segunda-feira, 1 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24274: Notas de leitura (1577): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se de uma narrativa muitíssimo bem urdida, estribada na solidez da documentação, e se dúvidas subsistissem quanto à hierarquia dos problemas cruciais que levaram ao desmoronamento do Estado Novo, o rigor e a probidade deste estudo, a consulta de arquivos nacionais e estrangeiros, falam por si: como o livro de Spínola teve o poder de espoletar a discussão pública e no interior de regime quanto às soluções possíveis depois do prolongamento de uma guerra que conhecia, após 1973, um acirramento asfixiante. 

Naqueles últimos meses que precedem ao baqueamento do regime procurava-se desesperadamente comprar armas para manter a guerra, isto graças ao financiamento sul-africano. E acompanhamos a evolução do que podia parecer exclusivamente uma querela corporativa transformar-se numa vaga estuante, o MFA; e, mais facilmente se torna compreensível como praticamente ninguém tenha vindo defender o regime, que caiu num só dia, e com escasso derramamento de sangue. Mas ainda estamos no princípio, segue-se um corropio de peripécias até ao momento em que a PIDE/DGS capitula, na António Maria Cardoso.

Um abraço do
Mário



Os últimos meses do Estado Novo, como a guerra colonial fez baquear um regime (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", Guerra e Paz, Editores, 2023, por José Matos e Zélia Oliveira, o primeiro investigador em História Militar, a segunda, jornalista e com uma tese de mestrado sobre a crise final do marcelismo. Estão aqui registados numa narrativa que prende o leitor do princípio ao fim os três últimos meses que antecederam o 25 de Abril. Basta ver a bibliografia para perceber que os autores consultaram centenas de documentos de arquivos nacionais e estrangeiros, temos aqui um olhar sobre aquele que terá sido o período mais tumultuoso do marcelismo, aqui se registam os principais ingredientes que conduziram ao seu colapso.

15 de fevereiro de 1974, Marcello Caetano preside à última reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional. 

“Costa Gomes informa os presentes de que tinha sido assinado um contrato para a aquisição de uma bateria de mísseis antiaéreos, para defender Bissau, e que o governo procurava rapidamente adquirir armas anticarro, para enfrentar as viaturas blindadas que se dizia estarem na posse do PAIGC na fronteira sul da Guiné. As baixas causadas pela guerrilha às forças portuguesas na Guiné, em 1973, tinham sido de 347 mortos e 1007 feridos, o que representava um quantitativo muito elevado. Neste ponto da reunião, Marcello Caetano intervém para referir que o governo sentia grandes dificuldades em comprar armas nos mercados internacionais, dando, como exemplo, o caso dos mísseis antiaéreos franceses Crotale. O governo francês tinha concordado em vender os mísseis por 75 milhões de francos, na perspetiva de que eram armas de defesa e que não seriam usadas no combate às guerrilhas.” 

Costa Gomes passará em revista os teatros de operações de Moçambique e Angola, interveio o secretário de Estado da Aeronáutica, Tello Polleri, sublinhando a importância de prosseguir o programa de reequipamento da Força Aérea, havia que comprar caças Mirage.

Três dias depois desta reunião, Caetano recebeu um exemplar do livro "Portugal e o Futuro", lerá o livro na noite de 20, escreverá mais tarde que tinha compreendido que o golpe de Estado militar era agora inevitável. Os autores debruçam-se sobre as razões de fundo das razões de Spínola que levaram a escrever a obra, as peripécias um tanto tortuosas sobre quem autorizou a publicação, foi uma corrida ao livro que se esgotou no mesmo dia, os leitores aperceberam-se da bomba: a vitória exclusivamente militar era inviável. 

“Pretender ganhar uma guerra subversiva através de uma solução militar é aceitar, diante mão, a derrota, a menos que se possuam ilimitadas capacidades para prolongar indefinidamente a guerra, fazendo dela uma instituição. Será esse o nosso caso?” 

Costa Gomes e Spínola são convocados a 22 de fevereiro, Caetano sente-se desautorizado e sugere aos dois generais que deviam assumir as suas responsabilidades, que serão enjeitadas por estes.

Por essa altura, a 25 de fevereiro, a Comissão Coordenadora Executiva do MFA reúne-se em casa de Otelo Saraiva de Carvalho, é elaborado um texto, agenda-se um mini plenário para 5 de março. Os autores dão-nos conta do que desencadeara esta movimentação, uma legislação publicada no verão de 1973 que essencialmente procurava atrair oficiais milicianos à profissão militar, de acordo com a primeira legislação promulgada os oficiais milicianos mediante cursos rápidos passariam ao quadro permanente, a antiguidade dos oficiais deste quadro parecia posta em causa. 

“Os oficiais oriundos de milicianos iriam ultrapassar na carreira os oriundos de cadetes do quadro permanente, situação que se considerava ser uma injustiça.” 

Caetano encontra-se com o Presidente da República em 28 de fevereiro, pede a Thomaz que aceite a exoneração do executivo, Thomaz responde que esta não fazia sentido.

A situação internacional era manifestamente intolerável para a vida do regime, o ataque da Síria e do Egito a Israel a 6 outubro de 1973, teve consequências gravíssimas para a economia portuguesa, os grandes produtores árabes bloquearam o fornecimento dos hidrocarbonetos a Portugal, o abastecimento passou a ser feito no mercado livre, a um preço gravoso. Kissinger escreveu mesmo uma carta a Caetano em tom de Ultimatum, precisava da base das Lajes imediatamente, senão… Isto numa altura em que Portugal precisava de obter desesperadamente mísseis terra-ar portáteis, do tipo Redeye para proteger as tropas portuguesas na Guiné. 

Costa Gomes fizera uma análise na reunião de 19 de outubro no Conselho Superior de Defesa Nacional, chamara a atenção para uma possível escalada da guerra da Guiné, “uma vez que aquele país dispunha de caças MiG-15 e MiG-17 e havia informações de pilotos do PAIGC a serem treinados na União Soviética, que se podiam juntar aos da própria Força Aérea da República da Guiné. Costa Gomes refere ainda que a situação militar na colónia se tinha agravado devido às novas capacidades militares da guerrilha e à alteração do conceito de manobra que levou o PAIGC a fazer grandes concentrações à volta de três quartéis das tropas portuguesas, em zonas de fronteira, que isolou e bombardeou com elevado poder de fogo.” O general falou dos números decorrentes destas operações e do agravamento da guerrilha: “As nossas forças tiveram 125 mortos e 586 feridos até ao fim do período em análise, o que são números muito elevados (correspondem à perda de um batalhão), dos quais 96 mortos e 500 feridos só nos mês de maio.”

E os autores continuam: “A situação podia piorar ainda mais no caso de um ataque de aviação que, na opinião de Costa Gomes, poderia conduzir ao colapso militar das forças portuguesas naquele teatro de operações. Sendo assim, defendia que a nova ameaça exigia a existência de meios de defesa antiaérea apropriados para a cidade de Bissau, o que teria de incluir mísseis terra-ar e, complementarmente, aviões de caça modernos que podiam ser usados para retaliar sobre o país vizinho. A defesa de Bissau era prioritária, mas qualquer quartel na Guiné podia ser atacado, o que exigia também mísseis terra-ar portáteis para defender as tropas portuguesas. Sá Viana Rebelo, o ministro da Defesa, deu conta das negociações com a Africa do Sul de fornecimento de material de guerra, nessa altura considerava-se a possibilidade de um empréstimo avultado em dinheiro para reequipar as forças portuguesas que precisavam urgentemente de ser modernizadas.” 

E nesta reunião, Cota Dias, ministro das Finanças, informou não estar em condições de assegurar despesas suplementares.

