Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26880: Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) - Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros




"Diário Notícias  de 31/3/1973  


A notícia da queda do Fiat G-91, nº 5419, pilotado pelo ten cor pilav Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, da BA 12, em Bissalanca, abatido por um míssil Strela, foi dada, surpreendentemente, pelo "Diário de Notícias", em caixa alta. (Não consta, por exemplo, do "Diário de Lisboa".)

Imagem: Cortesia do blogue do Victor Barata > Especialistas da BA12, Guiné 65/74 > Terça-feira, 31 de Julho de 2007 > Ten Cor Pilav Almeida Brito: Única vitíma mortal do Strela, por Arnaldo Sousa

O Comandante Almeida Brito tinha nascido em 1933 e concluído em 1953 o curso de aeronáutica militar na Escola do Exército (antecessora da Academia Militar). O seu desaparecimento (o corpo nunca chegriara a ser encontrado) causou profunda consternação na BA12 e em Bissau, onde era um militar muito conceituado e muito querido entre os seus subordinadas e amigos.


Guiné Bissau > c. 1973 > Cortejo fúnebre para embarque de urnas


Guiné > Bissau > c. 1973 > instalações da UDIB onde havia um cinema cujo salão era utilizado para o Congresso do Povo. (O início da construção da nova sede da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau data de fevereiro de 1969; a primeira pedra foi lançada pelo então brigadeiro António Spínola.)



1. Continuação da publicação da série do nosso camarada Carlos Filipe Gonçalves (*)

Recordações da Guiné de um Furriel Miliciano. 

No extracto de hoje, o primeiro de grandes acontecimentos que a partir de agora iriam marcar o fim da guerra na Guiné… Hoje, sabemos, que foi assim… mas, no final de março de 1973, vivíamos normalmente o dia a dia no QG em Santa Luzia, eu, completava o meu primeiro mês de Comissão, ainda era um «periquito», ou seja, na gíria militar eu era um «novato» que ainda estava a adaptar-se ao ambiente de guerra e ao clima, como descrevi no post anterior. 

Passados 51 anos, para além da descrição «naïf» de como um jovem de 23 anos viveu os acontecimentos, descrevo o ambiente de guerra que se vivia. Apresento também uma visão do outro lado (afinal sou jornalista), procuro, pois, dar aos nossos filhos e netos uma visão clara dos acontecimentos. 






Carlos Filipe Gonçalves (Kalu Nhô Roque, como consta na sua página no facebook):

 (i) nasceu em 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde; 

(ii) foi fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; 

(iii) ficou em Bissau até 1975; 

(iv) radialista, jornalista, historiógrafo da música da sua terra, escritor, vive na Praia; 

(v) membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, nº 790;

 (vi) tem 25 referências no nosso blogue.(*)



Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo) 

 Parte VII: Os "turras" têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros



Pouco depois da minha chegada a Bissau, a grande notícia foi o derrube de aviões Fiat ! A notícia não foi dada na rádio, mas circulava entre os militares. Dizia-se que um avião não voltou de uma missão, foi outro à procura para ver o que aconteceu, também foi abatido. 

Os "turras", diziam os meu camaradas militares, têm agora um míssil que abate aviões e helicópteros. Na conversa sobre este este assunto na repartição o alferes explicou: o novo míssil procura uma fonte de calor e corre atrás! 

Foi assim que fiquei a saber que os helicópteros tinham uma turbina, para os impelir para a frente e que a grande hélice horizontal apenas servia para os manter no ar. 

Os helicópteros voam agora baixinho a rasar a copa das árvores e não podem deslocar-se a todos sítios! Anos mais tarde depois da guerra, vim a saber que se tratava de mísseis antiaéreos Strela, de fabrico soviético. 

Manuel Amante explicou que, depois da entrada desta nova arma do PAIGC, “passou-se a utilizar muito mais o transporte terrestre e marítimo, eu sei disso, porque o meu pai tinha barcos nessa altura, que faziam o transporte de coisas… principalmente para Xime e Bambadinca. (…) A navegação no rio fazia-se, com alguma precaução principalmente de noite porque havia sempre ataques em Mato Cão. Aliás um dos navios de transporte do meu pai, foi atacado nessa altura a uns 20 minutos antes de chegar a Xime.” 

