ambiente do Encontro.

Saídos do Castelo de Montemor-o-Velho {vd. foto acima], seguimos quatro quilómetros em caravana auto até à Carapinheira, rumo ao «Restaurante Encosta de S. Pedro», onde foi servido o almoço para cerca de nove dezenas de participantes, entre combatentes e seus familiares.


De entre o colectivo presente neste 34.º Encontro/Almoço/Convívio é de salientar a aparição, pela segunda vez, do nosso camarada alf mil Manuel Carneiro – a primeira tinha sido em 24Mai1997, no 12.º Encontro realizado na Costa da Caparica. Embora pertencendo à CART 3494, passados alguns meses de ter iniciado a sua actividade operacional no Xime, o alf Carneiro foi colocado no Pel Caç Nat 54, em Missirá, e, algum tempo depois (Junho 1973) foi transferido para a 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4512/72, sediada em Jumbembem [Batalhão de Farim]. Aqui, a poucas semanas de concluir a sua comissão, foi ferido em combate no "corredor de Lamel", em 2 de Fevereiro de 1974, tendo perdido a visão da sua vista esquerda.


Sobre esta ocorrência, darei conta oportunamente.

A anteceder o "brinde" pelas duas efemérides supra, foi guardado um minuto de silêncio em homenagem a mais dois camaradas que nos deixaram, entre o último encontro e o deste ano, a saber:
(i) David Fernandes (sold) – Bendada, Sabugal († 28 de Junho de 2018);

(ii) Augusto de Oliveira Meireles (sold) – Guifões, Matosinhos († 22 de Abril de 2019).

Nesta oportunidade, em nome do colectivo da CART 3494, endereçamos aos familiares dos dois camaradas falecidos as nossas mais sentidas condolências.

3.  FOTOGALERIA

Na impossibilidade de apresentar uma fotogaleria mais completa, resta-me apresentar algumas imagens do evento, gentilmente cedidas pelo fotógrafo Ricardo Laranjeira, a quem agradeço publicamente.

Esta situação ficou a dever-se ao facto do camarada Sousa de Castro (gã-tabanqueiro n.º 2) ter ficado sem a sua "objectiva", desconhecendo-se o seu paradeiro. Nessa sua "ferramenta", enquanto repórter de serviço à Unidade, estavam largas dezenas de fotos alusivas a este nosso Encontro, já que, como habitualmente e com muito gosto, era ele que fazia a sua postagem no blogue.

Se alguém, porventura, a tenha ou venha a encontrar, faça o favor de comunicar.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo

06Jun2019







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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19867: Agenda cultural (688): Convite do autor e da editora: dia 14 de junho, sexta-feira, às 20h00, no Espaço Chiado, Parque Eduardo Sétimo, Lisboa, 89ª Feira do Livro de Lisboa; Sessão de autógrafos: José Ferreira da Silva, "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III




Convite do autor e da editora:

Dia 14 de junho,  sexta-feira, às 20h00, no Espaço Chiado,  Parque Eduardo Sétimo, Lisboa, 89ª Feira do Livro de Lisboa;

Sessão de autógrafos: José Ferreira da Silva, "Memórias Boas da Minha Guerra",  vol III


O José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) é um dos "bandalhos" do Bando do Café Progresso (, de que o "chefe",o "bandalh-mor" , é o Jorge Teixeira). Tem mais de 120 referências no nosso blogue.

O editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné escreveu o texto de síntese sobre o livro, que se reproduz abaixo.


Ficha técnica

Título: Memórias boas da minha guerra vol III
Autor: José Ferreira da Silva
Data de publicação: Abril de 2019

Editora: Chiado Books
Local: Lisboa
Número de páginas: 330
ISBN: 978-989-52-5458-3
Colecção: Bíos
Idioma: PT

Preço: 15,00 € (papel) | 3,00 € (ebook)

Sinopse

Quando um homem, nascido em 1943, no concelho da Feira, começa a trabalhar aos 10 anos, na indústria corticeira, para passar depois, na Guiné, na guerra colonial, “os dois anos mais importantes da sua vida”, entre 1967 e 1969, vivendo e trabalhando ainda em Angola até 1974, que memórias é que pode ter e escrever?