É num capítulo intitulado “Uma questão de vida ou de morte” que os autores escrevem as conversações luso-norte-americanas para a aquisição de mísseis, veículos, aeronaves, equipamentos. Quando Kissinger vem a Lisboa em 17 de dezembro de 1973 recebe um memorando onde claramente se põem números para mísseis terra-ar, veículos modernos com sistema antitanques e aviões de transporte C-130, o secretário de Estado lembrou que o Congresso dos EUA iriam levantar inúmeros obstáculos, impunha-se encontrar soluções em intermediários, segue-se um período em que Washington andou a empatar até um dia o embaixador português ter recebido uma resposta de que os EUA iriam ofertar uma central nuclear.

No início de 1974 dá-se o agravamento da situação em Moçambique, uma família de agricultores brancos é atacada por guerrilheiros da FRELIMO, a mulher é morta, segue-se uma greve geral, apedreja-se a messe de oficiais do exército na Beira, Costa Gomes vai a Moçambique, é no decurso dessas reuniões que o general confirma as dificuldades decorrentes da dependência portuguesa, crescera o número de países que impediam a venda de armamento, acresce a falta de oficiais do exército para comandar a polícia. 

“As tropas no Ultramar e em instrução na metrópole tinham aproximadamente 200 mil homens, e em função desse número deviam existir 18 mil oficiais. Mas na verdade, no terreno, existiam pouco mais de 4 mil. Um estudo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, datado de março de 1973, já chamava a atenção para o problema referindo que era uma questão inadiável e que os oficiais em funções de combate estavam a atingir o limite da exaustão. No estudo podia-se ver que o número de oficiais que o Exército devia ter na metrópole, no Ultramar e de reserva para as forças de segurança estava muito abaixo do necessário. Em teoria, deviam ser 5650 oficiais na globalidade, mas em janeiro de 1972 existiam apenas 2872. Além disso, as carências eram mais graves ao nível de capitães e oficiais subalternos. Nas conclusões, o estudo alertava para a situação gravíssima e potencialmente perigosa que se vivia no Exército, e para a urgência de medidas de fundo a tomar rapidamente para não se correr o risco do Exército se desmoronar.”

José Matos
Zélia Oliveira
Notícias sobre o levantamento das Caldas, em 16 de março de 1974
Imagem de Guidage ao tempo em que o coronel Moura Calheiros e a sua equipa fora exumar os paraquedistas falecidos durante as operações de libertação do cerco, que ocorreram maio de 1973
Outra imagem de Guidage, da autoria de Albano Costa, publicada no blogue Dos Combatentes da Guerra do Ultramar, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24263: Notas de leitura (1576): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (2): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24273: Efemérides (389): "Primeiro de Maio", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

PRIMEIRO DE MAIO

Primeiro e único
Verdadeiro
Maio acordado
Maio maduro
Penoso
Duro
Nunca vergado.


Floresta de braços e abraços
Festa dor do Maio primeiro
Carne e alma
Seio fecundo
Onde corre o leite
que alimenta o mundo.


Ir e voltar
Voltar a ir e a vir
Entre a dor e a alegria
Penoso caminho da vida inteira
Para prender um braço de sol
Entre a noite e o dia.


Mãos crispadas
Calejadas
Calor que os filhos aquece
Na esperança de outros sóis
Calar da fome que os adormece
Entre o antes e o depois
Da luta que não esmorece.


Maio de medos e canções
Maio de sempre
Maduro Maio
No fundo dos corações
Terra e vida
Vida dos que amam a terra
Antes morta que vencida.


Na palma da mão
Aberta e solidária
Festa da alegria
Maio dor e lágrimas
Renascido Maio
Nunca Maio da agonia.


Sol inteiro roubado
Sol do acordar de Maio
Vermelho e quente
Sol que é de todos
Maio de sol nascente.


adão cruz

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24251: Efemérides (388): Revolução dos Cravos (José Câmara, ex-Fur Mil Inf)

Guiné 61/74 - P24272: 19º aniversário do nosso blogue (4): A pior democracia é sempre melhor do que a melhor das ditaduras (Luís Graça / J. Sarmento)


1.ª página do "Diário de Lisboa", 2.ª edição, 28 de fevereiro de 1969 > Excerto> A noite em que a terra voltou a tremer, violentamente, 70 anos depois... Estava eu e o Sarmento em Castelo Branco, mobilizados para a Guiné. Custava  o jornal um escudo e ganhávamos nós, como 1.ºs  cabos milicianos, 90 escudos de pré (equivalente, a preços de hoje, a 30 euros).

Fonte: cortesia de Hemeroteca Digital | Càmara Municipal de Lisboa.

Peniche > Museu Nacional da Resistência e Liberdade , o  15.º Museu Nacional > 27 de abril de 2019

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Por ocasião do 19.º aniversário do nosso blogue, esperávamos poder contar com a publicação de alguns textos inéditos dos nossos camaradas, que são os nossos primeiros colaboradores, autores e leitores. Até ao próximo dia 13 de maio, ainda aceitamos "material" para inserir nesta série. 

Neste quarto poste, republicamos um texto de J. Sarmento, velho conhecido do nosso editor, Luís Graça (dos tempos do CISMI, Tavira, 1968), e que já tem quatro anos (*). Foi revisto nesta data.  Tem uma introdução, um pouco longa (e que vai em itálico), em que se explica como é que ele surgiu aqui no blogue.


Peniche, ou melhor, o forte de Peniche, era talvez o lugar mais improvável para reencontrar um dos poucos camaradas, do tempo do Curso de Sargentos Milicianos (CSM), em Tavira, de quem eu guardava uma nítida (falando da sua fisionomia) e sobretudo grata recordação (no que dizia respeito ao convívio e à camaradagem)... Refiro-me ao Sarmento, ao J. Sarmento (nome fictício, a seu pedido, para proteger a sua privacidade).

Tínhamos em comum o gosto e a paixão pela escrita, pelo jornalismo pelo "Diário de Lisboa Juvenil". Ele era do 
Fundão, de uma terra chamada Alpedrinha, sabê-lo-ei mais tarde. E chegara a colaborar, enquanto jovem, no prestigiado "Jornal do Fundão", criado em 1946, por António Paulouro, e um dos raros jornais independentes que existia no Portugal desse tempo... Eu também vinha do jornalismo regionalista, onde aprendi a fintar a censura…

Em Tavira, no quartel da Atalaia, no CISMI, o Centro de Instrução de Sargentos Milicianos (CSM), colaborávamos no jornal de parede. Recordo-me que tínhamos uma equipa editorial, composta por vários soldados-instruendos que tinham dado como profissão o jornalismo… 

E, claro, tínhamos,  um "diretor". O comandante da unidade, um tenente-coronel ou coronel, já não me recordo qual era o posto, zelava pela "orientação editorial do jornal" e, cumulativamente, pelo moral da tropa (e, o mesmo era dizer, pela  moral da Nação). 

Miúdas de peitos fartos, generosos, de bicos espetados, e "bundas" (como se diz hoje, na gíria brasileira) largas e redondas, loiraças, provocantes, anglo-saxónicas, francesas ou escandinavas, eram bem vindas e aclamadas: afinal de contas, "os nossos  soldados-instruendos estavam na flor da idade" (sic), precisavam de ter sonhos cor de rosa à noite... Sim, porque os sonhos verde-rubros das grandezas do império não davam tanta "pica"... a avaliar,aliás, pela rarefacção dos heróis que se dispunham a bater-se (e a morrer) por eles...

