"De tudo quanto vejo me acrescento", Fernando de Sousa Ribeiro dixit,
citando a grande poetisa do Porto (e de Portugal) Sophia de Mello Breyner Andresen,
cujo centenário se celebra este ano.
Foto (e legenda) : © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Fernando de Sousa Ribeiro:
(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);
(ii) é membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780;
(iii) licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;
(iv) está reformado;
(v) vive no Porto, mas também tem boas recordações de Lisboa onde viveu e trabalhou;
(vi) tem página no Facebook;
(vii) a CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974; esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes.
(viii) pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo; as outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu);
(ix) o ficheiro, em formato pdf, que estamos a publicar, tem 165 pp, imagens incluídas.
Dignidade e Ignomínia
(Episódios do Meu Serviço Militar)
por Fernando de Sousa Ribeiro
O QUE NOS FIZERAM FOI CRIMINOSO (pp. 43-48)(*)
Que finalmente seja reconhecido o extraordinário valor dos operacionais do nosso batalhão, cujas vidas estiveram nas mãos de gente, no mínimo, sem escrúpulos... Depois de tudo o que suportou, o Batalhão de Caçadores 3880 mostrou ser o melhor do mundo. Mostrou mesmo.
Em Santa Margarida, onde estivemos durante cerca de dois meses antes de partirmos para Angola, não tivemos Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO). Diziam-nos os nossos superiores hierárquicos que só iríamos ter IAO em Angola, quando o batalhão ficasse completo com a integração dos angolanos que iriam constituir o chamado Grupo de Mesclagem.
Por isso, o que o nosso pessoal teve em Santa Margarida foi uma instrução meio a sério e meio a brincar, apenas para ir mantendo a malta ocupada e minimamente ativa até ao dia da partida para Angola. Enquanto isso, o Batalhão de Caçadores 3885, que também se encontrava em Santa Margarida e estava mobilizado para Moçambique, passou o tempo todo em IAO, numa atividade frenética que contrastava de forma chocante com a semi-indolência do nosso.
Se eu próprio não tivesse tomado a iniciativa, que foi exclusivamente minha e de mais ninguém, de dar uma instrução intensiva aos meus próprios subordinados em Santa Margarida, ter-me-ia visto em situações muito complicadas em Angola. Ninguém, em todo o comando do nosso batalhão, parecia estar minimamente preocupado com a nossa preparação para a guerra.
Em Angola também acabamos por não ter IAO nenhuma. À nossa chegada disseram-nos que ela iria acontecer no Úcua, que era onde os cursos de Comandos costumavam fazer as semanas de campo, mas isso não aconteceu. Não houve IAO no Úcua, nem houve em lado nenhum. Partimos do Grafanil diretamente para a guerra, sem qualquer IAO que se visse.
Aos nossos magníficos companheiros angolanos ainda fizeram pior do que a nós. Mal aqueles nossos camaradas acabaram a especialidade, em Sá da Bandeira, foram levados diretamente para o Grafanil, para se nos juntarem e irem para a guerra connosco. Em janeiro de 1972, eles tinham começado a recruta; cinco meses depois já estavam na guerra! Tal como aconteceu connosco, também eles não receberam nenhuma instrução que se parecesse com uma IAO. Fomos todos para a guerra com uma preparação de merda, brancos, negros e mestiços. Poucas unidades terão partido para a guerra tão mal preparadas como o nosso batalhão.
Em Angola também acabamos por não ter IAO nenhuma. À nossa chegada disseram-nos que ela iria acontecer no Úcua, que era onde os cursos de Comandos costumavam fazer as semanas de campo, mas isso não aconteceu. Não houve IAO no Úcua, nem houve em lado nenhum. Partimos do Grafanil diretamente para a guerra, sem qualquer IAO que se visse.
Aos nossos magníficos companheiros angolanos ainda fizeram pior do que a nós. Mal aqueles nossos camaradas acabaram a especialidade, em Sá da Bandeira, foram levados diretamente para o Grafanil, para se nos juntarem e irem para a guerra connosco. Em janeiro de 1972, eles tinham começado a recruta; cinco meses depois já estavam na guerra! Tal como aconteceu connosco, também eles não receberam nenhuma instrução que se parecesse com uma IAO. Fomos todos para a guerra com uma preparação de merda, brancos, negros e mestiços. Poucas unidades terão partido para a guerra tão mal preparadas como o nosso batalhão.