Manecas Santos, comandante do PAIGC, em entrevista à rádio DW,  comentou anos mais tarde esta situação: 

“Em 1973, eu era o chefe de um grupo que foi treinado na União Soviética para manusear armas antiaéreas eficientes: foguetes. (…) A partir do momento que nós começámos a usar estas armas antiaéreas, o exército colonial português ficou completamente na defensiva.(…).”  (##)

Depois da minha chegada a Bissau, aprendi com os veteranos a distinguir o som dos bombardeamentos/flagelações lá longe e se ouvia perfeitamente em Bissau. Aconteceu numa noite, estava eu no Café Império ao lado da Praça de mesmo nome (atualmente Praça dos Heróis Nacionais); depois de se ouvir bombardeamentos ao longe, disse-me um amigo, militar mais experiente: 

“Quando se ouve «Buuum" depois de uma breve pausa, «Buuum» um pouco mais longe, são obuses da tropa, ou canhão dos «turras». Quando se ouve simplesmente «Buuum» e não há retorno, são mísseis dos «turras».” 

Os veteranos colocavam a palma da mão no ouvido para orientar e diziam: 

“Daquele lado é Bula… ou, Binar? Deste lado, é muito perto só pode ser Tite… Cumeré?”

Quando os helicópteros passavam insistentemente, já se sabia, houve feridos em combate, estão a decorrer evacuações. 


Guiné > Bissau > 1974 > Café Império, já na antiga Praça do Império, ao cimo da Av da República, do lado direito de quem subia...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]



Sentado no Café Império em dias de folga, fui algumas vezes surpreendido pela passagem de cortejos militares fúnebres, a caminho do cais para o embarque de restos mortais para a metrópole. À frente, ia um jipe com soldados de luvas brancas, todos perfilados, atrás os camiões com as urnas, tudo em silêncio, devagar…. Então, levantávamos e ficávamos em sentido, aqueles que estavam fardados faziam continência.

Um dia, a propósito do ataque a uma localidade qualquer, o Demba contou a sua história. Antes, de vir para a ChefInt trabalhava numa enfermaria algures mato, num quartel como ajudante de enfermeiro. Teve azar, quando uma granada atingiu a enfermaria, explodiu um garrafão de álcool, o líquido incandescente atingiu-o! Com queimaduras graves, foi evacuado para Bissau, depois evacuado para o Hospital Militar em Lisboa. Esteve meses em coma! Felizmente – dizia – muitas pessoas lhe deram pedaços de pele que lhe foram sendo enxertados. E apontava para a cara: 

“Estão a ver! Tenho pele de muitos brancos… e também de pretos! Deram pele e me ajudaram! Passei mais de dois anos no hospital em Lisboa. Graças a Alá, sobrevivi!” 

Arregaçou as mangas para vermos os braços todos queimados, abriu a camisa e mostrou o peito, onde se viam manchas brancas entre a pele preta e múltiplas cicatrizes.

Fiquei impressionado, mas não comentei. Percebi, agora,  porque tinha a cara desfeita! Começava a ter contacto com os horrores da guerra.

Naquele mês de Abril de 1973, houve uma reunião da Assembleia Legislativa , foi acontecimento badalado na rádio. Aqui, chama-se Congresso do Povo, reúne deputados locais, chefes tribais e régulos de diferentes etnias.

 As sessões decorriam no salão do cinema da UDIB , um clube desportivo com belíssimas instalações sociais na avenida principal da cidade. Claudino tinha um radiozinho que ele colocava sobre a mesa, ouvíamos baixinho a ERG que fazia as reportagens em direto, ou transmitia discursos, uns em crioulo, outros em línguas das etnias, mas para mim, era tudo igual ao litro… não entendia nada.

Pouco depois, foi a morte de um líder muçulmano em Nova Lamego, Gabú para os locais. Spínola ordenou um funeral com pompa e circunstância. Demba andava entusiasmado e quando os discursos eram em «fula»,  ele comentava nessa língua com o Issa e com o Claudino. No dia do funeral do tal imã, o Demba não compareceu no serviço. Dias depois, quando regressou, contou o que se tinha passado nas exéquias, falou do discurso de Spínola etc. etc. 

________________

Notas do autor:


(#) Um primeiro avião Fiat foi abatido em 25 de Março de 1973 por um míssil. O segundo avião do mesmo tipo foi abatido em 28 de Março de 1973 também por um míssil. Foram abatidos mais aviões deste tipo em 1 de Setembro de 1973, 4 de Outubro de 1973 e 31 de Janeiro de 1974.

