terça-feira, 26 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23202: Tabanca Grande (533): João da Silva Alves, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 5 (Canjadude, 1970/72). Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar n.º 860

1. Mensagem do nosso camarada João Alves deixada no Formulário de Contacto do Blogger

Olá "Camaradas".
Estive em Canjadude, desde junho de 1970 até julho de 1972.
Durante esse tempo convivi com muitos dos referenciados nesta peça, era Furriel Miliciano.
Convivi com o Cap. Arnaldo Costeira e com o seu substituto que não me recordo agora o nome.
Posteriormente enviarei fotos.

Cumprimentos,
João Alves


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2. Mensagem enviada pelos editores ao João Alves:

Caro camarada de armas João Alves
Muito obrigado pelo teu contacto.
Julgo teres pertencido à CCAÇ 5, comandada no teu tempo pelo Cap Inf Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira que foi substituído pelo Cap Cav Fernando Gil Figueiredo de Barros.
Teremos muito gosto em receber-te na tertúlia. Para o efeito, manda-nos uma foto actual e outra do teu tempo de Guiné, fardado, formatos mais ou menos tipo passe.
Confirma se pertenceste à CCAÇ 5, diz-nos as datas de ida e regresso da Guiné, a tua especialidade e outros elementos que julgues úteis para te ficarmos a conhecer melhor.
Envia-nos um texto de apresentação, pode ser uma estória, e as fotos que entenderes, devidamente acompanhadas pelas respectivas legendas que devem indicar pelo menos o local e data. Se achares que os retratados não se importam, podes identificá-los.
Somos um Blogue de antigos combatentes que nos regulamos pelos critérios que podes ver aqui: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/07/guine-6374-p8588-excitacoes-143.html
Também temos a nossa política editorial que podes ver na aba esquerda da nossa página, que aqui transcrevo:
[...]
A tua correspondência deve ser enviada para luis.graca.prof@gmail.com, com conhecimento a carlos.vinhal@gmail.com, para teres a certeza de que as tuas mensagens são lidas.

Ficamos então na expectativa da tua resposta.
Deixo-te um fraterno abraço em nome dos editores e tertúlia deste Blogue.

Abraço
Carlos

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3. Mensagem do nosso novo amigo tertuliano e camarada de armas, João da Silva Alves, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 5 (Canjadude, 1970/72), com data de 24 de Abril de 2022:

Caros camaradas
Antes de mais uma saudação especial para todos os que foram membros da mesma missão, seja em que local tivesse sido, um forte e fraterno abraço.
Junto um pequeno texto com algumas fotos que achei interessantes.
Se entenderem podem anular as que acharem inconvenientes.
Quanto aos elementos que compõem as fotos, tenho a certeza que não se opõem ao facto.
Estou ao dispor do grupo, para o que for necessário, pois infelizmente tenho bastante que contar, apenas necessito de tempo.

Sem mais de momento, forte e fraterno abraço para todos.
João Alves

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Canjadude - De Sargento de Dia

Nome: João da Silva Alves
Embarquei com destino à Guiné-Bissau em 18 de julho de 1972, desembarcando a 24 de julho como Furriel Miliciano, onde fui colocado na CCAC 5, onde cheguei numa coluna no dia 2 de agosto, sob o comando do Capitão Cap. Inf. Arnaldo Carvalhais da Silveira Costeira, tendo servido no 1.º Pelotão sob o comando do Alferes Miliciano Alexandre Rodrigues Martins, com os camaradas Furriel Miliciano Germano Penha e Manuel Joaquim Inocentes e Sá.

Lembro-me como se fosse ontem. Os camaradas fizeram uma festa aos três periquitos com uma gravação feita pelos camaradas Antunes das Transmissões e o Furriel Moreira que falava fluentemente o “Ciriolo”, com o propósito de fazer crer que o inimigo sabia perfeitamente da chegada a Canjadude dos recentes elementos.
Diga-se em abono da verde que a certo ponto nos convenceram, mais o Furriel Alberto Caetano.