Também havia a rádio CISMI, se bem me lembro, que nos acordava em altos berros logo pela madrugada… (Eram uma tortura aqueles altifalantes!)... Mas eu e o Sarmento pertencíamos à equipa do jornal de parede, distista da rádio. Tínhamos alguma liberdade para trabalhar , todavia havia limites para a "desbunda": recordo-me de, um belo dia, ele, comandante, director, censor-mor, lídimo representante do Exército e da Nação, ter-nos obrigado a mandar para o lixo uma vasta e luxuosa edição especial, uma verdadeira enciclopédia, ilustrada, com dezenas e dezenas de fotos, infografias, gráficos, quadros estatísticos, mapas e recortes, dedicada à II Guerra Mundial e ao "nazifascismo" (que palavrão!). Foram horas e horas de trabalho, roubadas ao sono, que acabaram ingloriamente no caixote do lixo!

O argumento do censor-mor era de peso (e até de bom senso, tenho o de reconheer hoje...). Era um argumento definitivamente pedagógico e sobretudo retumbante: "Meus senhores, para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar. Ponto final, parágrafo!"... Como, de resto, iríamos comprovar dentro de escassos meses... 


Quis o destino que tirássemos, os dois, eu e o Sarmento, a especialidade de armas pesadas de infantaria, e que depois fôssemos mobilizados para a Guiné, não sem antes termos ido ainda dar uma rápida recruta, como 1.ºs cabos milicianos, em Castelo Branco, no BC 6, se não erro... Estávamos lá os dois quando foi o terramoto de 28 de fevereiro de 1969... O "nosso" já acontecera umas horas antes, com a ordem de mobilização para a Guiné... Ganhávamos 90 escudos de pré, o que em 1969 equivaleria hoje a 30 euros, mal dando para comprar o "Lisboa" , comer uma sandocha e tomar uma "bica", uma vez por outra... (Recordo que, meio "anestesiado", dormi que nem um justo nessa noite, não tendo sequer acordado com o pânico ou o alvoroço que se gerou na caserna, com malas, candeeiros e até cacifos metálicos a caírem com o violento tremor de terra.)

Embarcámos no mesmo dia e no mesmo navio, o "Niassa",  três meses depois, em 24 de maio de 1969. Convivemos ainda nesses cinco dias de viagem, especulando sobre o incerto mundo e a  estranha terra que nos esperavam. Mas, chegados a Bissau, cada um seguiu o seu inexorável destino, depois de dois ou três dias nos Adidos. 

Apesar das promessas de irmos dando notícias por carta ou aerograma, acabámos por perder o rasto um do outro. Como aconteceu com outros efémeros amigos que íamos fazendo pelas estações do calvário da tropa: Caldas da Rainha, Tavira, Castelo Branco, Santa Margarida... Em todo o caso, não tenho qualquer memória da passagem do Sarmento pelo RI 5...Aliás, tenho poucas memórias do RI 5.

Foi preciso esperar meio século para, num bambúrrio de sorte, nos encontrarmo-nos e nos reconhecermo-nos, aos 72 anos !... Eu e o Sarmento, logo na cerimónia da celebração dos 45 anos da saída dos presos políticos da cadeia de Peniche, dois dias depois do 25 de Abril de 1974.

Fui lá, ocasionalmente,  acompanhando a  minha mulher que queria recordar os momentos, de grande ansiedade e euforia, em que fora dar um abraço a um dos seus amigos, colega de trabalho, que estava a cumprir pena de prisão. Ela não tinha a certeza  de que ele viria a essa cerimónia dos 45 anos, que era também a da inauguração do novo Museu Nacional da Resistência e Liberdade. Mas a verdade é que o amigo veio,  e para mais 
com a filha e a  neta. A minha mulher voltou a fazer-lhe uma festa, abraçando-o e beijando-o efusivamente. A seu lado estava  imaginem!   nem mais nem menos, o Sarmento, e mais um amigo dele. Como virei a saber mais tarde, era o Sarmento em pessoa. Naturalmente, irreconhecível ao fim de tantos anos...

Há 45 anos atrás, na Cadeia de Peniche, foram longas horas de espera e mesmo assim não saíram todos os presos. Os fuzileiros tinham recebido instruções, da Junta de Salvação Nacional, para não deixar sair os presos condenados por "crimes de sangue" (sic)... Enfim, acabaram por sair todos, graças à forte mobilização e resiliência da multidão que se juntou frente aos portões da fortaleza de Peniche, e que foi gritando, até ao fim do dia 26 e princípios do dia 27, "ou saem todos ou não sai nenhum"... E a verdade é que saíram todos na madrugada do dia 27 de abril de 1974...


Eu não estive lá nessa altura, trabalhava e vivia em Mafra, e nem sequer namorava ainda com a minha futura mulher. Mas, ao que parece, um dos tipos que foi solto era também um amigo, conterrâneo ou familiar do Sarmento, alegadamente preso e condenado por pertencer à LUAR.

Quarenta e cinco anos depois, na comemoração dessa efeméride, e de entre os mais de dois mil e quinhentos presos políticos, que passaram por Peniche, entre 1933 e 1974, estavam alguns, talvez algumas dezenas, dos sobreviventes, agora todos eles de cabelos grisalhos... Lá estavam, aparentemente felizes e orgulhosos, de cravo ao peito, nesse sábado, dia 27 de abril de 2019. A fortaleza, monumento nacional, passava também a ser a sede do Museu Nacional da Resistência e Liberdade, o 15.º museu nacional.

Curiosamente, entre os VIP presentes, sentados, frente ao palco, descortinei o Jerónimo de Sousa, deputado e secretário-geral do PCP (e, que eu soubesse,   nunca fora preso pela PIDE/DGS). Há uns anos atrás é que eu viera a descobrir que ele fora também  mobilizado para o TO da Guiné, tendo embarcado no "Niassa", em 24 de maio de 1969, comigo e com o Sarmento e mais uns mil setecentos e tal militares, sem sabermos naturalmente nada dele nem ele de nós. Éramos uma série de  companhias independentes, além de vários pelotões, incluindo uma companhia de polícia militar a que pertencia o ex-soldado condutor auto, da companhia de polícia militar, a CPM 2537, Jerónimo de Sousa.

O Sarmento não sabia, nem sequer suspeitava, dessa coincidência, de resto já aqui relatada no nosso blogue. Também não revelou particular interesse pela presença do dirigtente comunista, nosso antigo camarada de armas. Mas fui eu quem lhe revelei esse segredo de Polichinelo, nessa manhã,  depois de sermos apresentados um ao outro pelo ex-preso político, amigo e colega de trabalho da minha mulher.

Palavra puxa palavra, falou-se do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Mas o Sarmento só me conhecia por Henriques... Afinal o Graça e o Henriques era a mesma e única pessoa... Na realidade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, conclui eu, algo embevecido. Caímos, naturalmente, nos braços um do outro!

Diga-se, em abono da verdade, que o Sarmento já em tempos tinha procurado saber do meu paradeiro através do blogue, e estava para me contactar, até porque queria trazer os netos à Lourinhã, para uma visita ao DinoParque, o parque dos dinossauros que é o maior da Europa, e está justamente localizado na terra onde eu hoje moro e onde nasci. (Enfim, perdoem-me a publicidade, mas é por uma boa causa!)... Não foi preciso, afinal: reconhecemo-nos em Peniche, em 27 de abril de 2019, por um mero (mas feliz)  acaso... 


Enquanto os ex-presos políticos ficaram a partilhar as suas doridas memórias da cadeia de Peniche, eu e o Sarmento pusemos a "escrita" em dia, falando dos tempos de Tavira, de Castelo Branco, da nossa memorável viagem no "Niassa" e das nossas desventuras por terras da Guiné, eu no leste, ele no sul... 

Não sei qual de nós teve mais sorte, no TO da Guiné: mais emboscada menos emboscada, mais mina menos mina, andámos os dois na "porrada", eu numa companhia africana, ele numa companhia independente, adida a um batalhão . Nada do que aprenderamos em Tavira nos serviu. E a arma que nos distribuíram foi a G3. Nunca tivemos nem manejámos armas pesadas, canhões sem recuso, morteiros, bredas, brownings...

