Queridos amigos & camaradas:
Aí vão mais uns nacos de prosa para se entreterem no feriado…
O Sousa de Castro mandou-me uma peça (deliciosa), retirado de uma brochura do exército colonial, de 1971, com laivos de “cultura antropológica” sobre os povos da Guiné… Seria interessante fazer uma análise crítica desses estereótipos, ideias feitas ou preconceitos que nos inculcaram sobre as diferentes etnias que habitavam o território, uns de sinal positivo, outros de sinal negativo: por exemplo, falava-se do balanta como valente e ladrão; do felupe como caçador de cabeças; do fula como leal e preguiçoso…
Enfim, muitos desses estereótipos ainda estão nas nossas cabeças, infelizmente… E ás vezes, subrepticiamente, aparecem no nosso discurso…
Muitos de nós (Carlos Fortunato, A. Marques Lopes, eu, o Humberto, o Levezinho, o Monteiro, etc.) estivemos em companhias que pertenciam à "nova força africana", no tempo do Spínola (caso da CCAÇ 3, CCAÇ 11, CCAÇ 12, CCAÇ 13…). Ou, muito antes, em 1964/66, tivemos camaradas quer da Metrópole quer da Guiné, voluntários, nos nossos grupos de tropa especial, como foi o caso dos primeiros comandos (caso do VB, do Mário Dias, do Parreira, etc.).
Algumas das nossas unidades eram "etnicamente homogéneas" (como, por exemplo, CCAÇ 12) e isso não acontecia por acaso… Tratava-se de dividir para reinar e sobretudo de criar um sentimento forte de pertença ao "chão": os fulas combatiam em casa, na defesa do "chão fula" (actuais regiões de Bafatá e do Gabu)…
Pessoalmente sou contra o label, a catalogação das pessoas em função de uma particularidade: a cor dos olhos, do cabelo ou da pele; mas também da etnia (já não digo raças, por que esse conceito é anticientífico, não há raças humanas…). A pertença a um dado grupo étnico é, todavia, importante, por causa das questões da cultura, da saudável e riquíssima diversidade cultural do Homo Sapiens Sapiens …
Mas às vezes é perigoso insistir em (ou até evocar) essas diferenças… O colonialismo utilizou o conhecimento antropológico ou etnológico para esse fim, para dividir, dominar e reinar… Temos, por isso, de ser cautelosos na leitura e análise de textos de antologia como aquele que foi publicado ontem, e que me foi enviado pelo Sousa de Castro…
Dito isto, nada nos impede de expor as nossas ideias e sobretudo relatar a nossa experiência de convivência e até de amizade com balantas, manjacos, fulas ou felupes… Há algum risco de ferir as susceptibilidades dos nossos amigos de ontem e de hoje… Mas, por favor, não façamos generalizações abusivas…
A Guiné-Bissau, tal como muitos outros países africanos, é ainda hoje vítima do "demónio étnico", como muito bem denunciava há dias o nosso amigo Pepito (aliás, Carlso Schwarz)…
Um abraço multicultural a todos vós.
Bom feriado, para os tugas…
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P325: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)
Guiné > Pelundo > Dezembro de 1969 > João Tunes (no jipe, do lado esquerdo), na altura Alferes Miliciano de Transmissões da CCS do BCAÇ 2884... e baby sitter, em pleno chão manjaco (1).
© João Tunes (2005)
Caro Camarada Luís,
[A brincar é que a gente se entende. Ou disfarça. Porra, se um gajo leva tudo a sério, fica tão velho que perde a noção que já envelheceu e arma-se em "ginja".] Fiquei petrificado, termo suave, ao ler hoje no blogue a notícia trans-étnica de que resolveste adoptar o Nino Vieira como manjaco.
Li e dei dois murros na parede, uma cabeçada no armário e atirei-me para o chão (porque, entretanto, o meu filho mais novo foi buscar leite ao frigorífico e ao fechar a porta do electrodoméstico me pareceu que o gajo - o morteiro - estava a sair da boca do tubo e vinha a caminho). E diga-se em teu abono, que desta última tu não tens culpa, mas sim o tal Nino que me deixou ressonâncias de sons inconvenientes na cabeça lá do nosso convívio em Catió, Cacine, Gadamael e Guileje.
Desculpado estando tu quando à cena do frigorífico, não escapas ao ónus dos murros na parede e da cabeçada no armário. Sabes, julgo que sabes, o especial carinho de memória que tenho pelos manjacos e que, no meu curto conhecimento, era uma etnia com uma das culturas mais ricas e polifacetadas entre as várias (não conheci todas) com que convivi (forma de expressão) na Guiné. Devo isso, em particular, a um mestre muito querido que tive em Teixeira Pinto, o major Pereira da Silva, "doutorado", por força das funções, em cultura manjaca (como sabes, foi um dos três majores, jntamente com um alferes miliciano, depois massacrados em 1970 em Jolmete-Pelundo). Passei horas no quartel de Teixeira Pinto a ouvir o meu querido e saudoso amigo Pereira da Silva, ele fascinava-se com a narração riquíssima dos usos e costumes manjacos e eu, ficava feito papalvo, a ouvi-lo e a admirá-lo, a ele e aos manjacos.
Para europeus, como nós, era fascinante como eles desenvolveram e consolidaram códigos de ética próprios e os metiam em forma de "lei", não pela imposição bruta, mas pela sua sueprioridade de etnia refinada e sofisticada. Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da "chicória americana com alcool" iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda.