Fonte: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné > 21 de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)

(##) Manuel Santos, "Manecas", nascido em S. Vicente, Cabo Verde, 1943. Estudante de Engenharia em Lisboa, aderiu ao PAIGC em 1964. Foi ministro em vários Governos na Guiné-Bissau.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)

Guiné 61/74 - P26879: Facebook...ando (81): João de Melo, ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351 (1972/74): um "Tigre de Cumbijã", de corpo e alma - Parte I: De volta a Bissau Velho, agora de cara lavada




Foto nº 1A e 1  > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > 3 de maio de 2025 >  Jovens vendedeiras de bananas... Lindas bajudas!...E bela froto!... " Tirada no estacionamento do aeroporto Osvaldo Vieira, atualmente em remodelação e ampliação por uma firma turca".


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Esta foto de um edifício em Bissau Velho, tem para mim um significado muito especial. É hoje a principal sede do BAO – Banco da África Ocidental. Este edifício,   o seu primeiro andar, era  em tempos  o meu “Porto Seguro”, quando me deslocava ou passava por Bissau, vindo do “buraco” que era Cumbijã. Nesse primeiro andar morava o casal Oliveira, um casal amigo com origem na minha terra natal , e que estavam “emigrados” na Guiné. Só quem passou por Bissau em tempo de guerra é que poderá avaliar o conforto que era chegar a Bissau e ter um Lar onde ficar com todo o carinho familiar que tanta falta fazia!...

Onde quer que estejam, que esse casal tenha a paz que ambos merecem por todo o bem que me fizeram. Obrigado!.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Bissau Velho á noite...  Toda aquela zona habitacional em frente ao Porto de Mar, foi em outros tempos o verdadeiro centro de Bissau! Cinco anos atrás, nem de jipe se podia circular... Hoje, felizmente está de "cara lavada" , com ruS novas e asfaltadas e, já se começa a parecer com o passado...



Foto nº 4 Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 >


Foto nº 5 Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 >



Foto nº 6 Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > A renovada av Amílcar Cabral, antiga av da República (até 1975), que ia do Palácio do Governador (ex-praça do Império) até ao porto de mar (cais do Pijiguiti)


Foto nº 7 Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > "Mão de Timba": homenageia uma revolta das estivadoras, no cais do Pijiguiti em 3 de agosto de 1959...A título de esclarecimento, "Mão de Timba" tem um significado dual na Guiné-Bissau. Pode referir-se à pata do porco-formigueiro (também conhecido como timba), que é usada em feitiços e superstições. No entanto, a expressão mais comum significa "mão de caloteiro", referindo-se a uma pessoa que não paga as suas dívidas...


Foto º 8  Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Hospital Nacional Simão Mendes: recebeu o nome de António Simões Mendes (1930–1966) (*), um enfermeiro nascido em Canchungo que tratou combatentes do PAICG durante a Guerra da Independência. Em 2009-2011, passou por uma remodelação significativa, continha 417 camas e oferecia 21 especializações, das quais a maternidade, pediatria, oftalmologia, radiologia e laboratório eram as mais procuradas. Na época, contava com 41 médicos e 82 enfermeiros.
Atualmente, a realidade é bem mais preocupante (...) sofre de imensas carências, tanto a nível de quadros como de consumíveis.
Anualmente, seguem voluntariamente 13 profissionais de saúde, oriundos do Hospital Distrital de Aveiro "Bisturi Humanitário" que concorrem com material, intervenções cirúrgicas, consultas etc., menorizando as lacunas existentes.



Foto nº 9 >  Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Das 20 estradas transversais à principal avenida de Bissau - Avenida Amílcar Cabral - somente 13 estão com alcatrão novo. Entretanto, andam neste momento a continuar a sua total asfaltagem.(...).


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > A velha catedral católica, na av Amílcar Cabral... Um ícone do nosso tempo.



Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Interior da catedral católica...



Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Bissau > Bissau Velho > Maio de 2025 > Fortaleza da Amura > Está aqui instalado o "Museu Militar da Luta de Libertação Nacional" e o panteão nacional ( onde repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros "heróis da liberdade da Patria").
 


Fotp nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cumbijã > Maio de 2025 > O João de Melo com os miúdos de uma escola que está a ajudar.