Antes de despedirmo-nos, trocámos endereços de email e números de telemóvel e prometemos encontrarmo-nos na Lourinhã, no próximo verão de 2020, nas férias grandes escolares dos netinhos... Eu prontifiquei-me a fazer-lhe uma visita guiada pelo DinoParque, para cuja criação, de resto, também dera a minha pequena, modestaíssima, contribuição enquanto sócio e membro, há uns largos anos atrás, dos corpos sociais do Grupo de Etnologia e Arqueologia da Lourinhã (GEAL) que está na génese do "museu da Lourinhã" e, mais recentemente, do DinoParque. 

Infelizmente, no verão de 2020, estávamos todos em casa, confinados, acabrunhados, surpreendidos pela pandemia de Covid-19. E a ideia do reencontro, na Lourinhã, foi esmorecendo... Até hoje. (Pelo meio, meteram-se entretanto problemas de saúde, de um e do outro.)

O Sarmento, que vivia então  nos arredores do Fundão, numa "quintinha cheia de belas cerejeiras", depois de ter feito uma carreira como professor de filosofia, no ensino secundário, na área metropolitana de Lisboa, havia-me, contudo,  prometido mandar um pequeno texto para o blogue, para a minha série, "A galeria dos meus heróis"... Não só prometeu  como cumpriu. Com a seguinte mensagem, passados dois dias:

"Henriques, ou melhor Graça, velho amigo e camarada de armas (pesadas): Não me peças mais para escrever sobre a tropa e a guerra. Já fechei há muito esse departamento. Por amizade e apreço pelo teu trabalho de mineiro das nossas memórias, mando-te este texto que me saiu de rajada. Vê se era isso que tu querias. Até ao próximo verão, no Dino Parque da Lourinhã. 29 de abril de 2019. Sarmento".

Matando, de vez, a minha veleidade de o convidar para integrar a nossa Tabanca Grande, ele foi definitivo e peremptório na sua resposta:

"Muito obrigado, camarada, mas o tempo não volta atrás... E depois, os professores de filosofia, mesmo reformados, são chatos, e pior ainda, incómodos. Tenho as minhas cerejeiras para tratar. E os meus netos para ver crescer. As cerejeiras são árvores delicadas. E os meus netos são a maior riqueza que eu deixo, quando morrer. E não quero que eles passem o que eu já  passei. Quero para eles (e para os teus e os  vossos netos) um país e um mundo muito melhor do que o país e o mundo em que eu nasci, vivi, penei e fui obrigado a fazer uma guerra, contyra a minha consciència. Por favor, não me peças para voltar a falar desses tempos cruéis."

Texto introdutório: LG
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A melhor ditadura é sempre pior
que a pior democracia

por J. Sarmento (2019)


Os portugueses, soturnos e fatalistas, escrevem nas portas interiores das casas de banho: "Isto é uma merda". Os espanhóis, cínicos mas encantadores, escrevem um bilhetinho e põem-no na porta do elevador: "Disculpen las moléstias".

O pequeno almoço é uma merda, casqueiro com marmelada, e a Internet não funciona, o quarto do hotel é horroroso,já passaram por aqui milhares de motoristas de camiões TIR e putéfias (desculpem-me as feministas!). As paredes estão pintadas a cor de vómito e de esperma requentado. Mas o gerente não tem que ser simpático, apenas tem que saber gerir o bordel espanhol que a agência de viagens nos arranjou à beira da estrada, na periferia de Cáceres. (Éramos, nessa altura, um grupo de reformados de visita à  Espanha romana com capital em Mérida,  aliás a cabeça da então  Lusitânia. )

Com a violência de género a aumentar exponencialmente em Espanha, eram as espanholas que então gritavam, em manifestações de protesto na rua: "Disculpen las moléstias..., pero nos están matando".

Que pena, eu nunca ter estado em Espanha antes do 25 de Abril, nem conhecer nenhum espanhol e muito menos nenhuma espanhola. Minto, conhecia alguns galegos, que tinham tascos e carvoarias em Lisboa ou eram amola-tesouras. Ia-se a Espanha, nesse tempo, só com passaporte. Há séculos que havia uma fronteira, com gajos façanhudos, mal encarados, armados,  de um lado e do outro, como em todas as fronteiras.

Mas a maior parte dos portugueses deu-se ao luxo de dispensar o passaporte e o controlo fronteiriço e foi "a salto", com a mala de cartão às costas. Só lhe interessava chegar aos Pirinéus franceses. A partir daí, era outra vida, outro mundo, o "eldorado" (pensavam muitos, coitados)... Desgraçadamente, o "paradis"  de França, era o "bidonville" e os "chantiers", o bairro de lata e os estaleiros de construção. Nunca ninguém ofereceu, em nenhuma parte do mundo, que eu saiba, o paraíso aos imigrantes...

Dava-me jeito ter aumentado o meu léxico com essa deliciosa expressão idiomática espanhola: "Disculpen las moléstias!"... Dava-me jeito quando fiz a tropa e fui mobilizado para a Guiné para defender uma parte da Pátria que não era minha. Estava disposto (ou pelo menos fui educado para isso, na escola de Alpedrinha) a dar a minha vida pela parte da Pátria que era minha, a minha terra, a terra dos meus pais, avós e demais antepassados, os meus filhos e netos, as minhas cerejeiras...

Faço a minha declaração de interesses: não fui faltoso, nem refratário, muito menos desertor. Também não fui herói. Nunca me bati à cruz de guerra. O tenente Esteves, no CISMI, Tavira, ainda bem tentou cantar-me a cantiga do bandido: "Eu sou devedor à Pátria, / E a Pátria me está devendo, / A Pátria paga-me em vida, / Eu pago à Pátria em morrendo"...

Quem disse que "é doce morrer pela Pátria", que dê um passo em frente... Aprendi na tropa a não ser voluntário para nada, e muito menos para morrer aos vinte e poucos anos... (Tinha vinte e dois, quando recebi o batismo de fogo.)

Eu nunca consegui perceber os  discursos patrioteiros do tenente Esteves, dizendo-me que eu, o Henriques e mais uma chusma de soldados-instruendos do CSM, o Curso de Sargentos Milicianos, vindos dos quatro cantos de Portugal, éramos "a fina flor da Nação"... Gajos que tinham o 5.º ano dos liceus ou equivalente. Outros até  o 7.º ou o 7.º incompleto. Sempre tinham mais letras do que a grande maioria da população, é verdade. Mas quem é que frequentava o liceu naquele tempo? Só nas capitais de distrito havia liceus, nas vilórias como as nossas havia alguns colégios particulares, incluindo seminários (como o do Fundão onde estudou o grande escritor Virgílio Ferreira, e foi essa experiência que o inspirou, e o levou a escrever a "Manhã Submersa").

Para mim, desde os quinze anos, em 1965, quando comecei a escrevinhar e a interessar-me pela vida política, tinha a estranha perceção de que era "a fina flor, sim, mas... do entulho". Na terreola onde nasci, lá nas berças... E era isso, que escrevíamos, por outras palavras, nos jornais de caserna em Tavira... Eu, o Henriques e outros soldados-instruendos de quem já não recordo nem nomes nem caras.

Fiz questão, há uns largos anos atrás, de visitar o antigo quartel da Atalaia, em Tavira, depois de lutar durante mais de quarenta anos contra a minha fobia em relação às coisas da tropa e da guerra, que me deixaram um amargo de boca e um arreigado sentimento antimilitarista. As fobias não se explicam... Os preconceitos têm raízes fundas, daí não ser fácil extirpá-los. No realidade, baseiam-se em experiências mais ou menos desagradáveis de cada um de nós (e, muitas vezes, na ausência efetiva de contacto com o objeto do preconceito).