Eu ouvia o major Pereira da Silva em Teixeira Pinto e julgava-me na Sorbonne, em Nanterre ou em Oxford, perante um Mestre e a esquecer que estava no cú de judas, fodido dos cornos porque estava numa guerra estúpida e deslocada no tempo e na razão, capaz de abusar ("comer", dizia-se e diz-se na linguagem canibal do sexo) uma bajuda que se pusesse a jeito ou batendo punhetas a pensar numa branca lá longe (fosse ela a prima mais feia, mesmo com bigode, que nos tivesse calhado na rifa da família), disposto a espetar uma rajada de G3 num qualquer cabrão de um preto que me assustasse, metendo o capelão do meu batalhão a soprar, perdido de bêbado, em preservativos transformados em balões que se dão aos meninos quando fazem anos, dando-nos o gozo da blasfémia (não nossa, mas do pobre capelão).
Pois, o meu saudoso major Pereira da Silva deu-me aulas infindáveis sobre a cultura manjaca. Já disse que a maioria do que me ensinou, eu esqueci, porque quando penso nele o que vem à ideia é imaginá-lo fodido a rajadas de kalash e acabado retalhado à catanada, como se fosse um cão, a que não assisti, quando aconteceu já eu estava em Catió, mas sei-o contado por quem lhe viu os restos feitos em merda de matadouro.
Mas lembro-me de uma particularidade que me ficou na memória. Que, os manjacos, quando havia uma infidelidade conjugal da parte feminina (e, para haver esta regra, é porque elas não deviam ser poucas, honra pois à mulher manjaca!), a mulher adúltera não era imediatamente rejeitada mas antes submetida à prova de um ritual - todos os adultos da tabanca iam para um cruzamento de caminhos, e aí, perante todos, o marido decidia publicamente se perdoava o adultério ou não. Em conformidade, se o encornado perdoava, o casal reconstituía-se e não havia lugar á mais pequena futura crítica dos patrícios. Se o encornado não aceitava a reconciliação, ou a adúltera persistia na diferença de escolha, cada um ia às suas. Ou seja, não havia nem fofocas nem dichotes, a decisão, desde que pública e asumida perante toda a tribo, isentava cada um de responsabilidades privadas e anteriores.
O que os manjacos não perdoavam era o acto clandestino da traição. Claro que isto só se entendia, não só á luz de um código ético altamente elaborado, como também (julgo) uma transição recente de um período de domínio matriarcal que permitia às mulheres manjacas um estatuto que era invulgar entre as mulheres africanas.
Pois era muito amigo do major Pereira da Silva, mais ainda do major Passos Ramos (sempre o imaginei à frente do MFA; no 25 A e depois, eu via aquela gajada - sem ofensa - na Junta e na Coordenadora do MFA, e dizia para comigo: "porra! falta ali o Passos Ramos!"), também do major Osório, embora esse fosse mais para a porrada e para as guerras (e eu, sabes, sempre fui, como guerreiro, um civil mal fardado).
E acima de nós todos, guerreiros coloniais a mais numa guerra estúpida, eu admirava os manjacos, sobretudo pela sua cultura e ética riquíssima (e esses estavam na sua terra e na sua guerra, como eu estaria se os espanhóis me entrassem no meu Trás-os-Montes natal dentro, fodia-os a todos ou fodia-me a mim!).
Voltando à minha zanga contigo. Então tu decidiste (com que autoridade???) meter esse sacripanta do Nino (à parte os seus méritos guerreiros, que os teve e muitos, tantos até que ele já os deve ter esquecido), um "papel", como "manjaco"? Meu deus: "Nino Manjaco"? Por este caminho, ainda, um dia destes, dizes por aí que o Major Valentim Loureiro (um amigo do Nino) é fula ou mandinga. Meu deus! Meu deus! Meu deus! (se Pedro negou Cristo três vezes, eu pago-lhe a conta, pela afirmativa, também em triplicado).
Respeita os manjacos, camarada Luís! (desculpa-me a ironia amiga, não a leves a mal, mas foi a forma de disfarçar uma lágrima que se me escapou pois li-te a chamar manjaco ao Nino, as entranhas começaram em revolta e lembrei-me do Pereira da Silva, foi o que foi, já passou!).
Abraço grande para ti e do mesmo tamanho para todos os camaradas tertulianos.
João Tunes
Resposta do L.G.:
João:
Aqui na tertúlia todos temos o direito à... indignação!... A tua foi de tal ordem que eu ouvi o teu murro em cima da mesa!... E olha que nós não moramos tão perto um do outro quanto isso, temos pelo menos o Rio Tejo de permeio... Foi um lapsus linguae da minha parte e sobretudo fruto da minha total ignorância em relação aos manjacos. Eu devia saber que o Nino nunca poderia ser um manjaco!... Infelizmente, não convivi com os manjcos, apenas com os fulas. Resta-me pedir-te mil perdões a ti e aos nossos queridos manjacos da Guiné-Bissau. E já agora também as minhas desculpas ao Nino Vieira, que não é manjaco mas papel: o seu a seu dono. Já fiz a correcção da grossa calinada de ontem à noite... Um grande abraço. Luís
__________
(1) Vd. post de 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
© João Tunes (2005)
Caro Camarada Luís,
[A brincar é que a gente se entende. Ou disfarça. Porra, se um gajo leva tudo a sério, fica tão velho que perde a noção que já envelheceu e arma-se em "ginja".] Fiquei petrificado, termo suave, ao ler hoje no blogue a notícia trans-étnica de que resolveste adoptar o Nino Vieira como manjaco.
Li e dei dois murros na parede, uma cabeçada no armário e atirei-me para o chão (porque, entretanto, o meu filho mais novo foi buscar leite ao frigorífico e ao fechar a porta do electrodoméstico me pareceu que o gajo - o morteiro - estava a sair da boca do tubo e vinha a caminho). E diga-se em teu abono, que desta última tu não tens culpa, mas sim o tal Nino que me deixou ressonâncias de sons inconvenientes na cabeça lá do nosso convívio em Catió, Cacine, Gadamael e Guileje.