No dia 3 formou-se uma coluna para levar os elementos que tinham acabado a sua missão para em Nova Lamego e serem conduzidos a Bissau. Foi o meu pelotão a formar a coluna, tendo o Alf. Martins me chamado para ir ao lado dele na 1.ª viatura, uma GMC.
Foi a minha sorte, pois eu estava na segunda viatura, um Unimog “salta pocinhas” que seria vítima de uma mina na picada, houve algumas vítimas mortais que iam na viatura e alguns feridos. Foi pedido à companhia ajuda para evacuação dos feridos e mortos, um dos feridos era o Furriel Miliciano João Purrinhas Martins que tinha chegado connosco, o 1º Cabo Enfermeiro Carlos Alberto Diniz e vários civis.

Fizemos uma visita cerrada nas imediações, pois não houve troca de tiros. Seguimos um caminho recentemente pisado que nos conduziu a uma tabanca civil, em Sitó, onde não encontramos nada de suspeito. Regressamos para junto do resto do pessoal que tinha ficado a fazer guarda na picada, e voltamos para Canjadude tendo os camaradas que foram rendidos seguido para Nova Lamego nas viaturas que vieram do Batalhão de Nova Lamego.

Foi assim o nosso batismo de fogo que na noite desse mesmo dia fomos atacados apenas com armas ligeiras, o que viemos a constatar que o acidente da manhã estava a ser montado para no dia seguinte sermos emboscados, pois foi a primeira vez que uma coluna de rendição era feita no dia imediato à coluna de chegada.

Foto 2: O que sobrou do Unimog

Dois dias depois foi organizada uma coluna de Guarda de Honra para acompanhar os corpos para Bissau, eu e mais cinco militares. Primeiro em viaturas para Bafatá, seguindo-se de lancha para Bissalanca.
Foi duro, pois foram cinco dias no total até regressar a Canjadude.

Praticamente durante um ano não fomos importunados pelo inimigo. Apenas ouvíamos os ataques que eram feitos aos aquartelamentos por ali perto. Cabuca, Gam Quiró, Pirada.
No meu último ano em Canjadude fomos atacados diversas vezes.

Acabei a minha comissão de serviço em 12 de junho de 1972.
Desembarque em Lisboa no Aeroporto Militar de Figo Maduro em 12 de julho de 1972 num avião militar.


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4. Comentário do editor CV:

Caro João Alves
Bem-vindo à tertúlia. És mais um Antigo Combatente da CCAÇ 5 e vens juntar-te ao nosso camarada e colaborador permanente na área de História Militar e Arquivos, José Martins, que foi Fur Mil de Transmissões em Canjadude nos anos de 1968/70.

Na tua apresentação trazes-nos uma estória traumatizante, principalmente para quem acaba de chegar ao Teatro de Operações e entra logo em contacto com a realidade pura e dura da guerra.

Se me permites, vou reservar as fotos que nos enviaste e agora não publicadas para um ábum fotográfico teu, que irei criar. Fica desde já o pedido para o envio de mais. E de outras memórias escritas também.

Vais ocupar a posição n.º 860 desta tertúlia de antigos militares e amigos da Guiné e da actual Guiné-Bissau, agora país soberano.

Termino com um abraço de boas-vindas em meu nome pessoal e nos dos editores e tertúlia.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23099: Tabanca Grande (532): Padre José Torres Neves, missionário da Consolata, ex-alf mil capelão, BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71): senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 859

Guiné 61/74 - P23201: 18º aniversário do nosso blogue (6): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte II: 29 de agosto de 1972: no mato com Spínola, "a simpatia como arma de guerra"




Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17847, Ano 52, Terça, 29 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5495 (2022-4-25)

Cortesia de Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26101 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17847 | Ano: 52 | Data: Terça, 29 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Economia" |b Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


DL / REPORTAGEM, pp. 12/13

2. GUINÉ: CRÓNICA IMPERFEITA

A SIMPATIA COMO ARMA DE GUERRA


















(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23200: 18º aniversário do nosso blogue (5): Roteiro da nossa saudosa Bolama (Antonio Júlio Emerenciano Estácio, luso-guineense, nascido em 1947, e escritor)

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23200: 18º aniversário do nosso blogue (5): Roteiro da nossa saudosa Bolama (Antonio Júlio Emerenciano Estácio, luso-guineense, nascido em 1947, e escritor)

 


Infografia: António Estácio (2012)


Leiria > Monte Real > V Encontro Nacional Tabanca Grande > 26 de unho de 2010 > O António  Estácio.

  Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A "pedido de várias famílias", republica-se o precioso roteiro de Bolama (*), da autoria do nosso camarada António Estácio que, embora nascido em Bissau, em 1947,  em "chão de papel" e estudado no liceu Honório Barreto, viveu em miúdo, nos anos cinquenta,  em Bolama, onde a mãe foi professora primária e o pai, transmontano, encarregado de obras municipais .  Trata-se de um resumo do seu trabalho de quase 5 centenas de páginas, publicado em livro em 2016 (**).

É também uma  forma de continuarmos a comemorar, por estes dias de abril,  o nosso 18º aniversário, uma longevidade excessiva na Net, mas da qual temos que orgulhar: a Tabanca Grande já  reuniu  aqui 859 amigos e camaradas da Guiné, e já se publicaram, desde 23 de abril de 2004, cerca de 23,2 mil postes, mais de 100 mil fotos e outros documentos e 92,5 mil comentários. (***)










Bolama: Imagem de satélite. Cortesia de Google Earth (2012)

Fonte: António Estácio (2012) (*)  


2. O autor e nosso camarada António Estácio publicou o livro "Bolama, a saudosa...", edição de autor, 2016) (**)

António [Júlio Emerenciano] Estácio é um luso-guineense, nado e criado no chão de papel, em Bissau, em 1947; formou-se como engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago);  fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72); trabalharia depois em Macau (de 1972 a 1998); vive há mais de duas décadas em Portugal, no concelho de Sintra; é  membro da nossa Tabanca Grande desde 19 de maio de 2010; tem 63 referências no nosso blogue; não temos tido notícias dele desde há mais de  2 anos.

Tem-se dedicado à escrita: além de "Bolama, a saudosa...", dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "mulheres grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959).

Desejamos-lhe saúde e longa vida, se ele nos estiver a ler.
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Notas do editor:

(*) Vd, poste de 14 de abril de  2012 > Guiné 63/74 - P9745: Memória dos lugares (179): A saudosa Bolama (António Estácio / Patrício Ribeiro)

(**) Vd. postes de:

20 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16112: Agenda cultural (478): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às 18h00 - Resumo da obra: parte I

21 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16115: Agenda cultural (479): Sessão de lançamento do novo livro do lusoguineense António Júlio Estácio, "Bolama, a saudosa...", Lisboa, Palácio da Independência, dia 25, às 18h00 - Resumo da obra: parte II

Guiné 61/74 - P23199: Notas de leitura (1440): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Deste soberbo livro de viagens com várias peregrinações africanas, Pedro Rosa Mendes comentou que "A viagem acontece no domínio profundo das pegadas que outros deixaram - no sentido aborígene da palavra e na ração como uma pegada inscrita na memória. O conjunto é um trânsito permanente entre a atualidade, a História cultural, a biografia e a incursão pelo sonho - outros dirão, pela ficção, como registo documental". Pode ser lido como um caderno de bordo, um bloco de notas com conteúdos dispersos para diferentes reportagens, o que releva é a intensidade do olhar do viajante, começa em Tombuctu, assombrou-se com a Mauritânia, andou por territórios onde se fala português e está presentemente na África do Sul, um dos países mais desiguais do mundo, não perdeu a oportunidade de registar os comentários de portugueses que ali labutam.