Boas e más... Este é o III volume das “Memórias Boas da Minha Guerra”, e que vem consagrar o José Ferreira como escritor de talento, dentro de uma fileira literária, a da caricatura, da sátira, do burlesco e do humor, que, na nossa língua, tem cultores que remontam às cantigas de escárnio e maldizer e ao Gil Vicente, passando pelo Bocage, o Camilo, o Eça de Queiroz, o Bordalo Pinheiro...

A história repete-se duas vezes: primeiro como tragédia, depois comédia... O autor pertence à geração da comissão liquidatária do império. Aqui não vamos encontrar os Gamas, os Cabrais, os Albuquerques..., os nossos “grandes” de Quinhentos... Mas tão apenas a “arraia miúda”, os “últimos soldados do império”, os “periquitos, maçaricos e checas”, os homens (e as mulheres) nascidos no Estado Novo, os “pequenitaites”, os “bandalhos”, os “badalhocos”, não os “heróis” (que, esses, são mais do que homens, menos que deuses). São os Zequitas, os Bolinhas, os Berguinhas, os Michéis, os Mohammed, os Necas, as Candidinhas, as Laidinhas, as Luisinhas, os Arturinhos, os Ruizinhos, os Heróis de Maiombe... , mas também os Zé Manéis dos Cabritos, os Silvas, os Ferreiras... Essa, sim, é a verdadeira humanidade que é a matéria-prima destas histórias, onde também há ideais de expiação, autossacrifício e santidade: “Não digas nada, porque prometemos segredo, mas ele [o alferes], durante uma emboscada lá no norte [, em Angola], em que nossos colegas foram mortos e esquartejados, prometeu casar com uma prostituta, no caso de se salvar.”

O José Ferreira tem o grande talento de saber pegar... no «material» com potencialidades humorísticas e construir com ele uma pequena grande história. Ele tem, como poucos, o sexto sentido do burlesco. Por burlesco, entenda-se «aquilo que incita ao riso por ser ridículo»... E foi o sentido do burlesco que, de certo modo, nos ajudou, a muitos de nós, a salvar a nossa sanidade mental no teatro de operações da Guiné... O problema é que poucos de nós têm o talento do José Ferreira de saber contar, por escrito, estas histórias pícaras sem cair... na pilhéria fácil, no mau gosto ou no «hard core»!

Sem ofensa para os combatentes que morreram ou que ficaram com marcas para o resto da vida, naquela maldita guerra, esta é também a geração do “sangue, suor e lágrimas... e barrigadas de riso!”... Ninguém como o José Ferreira para apanhar e contar uma boa história (muitas vezes hilariante), de guerra, ou a montante e a jusante da guerra... São histórias que também poderiam ser fábulas, “contos morais”, com “mu(o)ral ao fundo”, e em que, neste caso, os animais emprestariam a voz aos homens... Mas, não, o criador recusa-se a julgar as suas criaturas, a não ser pelo riso que provoca no leitor...

Luís Graça,
editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (**)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de maio de  2019 > Guiné 61/74 - P19836: Agenda cultural (687): Exposição de pintura de Adão Cruz, na Sede da Ordem dos Médicos de Viana do Castelo, de 1 a 30 de Junho de 2019

Guiné 61/74 - P19866: Manuscrito(s) (Luís Graça (155): (i) "as noites" (2010), de Teresa Klut, "que mora numa ilha"... poemas escolhidos; (ii) fotomontagem: para o Rui, a Cristina e a Sara,que moram na mesma ilha


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7



Foto nº 8

Foto nº 9


Foto nº 10


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19

Algures numa ilha... Talvez o leitor queira pôr-lhe um nome...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alice e Teresa. Foto: Luís Graça (2019)
1. Seleção de alguns poemas de "as noites"(2010, 85 pp. ), cortesia da autora, Teresa Klut, "que mora  numa ilha" e vai ser avó da nossa neta:

fui-me afastando da casa
seguindo um odor que conhecia
cheguei ao mar doce e longe
da casa que não partia

(p. 11)


r/c a

Revolvo a terra das minhas flores cansadas.

A Terra é a profunda alma de todas as coisas.
Apenas um breve intervalo separa os corpos:
a terra que suporta os vivos
é a terra que guarda os mortos.

(p. 23)

4º b

Ando pela cidade demorada. Deixei-me ficar
para trás perdida na esquina que me perdeu
sou notícia de mim.

suave, muito bela e muito bela
corro para os sapatos cor-de-rosa carmim.