Desculpado estando tu quando à cena do frigorífico, não escapas ao ónus dos murros na parede e da cabeçada no armário. Sabes, julgo que sabes, o especial carinho de memória que tenho pelos manjacos e que, no meu curto conhecimento, era uma etnia com uma das culturas mais ricas e polifacetadas entre as várias (não conheci todas) com que convivi (forma de expressão) na Guiné. Devo isso, em particular, a um mestre muito querido que tive em Teixeira Pinto, o major Pereira da Silva, "doutorado", por força das funções, em cultura manjaca (como sabes, foi um dos três majores, jntamente com um alferes miliciano, depois massacrados em 1970 em Jolmete-Pelundo). Passei horas no quartel de Teixeira Pinto a ouvir o meu querido e saudoso amigo Pereira da Silva, ele fascinava-se com a narração riquíssima dos usos e costumes manjacos e eu, ficava feito papalvo, a ouvi-lo e a admirá-lo, a ele e aos manjacos.
Para europeus, como nós, era fascinante como eles desenvolveram e consolidaram códigos de ética próprios e os metiam em forma de "lei", não pela imposição bruta, mas pela sua sueprioridade de etnia refinada e sofisticada. Muito do que aprendi com o major Pereira da Silva sobre os manjacos foi-se nas brumas da memória (não tomava apontamentos, só me restavam os olhos e os ouvidos que as garrafas entornadas da "chicória americana com alcool" iam deixando em lucidez entaramelada). Mas aquele homem, lembro-me dos seus bigodes de sábio e a sua bóina mal metida no seu cocuruto de oficial intelectual, era não só um poço de cultura como um óasis de saber, aprender e ensinar naquela guerra de merda.
Eu ouvia o major Pereira da Silva em Teixeira Pinto e julgava-me na Sorbonne, em Nanterre ou em Oxford, perante um Mestre e a esquecer que estava no cú de judas, fodido dos cornos porque estava numa guerra estúpida e deslocada no tempo e na razão, capaz de abusar ("comer", dizia-se e diz-se na linguagem canibal do sexo) uma bajuda que se pusesse a jeito ou batendo punhetas a pensar numa branca lá longe (fosse ela a prima mais feia, mesmo com bigode, que nos tivesse calhado na rifa da família), disposto a espetar uma rajada de G3 num qualquer cabrão de um preto que me assustasse, metendo o capelão do meu batalhão a soprar, perdido de bêbado, em preservativos transformados em balões que se dão aos meninos quando fazem anos, dando-nos o gozo da blasfémia (não nossa, mas do pobre capelão).
Pois, o meu saudoso major Pereira da Silva deu-me aulas infindáveis sobre a cultura manjaca. Já disse que a maioria do que me ensinou, eu esqueci, porque quando penso nele o que vem à ideia é imaginá-lo fodido a rajadas de kalash e acabado retalhado à catanada, como se fosse um cão, a que não assisti, quando aconteceu já eu estava em Catió, mas sei-o contado por quem lhe viu os restos feitos em merda de matadouro.
Mas lembro-me de uma particularidade que me ficou na memória. Que, os manjacos, quando havia uma infidelidade conjugal da parte feminina (e, para haver esta regra, é porque elas não deviam ser poucas, honra pois à mulher manjaca!), a mulher adúltera não era imediatamente rejeitada mas antes submetida à prova de um ritual - todos os adultos da tabanca iam para um cruzamento de caminhos, e aí, perante todos, o marido decidia publicamente se perdoava o adultério ou não. Em conformidade, se o encornado perdoava, o casal reconstituía-se e não havia lugar á mais pequena futura crítica dos patrícios. Se o encornado não aceitava a reconciliação, ou a adúltera persistia na diferença de escolha, cada um ia às suas. Ou seja, não havia nem fofocas nem dichotes, a decisão, desde que pública e asumida perante toda a tribo, isentava cada um de responsabilidades privadas e anteriores.
O que os manjacos não perdoavam era o acto clandestino da traição. Claro que isto só se entendia, não só á luz de um código ético altamente elaborado, como também (julgo) uma transição recente de um período de domínio matriarcal que permitia às mulheres manjacas um estatuto que era invulgar entre as mulheres africanas.
Pois era muito amigo do major Pereira da Silva, mais ainda do major Passos Ramos (sempre o imaginei à frente do MFA; no 25 A e depois, eu via aquela gajada - sem ofensa - na Junta e na Coordenadora do MFA, e dizia para comigo: "porra! falta ali o Passos Ramos!"), também do major Osório, embora esse fosse mais para a porrada e para as guerras (e eu, sabes, sempre fui, como guerreiro, um civil mal fardado).
E acima de nós todos, guerreiros coloniais a mais numa guerra estúpida, eu admirava os manjacos, sobretudo pela sua cultura e ética riquíssima (e esses estavam na sua terra e na sua guerra, como eu estaria se os espanhóis me entrassem no meu Trás-os-Montes natal dentro, fodia-os a todos ou fodia-me a mim!).
Voltando à minha zanga contigo. Então tu decidiste (com que autoridade???) meter esse sacripanta do Nino (à parte os seus méritos guerreiros, que os teve e muitos, tantos até que ele já os deve ter esquecido), um "papel", como "manjaco"? Meu deus: "Nino Manjaco"? Por este caminho, ainda, um dia destes, dizes por aí que o Major Valentim Loureiro (um amigo do Nino) é fula ou mandinga. Meu deus! Meu deus! Meu deus! (se Pedro negou Cristo três vezes, eu pago-lhe a conta, pela afirmativa, também em triplicado).
Respeita os manjacos, camarada Luís! (desculpa-me a ironia amiga, não a leves a mal, mas foi a forma de disfarçar uma lágrima que se me escapou pois li-te a chamar manjaco ao Nino, as entranhas começaram em revolta e lembrei-me do Pereira da Silva, foi o que foi, já passou!).