Achei o quartel ainda muito mais pequeno do que no meu tempo. Ridiculamente pequeno,  liliputiano. Aquilo parecia o "Portugal dos Pequenitos". Não sei como é que, naquele espaço diminuto, cabiam tantas cabeças e pernas e braços, fardados, éramos algumas centenas de jovens na flor da idade, já com carimbo na caderneta e destino marcado: "Mobilizado para servir a Pátria na províncias portuguesa ultramarinas de... Angola, ou Guiné, ou Moçambique".

Por muito que eu me esforçasse, não consegui reviver os dois meses e meio que aqui passara, no último trimestre de 1968... Não consegui chamar até mim os fantasmas de alguns instrutores e comandantes de companhia, como o Robles, o Trotil e o Esteves a quem batíamos a pala com temor e reverência... Não me recordo do Robles, já não era do meu tempo, mas o seu fantasma pairava no ar... Eram heróis, "cacimbados", da guerra de Angola, dizia-se...

Do Esteves, que foi meu comandante de companhia, meu e do Henriques, e tinha o posto de tenente, recordo-me da sua única frase de digna de antologia: "Vocês são a fina flor da Nação"... E a malta repetia, baixinho: ... "fina flor do entulho"... Fina flor da merda da feira do gado da cidade, onde rebolávamos às quintas-feiras, fina flor da merda das salinas de Tavira, fina flor da merda das bolanhas da Guiné...

Nunca me passou pela cabeça, a não ser agora, que estou reformado, mas eu devia ter apresentado, no regresso a casa, um "pedido de desculpas"... Devia ter devolvido a massa que o exército me pagou. O que era complicado: o "patacão da guerra" que ficou amealhado no banco, foi para a vida de estroina dos primeiros meses, na peluda, em Coimbra e depois Lisboa, e para pagar dívidas da família: as propinas do colégio da mana mais nova, num colégio de padres, na capital de distrito; um adiantamento para as despesas da boda da mais velha; um adiantamento ao velhote para o compensar dos calotes dos clientes...

Deviam-me ter pedido desculpas e aceitar de volta o "patacão sujo da guerra" (a expressão, acho que era do Henriques), que me pagaram a troco da intrujice de me considerarem parte integrante da "fina flor da Nação"... 

Acho até que fui vítima de um erro de "casting", devem ter-se enganado no nome e morada... (Naquele tempo ainda não havia código postal!)... Certamente  por engano dos serviços mecanográficos,  devo ter ido em lugar de um gajo qualquer da elite, da fina flor da Nação, que, esse, sim, é que devia ter combatido (e até morrido, em caso de necessidade...) pela Pátria ou pelo menos pela parte da Pátria que lhe pertencia. Para mim a Pátria estava dividida em duas partes: a que não era minha e a que era minha... Confesso, no entanto, que a linha divisória não era facilmente percetível e reconhecível...

"Fina flor do entulho" voltei a sentir-me eu, quando fui preso pela PIDE/DGS, depois dos acontecimentos da Capela do Rato, logo nos primeiros dias de janeiro de 1973. Ainda hoje estou para saber qual foi o meu crime e o móbil do meu crime...

Tinha vindo da Guiné há um ano e tal, em março de 1971. Completei o sétimo ano e matriculei-me na Faculdade de Letras, em filosofia, no ano letivo de 1972/73. Nunca me filiei em nenhuma "organização subversiva" (como então se dizia), contrariamente ao meu amigo da LUAR, que estava preso em Peniche no dia 25 de Abril de 1974, e que acompanhei 47 anos depois. Muito menos andei a pôr bombas e sabotar os navios de transporte de tropas, ou as Berliet do Tramagal, ou os helis de Tancos. Estava demasiado cansado da guerra para voltar a "pegar em armas"... mesmo que a causa fosse justa. E, de resto, nunca fora (nem tivera jeito para) "rambo".

"O Grito do Povo", órgão
da OCMLP, nº 19
outubro / novembro de 1973.
Fonte: Casa Comum,
com a devida vénia
Como é que eu fui parar à António Maria Cardoso e depois a Caxias, ainda hoje  estou por saber, essa informação está omissa na ficha da PIDE/DGS que eu consultei na Torre do Tombo. Ou pura e simplesmente desapareceu. Estive detido três meses e tal,  sem culpa formada, e fui submetido à tortura do sono, como era uso e abuso  na António Maria Cardoso... 

Queriam  nomes e moradas!... Por muito boa vontade que eu tivesse (pudera, debaixo de porrada!), não tinha nomes para dar, aos pides, sobre a "rede" a que eu alegadamente pertencia: chamavam-lhe "O Grito do Povo", uma organização que se destacava, na altura, pela denúncia da guerra colonial e pelo apoio aos desertores e exilados políticos... (Soube mais tarde que "O Grito do Povo" passou a ser, em dada altura, em meados de 1973,   o órgão da OCMLP - Organização Comunista Marxista Leninista Portuguesa.)

Devo acrescentar aqui um pormenor caricato: quando já estava há vários dias e noites, na tortura do sono, à beira da exaustão (para não dizer do colapso), na véspera de ser interrogado por um novo inspetor da PIDE/DGS, há um "estagiário" que vem fazer o "turno da noite"... e que, de repente, me reconhece do tempo de Guiné:


− Meu furriel?!... Sarmento?!...

Incróvel, náo podia ser, eu devia esdtar a delirar!... 
O homem era da minha antiga companhia!... E parecia mais incomodado do que eu pelo insólito da situação: eu, vítima, e ele, carrasco. Senti um frémito de horror só de pensar que ele estava quase tentado a abraçar-me:

 O que é faz... aqui ?

− Eu é que te pergunto!...Afinal, sou teu hóspede... 

Intencionalmente, tratei-o por tu, e com ironia, tive esse rasgo extremo de lucidez. Enfim, conhecia-o bem, era o "escritas", o 1º cabo escriturário da companhia... Um tio, padre, aconselhara-o, a entrar para a PIDE, agora rebaptizada como DGS - Direção Geral de Segurança... "Tinha cama, mesa e roupa lavada. E vencimento de funcionário público ao fim do mês". Nada mais seguro, nos incertos tempos que corriam. E a "situação estava para durar", garantia-me... Disse-me que ainda era "estagiário"... e estava a "aprender os truques" (sic) para poder integrar uma brigada de investigação.

O  meu guarda dessa noite era, afinal, um antigo camarada de armas!... Eu não podia acreditar!... Devia ser delírio, mas não, era mesmo real, ele estava ali, de carne e osso!...E a mim, de repente,  apetecia-me mesmo esganá-lo...

Afinal, tínhamos ido e vindo no mesmo navio. E, naturalmente, sempre que eu ia à secretaria da companhia, lá estava ele a bater à máquina de escrever, no teclado HCESAR. E a tirar cópias a "stencil"... Confesso que nunca fomos amigos, embora tenhamos feito um trabalho ou outro juntos, na secretaria, por ocasião da festa do 1º ano da companhia. Nessa altura, o 2º sargento estava de férias e substitui-o, por duas ou très semanas, na chefia da secretaria, por conveniência de serviço. Nem sequer tínhamos um 1º sargento, como tantos outros, quando soube     que ia para a Guiné, deu baixa por razões de saúde....

De resto, éramos mais de 160 na companhia, e vivíamos em abrigos diferentes. Mas eu não tinha nada a apontar-lhe por eventuais palavras, ações ou omissões. Era um gajo igual a tantos outros, contando os dias do calendário que faltavam para acabar a comissão. Nem sequer sabia o que é que ele pensava da guerra ou da situação política, ou deixava de pensar. Se calhar nem pensava nada, como muitos outros, a grande maioria. Éramos todos uma "carneirada", rosnava eu, entre dentes.