(p. 39)


1º a

Não me olhas.
Tens medo
deste lugar
onde te irias perder.
Um dia, de noite
vais-te lembrar de um gesto meu.

Foi pena, dirás.

Pois foi.

(p. 57)


águas.furtadas
tudo serve para guardar segredos

(p. 65)

Como esperas pela resposta se nem sabes a pergunta ? (...)

(p. 82)


Rui  Silva, Cristina Silva e Sara. Foto: Alice Carneiro (2019)
2.  Para o Rui, a Cristina e a Sara que também moram na mesma ilha:

a felicidade está  onde a gente a põe
mas a gente nunca a põe onde  está

se estás numa ilha procuras terra firme
se estás em terra avias-te no mar

é bom que exista o céu
para quando se está num beco sem saída

na água de mares,
não procures cabelos para te agarrares

sonhar alto trabalhar no duro e nunca morrer na praia
quem disse que os provérbios populares eram o ópio do povo ?

a ferrugem gasta o ferro
e o cuidado o coração

a amizade não tem contabilidade organizada
mas tem deve-e-haver

muita saúde e pouca vida
porque Deus não dá tudo

muita saúde e longa vida
porque os amigos... merecem tudo

luís e alice
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Nota do editor:

Último poste da série >  22 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19708: Manuscrito(s) (Luís Graça) (154): Viva o compasso pascal em visita à Tabanca de Candoz

Guiné 61/74 - P19865: Parabéns a você (1633): Ernesto Marques, ex-Soldado TRMS Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19862: Parabéns a você (1632): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista dos STM/CTIG (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Guiné 61/74 – P19864: Convívios (900): Encontro de rangers do 1º Curso de 1973. Em Monte Real consumiram-se memórias. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 


Encontro de rangers do 1º Curso de 1973 

Em Monte Real consumiram-se memórias 

A saudade voltou a falar mais alto! Sim, porque são nestes momentos que se consomem memórias. A idade, que não perdoa, lá vai debitando recordações que os nossos egos vão, por enquanto, dizendo presente. 

Em Monte Real juntaram-se cerca de 40 rangers, e muitos fizeram questão em levar os seus familiares, que partilharam, enquanto jovens, as agruras de uma especialidade que não deu tréguas a rapazes em plena flor de idade. 

Não obstante o mar de dificuldades deparadas, nós, rangers de corpo e alma, soubemos ultrapassar as dificuldades deparadas e concluímos, com mérito, o 1º Curso de 1973. 

Dos muitos camaradas presentes no evento a Guiné foi a então Província Ultramarina na qual prestaram serviço militar. Razão, creio que óbvia, que menciono no nosso blogue o tão valorizado acontecimento. 

Ali se congregaram camaradas vindos dos mais diversificados pontos do país. Alberto Grácio, ex alferes miliciano e antigo combatente na Guiné, voltou a reunir a tropa e o toque de alvorada ter-se-á feito ouvir no mais recôndito lugar deste pais lusitano. 

Claro que estes salutares encontros já conheceram vários locais neste nosso Portugal. A malta, sempre ansiosa pelo momento, não falta e cada vez se verifica uma maior adesão. Este ano, por exemplo, novos “recrutas” disseram presente e o grupo regista novas presenças. 

A ordem de serviço, assinada pelo “capitão mor” Alberto Grácio, mencionou: o próximo almoço será em Beja, cabendo ao ranger Zé Saúde a organização no que concerne aos comes e bebes. 

A velhinha Pax Júlia é a urbe onde nasceu Soror Marina Alcoforado, uma freira que nasceu em Beja a 22 de abril de 1640 e morreu a 28 de julho de 1723, com 83 anos, sendo certo que a sua estadia como religiosa ocorreu no Convento de Nossa Senhora da Conceição. 

Soror Mariana Alcoforado é considerada a autora das cinco “Lettres Portugaises” dirigidas ao Marquês Noel de Chamily, oficial francês, pelo qual se terá apaixonado e vivido, pressupostamente, um romance de amor. Aliás, a sua obra – Cartas Portuguesas – tornou-se um famoso clássico da literatura mundial. 

Com os agradecimentos ao João Silva, ex alferes miliciano que prestou serviço militar na Guiné, ficam os agradecimentos pelas fotos e, naturalmente, o nosso obrigado aos elementos que tornaram o reencontro uma realidade. 