Foto nº 14  Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cumbijã > Maio de 2025 >  João de Melo e Maria do Carmo, ao centro, acarinhados pela equipa de futebol local,  "Os Tigres do Cumbijã".


Fotos (e legendas): © João de Melo  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



João Melo (ou João Reis de Melo), ex-1º cabo op cripto, CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74): 

(i)  é profissional de seguros, vive em Alquerubim, Albergaria-a-Velha; (ii) viaja regularmente, desde 2017,  para a Guiné-Bissau, em "turismo de saudade e de solidariedade" (em que distribui material pelas escolas de Cumbijã, e apoia também, mais recentemente,  o clube de futebol local); (iii) regressou há pouco tempo da sua viagem desde ano de 2025; (iv) fez uma visita demorada à Amura e ao atual Museu Militar; (v) tem página no Facebook (João Reis Melo); (vi) tem cerca de 20 referências no nosso blogue para o qual entrou em 1 de março de 2009.


1. No passado dia 24 de maio passado, o João  de Melo mandou-nos, pelo Formulário de Contacto do Blogger, a seguinte mensagem;


Data - sábado, 24/05/2025, 15:57 

Boa tarde, amigo Luís.

Há uns meses atrás, solicitaste-me que, quando voltasse à Guiné, gostarias de ter umas fotos de algo (que não me recordo agora) que estaria exposto no antigo Quartel de Amura.

Vim de lá há uma semana e tirei imensas fotos do museu. Caso tenhas interesse em alguma em especial, por favor diz-me, que pode ser que a tenha tirado...

Fui muito bem recebido. Inclusive o tenente Fernando Tchami fez questão de me servir de guia; mostrou-me o interior do contentor onde a "Rádio Liberdade" começou as suas emissões através de Conacri;  retirou a capa do carro onde foi assassinado Amilcar Cabral para poder fotografar o seu interior (!!!) e, no final, ainda me solicitou para escrever no Livro de Honra do Quartel-Museu de Amura, facto esse que muito me honrou!

Abraço amigo.
Abraço
Cumprimentos,
João de Melo


2. Com a devida vénia e a sua autorização, vamos publicar uma seleção das  fotos recentes do João de Melo, tiradas na sua última viagem à Guiné-Bissau, em maio de 2025 (**). 

Começamos por Bissau, e nomeadamente a Bissau Velho que tem mais do que a cara lavada... Houve um trabalho profundo de remodelação das ruas (e de alguns edifícios) da "Bissau Colonial"... 
____________________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 10 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17123: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (6): Vida e morte de Simão Mendes, vítima de bombardeamento, pela FAP, da base central do Morés, em 20 de fevereiro de 1966

terça-feira, 3 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26878: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (14): Tite, Quarto dos Furriéis e Últimos dias em Bissau

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


44 - TITE

É a localidade onde está situada a sede do Batalhão, denominada Companhia de Comando e Serviços (CCS), implantada na região administrativa do Quinara, que dá início à zona sul que é bastante pantanosa. Situa-se a 18 Km de Nova Sintra e talvez 4 a 5 Km do Enxudé, onde existia um posto avançado junto à margem esquerda do rio Geba, que fazia de cais às LDM´s e ao bote que diariamente atravessava o Geba em direção a Bissau. Em redor do quartel havia muitas moranças que constituíam a Tabanca de Tite, sendo as etnias dominantes os "Beafadas” e os “Balantas”.

Vista aérea de Tite
Porta de armas
Convívio de furriéis
Parada e Comando
Refeitório
Festa do Fanado em Novembro


45 - QUARTO DE FURRIÉIS EM TITE

O inferno de Nova Sintra ficara para trás e rumamos a Tite para cumprir os últimos três meses de comissão, num quartel com instalações condignas. Para além da óbvia dormida, sempre que a atividade operacional permitia, passávamos algum tempo no quarto, umas vezes jogando às cartas, escrevendo à família e sobretudo ouvir música. Aproximava-se o regresso à Metrópole e alguns já tinham comprado aparelhagens de som. Lembro a do Brito e o famoso Akai do Jardim, que tocavam à vez.

Para além disso também se faziam algumas maroteiras, sendo as principais vítimas o Teixeira e sobretudo o Oliveira Miranda.