Se o que se passou até então foi de uma imperdoável gravidade (e foi), o que dizer do que nos fizeram a seguir?
O que nos fizeram a seguir foi simplesmente isto: durante os primeiros seis meses de comissão, obrigaram-nos a fazer a guerra completamente sozinhos. Exatamente, sozinhos, como se não houvesse mais tropas ou apoios em todo o território de Angola! Não, não estou a exagerar nem um bocadinho. Desde junho de 1972 até janeiro de 1973, as companhias operacionais do nosso batalhão foram as únicas (!) forças militares que combateram nas zonas de Zemba, Cambamba e Mucondo.
Repito, para que não restem dúvidas. Ao longo dos nossos primeiros seis meses de comissão, nenhuma outra força atuou na área do nosso batalhão, além das companhias operacionais do próprio batalhão. Não houve qualquer intervenção de Comandos, nem de Paraquedistas, nem de companhias de intervenção, nem de TE, nem de GE, nem de "Flechas", nem de Artilharia, nem de Aviação, nem de nada! Nada de nada!
Estivemos completamente sozinhos (!) frente aos guerrilheiros da FNLA e do MPLA, que eram mais numerosos do que nós e atuavam num terreno que nós não conhecíamos e que era de uma extrema dificuldade. Durante esses primeiros seis meses, só a Força Aérea é que deu sinais de vida, e foi só para evacuar os nossos infelizes companheiros feridos!
Estivemos completamente sozinhos (!) frente aos guerrilheiros da FNLA e do MPLA, que eram mais numerosos do que nós e atuavam num terreno que nós não conhecíamos e que era de uma extrema dificuldade. Durante esses primeiros seis meses, só a Força Aérea é que deu sinais de vida, e foi só para evacuar os nossos infelizes companheiros feridos!
Acho que até hoje ainda ninguém chamou a atenção devida para a gravíssima situação em que nós nos encontramos durante esse tempo e nesse lugar, situação ocorrida precisamente numa ocasião em qua ainda éramos inexperientes e, ainda por cima, estávamos mal e porcamente preparados. Numa altura em que, mais do que nunca, deveríamos ter recebido apoio, não tivemos apoio absolutamente nenhum, fosse de quem fosse, fosse de que forma fosse. O que nos fizeram foi criminoso.
Foi ainda mais criminoso porque foi deliberado. Sim, esta solidão forçada a que estivemos sujeitos durante os primeiros seis meses de comissão foi propositada, por vontade do próprio comandante do nosso batalhão, o então tenente-coronel Azevedo.
Foi lá mesmo, em Zemba, que eu tive conhecimento desta vontade do comandante. Ouvi-a revelada por um alferes da CCS, já não me lembro de qual. Talvez tenha sido o Sousa. Ou então foi o Rico. Enfim, não importa saber qual foi. O que importa é que o comandante conseguiu convencer o brigadeiro de Santa Eulália a não enviar tropas de intervenção ou quaisquer outras forças para o subsetor de Zemba. E, pelos vistos, o brigadeiro era um banana e satisfez a vontade ao ten cor Azevedo.
Inacreditável! E porque é que o Azevedo não queria que forças estranhas ao batalhão atuassem no subsetor? Porque queria ser ele a ficar com os louros e mais ninguém. Todos os êxitos militares que acontecessem no subsetor seriam da exclusiva responsabilidade do batalhão; logo, dele mesmo, como comandante do batalhão que era. [ O comandante do Batalhão de Caçadores 3880 foi promovido a coronel quando ainda só tinha passado um ano de comissão, mas manteve-se no comando do batalhão até ao fim.]