Para o ano vos receberei em Beja, cidade que se afirma como a Rainha da Planície Alentejana. 




Um abraço, camaradas 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 61/74 - P19863: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (6): o inferno de Bissá: um homem apanhado à mão (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)




O autor, Abel Rei (ex-1º cabo at art, CART 1661, 1967/68, em Porto Gole, escrevendo o seu diário),  e a capa do livro,"Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 196/1968". [Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002].


Fotos: © Abel Rei (2002). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Já tive ocasião, há dez anos atrás, de fazer uma extensa e detalhada recensão do livro do Abel Rei, "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 196/1968". [Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002].

Nessa altura, destaquei  "a honestidade intelectual do autor que recusou a tentação de, décadas depois, 'retocar', 'embelezar' ou 'rever' o seu diário, escrito entre 1 de fevereiro de 1967 e 19 de novembro de 1968 [cerca de 22 meses]. 

A única coisa que ele terá acrescentado, posteriormente, foram as notas de rodapé, com apontamentos (factuais) retirados da história da sua unidade, a CART 1661… Não tenho dúvidas de que o nosso ex-1º cabo Abel Rei deu um contributo importante, ao escrever e publicar o seu diário, para a compreensão socioantropológica do quotidiano dos militares portugueses durante a guerra colonial na Guiné (1963/74)…

E acrescentei, em jeito de síntese:

"É um documento singelo, escrito por um homem bom, recto e simples, dotado de talento literário mas com pouca literacia como a maior parte dos homens da sua/nossa geração (tinha, na época, apenas a 4ª classe), um homem nascido em 1945, de família operária, e que viveu num meio social, como a Marinha Grande, onde havia uma forte tradição de cultura operária, de autodidactismo, e de resistência ao poder político, típicos da aristocracia operária do Séc. XIX e princípios do Séc. XX.

"Deliberadamente ou não, o Abel nunca assume a condição de soldado que está ali, no 'Ultramar', como então se dizia, para defender a Pátria. Veja-se a imensa alegria com que ele, tal como todos nós, saúda a ‘peluda’… 

Percebe-se, ao longo da leitura do diário, que o moral das NT, nomeadamente no subsetor de Porto Gole, já era mau, que o PAIGC exercia um forte pressão a sul do Oio, que a situação militar parecia estar a degradadar-se no final do consulado do Schulz, sem que contudo se pudesse dizer que a guerra estava ganha para o PAIGC… Usando as próprias palavras do autor, “era uma guerra que se ia arrastando sem soluções à vista”, de um e do outro lado…

Verifica-se que na época da CART 1661 o destacamento de Bissá é um osso duro de roer para as NT, que é alvo de frequentes ataques e flagelações, mas a verdade é que o PAIGC nunca conseguiu desalojar as tropas da CART 1661 que o defenderam, reforçadas com um pelotão da polícia administrativa de Porto Gole. 


E não foi, no tempo do Spínola, abandonado, contrariamente ao que aconteceu a outros destacamentos e aquartelamentos, de que já aqui temos falado sobejamente: por exemplo, a Ponta do Inglês (no subsector do Xime), Beli (na região de Madina do Boé), a própria Madina do Boé, etc., etc. (para não falar já no sul, na região de Tombali, sendo o caso mais flagrante o de Gandembel)… Pelo menos em 1973 Bissá ainda existia e continuava a ser atacada pelo PAIGC (segundo testemunho do António Graça de Abreu, quando esteve no CAOP1, em Mansoa).

O Abel Rei (*) teve o mérito de pôr no mapa da guerra da Guiné o nome de Bissá, sobre o qual poucos de nós sabiam alguma coisa. Um camarada nosso que conheceu bem a região de Porto Gole, Bissá e Enxalé, o Henrique Matos, 1º comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68) já aqui veio reconhecer que a manutenção de Bissá foi um erro, possivelmente pelo elevado custo, em vidas humanas, que terá acarretado.


Ao celebrarmos os 15 anos de existência do nosso blogue (**), criação coletiva dos "bravos" da Guiné, faz sentido voltar a reproduzir aqui alguns excertos das memórias do Abel Rei, seguindo as minhas notas de leitura publicadas há 10 anos atrás (***).