Um dia, ou melhor uma noite, o Miranda ao regressar dum patrulhamento noturno, ao abrir a porta do quarto, estratégicamente entreaberta, levou em cima da cabeça com uma bacia cheia de água.

Outra vez colocamos velas acesas nas extremidades da cama dele e sentamo-nos à volta, simulando um velório.

Noutra vez o Miranda entrou e verificou que estava tudo calmo. A luz estava apagada e aparentemente toda a gente a dormir. Hum, disse ele, deve estar algum santo para cair do altar e que o que é que estes camelos estão preparados para fazer. Aparentemente nada, mas sim havia algo. O Miranda foi tomar banho, regressou ao quarto e preparava-se para deitar e disse, hoje parece que estou safo. Deitou-se e passados dez minutos, sobre a sua cama começaram a cair pingos continuados de água. Como uma mola levantou-se e foi verificar o que estava a acontecer.
Alguém que não estava deitado ficou fora do quarto a aguardar que ele tomasse banho e se deitasse. Previamente foi instalada uma mangueira que saía duma torneira do chuveiro contíguo ao quarto, que passava sobre o teto falso e pendia sobre a cama. Com ele no ninho foi só abrir a torneira. Verificada a marosca regressou ao quarto, fulo e a vociferar palavrões dirigidos aos “dorminhocos”.


46 - ÚLTIMOS DIAS EM BISSAU

No dia 15 de dezembro de 1970 a compamhia seguiu de Tite para Bissau a fim de aguardar embarque para a Metrólole, previsto para o dia 22.

Os últimos dias serviram para fazer compras, principalmente nas lojas dos Libaneses. Rádios, gira-discos, gravadores, relógios, tapetes, artesanato africano e principalmente whisky, muito whisky. Alguns Furriéis, eu incluído, alugamos o espaço de uma casa para servir de armazém. Nas compras, nos restaurantes e cervejarias, tudo servia para gastar os últimos pesos (moeda da Guiné).

Alguém conseguiu autorização para numa tarde desfrutar da água morna da piscina dos oficiais. Foi um regalo, mas o pior tinha acontecido. Quando fomos para os balneários, verificamos que os nossos haveres tinham desaparecido, pois foram roubados relógios, dinheiro e até anéis. Eu fiquei sem um relógio seiko que comparara dias antes, mas já não tinha dinheiro suficiente para comprar outro.

Muçulmanos e cais do Pidjiguiti
Palácio do Governador
Forte da Amura
_____________

Nota do editor

Último post da série de 27 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26852: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (13): Comissão liquidatária e Esferográficas Parker

Guiné 61/74 - P26877: Convívios (1038): Fotorreportagem do 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 29 de maio de 2025 (Manuel Resende / Luís Graça ) - Parte IV



Foto nº 29 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés >
Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 >  O régulo Manuel Resende  a receber os parabéns pelo evento, da parte do  luso-americano João Crisõstomo (que seguiu hoje, mais a sua Vilma, para Nova Iorque, depois de quase dois meses de viagem pela Estónia e Portugal)



Foto nº 30 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés >
Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 >  Da esquerda para a direita, José Mico (Carnaxide) e Mário Santos (Loulé), dois bravos representantes da FAP
 


Foto nº 31 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > António  Figuinha (Seixal) e Francisco Palma  (Estoril, Cascais)


Foto nº 32 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Abílio Duarte (Amadora) e Daniel Gonçalves (Carcavelos, Cascais)


Foto nº 33 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025  > De pé, o José Inácio Leão Varela  (Algés, Oeiras): à sua esquerda, o José Carlos Valente (Amadora)  e o Helder Sousa (Setúbal)



Foto nº 34 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > À esquerda é o José Augusto Batista, e à direita é o seu convidado (GNR), ambos de Palmela. ("O José Augusto Batista foi furriel da minha Companhia, a CCAÇ 2585", diz o Manuel Resende).
 


Foto nº 35> Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025  > Emanuel Ribeiro Fernandes   e o José Manuel Azevedo (ambos de Mafra.


Foto nº 36 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 Dinis Souza Faro (São Domingos de Rana, Cascais) , com a esposa (ao centro), e com a Ana Marques, esposa do António Duque Marques (Amadora).