Se o comandante e o segundo comandante do batalhão, tenente-coronel Azevedo e major Lacerda, fossem bons comandantes, teriam pelo menos tentado apoiar-nos e animar-nos. Mas não só não fizeram nada disso, como fizeram precisamente o contrário. O comandante, sobretudo, não fazia outra coisa que não fosse ofender-nos e insultar-nos, chamando-nos coirões, sacanas e, nas nossas costas, outros nomes menos reproduzíveis, aqui, em público. Salvo uma única e solitária vez, nunca ele reconheceu o nosso esforço e o nosso sacrifício. Para ele, fizéssemos o que fizéssemos ou deixássemos de fazer, éramos sempre uns sacanas de uns coirões!
O major não nos insultava, é verdade que não, mas não só nunca manifestou o mais pequeno reconhecimento pelo esforço sobre-humano que estávamos a empreender, como fez ainda pior: não contente com os feridos que a minha companhia tinha sofrido, exigiu que sofresse ainda mais baixas!!! Ainda mais!
Foi ainda mais criminoso porque foi deliberado. Sim, esta solidão forçada a que estivemos sujeitos durante os primeiros seis meses de comissão foi propositada, por vontade do próprio comandante do nosso batalhão, o então tenente-coronel Azevedo.
Foi lá mesmo, em Zemba, que eu tive conhecimento desta vontade do comandante. Ouvi-a revelada por um alferes da CCS, já não me lembro de qual. Talvez tenha sido o Sousa. Ou então foi o Rico. Enfim, não importa saber qual foi. O que importa é que o comandante conseguiu convencer o brigadeiro de Santa Eulália a não enviar tropas de intervenção ou quaisquer outras forças para o subsetor de Zemba. E, pelos vistos, o brigadeiro era um banana e satisfez a vontade ao ten cor Azevedo.
Inacreditável! E porque é que o Azevedo não queria que forças estranhas ao batalhão atuassem no subsetor? Porque queria ser ele a ficar com os louros e mais ninguém. Todos os êxitos militares que acontecessem no subsetor seriam da exclusiva responsabilidade do batalhão; logo, dele mesmo, como comandante do batalhão que era. [ O comandante do Batalhão de Caçadores 3880 foi promovido a coronel quando ainda só tinha passado um ano de comissão, mas manteve-se no comando do batalhão até ao fim.]
Se o comandante e o segundo comandante do batalhão, tenente-coronel Azevedo e major Lacerda, fossem bons comandantes, teriam pelo menos tentado apoiar-nos e animar-nos. Mas não só não fizeram nada disso, como fizeram precisamente o contrário. O comandante, sobretudo, não fazia outra coisa que não fosse ofender-nos e insultar-nos, chamando-nos coirões, sacanas e, nas nossas costas, outros nomes menos reproduzíveis, aqui, em público. Salvo uma única e solitária vez, nunca ele reconheceu o nosso esforço e o nosso sacrifício. Para ele, fizéssemos o que fizéssemos ou deixássemos de fazer, éramos sempre uns sacanas de uns coirões!
O major não nos insultava, é verdade que não, mas não só nunca manifestou o mais pequeno reconhecimento pelo esforço sobre-humano que estávamos a empreender, como fez ainda pior: não contente com os feridos que a minha companhia tinha sofrido, exigiu que sofresse ainda mais baixas!!! Ainda mais!
Por mais inacreditável que isto possa parecer, aconteceu mesmo! Juro! Ele não exigiu que causássemos mais baixas ao inimigo, como seria de esperar que um militar fizesse. O homem exigiu que fôssemos nós a sofrê-las!!! Juro que ele o fez! Juro mesmo!
Custa a acreditar? Eu sei que custa, mas é absolutamente verdadeiro! Ele disse-me pessoalmente, em duas ocasiões distintas, no meio da parada de Zemba, o seguinte, textualmente, tal e qual: «Exijo que vocês sofram mais baixas. Não se ganham guerras sem sofrer mortos e feridos. Por isso exijo que vocês sofram mais baixas». E repetiu, martelando as sílabas: « E... XI... J O !». Tais palavras ficaram gravadas a ferro em brasa na minha memória.Os guerrilheiros que nos combatiam eram chamados terroristas. Com razão ou sem ela, a verdade é que os guerrilheiros lutavam por uma causa e estavam dispostos a matar-nos por ela. O comandante e o major, por outro lado, não lutavam nem defendiam causa nenhuma, mas estavam dispostos a matar-nos para receber louvores, medalhas e promoções. Queriam mostrar ao mundo uma elevada estatística de mortos e de feridos sofridos pelo batalhão, à semelhança de um velho leão que exibe as suas cicatrizes como testemunho de lutas e de vitórias passadas. A diferença em relação ao leão é que, enquanto os leões lutam, o comandante e o major não queriam lutar e não lutaram, nem quando tiveram a obrigação de o fazer.