Um abraço do
Mário



Ali para as bandas da Guiné e um pouco por toda a África (3)

Beja Santos

“A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007, é um livro de cambanças, tudo começa na mítica Tombuctu, seguiu-se a Mauritânia, o deserto do Saara é um referencial, por diversas razões: é o maior depósito de sal do continente africano, nele se cruzam as redes comerciais entre o Mediterrâneo e a África negra, há mesmo a registar a presença portuguesa na ilha de Arguim, ao largo da Mauritânia. Da Mauritânia seguiu-se para outras paragens, está-se neste momento na Ilha de Moçambique. E vem uma memória histórica:
“Vasco da Gama ancorou aqui em 1498, mas o que o navegador português encontrou naquele ponto da costa oriental de África, não foram, porém, as especiarias que tanto procurava. Foi, antes, um dinâmico estaleiro naval que os árabes fizeram crescer, e que ainda continua a ser um setor determinante na vida da ilha. Persas e árabes mantiveram, ao longo dos anos, um movimento comercial constante em toda a costa oriental, pelo que esta ilha no canal de Moçambique se tornou rapidamente na base do comércio português de especiarias proveniente do Oriente”.

Fala-se de escravatura e depois segue-se para Maputo. Amílcar Correia circula por entre os labirintos e tendas do mercado, vê os curandeiros em exercício e dá-nos uma informação:
“Xipamanine é um mercado absolutamente informal. De tal forma que não há organização não-governamental que possa aproveitar os seus preços baixos, devido à ausência de qualquer documentação ao qual se possa chamar fatura, para a compra de uma vulgar folha A4 ou de qualquer outro produto que só aqui se encontra. O que não impede, é bom de ver, que se possa comprar tudo o que se quiser. Até a roupa de comunhão que uma qualquer criança europeia vestiu numa cerimónia na década de 50, 60 ou 70!”.

E apresenta-nos um mercado tal qual: “Os clientes circulam ininterruptamente pelos corredores apertados e os locais de venda são uma espécie de beliches comprimidos: alguém a dormir ou a cozinhar no chão e a mercadoria amontoada no primeiro andar”. E adiciona um novo elemento, a violência juvenil: “Os miúdos das ruas de Maputo são temidos pela sua astúcia e insistência. E violência. Uma delinquência banal e inevitável nestas ruas da baixa, que se aproveita do movimento de pessoas e da concentração de comércio. Disputas entre crianças de rua acabam invariavelmente mal, diante da indiferença de quem passa ou do olhar dos seguranças que garantem a proteção dos estabelecimentos comerciais e respetivos clientes”.

E a viagem prossegue no Soweto, o repórter apresenta-nos quem lhe faz companhia, o padre António Nunes, nascido em Câmara de Lobos e imigrante na África do Sul desde os nove anos de idade, foi o primeiro e único português a ser ordenado padre pela diocese católica de Joanesburgo. Segue-se um interessante comentário do autor: “Ser padre católico e homem branco numa cidade como Soweto é uma dupla tormenta. Na township, os pecados não se redimem. O padre confessa, simplesmente, três arrependidos por mês. Os casamentos católicos são mais uma festa a acrescentar ao calendário de festejos tradicionais africanos. A pia batismal é utilizada para abençoar crianças filhas de mães solteiras muito jovens e muitas vezes já portadoras de SIDA (é negra a maioria dos 70 mil bebés que anualmente nascem já infetados pelo vírus) (…) A pobreza extrema é comum à esmagadora maioria dos habitantes deste subúrbio a quinze quilómetros de Joanesburgo. Mesmo assim, as famílias não hesitam em endividar-se quando morre um dos seus. A tradição obriga a quase dois anos de ritual fúnebre, que começa com uma grande festa para familiares e vizinhos, que continua um mês depois com outra festa para a limpeza das pás do enterro, de modo a que o infortunado seja vítima da sorte, e que termina mais tarde com os melhoramentos da sepultura. Este longo processo de despedida – uma profunda devoção ao antepassado – contribui para acentuar a pobreza da população”. E segue-se uma constatação: “A África do Sul democrática não melhorou as condições de vida desta gente. Os negros do Soweto continuaram a ser negros e continuaram no Soweto. Os cerca de dois a quatro milhões de pessoas que habitam a South West Township terão esperado mais da exemplar transição sul-africana”.