Foto nº 37 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025  > João Rebelo (Lisboa), à direita, com o Eduardo Estrela Cacela, V. R.Stº António) e   José Serrano Matias (Évora)
 

Foto nº 38 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > À esquerda , o Alpoim de Sousa Ribeiro (Algés) e à direita o Manuel Carvalho Guerra (Barreiro).


Foto nº 39 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Alfredo Monteiro (Alcabideche), foi da 37ª Comandos em Angola.

Foto nº 40 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025  >  
Raúl Jesus Martins (Caxias, Oeiras).



Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais fotos do Manuel Resende, do nosso último convívio, em Algés.   Com a ajuda do "régulo" Manuel Resende, identificámos todos os convivas...

Guiné 61/74 - P26876: Questões politicamente (in)corretas (60): Afinal o "tuga" também jogava xadrez no CTIG (José Belo /António Graça de Abreu / Carlos Vinhal / José Botelho Colaço / Ernestino Caniço / Eduardo Estrela)



Guiné > Bolama > CIM - Centro de Instrução Militar > 1969 > CCAÇ 2592 (futura CCAÇ 14) > O fur mil Eduardo Estrela a jogar zadrez com o seu camarada Abel Loureiro.



Mensagem do Eduardo Estrela, a propósito do poste P26873 (*):

Data - 2 jun 2025 10:32;

Bom dia, Luís!

Nós também jogávamos xadrez.

Como prova anexo uma fotografia tirada ainda em Bolama. À esquerda estou eu e na direita o Abel Loureiro que foi Fur Mil na minha companhia.

Para além da lerpa, abafa e outros que tais, também se jogava xadrez.
A qualidade da fotografia não é a melhor, mas sei que vais conseguir melhorar a mesma.

Grande abraço
Eduardo Estrela


Foto (e legenda): © Eduardo Estrela (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Suécia > Estocolmo >7 de maio de 2017 > Jogando xadrez (em grande formato) no Kungsträdgården" (o "Jardim do Rei"), parque muito conhecido e central em Estocolmo. 

Link enviado ontem pelo Joseph Belo.


Foto: © Tommy Gerhad (2017) (com a devida vénia...)


1. Afinal, o "tuga" também jogava xadrez, no CTIG... Comentários ao poste P26873 (*):


(i) António Graça de Abreu

Em Cufar, 73/74,  joguei muitas vezes xadrez com o alferes Eiriz, o oficial das Transmissões no nosso CAOP 1. Normalmente era depois do jantar, na nossa pequeníssima messe de oficiais, ao lado do gabinete do capitão miliciano Dias da Silva, comandante da CCaç 4740.

Logo ao lado tínhamos as valas para onde mergulhávamos em caso de ataque do PAIGC. No meu caso, naquela maravilhosa colónia de férias, Cufar sur Cumbijã, aconteceu quatro vezes. Não nos deixavam jogar xadrez em paz.

António Graça de Abreu
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 13:10:11 WEST


(ii) Carlos Vinhal

Não me lembro de na nossa messe se jogar xadrez, os jogos mais vulgares eram as damas, a lerpa, o king e o rummy, este muito parecido com o bridge, ao que sei. Os mais solitários jogavam paciências de cartas. Tínhamos também uma mesa de ténis para destilar as gorduras (?).

Cá fora jogava-se a bola no campo de futebol ou contra as paredes dos dormitórios, onde havia alguém a centrar a bola e outros a cabeceá-la, conforme a habilidade que tinham, para uma baliza imaginária, onde estava um guarda-redes de ocasião.

Eu nunca fui grande jogador de cartas, mas uma noite aventurei-me a jogar lerpa. Ao fim de pouco tempo tinha já perdido 100 "paus". O 1.º Rita chegou-se a mim e disse-me: "Vinhal. deixe-me ocupar o seu lugar".

Ao fim de algum tempo, tinha ele ganho já uma boa maquia, levantou-se e discretamente deu-me os 100 pesos que havia perdido. Aceitei o dinheiro e a lição e, nunca mais na minha vida joguei cartas a dinheiro.

Carlos Vinhal
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 13:57:25 WEST


(iii) José Botelho Colaço


No Cachil, CCAÇ  557, havia quem jogasse Damas: ganhar um jogo ao capitão Ares era caso raro. Mas como diz o camarada Graça Abreu, também no Cachil por vezes o jogo era interrompido pelo som das costureirinhas do PAIGC a quererem entrar: Não no jogo; mas sim no aquartelamento. 