Queriam que fôssemos NÓS a lutar e a morrer, para que eles pudessem exibir as "cicatrizes" e receber os louros por elas. Os verdadeiros terroristas não estavam na mata; estavam dentro do quartel de Zemba.
Em janeiro de 1973, deu-se uma reviravolta na guerra do nosso batalhão. O brigadeiro de Santa Eulália (um tal Rebelo de Andrade, que veio transferido do setor do Cuanza Norte) resolveu criar um comando operacional só para combater o MPLA.
Foi chamado COP1 (Comando Operacional nº 1) e nele foram integrados o batalhão de Quicabo e as companhias de Santa Eulália e do Mucondo. Ficando com a companhia 3537, do Mucondo, fora da sua alçada operacional, o nosso batalhão passou apenas a poder contar com a 3535 e a 3536.
Queriam que fôssemos NÓS a lutar e a morrer, para que eles pudessem exibir as "cicatrizes" e receber os louros por elas. Os verdadeiros terroristas não estavam na mata; estavam dentro do quartel de Zemba.
Em janeiro de 1973, deu-se uma reviravolta na guerra do nosso batalhão. O brigadeiro de Santa Eulália (um tal Rebelo de Andrade, que veio transferido do setor do Cuanza Norte) resolveu criar um comando operacional só para combater o MPLA.
Foi chamado COP1 (Comando Operacional nº 1) e nele foram integrados o batalhão de Quicabo e as companhias de Santa Eulália e do Mucondo. Ficando com a companhia 3537, do Mucondo, fora da sua alçada operacional, o nosso batalhão passou apenas a poder contar com a 3535 e a 3536.
Além disso, as regiões da FNLA que tinham sido da responsabilidade da companhia do Mucondo (concretamente as regiões do Catoca e do Mufuque) passaram também para a 3535 e a 3536. Como a partir de então só podia contar com duas companhias, o tenente-coronel não teve outro remédio senão aceitar a intervenção de forças estranhas ao batalhão no subsetor.
Foi então que vieram os Paraquedistas, vieram os "Flechas", veio a Artilharia, vieram os aviões e vieram os helicópteros. Finalmente! Foi o fim do nosso isolamento operacional. Deixamos de estar sozinhos e submetidos apenas ao terrorismo psicológico do Azevedo e do Lacerda.
As operações a nível de batalhão deviam ser comandadas pelo comandante ou pelo segundo comandante do batalhão, como é evidente. Não era por acaso que elas eram chamadas «a nível de batalhão». No entanto, no Batalhão de Caçadores 3880 tais operações nunca foram comandadas por nenhum dos dois. Nem uma só! O tenente-coronel ou o major atribuíam a responsabilidade pelo comando de uma tal operação a um capitão ou a um alferes (chegaram a atribuí-lo a mim mesmo) e
ficavam refastelados à espera dos resultados, bebendo whisky, o major, e insultando-nos pelas costas, o tenente-coronel.
As operações a nível de batalhão deviam ser comandadas pelo comandante ou pelo segundo comandante do batalhão, como é evidente. Não era por acaso que elas eram chamadas «a nível de batalhão». No entanto, no Batalhão de Caçadores 3880 tais operações nunca foram comandadas por nenhum dos dois. Nem uma só! O tenente-coronel ou o major atribuíam a responsabilidade pelo comando de uma tal operação a um capitão ou a um alferes (chegaram a atribuí-lo a mim mesmo) e
ficavam refastelados à espera dos resultados, bebendo whisky, o major, e insultando-nos pelas costas, o tenente-coronel.
Como é evidente, nenhum capitão nem nenhum alferes, com pouco mais de vinte anos de idade e ainda por cima miliciano, tinha conhecimentos ou preparação suficientes para poder comandar cem e mais homens num teatro de guerra! Comandaram como souberam e puderam, só Deus sabe em que condições.