Abraço grande para ti e do mesmo tamanho para todos os camaradas tertulianos.
João Tunes
Resposta do L.G.:
João:
Aqui na tertúlia todos temos o direito à... indignação!... A tua foi de tal ordem que eu ouvi o teu murro em cima da mesa!... E olha que nós não moramos tão perto um do outro quanto isso, temos pelo menos o Rio Tejo de permeio... Foi um lapsus linguae da minha parte e sobretudo fruto da minha total ignorância em relação aos manjacos. Eu devia saber que o Nino nunca poderia ser um manjaco!... Infelizmente, não convivi com os manjcos, apenas com os fulas. Resta-me pedir-te mil perdões a ti e aos nossos queridos manjacos da Guiné-Bissau. E já agora também as minhas desculpas ao Nino Vieira, que não é manjaco mas papel: o seu a seu dono. Já fiz a correcção da grossa calinada de ontem à noite... Um grande abraço. Luís
__________
(1) Vd. post de 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes
terça-feira, 6 de dezembro de 2005
Guné 63/74 - P324: Antologia (31): Socioantropologia dos povos da Guiné (1971) (Sousa de Castro)
Guiné > Xime > 1972: O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN-GRC 9.
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)
© Sousa de Castro (2005)
Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).
Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.
Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro
O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.
ASPECTO HUMANO
População
A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).
Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:
- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).
Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.
Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.
Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.
O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).
Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.
© A. Marques Lopes (2005)
Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.
Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.
- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).
Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.
Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.
Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.
Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.
- Futa-Fulas (10 000).
Povoam grande parte da região do Boé.
Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.
Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.
De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.
São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.
- Manjacos (65 000).
Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.
Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).
Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)
São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.
São animistas.
- Mandingas (60 000).
Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.
São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.
Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.
Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.
O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.
- Papéis (40 000).
Povoam a ilha de Bissau.
São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.
Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.
- Beafadas (13 500).
Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.
- Brames (ou Mancanhas) 12 500.
Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.
Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.
Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».
Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.
- Bijagós (12 500).
Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.
Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.
São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.
- Felupes (6000).
Habitam na região de Varela e Susana.
São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.
Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).
- Baiotes (5500).
Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.
São animistas.
- Nalus (5500).
Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.
São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.
- Sossos (2000).
Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.
Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.
A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.
Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.
O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.
O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)
(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:
"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.
"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".
"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...
(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .
(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):
"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.
"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.
"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.
"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.
"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.
"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.
"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.
"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)
© Sousa de Castro (2005)
Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).
Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.
Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro
O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.
ASPECTO HUMANO
População
A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).
Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:
- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).
Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.
Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.
Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.
O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).
Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.
© A. Marques Lopes (2005)
Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.
Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.
- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).
Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.
Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.
Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.
Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.
- Futa-Fulas (10 000).
Povoam grande parte da região do Boé.
Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.
Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.
De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.
São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.
- Manjacos (65 000).
Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.
Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).
Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)
São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.
São animistas.
- Mandingas (60 000).
Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.
São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.
Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.
Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.
O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.
- Papéis (40 000).
Povoam a ilha de Bissau.
São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.
Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.
- Beafadas (13 500).
Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.
- Brames (ou Mancanhas) 12 500.
Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.
Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.
Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».
Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.
- Bijagós (12 500).
Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.
Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.
São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.
- Felupes (6000).
Habitam na região de Varela e Susana.
São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.
Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).
- Baiotes (5500).
Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.
São animistas.
- Nalus (5500).
Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.
São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.
- Sossos (2000).
Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.
Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.
A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.
Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.
O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.
O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
________
Notas de L.G.
(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)
(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:
"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.
"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".
"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...
(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .
(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):
"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.
"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.
"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.
"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.
"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.
"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.
"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.
"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.
"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.
"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".
Guiné 63/74 - P323: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66) (João Parreira)
1. Texto do João Parreira:
Luís Graça:
Foi com agrado que li a tua mensagem e nela vi que fui bem recebido tal como era de esperar. O Briote já me tinha falado da tua simpatia e do blogue. Parabéns, é uma obra extraordinária. Não me canso de passar tempos infinitos a olhar para o monitor e a devorar todas as estórias, contos e tudo o mais que tens publicado. É fascinante.
De facto em Brá conheci bem o Virgínio Briote e o Mário Dias, pois muitas vezes partilhámos os bons e os maus momentos. Logo que tenha oportunidade vou enviar umas fotos. Pelo interesse que possa ter para a rapaziada o "Uva" vai preparar e enviar-te mais detalhes sobre o célebre baile da Associação que o VB tão bem soube descrever.
Um abraço.
JP [João Parreira]
2. Caro Luis e restantes camaradas:
Temos connosco o Parreira. Foi furriel-miliciano comando na Guiné e ambos pertencemos ao Grupo de Comandos "Apaches" que saiu do 2.º Curso de Comandos realizado na Guiné.
Entre nós era conhecido por "puto Parreira" pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva.
O seu testemunho está correcto e a sua vinda a este blogue será certamente uma excelente contribuição.
Parreira: ficamos à espera da narração da operação em que perdeu a vida o furriel Morais, morto com um pequeno estilhaço de RPG que lhe atravessou a coluna vertebral.
Um abraço.
Mário Dias
____________
(1) Vd. post do Virgínio Briote, de 13 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVII: O 'baile dos comandos' na Associação Comercial
Luís Graça:
Foi com agrado que li a tua mensagem e nela vi que fui bem recebido tal como era de esperar. O Briote já me tinha falado da tua simpatia e do blogue. Parabéns, é uma obra extraordinária. Não me canso de passar tempos infinitos a olhar para o monitor e a devorar todas as estórias, contos e tudo o mais que tens publicado. É fascinante.