Abraço Colaço.
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 14:04:44 WEST

(iv) Ernestino Caniço

Enquanto estive em Mansabá (na primeira metade de 1970 ) joguei muitas vezes xadrez com o ex-capitão Carreto Maia, cmdt  da CCAÇ 2403. Os jogos eram no bar de oficiais (preferencialmente junto ao balcão, que era feito de cimento e pedra,  se bem lembro), que obviamente poderia proporcionar alguma "proteção". Não me lembro de quem era o tabuleiro nem a sua origem. Registo que não tinha ar condicionado como na Amura em Bissau.

Abraço,
Ernestino Caniço
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 17:10:16 WEST

 (v) Eduardo Estrela

Jogar à batota na messe?

Nunca o fiz! Somente no abrigo e com muito recato. E,  quando não havia batota, havia xadrez e paciências.

A propósito, mandei pela manhã um mail ao Luís com uma foto dum jogo de xadrez.

Grande abraço
Eduardo Estrela
segunda-feira, 2 de junho de 2025 às 19:17:30 WEST

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

________________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 2 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26873: Questões politicamente (in)corretas (59): Porque é que os "turras" jogavam xadrez e os "tugas" não ? (José Belo, Suécia)

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26875: Notas de leitura (1804): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Foi neste seu primeiro livro que António Duarte Silva vislumbrou o que havia de inédito na estratégia congeminada por Amílcar Cabral para sair do impasse da luta armada graças à declaração unilateral de independência, que ele analisa em detalhe, conjugando o direito e a política, foi um processo cuja anatomia envolveu o confronto estratégico de Spínola e Cabral, o progressivo isolamento diplomático de Portugal e a credibilização do PAIGC sempre em alta; o autor esmiúça o processo eleitoral da Assembleia Nacional Popular e como se prepararam as reuniões para a independência. No terceiro e último texto, iremos ver a descolonização portuguesa e o reconhecimento da Guiné-Bissau, chamando a atenção para o riquíssimo acervo documental e bibliográfico que o autor nos preparou.

Um abraço do
Mário



A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (2)

Mário Beja Santos


Como se assinalou no texto anterior, o investigador António Duarte Silva encarou esta obra como um roteiro em quatro partes: colonialismo e nacionalismo na Guiné; o que houve de inédito e revolucionário na declaração unilateral da independência, que ocorreu formalmente em 24 de setembro de 1973; que caminhos trilhou a descolonização portuguesa e como a República da Guiné-Bissau nasceu de um conjunto de normas e atos políticos singularíssimos: o direito à autodeterminação previsto na Carta das Nações Unidas, como o PAIGC se fez legitimar não só pela lutar armada mas como um lutador pela independência que tinha território ocupado pelo colonizador; e o caso inédito de que essa declaração unilateral da independência foi acompanhada com prontidão pelo reconhecimento do número maioritário dos Estados pertencentes às Nações Unidas e como pelo 25 de Abril, se chegou ao reconhecimento português e à admissão da Guiné-Bissau na ONU.

O autor enfoca o tempo e o modo da descolonização portuguesa, como se procurou a negociação com o Governo português para chegar à autodeterminação, sem qualquer êxito, e também como o pensamento de Cabral era consistente na definição do que devia ser a soberania e poder constituinte: idealizou uma assembleia que votasse a independência, gerou empatia no ONU, a Assembleia Nacional Popular começou por aprovar a independência, depois a Constituição e designou os titulares dos outros órgãos centrais do Estado. Há aqui um dos pontos capitais da análise que o autor faz à formação da Guiné-Bissau enquanto Estado africano.

Ele diz expressamente:
“O Estado, em África, resulta de um transplante e não só a evolução das sociedades e dos sistemas político-jurídicos africanos profundamente marcada pelo fenómeno colonial como a sociedade pós-colonial foi pré-definida de um modo decisivo através do princípio da territorialidade, da imposição do sistema normativo ocidental e da mundialização do sistema inter-estatal. De facto, os Estados africanos, sobretudo da África negra, corresponderam a uma repetição geral do Estado moderno. A mundialização do Estado moderno constituiu um dos traços dominantes do nosso tempo e acelerou-se no decurso dos últimos decénios. O Estado africano, cuja existência é anterior à de uma nação sobre a qual se possa fundar, tem de indo construindo a sua própria nação. Enquanto procede à construção nacional, o Estado resume-se à mera soma de aparelhos administrativos, que procuram separar-se da sociedade civil, já que a sociedade civil não permite ainda distinguir a função do órgão e o órgão do seu titular. A grande maior dos Estados africanos imitou formalmente o Estado metropolitano. Acresce que a receção do modelo estadual europeu foi essencialmente organizacional, pois nem o espírito democrático foi assimilado, nem o Estado africano, precisamente por vir de fora e ser imposto de cima, tem a contextura do Estado moderno.”