Fala-se da criminalidade que tomou conta de Joanesburgo e alguém observa que o desemprego, a corrupção e o crime são os cancros da sociedade sul-africana. É bem esclarecedora a conversa do repórter com Dinis Adrião, especialista em marketing policial. “O centro da cidade de Joanesburgo, afiança Dinis Adrião, registou uma descida da criminalidade nos últimos anos, devido à instalação de centenas de câmaras de vídeo que vigiam o crime nas principais ruas da baixa. Outrora florescente, o cogumelo de arranha-céus do centro da cidade foi conquistado por imigrantes indígenas e bandos armados, que o projeto Business against crime, uma parceria entre os comerciantes e a polícia, tentou devolver a Joanesburgo. As câmaras foram instaladas num complexo de arranha-céus emblemáticos na cidade: o Carlton, cujo edifício principal, um hotel de luxo, foi fechado por causa da insegurança. Passear nestas ruas durante a noite ou nos fins de semana ainda é um ato absolutamente oligofrénico e tão cedo não deixará de o ser. Desarmar a população na posse de armamento ilegal e reduzir o número de agentes que todos os anos morrem em serviço são as prioridades de uma força que quer passar a fazer policiamento com um caráter mais preventivo. Mas não só. A polícia de Joanesburgo pretende incentivar a vigilância da vizinhança, de modo a que um sinal estranho seja de imediato comunicado aos agentes e aos vizinhos. A ideia é a de que os agentes em áreas residenciais desenvolvam a memória do carteiro e saibam como se chamam os residentes e quais os seus hábitos e horários, para que não sejam surpreendidos por assaltantes mais dissimulados”.

Não vale a pena superlativar mais a delinquência em Joanesburgo. É um dos pontos altos de “A Balada do Níger”, esta circunavegação na região da África Austral. Há preocupações históricas e evidentemente aparecem portugueses no palco, vejamos este comentário:
“O início da ambição europeia de transformar o continente numa possessão sua poderá situar-se na Cidade do Cabo, com o estabelecimento de uma primeira colónia holandesa. Até aí, a presença europeia era sobretudo portuguesa, ao longo da costa, e limitada a uma presença militar que garantisse segurança e logística a caminho da Ásia.
A Companhia Holandesa das Índias Orientais decidiu radicar-se na extremidade do continente, após um grupo de náufragos ter construído um forte, em 1647, para assim se proteger dos ataques nativos. Uma expedição enviada pela Companhia Holandesa construiu uma igreja calvinista, organizou uma plantação de vegetais e de vinhas e uma quinta para a produção animal. E eis a Cidade do Cabo, em 1652, com base de aprovisionamento das embarcações que iam e vinham da Índia”
.

Assim apareceram os bóeres, chegará o tempo de um conflito mortífero com os ingleses. A viagem prosseguirá pelo Quénia e Tanzânia, Amílcar Correia dar-nos-á um olhar esplêndido sobre estas regiões em que se põe termo a esta bela reportagem intitulada “A Balada do Níger”.

(continua)

Joanesburgo
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23188: Notas de leitura (1439): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23198: 18º aniversário do nosso blogue (4): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte I: 28 de agosto de 1972, Bissau, a "guerra camuflada"


Título de caixa alta da edição de segunda feira, 28 de agosto de 1972, do "Diário de Lisboa", nº 18846, ano 52º- O primeira de quatro artigos de reportagem assinados pelo enviado especial à Guiné,  em julho de 1972, o jornalista Avelino Rodrigues. Era então comandante-chefe e governador geral da "província" o general António Spínola, no seu auge da sua popularidade.


Citação:

(1972), "Diário de Lisboa", nº 17846, Ano 52, Segunda, 28 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5494 (2022-4-24)

Cortesia de  Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26100 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17846 | Ano: 52 | Data: Segunda, 28 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Exclusivo".| Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


1. Esta peça jornalística merece ser conhecida dos antigos combatentes da guerra da Guiné, de um lado e do outro, não só pela seriedade, honestidade intelectual e qualidade do trabalho do seu autor, Avelino Rodrigues, como pelo grande interesse documental que tem,  para se conhecer melhor os pontos fortes e fracos, bem como os riscos e as oportunidades que representava, em julho de 1972, a política spinolista, "Por uma Guiné Melhor". 