Pois é, a vida dá muitas voltas e é preciso "fazer pela vidinha". justificava-se ele, quase com candura... Para alguns, a PIDE/DGS era um emprego, "seguro", tal como era a GNR, a Polícia de Trânsito, a Guarda Fiscal, a PSP, as finanças, os tribunais... O tio era padre e tinha uma boa paróquia, "estava governado"... Enfim, o "escritas" procurou ser "gentil" comigo, ao tentar justificar a sua opção de emprego no pós-guerra... Que "o Exército só podia estar grato à PIDE na Guiné", e outras enormidades que me dispenso de citar... O homem não se calava...

Bêbedo de sono, ofendido e humilhado, acabrunhado, não conseguia manter qualquer diálogo com  o meu novo carrasco, de quem no entanto, devo acrescentar, sentia um misto de asco e de curiosidade mórbida... Como é que um gajo, que me parecia "minimamente decente", como era o "escritas" da minha  companhia, um antigo camarada de armas, da Guiné, de 1969/71, se tinha tornado um pide ?

O cabrão do "escritas", que ainda mantinha o sotaque nortenho que eu sempre lhe conhecera, teve um tímido e atabalhoado gesto de compaixão, ao ver-me no mísero estado em que eu estava, um autêntico farrapo humano, sonâmbulo, com olheiras fundas, daquelas de meter medo a  qualquer ser vivo... Continuou sempre a tratar-me por "meu furriel":

 Meu furriel, não fique de pé, sente-se aqui nesta cadeira. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas... 
E assim retempera as forças −  aconselhava-me o gajo.

Sem esperar pela minha resposta, acrescentou, mostrando já conhecer bem os cantos à casa:

 O senhor inspetor tem horário de funcionário público. Só volta às nove horas, nove e tal, de amanhã, para não dizer dez. Até lá, você  tem a minha autorização para dormitar. 

E enfatizava o adjetivo possessivo (a "minha autorizaçáo"), para logo a seguir mostrar a sua  cumplicidade misturada com esperteza saloia:

− Eu velo pelo seu sono. Estamos aqui os dois, sem ninguém nos ver, eu empresto-lhe a minha cadeira. Por mor dos tempos passados na Guiné... Por mor da nossa camaradagem... E pela nossa divisa: "Um por um, todos por todos", lembra-se ?!... Se eu ouvir passos, dou-lhe um empurrão e acordo-o. Mas está tudo a bater a sorna a esta hora da noite. Afinal também somos gente, civilizada. Não quero que fique com má impressão minha... Pode ficar descansado...

Não foi, confesso,  o melhor sono da minha vida. Não consegui dormir em cima da cadeira do pide, meu ex-camarada de armas. Mas descansei as pernas, que estavam um trambolho, depois de tantos dias de pé, sujeito à tortura do sono. O meu medo era aparecer, de rompante, o filho da puta do inspetor e perceber a marosca... Espantoso, sem o querer, era eu, inconscientemente,  que estava a vigiar o pide (ou aprendiz de pide, ou o raio que ele dizia que era...), e não o pide que me estava a guardar...

Por volta das oito e tal, ele sacudiu-me os ombros e eu abri os olhos, estremunhado... Só me disse:

− São horas de se preparar... Boa sorte. E desculpe lá qualquer coisinha. 

Desta vez já não me tratou por "meu furriel". Também ele ensonado, deve-se ter compenetrado do seu e do meu papel... Nunca mais, na vida, lhe pus a vista em cima ... 

Entretanto, às dez horas em ponto, com uma hora de atraso em relação ao horário do funcionário público que tem de assinar o livro de ponto às nove, o senhor inspetor, bem barbeado, bem dormido, ainda a cheirar a café, a cigarro e a água de colónia barata,  veio-me fazer a sua visita matinal e trazer-me notícias:

- Uma boa e outra má, ou menos má... − disparou o sacana, cofiando o bigode, curto, "démodé".

E, depois, já em tom de confidência, sentou-se, numa cadeira ao meu lado, e revelou-me:

− Vou-lhe contar um segredo: também estive na Guiné, afinal fomos camaradas de armas, sabia ?!...,  se bem que desempenhando papéis diferentes, eu na guerra da inteligência, em Bissau, e você de G3 em punho no mato. Ambos lutámos pela Pátria. Eu, ainda no tempo do general 
Schulz ele dizia Schultz...], você do nosso general Spínola. Dois grandes chefes militares, se quer que lhe diga.

E prosseguiu, cínico, provocador, ameaçador e enigmático:


A boa notícia é que vou... soltá-lo. Não tenho mais razões por o manter aqui detido. E depois está a ocupar uma vaga no nosso hotel de cinco estrelas 
[ referia-se ironicamente a Caxias... ]  que nos está a fazer muita falta. Como sabe, nestes últimos tempos a procura tem excedido a oferta. Não nos  faltam clientes... Aquela coisa da Capela do Rato foi muito feia, muito má para todos, a começar para nós, os católicos... Os comunistas, infelizmente, já chegaram ao altar... Mas quanto a si, não temos, em boa verdade, nenhum facto, substancial, que comprove, de maneira clara e inequívoca, a sua ligação ao "Grito do Povo". 

Calou-se intencionalmente  por alguns  segundos, respirou fundo e voltou, solene, a ser o dono do jogo:

A má notícia... é que você vai continuar a ficar debaixo de olho. Do nosso, claro. Se lhe posso dar um conselho, como seu ex-camarada da Guiné, não se meta com essa canalha, acabe o seu curso, e trate da sua vidinha. Case-se e dê filhos à Nação. E, já que anda em filosofia, fique com esta máxima que eu lhe dou de borla: "Mais vale uma boa ditadura do que uma má democracia"... 

Puxou de um cigarro, ofereceu-me um outro (que recusei polidamente, por não fumar), e prosseguiu a sua diatribe:

− Estamos em guerra, lá fora, em África. E cá dentro, também, infelizmente... Somos talvez o último bastião da defesa da liberdade do mundo ocidental.  O apoio, direto ou indireto, à deserção e aos desertores é um crime de lesa-Pátria.

Num ápice levantou-se da cadeira, ajeitou a gravata e ordenou-me em tom militar:

  Levante-se, vista-se, lave a cara, recomponha-se... 

E dando a estocada final na minha pobre autoestima, repetiu a expressão que eu já havia ouvido ao aprendiz de pide:

− E desculpe lá qualquer coisinha.

Não sem antes de me ter posto ao ridículo, pela enésima vez, lembrando-me o "crime" de eu ter dado, ingenuamente, a minha morada para a entrega do correio, a um gajo meu conhecido da faculdade, que tinha passado à clandestinidade (sem eu o saber)... A correspondência passou a ser intercetada pela PIDE/DGS e eu caí que nem um patinho nos braços dos gajos...

... Ainda voltei a Caxias, para fazer o "check out"... Pequei na minha trouxa, com um nó seco na garganta, apanhei o comboio até ao Cais do Sodré e voltei ao meu quarto, numas águas furtadas da rua da Misericórdia, que estavam inteiramente por minha conta (tal como a caixa do correio). Tomei um banho, demorado, e fui ao Trindade comer o melhor bife da minha vida... No dia seguinte, voltei à Faculdade para dar uma explicação sobre as minhas "férias" de 3 meses e tal por conta da PIDE/DGS... Não estiveram com contemplações, os gajos da secretaria. Chumbei por faltas nesse ano. Felizmente que um ano depois aconteceu o 25 de Abril.

E hoje,  ao fim de uma vida, só posso discordar do inspector da PIDE/DGS  que me torturou, ao mesmo tempo que me dava lições de ciência política... Afinal, a melhor ditadura é sempre pior que a pior das  democracias. Os democratas é que são parvos, tratam os seus inimigos com tolerância e clemência...