E daí a observação que o autor faz das particularidades da Guiné-Bissau, continuo a pensar que se trata de uma apreciação que nenhum investigador da problemática guineense devia ignorar. E, logo de seguida, o autor procede a uma síntese de como a Guiné fez parte do império colonial português, é uma figura política e jurídica surgida a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a presença portuguesa na região foi sempre muito mitigada, a sua colonização assentou no trabalho forçado, no imposto de capitação e na exportação comercial – aí tiveram um papel de capital a chamada Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, esta ligada ao Banco Nacional Ultramarino.

Dado o contexto, o autor muda de campo de observação para todo o histórico da declaração de independência, o que remete para uma síntese do direito colonial, do que se passou no teatro de operações, como foi evoluindo o envolvimento internacional e a ação diplomática de Amílcar Cabral, a importância que teve em termos políticos internacionais, a visita de uma missão especial da ONU no início de abril de 1972 a alguns pontos do Sul da Guiné, como Cabral pôde potenciar as conclusões da missão e o beneplácito recebido pela Assembleia Geral da ONU; temos igualmente um quadro das tentativas de negociação. Cabral congeminara uma estratégia para a declaração unilateral da independência: a convocação de eleições nas chamadas zonas libertadas, elaborou um documento intitulado Bases para a criação da 1.ª Assembleia Nacional Popular na Guiné, estava a ganhar forma o cenário para a independência a que Cabral fisicamente não assistiu, na última mensagem de Ano Novo, proferida no mês em que foi assassinado, ele refere-se expressamente à eleição e reunião da Assembleia Nacional Popular, dizendo que a Guiné-Bissau até aí é uma colónia dispondo de um movimento de libertação e cujo povo libertou durante anos de luta armada parte do seu território nacional, passaria a ser, aprovada a independência, um país dispondo do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupada por forças armadas estrangeiras.

Entre o assassinato de Cabral e a declaração unilateral da independência, e indo um pouco atrás, houvera a ofensiva portuguesa no Sul, a reocupação do Cantanhez, a chamada Operação Grande Empresa, que inicialmente deixou o PAIGC em grande confusão; seguem-se os acontecimentos de março e abril, a chegada dos mísseis terra-ar e de duas grandes operações montadas para cercar Guidage e Guilege, com resultados devastadores. Spínola envia para Lisboa um relatório atemorizador: “Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar.”

De 18 a 22 de julho, próximo de Madina do Boé, realiza-se o segundo congresso do PAIGC; Aristides Pereira é eleito como Secretário-Geral e Luís Cabral como Secretário-Geral Adjunto; reveem-se os estatutos do PAIGC e convoca-se a Assembleia Nacional Popular com o fim de proclamar a independência. O lugar inicialmente escolhido era Balana, no Sul, por razões de segurança e por ter havido rotura de ligações diplomáticas entre o Senegal e a Guiné-Conacri, escolheu-se um ponto de Boé, e não seriam ainda 9 horas de 24 de setembro quando a dita assembleia proclamou o Estado da Guiné-Bissau.
O autor disseca o teor da Proclamação do Estado, analisa a Constituição do Boé e extrai uma breve conclusão:
“Das muitas considerações que esta Constituição pode suscitar, destaca-se que a Guiné-Bissau foi criada como Estado constitucional, cuja Lei Fundamental não foi uma mera técnica de descolonização, antes o produto de uma luta de libertação nacional ampla e duradoura, e pretendia ser o estatuto de um Estado-Nação combinando os (dominantes) modelos europeus com soluções próprias da sua história, em especial, da descolonização da Guiné-Bissau (e, também, de Cabo Verde).”


(continua)
_____________

Notas do editor:

Vd. post de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26864: Notas de leitura (1803): "Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", por Leonor Pires Martins; Edições 70, 2012 (Mário Beja Santos)