O jornalista esteve no CTIG durante 9 dias, não esconde nem escamoteia as limitações pessoais e contextuais do seu trabalho, representando por outro lado um jornal independente, que não era política e ideologicamente alinhado com o regime do Estado Novo. Mas soube aproveitar, com inteligência, a janela de oportunidade que lhe foi oferecida então pelo regime (e, mais concretamente, por Spínola, o primeiro interessado em que a sua política "Por uma Guiné Melhor" fosse conhecida na metrópole, nos círculos  tanto do regime do Estado Novo, "recauchutado" com Marcelo Caetano,  como da "oposição democrática").

Avelino Rodrigues (lisboeta, nascido em 1936), jornalista profissional desde 1968 (onde começou como redator em "O Século),  era então chefe de reportagem do "Diário de Lisboa" e editor do suplemento “Mesa Redonda” (1971/74).

2. Sobre este conjunto de quatro artigos de reportagem, já aqui escreveu o nosso crítico literário, o Mário Beja Santos, em 2013, o seguinte (*):

(...) Spínola, em meados de 1972, “namora” a imprensa de oposição, estabelece relações formais com Ruella Ramos e Raul Rego, responsáveis respetivamente pelos jornais Diário de Lisboa e República. Avelino Rodrigues é convidado a deslocar-se à Guiné, são lhe dadas garantias de ver o que é preciso ver da região em guerra. (...)

(...) Há pontos surpreendentes nesta reportagem: guerra assumida, sem ambiguidades; a ênfase no desenvolvimento e no reordenamento; a imagem de Spínola como um pacificador, veja-se a captura de Balantas na região de Ponta Varela que serão devolvidos à precedência depois de visitarem o Xime, receberem rádios, roupas e dinheiro; a noção de que a africanização da guerra é uma realidade; o chão Manjaco mostrado como a região modelo de acordo com o projeto de Spínola.

(...) A despedida da reportagem é cabalística, como consta: o pior será quando a guerra acabar. Para juntar a todas as peças que devem fazer parte da História da Guiné. Um abraço do Mário. " (...)

Tomamos a liberdade de republicar, na íntegra, no nosso blogue, este primeiro artigo, sob a forma, literal, de um "recorte de imprensa" (Diário de Lisboa, 28 de agosto de 1972, pp. 1, 12 e 13) no 18º aniversário do nosso blogue. E, também,  simbolicamente, no 48º aniversário do 25 de Abril de que o Avelino Rodrigues foi também um dos grandes "cronistas". (**)



 DL / REPORTAGEM, pp. 12/13

1. GUINÉ: CRÓNICA IMPERFEITA

PARADOXOS DA GUERRA CAMUFLADA











(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,  
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)


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(**) Último poste da série > 25 de abril  de 2022 > Guiné 61/74 - P23197: 18º aniversário do nosso blogue (3): Um blogue que tem querido e sabido incluir-nos a todos (Hélder Sousa, provedor do leitor)

Guiné 61/74 - P23197: 18º aniversário do nosso blogue (3): Um blogue que tem querido e sabido incluir-nos a todos (Hélder Sousa, provedor do leitor)

1. Mensagem de Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, nov 1970/ nov 72 

[ Ribatejano, de nascimento (Vale da Pinta, Cartaxo) e formação (Vila Franca de Xira), português, cidadão do mundo; Engenheiro Técnico Electrotécnico e consultor em segurança do trabalho; vive em Setúbal; membro da Tabanca Grande desde 11/4/2007, tem 176 referências no nosso blogue; colaborador permanente, com o pelouro  de "provedor do leitor". ]


O “nosso” Blogue faz anos, novamente! Pois cá estamos, de novo, a comemorar o aniversário do Blogue.

E refiro, salientando “estamos”, porque insisto na ideia de que o Blogue, embora tenha sido criado pelo Luís Graça, de há muito que, como escrevi aquando do seu 17º aniversário, ele foi “apropriado” pelos seus membros.