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole, Séè, Bissá e o rio Geba.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


2. Um homem apanhado à mão

(...) Vemos de novo o Abel Rei a ocupar o cargo de cabo vagomeste, em substituição do responsável pelo depósito de géneros da companhia que está de férias na metrópole. Um pouco mais descontraído, o Abel dá azo à sua veia literária descrevendo um amanhecer na Guiné, num dos dias em que esteve de sentinela ao quartel… (25/4/1968, Porto Gole, pp. 143-143).(...)

No final do mês de maio de 1968, o Abel volta a “alinhar” como operacional, com o regresso, de férias, do cabo vagomestre.

Em Bissá, durante o mês de maio, o PAIGC continua a fazer “a vida negra” às NT… De acordo com a história da unidade:

(i) a 3 há um morto confirmado no ataque a Bissá; 

(ii) a 8, um grupo estimado em 100 elementos volta a atacar o destacamento, durante 1 hora, com armas ligeiras e pesadas, embora sem consequências para as NT, enquanto que o IN retira com “bastantes baixas” (inclusive teria sido ferido o comandante da base de Changalene, que ficava a nor-nordeste do Pelundo); 

(iii) a 14, novo ataque, sem consequências; 

(iv) a 29, um pequeno grupo de 12 elementos faz uma flagelação de 5 minutos a Bissá… (p. 146).

É uma das poucas vezes em que o Abel Rei se permite fazer um juízo sobre o curso da “guerra que se vai arrastando, sem soluções à vista – ora atacando, ora defendendo” (p. 146).

A 2 de junho de 1968, a CART 1661 recebe [, em Porto Gole,] a visita do novo Com-Chefe e Governador-Geral, brigadeiro António Spínola, que tinha acabado de chegar ao CTIG (p.151).

Nas vésperas, as NT tinha sofrido um desaparecido e 7 feridos. O PAIGC, por sua vez, teve uma baixa mortal importante, a do chefe de bigrupo (?) António Cambará (ou Camará ?), na sequência da Op Gato Pimpão (p. 150).

Na Op Gato Pimpão, a CART 1661 atuou conjuntamente com forças da CCAÇ 2315 (Mansoa, 17/1/68 – 4/12/69) e do Pel Caç Nat 54 (Porto Gole). Essa operação constou de batidas às matas a norte de Seé e Bissá. As NT foram divididas em dois agrupamentos. Um deles esteve debaixo de fogo durante 3h30 (!), quase ininterruptamente.

(...) O Abel Rei faz uma dramática descrição desta situação que ele viveu intensamente. Vale a pena citar alguns excertos, para termos uma ideia mais precisa do pesadelo em que se podia transformar um simples patrulhamento ofensivo, às portas de casa, bem como da ferocidade em que por vezes se transformavam os combates (Porto Gole, 1/6/1968, pp. 148-150):

(i) Acordado à uma da madrugada, o Abel partiu às 3…“O nosso destino era uma ligeira patrulha nas matas de Seé, a pouco mais de 10 km de percurso” (p. 148)…de

(ii) Tudo parece correr, dentro da ‘normalidade’, até às 6 da manhã, quando as NT são avistadas por uma sentinela avançada do PAIGC que dá o alarme;

(iii) À entrada de uma bolanha, “rodeada de uma mata espessa”, são emboscados pelos guerrilheiros (leia-se: “inimigos”); após tiroteio intenso, as NT são obrigadas a retroceder; há cinco feridos, entre eles o Capitão da CCAÇ 2315;

(iv) ”Depois avançamos ao longo da mata, com as forças inimigas bem instaladas e a fazer fogo constante sobre nós. Num momento de maior aflição era deixado o capitão e alguns homens nessa dita zona de morte” (p. 149).

(v) Nesse momento, o Abel estava “no meio da bolanha”, oferecendo um alvo fácil ao IN, ouvindo passar por cima de si “rajadas e roquetadas” e vendo os seus camaradas a ‘fugirem’ em direcção de Bissá…

(vi) “Gritei!... Pedi que recuassem!... E vi os turras correrem para os que estavam em perigo. Depois – disse um soldado de nome Pombinho, de quem eu trazia a arma – ‘os turras avançaram, mandando-lhe levantar as mãos e ordenando que se rendesse’. A resposta dele foi uma rajada com uma arma de um ferido, obrigando-os a fugir para o mato” (p. 149)… 


(Esta descrição é interessante, por duas razões: é reveladora da intenção dos guerrilheiros do PAIGC em fazer prisioneiros: interessava-lhes muito mais um tuga vivo na mão do que dois tugas mortos no chão; e, por outro, o comportamento do Pombinho tanto pode tipificar uma situação de heroísmo em combate, como pode ser sido ditado pelo desespero de um animal acossado pelo medo).