De facto em Brá conheci bem o Virgínio Briote e o Mário Dias, pois muitas vezes partilhámos os bons e os maus momentos. Logo que tenha oportunidade vou enviar umas fotos. Pelo interesse que possa ter para a rapaziada o "Uva" vai preparar e enviar-te mais detalhes sobre o célebre baile da Associação que o VB tão bem soube descrever.
Um abraço.
JP [João Parreira]
2. Caro Luis e restantes camaradas:
Temos connosco o Parreira. Foi furriel-miliciano comando na Guiné e ambos pertencemos ao Grupo de Comandos "Apaches" que saiu do 2.º Curso de Comandos realizado na Guiné.
Entre nós era conhecido por "puto Parreira" pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva.
O seu testemunho está correcto e a sua vinda a este blogue será certamente uma excelente contribuição.
Parreira: ficamos à espera da narração da operação em que perdeu a vida o furriel Morais, morto com um pequeno estilhaço de RPG que lhe atravessou a coluna vertebral.
Um abraço.
Mário Dias
____________
(1) Vd. post do Virgínio Briote, de 13 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVII: O 'baile dos comandos' na Associação Comercial
Guiné 63/74 - P322: O melhor que Portugal nos deixou foi a língua (Pepito)
1. Texto do Carlos Schwarz (Pepito):
Prometi que voltaria ao assunto de “Guiledje ou Guileje?”, e aqui estou a dar a minha opinião, não como linguista que não sou, mas como simples utilizador da língua portuguesa.
Gosto por igual, e muito, do português quando o leio nas penas do Eça de Queiroz (Portugal), Pepetela (Angola), Jorge Amado (Brasil), Mia Couto (Moçambique) e Abdulai Silá (Guiné-Bissau). E sei que não é só um português. São vários, com um tronco comum é certo, mas mesmo assim variado na forma de escrever e falar.
Amilcar Cabral dizia que a melhor coisa que Portugal nos deixou foi a língua.
Para o bem e para o mal o português deixou de pertencer só a Portugal. É também a língua de outros povos, que dela se apropriaram e a utilizam diariamente.
Só que o processo de apropriação de algo que não é inicialmente nosso, implica a incorporação daquilo que é nosso. Senão, não há apropriação e continua a ser eternamente estrangeiro.
Quando falamos e escrevemos em português, não estamos a fazer nenhum favor a Portugal. Estamos a utilizar algo que também agora é nosso.
Quem não aprecia os fabulosos vocábulos inventados pelo Mia Couto ou a irreverência do Pepetela que começa um dos seus livros com a palavra “Portanto” (forma literariamente criticada alguns anos antes por um seu professor da Faculdade de Letras de Lisboa)?
Para mim, a lusofonia não é uma questão de se falar “bom português”, mas é um processo de exigências e concessões recíprocas na procura de caminhos solidários e cúmplices de aproximação e de desenvolvimento.
A dinâmica de incorporação de novos vocábulos é imparável. No nosso caso, na Guiné-Bissau, o grupo consonântico “dj” é utilizado por dá cá aquela palha. Dizer que se vai a Jufunco ou a Djufunco é o mesmo que ir a duas localidades diferentes.
A realidade incontornável é esta. O bico de obra, não é nosso. É dos especialistas que têm de regulamentar uma língua que, por ser viva, vai ter que aceitar o desafio de pertencer a um numero cada vez maior de pessoas.
Abraços
pepito
2. Pus de novo esta questão ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. A resposta veio lacónica:
"A nossa resposta está dada e, julgamos, suficientemente fundamentada.
"Quem tem de argumentar por que razão passou a escrever 'Guiledje', quando sempre se escreveu 'Guileje' é o seu amigo... JMC".
Prometi que voltaria ao assunto de “Guiledje ou Guileje?”, e aqui estou a dar a minha opinião, não como linguista que não sou, mas como simples utilizador da língua portuguesa.
Gosto por igual, e muito, do português quando o leio nas penas do Eça de Queiroz (Portugal), Pepetela (Angola), Jorge Amado (Brasil), Mia Couto (Moçambique) e Abdulai Silá (Guiné-Bissau). E sei que não é só um português. São vários, com um tronco comum é certo, mas mesmo assim variado na forma de escrever e falar.
Amilcar Cabral dizia que a melhor coisa que Portugal nos deixou foi a língua.
Para o bem e para o mal o português deixou de pertencer só a Portugal. É também a língua de outros povos, que dela se apropriaram e a utilizam diariamente.
Só que o processo de apropriação de algo que não é inicialmente nosso, implica a incorporação daquilo que é nosso. Senão, não há apropriação e continua a ser eternamente estrangeiro.
Quando falamos e escrevemos em português, não estamos a fazer nenhum favor a Portugal. Estamos a utilizar algo que também agora é nosso.
Quem não aprecia os fabulosos vocábulos inventados pelo Mia Couto ou a irreverência do Pepetela que começa um dos seus livros com a palavra “Portanto” (forma literariamente criticada alguns anos antes por um seu professor da Faculdade de Letras de Lisboa)?
Para mim, a lusofonia não é uma questão de se falar “bom português”, mas é um processo de exigências e concessões recíprocas na procura de caminhos solidários e cúmplices de aproximação e de desenvolvimento.
A dinâmica de incorporação de novos vocábulos é imparável. No nosso caso, na Guiné-Bissau, o grupo consonântico “dj” é utilizado por dá cá aquela palha. Dizer que se vai a Jufunco ou a Djufunco é o mesmo que ir a duas localidades diferentes.
A realidade incontornável é esta. O bico de obra, não é nosso. É dos especialistas que têm de regulamentar uma língua que, por ser viva, vai ter que aceitar o desafio de pertencer a um numero cada vez maior de pessoas.