Em contraste, as operações a nível de batalhão que eram feitas no subsetor de Quitexe, pelo Batalhão de Caçadores 3879 (vizinho do nosso na geografia e na numeração), eram efetivamente comandadas pelo próprio comandante do batalhão em pessoa, e assim é que devia ser.
Em contraste, as operações a nível de batalhão que eram feitas no subsetor de Quitexe, pelo Batalhão de Caçadores 3879 (vizinho do nosso na geografia e na numeração), eram efetivamente comandadas pelo próprio comandante do batalhão em pessoa, e assim é que devia ser.
No nosso caso, depois de terminada uma operação a nível de batalhão, o tenente-coronel ou o major exigiam ao alferes ou ao capitão, que a tivesse comandado, que escrevesse um relatório sobre a mesma. Este era um relatório sem qualquer valor, que se destinava apenas a servir de rascunho a um outro relatório, este sim oficial, a ser enviado ao brigadeiro de Santa Eulália e onde era contado um grande filme, no qual o tenente-coronel ou o major é que tinham comandado a operação!
Em ocasiões diferentes, a CCaç 3535 foi comandada pelo capitão Lamas da Silva, pelo alferes Arrifana, por mim e pelo capitão Antunes. As pessoas podem ter gostado ou não do capitão Lamas da Silva. Podem ter gostado ou não do alferes Arrifana. Podem ter gostado ou não do alferes Ribeiro. Mas se houve alguma coisa que o Lamas da Silva, o Arrifana e o Ribeiro fizeram, de meritório, foi defenderem e protegerem os militares da CCaç 3535 dos caprichos do comandante, sempre e em todas as circunstâncias.
Em ocasiões diferentes, a CCaç 3535 foi comandada pelo capitão Lamas da Silva, pelo alferes Arrifana, por mim e pelo capitão Antunes. As pessoas podem ter gostado ou não do capitão Lamas da Silva. Podem ter gostado ou não do alferes Arrifana. Podem ter gostado ou não do alferes Ribeiro. Mas se houve alguma coisa que o Lamas da Silva, o Arrifana e o Ribeiro fizeram, de meritório, foi defenderem e protegerem os militares da CCaç 3535 dos caprichos do comandante, sempre e em todas as circunstâncias.
Com efeito, o comandante do batalhão estava decididamente apostado em fazer dos militares da 3535, e só os da 3535 (já se vai ver porquê), uns escravos às suas ordens e para todo o serviço, por mais absurdo que fosse este serviço, e muitas vezes era.
Como se não bastasse a intensíssima atividade operacional da companhia, que esgotava até extremos inimagináveis os seus elementos, tanto do ponto de vista físico como psicológico, o comandante queria que eles fizessem todo o tipo de tarefas e de trabalhos enquanto estivessem no quartel, por mais penosos e desnecessários que fossem.
Como se não bastasse a intensíssima atividade operacional da companhia, que esgotava até extremos inimagináveis os seus elementos, tanto do ponto de vista físico como psicológico, o comandante queria que eles fizessem todo o tipo de tarefas e de trabalhos enquanto estivessem no quartel, por mais penosos e desnecessários que fossem.
Ao mesmo tempo, os militares da CCS mantinham-se de costas ao alto. Nem saíam para a mata, nem trabalhavam como uns desgraçados no quartel, porque o seu comandante de companhia, capitão Óscar, protegia os seus subordinados e não aceitava que o tenente-coronel interferisse nas competências que ele considerava serem suas.
O capitão Óscar era um homem carismático, que só com a sua presença infundia respeito. Nem o próprio comandante tinha coragem para se lhe impor. Assim, como não se atrevia a impor-se ao capitão Óscar, insistia em querer impor-se a quem estivesse à frente da C. Caç. 3535.
O capitão Óscar era um homem carismático, que só com a sua presença infundia respeito. Nem o próprio comandante tinha coragem para se lhe impor. Assim, como não se atrevia a impor-se ao capitão Óscar, insistia em querer impor-se a quem estivesse à frente da C. Caç. 3535.