Tanto quanto soube, mais tarde, tanto o "escritas" como o "senhor inspetor", estiveram na prisão de Alcoentre e foram uns dos tais 89 pides que fugiram pela porta do cavalo, em 29 de junho de 1975... Para Espanha, seguramente. E de lá estou a vê-los a mandarem, cinicamente,  um bilhetinho para as suas antigas vítimas:

 "Disculpen las moléstias"!...

J. Sarmento, Fundão, Quinta das Cerejeiras, 29/4/2019.

Versão revista em 25 de abril de 2023.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de abril de  2023 > Guiné 61/74 - P24262: 19º aniversário do nosso blogue (3): Somos uma autêntica "Universidade Sénior" (Hélder Sousa, provedor da Tabanca Grande)

(**) Vd. poste de 30 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19729: A galeria dos meus heróis (29): 'Disculpen las moléstias"... Ou uma história que mete vítimas e carrascos (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P24271: Parabéns a você (2164): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuna, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24264: Parabéns a você (2163): Giselda Antunes Pessoa, ex-2.º Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1972/74)

domingo, 30 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24270: Blogpoesia (791): "Passei o dia a ouvir música", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Passei o dia a ouvir música

Passei o dia a ouvir música
sempre a mesma
alternando Madredeus e Erik Satie.
Como foi possível parecerem-me tão semelhantes?
Que percebe de sons este monocórdico espírito?
Mas foi o mesmo o que produziram em mim:
a sensação amarga de ter atirado fora
uma paveia de sentimentos.
Como vou misturar "É quase certo que nada existe, nada está perto nem eu estou triste"
com "Embryons desséchés e Peccadilles importunes?"
Eu próprio me sinto mistura de contradições e acasos
harmonia de contrastes
santidade e pecado.
Nada percebo de música
mas quero que a música seja ar
chuva ou vento
olhos
boca
sustento
febre
delírio
amor e tormento.
Não sei onde fica a música nem a terra onde ela conduz
sei apenas que é de calor e de luz
ar puro e perfume
o caminho da música para o alto dos montes.


adão cruz

____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24269: E as nossas palmas vão para ... (23): Inês Allen, hoje nossa tabanqueira nº 875: Devolveu a Empada, em fevereiro de 2023, a efígie de "Os Metralhas", divisa da CCAÇ 3566 (1972/74), e nome do clube de futebol local, dando cumprimento à última vontade do pai, Xico Allen (1950-2022)




Guiné-Bissau  > Região de Quínara > Empada > 2005 > O emblema ou efígie da CCAÇ 3566, "Os Metralhas", uma peça em argila que foi encontrada pelo Xico Allen a servir de "tapete" ou "soleira" à casa do administrador local... Fotos do álbum do José Teixeira, que acompanhou o Xico Allen nessa viagem.

Foto (e legenda): © José Teixeira  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

Data . quinta, 27/04, 15:22 (há 1 dia)
Assunto -  Os Metralhas

Boa tarde Luís

Junto as fotos que tirei em 2005 em Empada com a pedra símbolo dos "Metralhas," que estava a fazer de tapete no acesso à porta da casa do Administrador de Empada. 

O Xico Allen foi cumprimentá-lo e descobriu a pedra e a sua função. Ficou muito aborrecido. e demonstrou o seu descontentamento, pegando na pedra e trazendo-a para o Saltinho. Dois dias depois embarcámos no avião de regresso e a pedra veio conosco.

Quando, no ano passado,  soube que tinha sido criado o Grupo de Futebol "Os Metralhas de Empada" logo se dispôs a ir lá levar a pedra para emblema do clube. Tinha combinado ir com o Silvério Lobo. Infelizmente adoeceu e, ainda antes de morrer,  encarregou a Inês de cumprir a sua vontade.

De recordar que os "Metralhas", a CCAÇ 3566, foram os últimos militares portugueses que estiveram em Empada.

Um xi coração para ti e para a Alice.




2. Resumo da viagem,  à Guiné-Bissau, da Inês Allen, acompanhada do Silvério Lobo (e mais alguns antigos combatentes que se lhes juntaram), em fevereiro de 2023; 

Segundo uma notícia da Agência Lusa, de 14 de fevereiro de 2023, que foi publicada nos jornais (e nomeadamente no "Observador", mas também da Rádio Voz da Guiné, no dia seguinte, no Facebook), "a portuguesa Inês Allen Pereira cumpriu a vontade do pai e entregou em Empada, no sul da Guiné-Bissau, o distintivo da companhia da tropa colonial portuguesa “Os Metralhas” a um clube de futebol com o mesmo nome", que havia sido criado em junho de 2021.

É sabido que o nosso Xico Allen, depois de reformado (era bancário), tornou-se uma "viajante compulsivo", tendo visitado a Guiné-Bissau por diversas ocasiões.  Numa delas, em 2005, e conforme relato acima do nosso camarada Zé Teixeira, encontrou em Empada o emblema ou a efígie da sua antiga companhia, a CCAÇ 3566, cuja divisa era justamente "Os Metralhas”,  

"Nostálgico, Francisco pegou naquele símbolo circular com cerca 50 centímetros de diâmetro, que levou para Portugal." - acrescenta a peça da Agència Lusa - com a ideia de o restaurar. Era uma peça feita de argila, pesando cerca de 19 quilos.

"A ideia, contou à Lusa em Bissau a filha Inês Allen Pereira, era restaurar aquela relíquia feita de argila da Guiné e um dia devolvê-la a Empada. Em outubro passado, quando Francisco tinha tudo planeado para trazer de volta o símbolo de “Os Metralhas”, acabou por morrer de doença".

Conhecedora da vontade do pai, a Inès decidiu viajar até Empada:

“Ele tinha muito orgulho porque soube que há muito pouco tempo tinha sido criado o clube de futebol “Os Metralhas” em Empada e estava a correr muito bem e que tinham subido de divisão”, explicou à Lusa Inês Pereira.

Francisco “tinha muito orgulho” pelo facto de em Empada terem dado, ao clube de futebol local, o nome da divisa da sua companhia, o tempo da guerra colonial, a CCAÇ 3566 (Empada e Catió, 1972/74).

Tão cedo Inês não se vai esquecer da “grande receção” que teve na vila onde o pai foi militar quando no passado domingo, dia 12 de fevereiro, fez 12 horas de viagem entre Bissau e Empada para entregar o símbolo de “Os Metralhas”, com cerca de 19 quilogramas.

(...)  "Dauda Cassamá, vice-presidente do Empada Futebol Clube “Os Metralhas”, criado há dois anos e que subiu da terceira para a segunda divisão, explicou à Lusa que o símbolo devolvido por Inês Pereira vai ser colocado numa vitrina no hall de entrada da sede do clube" (...).

O prõximo desafio é fazer "cumprir um desejo dos cidadãos de Empada que querem batizar o campo de futebol com o nome Francisco Allen Pereira"

O acontecimento teve honras de conferência de imprensa Bissau, no dia 14 de fevereiro, em que a nossa Inês foi a "vedeta". E, merece, naturalmente as nossas palmas pelo seu gesto. (*).  



  Guiné > região de Quínara > Empada > Futebol Clube "Os Metralhas de Empada" > Fevereiro de 2023
Leiria > Convívio anual da CCAÇ 1790 > "Mais um convívio muito bem passado! Obrigada à CCAC 1790, 1967/69, por nos receberem e também pelas 150 'empadas' angariadas hoje, por amizade e pela compra de livros, para a concretização do 'Campo de Futebol Xico Allen' ". A Inês Allen aqui com  Silvério Ribeiro Lobo e Liliana Miguel Carvalho Dantas em Leiria.