Abraços
pepito
2. Pus de novo esta questão ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. A resposta veio lacónica:
"A nossa resposta está dada e, julgamos, suficientemente fundamentada.
"Quem tem de argumentar por que razão passou a escrever 'Guiledje', quando sempre se escreveu 'Guileje' é o seu amigo... JMC".
segunda-feira, 5 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P321: Tabanca Grande: José Neto, outro senhor de Guileje (CART 1613, 1967/68)
Foto aérea de Guileje (1967).
© José Neto (2005)/ AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
1. O mundo é realmente pequeno, meus amigos e camaradas. Leiam estas palavras:
"Sou actualmente Capitão Reformado, vivo em Queluz de Baixo, Oeiras, e fui, com o posto de 2º sargento, o primeiro sargento da CART 1613 que guarneceu Guiledje nos anos de 1967/68.
"Por interposta pessoa conheci o Engenheiro Carlos Silva, impulsionador da reconstrução do nosso "quartel" , a quem mostrei o meu album fotográfico e um extrato das minhas "Memórias para os meus netos". Parece que gostou e, no próximo dia 9 de Dezembro, vou encontrar-me com o Dr. Filipe Santos na ESEL [Escola Superior de Educação de Leiria], em Leiria , por sinal a minha terra natal, para tratarmos da digitalização de cerca de 150 slides que fiz, só daquela povoação.
"Também estive, antes, em Cabinda e, depois em Calunda (Leste, mais ao leste de Angola), mas Guiledje, talvez por ser o lugar onde "levei mais porrada", ficou-me no coração.
"Mas não foi só no meu, porque no passado dia 3 de Junho, em Braga, ainda reunimos setenta e tal elementos da Companhia [ a CART 1613,] e a "velhada" continua a nutrir um carinho muito especial por aquele cantinho de África.
"Bom. Mas o que me traz aqui é repor um pormenor. A foto aérea de Guiledje é minha... e, se quiser, do 1º sargento piloto do Dornier da FAP (cujo nome esqueci) a quem pedi para me colocar num ângulo favorável para o efeito.
"Por agora, resta-me felicitá-lo pelo excelente blogue e confessar que nestas coisas de informática ainda vou na pré-primária.
"Aceite um abraço do
José Afonso da Silva Neto
2. Resposta minha (L.G.):
Camarada Zé Neto:
Obrigado pelo contacto e pelos parabéns ao blogue que é obra colectiva (temos um tertúlia que já chega a 50 membros e que alimenta o blogue).
© José Neto (2005) / AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
Vou, logo que puder, corrigir o erro (ou omissão) em relação à autoria da foto aérea de Guileje. A foto foi-nos cedida gentilmente pelo Carlos Schwarz (Pepito), da AD, que também é membro da nossa tertúlia. Temos vindo a publicitar o seu Projecto Guileje.
Vou inserir o teu texto no blogue, se não te importares. Tu serás bem vindo a esta tertúlia: se quiseres manda-me uma foto tua, digitalizada, de ontem e de hoje, para pormos no fotogaleria. Na tertúlia, tratamo-nos por tu.
Também vou, com alguma frequência, à tua terra, Leiria, onde tenho amigos, e nomeadamente da Gândara dos Olivais. Um grande abraço.
PS 1 - O nosso amigo Pepito (Carlos Schwarz) acaba de me confirmar que "a foto em causa foi-me efectivamente cedida pelo José Neto".
PS 2 - Ponham lá nos vossos cadernos de memórias da Guiné as duas companhias que estiveram aquarteladas em Guileje e que passam a estar representadas na nossa tertúlia:
CART 1613 (1967/68) (ex-2º sargento, hoje capitão na reforma);
CCAV 8350 (1972/73) (ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho).
Temos também conhecimento da CCAÇ 3325 (1) e da CCAÇ 2617 (1970/71), a companhia do português Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos dois militares fotogrados junto ao obus 140 (vd. Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (13) > Guileje).
Mas ainda antes do Zé Neto, passou por Guileje o Capitão de Artilharia e comando Nuno Rubim, autor de uma planta do quartel, de 1966, já por nós publicada.
________________
(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) . Não sabemos em que ano(s) lá esteve, em Guileje.
© José Neto (2005)/ AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
1. O mundo é realmente pequeno, meus amigos e camaradas. Leiam estas palavras:
"Sou actualmente Capitão Reformado, vivo em Queluz de Baixo, Oeiras, e fui, com o posto de 2º sargento, o primeiro sargento da CART 1613 que guarneceu Guiledje nos anos de 1967/68.
"Por interposta pessoa conheci o Engenheiro Carlos Silva, impulsionador da reconstrução do nosso "quartel" , a quem mostrei o meu album fotográfico e um extrato das minhas "Memórias para os meus netos". Parece que gostou e, no próximo dia 9 de Dezembro, vou encontrar-me com o Dr. Filipe Santos na ESEL [Escola Superior de Educação de Leiria], em Leiria , por sinal a minha terra natal, para tratarmos da digitalização de cerca de 150 slides que fiz, só daquela povoação.
"Também estive, antes, em Cabinda e, depois em Calunda (Leste, mais ao leste de Angola), mas Guiledje, talvez por ser o lugar onde "levei mais porrada", ficou-me no coração.
"Mas não foi só no meu, porque no passado dia 3 de Junho, em Braga, ainda reunimos setenta e tal elementos da Companhia [ a CART 1613,] e a "velhada" continua a nutrir um carinho muito especial por aquele cantinho de África.
"Bom. Mas o que me traz aqui é repor um pormenor. A foto aérea de Guiledje é minha... e, se quiser, do 1º sargento piloto do Dornier da FAP (cujo nome esqueci) a quem pedi para me colocar num ângulo favorável para o efeito.