[Foto à esquerda: Capitão Óscar Augusto de Oliveira, o carismático comandante da Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Caçadores 3880]
O que aqui fica escrito pode parecer de uma violência verbal excessiva. Dir-me-ão que estou a exagerar. Não estou. Juro que não estou. Esta minha violência verbal nada é, comparada com o tratamento que recebemos da parte de quem teve os nossos destinos nas mãos durante o nosso serviço militar obrigatório.
Ora vamos lá ver se nos entendemos. Quem tivesse enveredado por uma carreira de oficial das Forças Armadas, então seguiu uma carreira para a qual a vida humana pouco ou nada valia. Isto dito assim parece uma ofensa gratuita dirigida aos oficiais do quadro permanente, mas não é. É a verdade, tirando algumas exceções (algumas delas insuspeitas), que eram muito honrosas, sem dúvida nenhuma, e às quais presto a minha homenagem mais sincera, mas eram exceções.
O que aqui fica escrito pode parecer de uma violência verbal excessiva. Dir-me-ão que estou a exagerar. Não estou. Juro que não estou. Esta minha violência verbal nada é, comparada com o tratamento que recebemos da parte de quem teve os nossos destinos nas mãos durante o nosso serviço militar obrigatório.
Ora vamos lá ver se nos entendemos. Quem tivesse enveredado por uma carreira de oficial das Forças Armadas, então seguiu uma carreira para a qual a vida humana pouco ou nada valia. Isto dito assim parece uma ofensa gratuita dirigida aos oficiais do quadro permanente, mas não é. É a verdade, tirando algumas exceções (algumas delas insuspeitas), que eram muito honrosas, sem dúvida nenhuma, e às quais presto a minha homenagem mais sincera, mas eram exceções.
De resto, sempre que acontecia algum incidente do qual resultassem baixas, por exemplo, a primeira pergunta que os oficiais do quadro permanente faziam era: «Quantos mortos? Quantos feridos?» Números.
«Exijo que vocês sofram mais baixas», dizia-me o major Lacerda com toda a brutalidade. Números. «Quantos hectares de lavras foram destruídos?», perguntavam o tenente-coronel e o oficial de operações em Zemba, assim como o brigadeiro em Santa Eulália, que queriam provocar a fome à população civil e obrigá-la a entregar-se. Números.
Era verdadeiramente chocante verificar até que ponto podia chegar a fria insensibilidade perante a morte e o sofrimento dos outros, mesmo dos mais inocentes, da parte destes oficiais oficiais de carreira.
Aliás, a palavra "carreira" era, sem qualquer sombra de dúvida, a palavra mais usada por eles nas suas conversas. A propósito de tudo e de nada, lá falavam eles na sua carreira militar. Nada lhes interessava a não ser a sua progressão na carreira. Em face deste seu desígnio supremo, todos os valores morais e humanos se apagavam
para eles. Mortos e feridos? Números.
(Continua)
[Fixação / revisão de texto para efeitos de edição no blogue: LG]
____________
Nota do editor:
(*) Último poste da série > 26 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20096: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte IV: O respeito pelos homens que comandei (pp. 33-42)
«Exijo que vocês sofram mais baixas», dizia-me o major Lacerda com toda a brutalidade. Números. «Quantos hectares de lavras foram destruídos?», perguntavam o tenente-coronel e o oficial de operações em Zemba, assim como o brigadeiro em Santa Eulália, que queriam provocar a fome à população civil e obrigá-la a entregar-se. Números.
Era verdadeiramente chocante verificar até que ponto podia chegar a fria insensibilidade perante a morte e o sofrimento dos outros, mesmo dos mais inocentes, da parte destes oficiais oficiais de carreira.
Aliás, a palavra "carreira" era, sem qualquer sombra de dúvida, a palavra mais usada por eles nas suas conversas. A propósito de tudo e de nada, lá falavam eles na sua carreira militar. Nada lhes interessava a não ser a sua progressão na carreira. Em face deste seu desígnio supremo, todos os valores morais e humanos se apagavam
para eles. Mortos e feridos? Números.
(Continua)
[Fixação / revisão de texto para efeitos de edição no blogue: LG]
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 26 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20096: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte IV: O respeito pelos homens que comandei (pp. 33-42)