Quase todos têm esse sentimento de que “o Blogue é nosso”. E têm razão! Se o Luís e os membros iniciais têm o mérito de o terem começado, a verdade é que fomos todos nós, os que de alguma maneira o engrossaram com as suas contribuições, o ampliámos e lhe fomos dando a alimentação e a visibilidade, que contribuíram para a sua longevidade. E isso não é de modo algum despiciendo pois como as pessoas em geral se movem por modas o que agora é mais apetecível são as frases e as ideias curtas, os “twits”, os “facebooks”, etc., pois os tempos são de grande frenesim e não há tempo nem paciência (nem capacidade…) para ler mais que 4 ou 5 linhas de texto. Bastam umas quantas “bocas”, umas provocações, e já está!

Na verdade, no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, e também como escrevi faz anos, desde que foi criado “já muito, muitíssimo, foi escrito, comentado, muitas fotos ilustraram as palavras, os locais e acontecimentos, muitos livros lá deram à estampa, muita poesia foi apresentada, muitas outras iniciativas foram potenciadas, publicitadas, acarinhadas, muitos estudos com maior ou menor profundidade foram apresentados, muita polémica (bastantes vezes desnecessária) foi desenvolvida.”

Tudo isto foi e é a vida do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”.

Mas também acrescentei mais e que acho não perdeu a atualidade e por isso considero que continua a ser verdade que “sobre o tema da guerra em África existem, ou existiam, muitos Blogues. Quase todos relacionados com as Unidades funcionais (do Batalhão, da Companhia, etc.) de quem promoveu esse repositório de memórias que, no geral, começaram por ser individuais ou do coletivo restrito. Ao nível do “Facebook” são os inúmeros os sites, muitos deles em “concorrência” de seguidores”.

No entanto, o “nosso Blogue” tem algo mais! Tem o seu “livro de estilo”, as suas regras. É verdade que as regras se fizeram para serem respeitadas e se assim fosse tudo seria muito bom. Mas também há quem pense que são para serem “quebradas”, torneadas, usadas nas partes convenientes. Afinal há de tudo e o Blogue também, por este aspeto, é realmente uma boa amostra da sociedade.

Esta questão da “representatividade” também chegou a ser tema de discussão. E em tempos também sobre isso escrevi que “é verdade que a representatividade é sempre questionável mas creio muito sinceramente que, pese embora o âmbito das questões que normalmente ocupam os conteúdos, no essencial tendo por pano de fundo a Guiné e as nossas vivências por lá, o universo dos que por aqui vão contribuindo e dos que apenas “espreitam” é bem ilustrativo da diversidade e pluralidade de opiniões, conceitos, participações. Há de tudo!”

Procurando não cometer nenhuma injustiça, por qualquer omissão que pudesse involuntariamente produzir, não citarei nomes dos mais recentes contribuidores que têm enriquecido o Blogue e com isso proporcionado ainda maior longevidade, mas é justo que refira o Cherno, relativamente à revelação da sua entrevista para a tese de mais um trabalho sobre “as coisas do nosso tempo”, pelo que tem de correção, de assertividade (que ele depois nos disse ter sido contida), de estar permanentemente a contribuir para um maior esclarecimento dos usos e costumes da Guiné. São situações destas que animam a vontade do(s) Editor(es) em continuar, pois o cansaço vai aumentando à medida do aumento dos anos e das maleitas.

Também escrevi em tempos que “se quisermos ser mais sentimentalistas para procurar os benefícios do Blogue, podemos lembrar quantas confissões de “blogueterapia” já foram produzidas, quantas romagens de saudade traduzidas nas visitas que já foram feitas e aqui indiretamente incentivadas, quantas iniciativas de solidariedade, quantas colaborações e contribuições para estudos mais ou menos académicos, quantas “tabancas gastronómicas” foram criadas, revelando por si mesmas a satisfação de encontrar pessoas que passaram por situações iguais ou semelhantes”. Tudo isto… não é nada pouco!