"Por agora, resta-me felicitá-lo pelo excelente blogue e confessar que nestas coisas de informática ainda vou na pré-primária.
"Aceite um abraço do
José Afonso da Silva Neto
2. Resposta minha (L.G.):
Camarada Zé Neto:
Obrigado pelo contacto e pelos parabéns ao blogue que é obra colectiva (temos um tertúlia que já chega a 50 membros e que alimenta o blogue).
© José Neto (2005) / AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledje (2005)
Vou, logo que puder, corrigir o erro (ou omissão) em relação à autoria da foto aérea de Guileje. A foto foi-nos cedida gentilmente pelo Carlos Schwarz (Pepito), da AD, que também é membro da nossa tertúlia. Temos vindo a publicitar o seu Projecto Guileje.
Vou inserir o teu texto no blogue, se não te importares. Tu serás bem vindo a esta tertúlia: se quiseres manda-me uma foto tua, digitalizada, de ontem e de hoje, para pormos no fotogaleria. Na tertúlia, tratamo-nos por tu.
Também vou, com alguma frequência, à tua terra, Leiria, onde tenho amigos, e nomeadamente da Gândara dos Olivais. Um grande abraço.
PS 1 - O nosso amigo Pepito (Carlos Schwarz) acaba de me confirmar que "a foto em causa foi-me efectivamente cedida pelo José Neto".
PS 2 - Ponham lá nos vossos cadernos de memórias da Guiné as duas companhias que estiveram aquarteladas em Guileje e que passam a estar representadas na nossa tertúlia:
CART 1613 (1967/68) (ex-2º sargento, hoje capitão na reforma);
CCAV 8350 (1972/73) (ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho).
Temos também conhecimento da CCAÇ 3325 (1) e da CCAÇ 2617 (1970/71), a companhia do português Abílio Alberto Pimentel da Assunção, que é um dos dois militares fotogrados junto ao obus 140 (vd. Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (13) > Guileje).
Mas ainda antes do Zé Neto, passou por Guileje o Capitão de Artilharia e comando Nuno Rubim, autor de uma planta do quartel, de 1966, já por nós publicada.
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(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) . Não sabemos em que ano(s) lá esteve, em Guileje.
Guiné 63/74 - P320: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi
Camaradas e Amigos!
Desculpai-me todos! Ainda não comecei o segundo capítulo das estórias que desejo narrar - o primeiro diria respeito à chegada de quatro cooperantes na área da Saúde, e estadia de um ano, pelo menos (já deviamos ter juízo na cabeça para andar nestas andanças, pois já passámos ou estamos a passar os 60!).
Nem é hoje que vou começar... porque...
Sinto-me triste, muito triste. A morte do Suleiman Seidi, meu irmão, meu amigo, comandante de milícia, lá no Olossato (1), aconteceu. Foi um pedaço de mim que me fugiu.
Da última vez que o vi, em Abril, foi ao virar a esquina de um alpendre do Hospital Simão Mendes: vinha acompanhado de um dos filhos, muito abatido. Esteve internado. Fiz o que pude (terei feito?) mas melhorou muito e até tirámos uma foto (foi a última...).
Lá no caminho de Bissancage (quem conhece este trilho, quem se lembra dele, bem poucos certamente), empurrou-me para o chão quando vislumbrou, bem perto, o IN (seis elementos que dispararam tiros de rajada sobre a nossa fila de pirilau). Salvou-me a vida. De outra vez: na marcha pela mata, parou, porque roçou com um dos pés uma mina anti-pessoal em pleno mato. Poderia ser eu a pisá-la, pois vinha a seguir. Salvou-me.
Foram o seu carinho, a sua amizade, o seu zelo, e, agora, o seu contentamento brilhando nos olhos envelhecidos,por me rever, que me marcaram. Chorei porque perdi um irmão, acreditai.
Ainda ouço o martelar das suas palavras - já perdido de saúde e ainda pensando como antigamente:
- Alferes Salgado, leva-me para Portugal! - Como se eu fosse a sua tábua de salvação!
Que Alá te dê um bom descanso, meu Irmão!
Luís Graça, mais uma vez, desculpa. Põe lá esta mensagem, se achares bem.
Paulo Salgado
______
(1) O Olossato fica entre Bissorã e Farim, na região do Óio.
Desculpai-me todos! Ainda não comecei o segundo capítulo das estórias que desejo narrar - o primeiro diria respeito à chegada de quatro cooperantes na área da Saúde, e estadia de um ano, pelo menos (já deviamos ter juízo na cabeça para andar nestas andanças, pois já passámos ou estamos a passar os 60!).
Nem é hoje que vou começar... porque...
Sinto-me triste, muito triste. A morte do Suleiman Seidi, meu irmão, meu amigo, comandante de milícia, lá no Olossato (1), aconteceu. Foi um pedaço de mim que me fugiu.
Da última vez que o vi, em Abril, foi ao virar a esquina de um alpendre do Hospital Simão Mendes: vinha acompanhado de um dos filhos, muito abatido. Esteve internado. Fiz o que pude (terei feito?) mas melhorou muito e até tirámos uma foto (foi a última...).
Lá no caminho de Bissancage (quem conhece este trilho, quem se lembra dele, bem poucos certamente), empurrou-me para o chão quando vislumbrou, bem perto, o IN (seis elementos que dispararam tiros de rajada sobre a nossa fila de pirilau). Salvou-me a vida. De outra vez: na marcha pela mata, parou, porque roçou com um dos pés uma mina anti-pessoal em pleno mato. Poderia ser eu a pisá-la, pois vinha a seguir. Salvou-me.
Foram o seu carinho, a sua amizade, o seu zelo, e, agora, o seu contentamento brilhando nos olhos envelhecidos,por me rever, que me marcaram. Chorei porque perdi um irmão, acreditai.