Fotos: Cortesia da página do facebook da Inès Allen (2023)

3. Ficha da unidade > Companhia de Caçadores nº  3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74)

Identificação:  CCaç 3566
Unidade Mob: BC 10 - Chaves
Cmdt: Cap Mil Inf João Nuno Rocheta Guerreiro Rua | Cap Inf Herberto Amaro Vieira Nascimento | Cap Mil Inf Pedro Manuel Vilaça Ferreira de Castro
Divisa: "Os Metralhas"
Partida: Embarque em 23Mar72; desembarque em 23Mar72 | Regresso: Embarque em 18Jun74

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 27Mar72 a 22Abr72, no CIM, em Bolama, seguiu em 24Mai72, para Empada, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3373.

Em 17Mai72, assumiu a responsabilidade do subsector de Empada, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 3852. 

Em 22Jan73, por remodelação do dispositivo, o subsector passou à dependência do BCaç 4510/72. 

Em 03 e  21Abr73, dois pelotões foram deslocados para Catió, em reforço da guarnição
local, onde se mantiveram até 23Jan74.

Em 25Fev73, a sua zona de acções foi alargada às áreas da península da Pobreza e Cubisseco de Baixo, por reformulação do dispositivo, incrementando então a sua actividade ofensiva, com realce para uma acção imediata sobre Iangué, em 190ut73, com bons resultados.

Em 14Jun74, foi rendida no subsector de Empada pela CCaç 4944/73, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações -  Tem História da Unidade (Caixa n.º 116 - 2.ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 412.
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 19 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23896: E as nossas palmas vão para... (21): o Humberto Reis, que hoje faz anos e é um dos nossos grandes fotógrafos, para além de colaborador permanente e "cartógrafo-mor" do nosso blogue

Guiné 61/74 - P24268: Ser solidário (257): Com a consignação de 0,5% do nosso IRS a favor da ONGD Afectos com Letras (NIF 509301878), podemos ajudar a levar descascadoras de arroz até à Guiné-Bissau, retirando as meninas do trabalho manual da descasca e permitindo que vão à escola



Sabia que nos pode ajudar com o seu IRS a levar descascadoras de arroz até à Guiné-Bissau, retirando as meninas do trabalho manual da descasca e permitindo que vão à escola?

A consignação do IRS está prevista na lei (Lei n.º 16/2001 de 22 de Junho) e permite aos atribuir 0,5% do total do imposto pago ao Estado a uma instituição. Esta percentagem é retirada ao valor que o Estado receberia e não ao contribuinte. É dada ao contribuinte a possibilidade de decidir onde poderão ser aplicados os seus impostos.

Em 2021 e em 2022 conseguimos instalar descascadoras de arroz em duas aldeias guineenses com a receita da consignação do IRS, permitindo assim que as meninas acedam à educação e sonhem com um futuro melhor. Mas queremos levar ainda mais esperança, tempo e oportunidades até às crianças guineenses com a instalação de mais descascadoras de arroz em distintas aldeias do país.

Quando e como consignar o IRS e o IVA?

Até 31 de março

A escolha da entidade pretendida é realizada no Portal das Finanças, em “Comunicar entidade a consignar IRS/IVA”. Para proceder à indicação dos dados da entidade à qual pretende consignar o IRS e/ou o IVA, clique no botão de “Pesquisa” junto ao campo do NIF e selecione a ASSOCIAÇÂO AFECTOS COM LETRAS. Por fim, pressione em “Submeter”.


De 1 de abril a 30 de junho

A seleção da entidade pode ser efetuada no IRS Automático ou na declaração de rendimentos (Modelo 3).

Em qualquer dos casos é necessário indicar:

A entidade que pretende apoiar: Associação Afectos com Letras
NIF da entidade: 509 301 878
O tipo de consignação: “IRS” ou “IVA” ou as duas.


IRS Automático
No IRS Automático, a consignação é efetuada na área “Pré liquidação”.

Juntem-se a este nosso sonho, ajudem-nos a ajudar. Está é a forma mais fácil, e sem quaisquer custos, de apoiar o trabalho que desenvolvemos!

Fonte: págima do Facebook da ONGD Afectos com Letras, 1 de março de 2023


A Afectos com Letras, Associação para o Desenvolvimento pela formação, saúde e educação, é uma Instituição de Utilidade Pública, reconhecida e registada como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, que foi fundada em Setembro de 2009 e que possui uma delegação na Guiné-Bissau desde Agosto de 2012. 

Tem como missão e objetivos a conceção, promoção, execução e apoio a programas, projetos e ações de cariz social, cultural, ambiental, cívico, educacional e económico. 

Desde 2009 que a nossa intervenção se tem concentrado na Guiné-Bissau, nomeadamente em Bissau, Orango, Barambe, Blequisse, Pecixe, Bubaque, Djoló, Ingoré, Cambajú, Quinhamel, Quilum, Elalab, Jeta, Caio, Tepil, Cassical, Dencasse, Varela e Quelelé onde temos desenvolvido diversos projectos na área da educação, das bibliotecas, da saúde, do empoderamento das mulheres e da formação.
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sábado, 29 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24267: (In)citações (240): O meu 25 de Abril de 2023 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)


1.
 Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF  (Piche e Bissau, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2023:



O meu 25 de Abril de 2023

Sim, eu sei que não nos devemos meter a “falar” de política (já agora, nem de desporto ou religião) aqui no Blogue. Pode ser fraturante!

E, quando se fala do “25 de Abril”, aparecem sempre umas almas pouco piedosas, a dizer que é preciso contrapor o “25 de Novembro”… Claro que “Abril” é de 1974 e “Novembro” é de 1975, mas isso não lhes interessa nada. Faço notar que sem o “25 de Abril” não seria provável o “25 de Novembro”, por isso não vejo qualquer utilidade nesse “contraponto”, cada coisa em seu tempo.

Mas resolvi hoje, aqui e agora, dar público conhecimento de que este ano, finalmente, “desci a Avenida” nas ações comemorativas. E porquê? Em rigor não sei responder. Um impulso? Alguma necessidade de afirmação? Alguma “penitência”?

Na verdade, foi esta a primeira vez que participei no desfile. E gostei.

Integrei um pequeno grupo que se acolhia numa faixa da “Associação Salgueiro Maia”, que me pareceu apropriado, e considero que tal foi muito positivo.

Apesar de todo o desprezo a que os sucessivos poderes votaram o Homem, ao longo da descida da Avenida até ao Rossio, sempre que das laterais descortinavam a faixa com a sua figura e as palavras identificadoras, foram inúmeras as vezes, incontáveis mesmo, que os aplausos cresciam, as palavras incentivadoras e elogiosas se faziam ouvir. E não raras vezes aludiam às “maldades” que lhe fizeram.

Também foram muitas as fotos que foram tiradas, por naturais e muitos estrangeiros, alguns dos quais queriam saber mais sobre a figura.

Repito, senti-me bem, relembrei o que lhe devia, pela coragem demonstrada no Terreiro do Paço quando foi ao encontro do “tal Anselmo”, pelas atitudes de firmeza e de correção durante a ação no Largo do Carmo, onde, por sinal, também me encontrava na ocasião.

Aquando da minha estadia em Santarém, no 1.º Ciclo do CSM, o Maia foi o instrutor de granadas, na carreira de tiro e na Quinta das Ómnias. Por tal, não me surpreende nada que se mostre em filme (verdade, ou verdade ficcionada?) o Maia a ir ao encontro do “tal Anselmo” com uma granada mão, como medida preventiva para qualquer loucura do “defensor do regime” que, valha a verdade, só não aconteceu por firmeza e coragem do “Homem do tanque”.

Na foto que envio pode-se ver a faixa referida na qual não apareço por estar a tirar a foto mas, durante o percurso, fui segurando uma das pontas.

Hélder Sousa
Ex-Fur Mil Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24242: (In)citações (239): O nosso blogue faz hoje 19 anos, sabiam?!... Não é uma eternidade, é uma enormidade... de tempo, equivalente a 10 comissões no CTIG...