(vii) Há dois grupos de combate que recuperam e reagrupam os que ainda estavam na zona de fogo… 

“À frente, tudo corria para Bissá. Atrás ficavam duas armas: uma pesada MG e uma ligeira G3; e o pior de tudo, um homem da outra companhia, [a CCAÇ 2315, de Mansoa, ] era apanhado à mão pelo inimigo! (Mais tarde falou-nos de Conacri, via rádio, a informar-nos que se encontrava bem)” (p. 149).

(viii) No regresso a Bissá chegam dois bombardeiros  e um helicóptero que faz a evacuação do capitão [da CCAÇ 2315] e de mais dois feridos graves…

(ix) Com apoio aéreo, partem de Bissá às duas da tarde do dia 1 de junho
 de 1968, para enfrentar mais três horas, penosas, de caminhada a pé até Porto Gole…

(x) E o relato, dramático, deste dia termina assim: 

“Apesar de ter poucas esperanças em aguentar essas três horas de andamento, abalei disposto a cobri-las, pois trazia unicamente no pensamento o nome de Porto Gole! (…). Cansado e sem forças, fui o primeiro a chegar a Porto Gole” (p. 150)

Entre os feridos graves (e evacuados) da secção do Abel está o outro cabo, o 1º Cabo Arnaldo Victória Lopes… 

“Três dias passados após a fatídica ‘patrulha’, o meu corpo anda todo partido, e dificilmente me sai da cabeça o espectáculo daquele infernal tiroteio” (Porto Gole, 3/6/1968, p. 151).

A 4 de Junho o Abel jura ter avistado um “helicóptero dos turras” (sic), a cerca de 3 km de Porto Gole, em pleno Rio Geba, por volta das onze e meia da noite, quando ele estava em serviço de reforço… (pp. 151/152). 

Miragem, ilusão de óptica, pesadelo ?... Não seria o primeiro militar português a alegar ter visto aeronaves do PAIGC… À distância de 3 km, e à noite, é difícil reconhecer uma aeronave a não ser eventualmente pelo barulho dos motores…

Enquanto Bissá continua a ser flagelada pelo IN, obrigando a um tremendo esforço de reabastecimento do destacamento por parte de Porto Gole, a escrita do diário do Abel vai rareando, devido à “preguiça da caneta” (p. 155).


Numa coluna até Bissá, a 15 de junho de 1968, o Abel dá-se conta, novamente, da dramática situação em que se encontram as tropas locais:

“Pude averiguar que as tropas em Bissá estão sem comida e sem bebida. O seu alimento é à base de arroz miúdo comprado na tabanca, a água é escassa e salobra… Na breve conversa que pude ter com os mais responsáveis, foi-me pedido, a título de desespero (sic), o envio de cerveja assim que me fosse possível” (p. 53). 

A 12 e a 17 de junho [de 1968], Bissá é de novo flagelada…

A 20 o destacamento começa a ser reabastecido, com recurso a pessoal balanta, requisitado pela tropa (?), para transporte, a pé, à cabeça, dos géneros alimentícios e outros… O Grupo de Combate do Abel faz a segurança à coluna… 

“A bolanha está seca e, com o forte calor que faz, tanto nós como os nativos, quase rebentamos com a caminhada. A nós (…) coube-nos fazer o segundo dia de patrulha: ainda faltam mais dois para lá colocar tudo (?)… O júbilo em Bissá é enorme”, como é fácil de compreender (Porto Gole, 21/6/1968, p. 154). 

Não houve contacto com o IN, que se limitou a observar e vigiar as NT…
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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 7 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19758: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (5): quem se lembra do fur mil op esp / ranger Eusébio, da CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872, Saltinho, 1972 /74 ?

Guiné 61/74 - P19862: Parabéns a você (1632): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista dos STM/CTIG (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19858: Parabéns a você (1631): Manuel Traquina, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)