Por tudo isto só me posso sentir grato por, em boa hora, ter descoberto o Blogue e através dele ter aumentado o meu conhecimento geral e até particular em muitos aspetos da “guerra da Guiné”, por ter podido conhecer pessoas que estimo verdadeiramente, seja pela sua grandeza humana, intelectual, de solidariedade, de amizade genuína.

Volto a escrever que “O Blogue deve continuar. O Blogue tem que continuar”.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Vd. também 23 de abril de 2022  > Guiné 61/74 - P23190: 18.º aniversário do nosso blogue (1): Entrevista a Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, dada a Verónica Ferreira, doutoranda ("Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial", Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)

domingo, 24 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

Safim, Abril de 1974 - Lendo o jornal República


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 5 de Fevereiro de 2022:

Amigos e camaradas,
Apesar de muito importantes, as fotografias não dizem tudo sobre nós. Esta mensagem e a fotografia anexa pretende recordar um período da nossa História que eu vivi intensamente.
A fotografia que vos trago hoje é de um membro da Delegação do MFA de 22 anos de idade da CCaç 4541/72, nos balneários do Quartel de Safim a ler o Jornal República.

Fundado em 15 de Janeiro de 1911, o jornal República, foi um Jornal da Oposição moderada ao Governo do Estado Novo e como muitas outras instituições e pessoas deste País não resistiu ao vendaval do PREC.

Na minha opinião, as duas datas mais importantes antes e depois do PREC são o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, por isso dou muita importância às Comemorações do 25 de Abril de 74 porque pôs fim ao Estado Novo e à Guerra Colonial e também dou muita importância às comemorações do 25 de Novembro de 75, porque sem esta data, continuaríamos seguramente a não ter, a democracia, nem o País que ainda temos hoje.

É no entanto necessário falar do que aconteceu entre estas duas datas, isto é - a 5.ª Divisão do MFA e o PREC-, para percebermos como chegámos ao 25 de Novembro de 1975.

Em 17 de Junho de 1974 é publicado na Guiné o Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, em formato A3 que refere nomeadamente na sua pág. 4, cito - Constituição de uma Repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª Repartição) a funcionar ao nível do EMGFA, - que mais tarde se assumiu na Metrópole em 9 de Setembro desse mesmo ano como - 5.ª Divisão do MFA .

Neste documento começam as minhas reservas com a orientação política do MFA na Guiné, que depois irão aumentar durante o período do PREC.
Ler o Jornal República, era comungar daquilo que no Jornal se escrevia, e acompanhar os seus problemas internos durante o PREC e em particular no Verão Quente de 1975, serviu para reforçar as minhas convicções.

Quando finalmente no dia 25 de Novembro de 1975, o Ten. Cor. Ramalho Eanes e o Maj. Jaime Neves puseram novamente o País nos eixos, foi com alívio verificar, que afinal não estava sozinho naquela barricada.
De facto até o Director, a equipa redactorial e colaboradores do Jornal República, nomes que não vou divulgar, nem emitir qualquer comentário, mas que estavam nessa barricada.
Foi necessário esperar 46 anos para receber a triste notícia dum Senhor, rijo mas moderado, o "Velho" Gen. Ramalho Eanes, ex-Presidente da República com apenas alguns "gatos pintados" e aquela coragem, à chuva a dar o exemplo, nas comemorações do último 25 de Novembro.

Foi uma comemoração desvalorizada e apagada, para dar um sinal político ao País, que as coisas tinham mudado e que eles é que mandam. Que mais disseram esses Senhores que mandam nisto tudo? Disseram apenas que o 25 de Novembro é uma data que divide os Portugueses. E é verdade, visto que do lado desses Portugueses, já só falta o casamento, porque a união de facto, há muito que já existe.

Luís de Camões tinha razão, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (...). Será que a próxima data a deixar de ser comemorada, seja o 25 de Abril?

Quando damos tudo por garantido, não damos valor aos melhores, não respeitamos os mais velhos, não defendemos os nossos heróis e procuramos apagar a História, afastamo-nos da razão. Quem sabe se não existe agora mais um problema, à procura de uma solução!

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos. a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)