Ainda ouço o martelar das suas palavras - já perdido de saúde e ainda pensando como antigamente:
- Alferes Salgado, leva-me para Portugal! - Como se eu fosse a sua tábua de salvação!
Que Alá te dê um bom descanso, meu Irmão!
Luís Graça, mais uma vez, desculpa. Põe lá esta mensagem, se achares bem.
Paulo Salgado
______
(1) O Olossato fica entre Bissorã e Farim, na região do Óio.
Guine 63/74 - P319: Tabanca Grande: Luís Rainha - Com imensas saudades daquela terra maravilhosa
1. Recebi um e-mail de mais outro camarada dos velhos Comandos de 1964/66: trata-se do Luís Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, hoje com sessenta e quatro anos:
"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES". Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.
"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).
"A minha actual direcção vai aqui:
[...]
2. Comentário do Virgínio Briote:
O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!
Um abraço,
vb
"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos "CENTURIÕES". Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.
"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).
"A minha actual direcção vai aqui:
[...]
2. Comentário do Virgínio Briote:
O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!
Um abraço,
vb
domingo, 4 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P318: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)
Caro Luís Graça.
Obrigado pelas referências ao livro Uma campanha na Guiné, que, como é explicado na Introdução, destinava-se fundamentalmente a antigos combatentes que integraram o BCAÇ 1856 (1).
No entanto acabou por interessar outros segmentos, o que para um trabalho sem qualquer suporte de divulgação ou promoção é sempre motivador.
Confesso que fiquei surpreendido pelo trabalho e abrangência do vosso blogue e, por desafio do Cor. Marques Lopes, junto envio um primeiro texto, baseado numa vivência pesssoal, que adaptei do meu livro recém publicado de Estórias Etnográficas "O Pegureiro e o Lobo - Estórias de Castro Laboreiro".
A finalidade é apenas chamar a atenção para um sistema de controlo das vidas dos jovens de então, mesmo quando não eram "revolucionários " nem comunistas e se limitavam a cumprir as normas estabelecidos pelo regime (RDM). É uma amostra do conflito latente entre os militares,sobretudo os profissionais que temiam, mais do que respeitavam, a influência da PIDE, cujo controlo poderia influenciar as respectivas carreiras profissionais.
Não bastava ser bom militar. Era também necessário estar nas boas graças da PIDE.
A maior parte dos oficiais milicianos, que não aspiravaa ser funcionário público, podia encontrar refúgio na sua condição temporária de militar, mas à saída, a PIDE esperava por ele para acertar contas!
Com os melhores cumprimentos
Manuel Domingues (2)
A Vingança da PIDE
Como oficial de informações todas as manhãs, às 07h00, a primeira tarefa era analisar as actividades operacionais e de informações ocorridas nas últimas 24 horas no Batalhão e na Zona, e elaborar o relatório diário, SITREP, a enviar ao Comando em Bissau, como aliás todas a unidades estacionadas na Guiné. O Comando sintetizava os aspectos considerados mais importantes, e distribuía a todas as unidades, semanalmente, uma síntese dos factos através do PERINTREP.
O SITREP, relatório diário, assentava nas informações recolhidas pelas subunidades do Batalhão no terreno, e no sistema de informações instituído. Era prática, recomendada pelo Comando Chefe de Bissau, a partilha de informação com a subdelegação da PIDE existente em Nova Lamego [Gabu], funcionando na Administração do Concelho, e apenas com um Agente.
Através dos relatórios semanais do Comando Chefe constatei a existência de muitas referências e informações sobre a região Leste, onde o Batalhão actuava, como sendo originárias da PIDE, quando afinal eram de origem militar e que o referido Agente obtinha-as mediante o acesso ao centro nevrálgico do Comando do Batalhão, transmitindo-as como sendo resultantes do seu trabalho, influenciando a actividade do Batalhão, pois era com base em informações que o Comando sugeria ou determinava operações no terreno.
Perante tal abuso, e obtido o acordo do Comandante, transmiti ao Agente que dada a situação do território, sob comando militar, e o facto de ele pertencer a uma instituição civil, não poderia ter acesso directo à referida Sala, sem prejuízo de ser informado dos factos com interesse para a sua actividade. Perante a eminência de ver a sua fonte secar fez várias ameaças, mais ou menos veladas, mas de facto a situação mudou, e a contribuição do referido Agente ficou reduzida ao seu trabalho próprio, quase nulo, dada a realidade existente na região.
Já neste contexto, uma manhã deparei com uma mensagem de uma das companhias, estacionada em Buruntuma, informando ter capturado dois prisioneiros, identificados como estrangeiros, e que iria remeter nessa tarde para o Comando do Batalhão para interrogatório mais detalhado. Assim aconteceu. Ao princípio da tarde e com recurso a um militar nativo, fula, como intérprete, porque dominava bem o português e a língua dos prisioneiros, concluiu-se o interrogatório.
Ainda o Relatório não estava feito quando o agente da PIDE irrompeu pela Sala de Operações reclamando a entrega imediata dos prisioneiros por se tratar de mestrangeiros, cuja competência era exclusivamente dos seus serviços. Calmamente tentei explicar-lhe que, pelo facto de a Província estar sob domínio militar, competia a este, em primeiro lugar, averiguar do interesse dos capturados e só depois decidir o seu destino
No caso concreto já concluíra pela entrega à entidade civil porque não apresentavam grande interesse militar. No entanto e apesar de escassos 50 metros separarem as instalações do Quartel e da Administração Civil, os prisioneiros seriam entregues segundo as normas militares, ou seja com uma Guia de Entrega.
O Homem mandou-se ao ar dizendo nunca tal ter acontecido, passando a constituir um precedente grave de desconfiança num elemento da PIDE, ainda para mais da parte de um oficial miliciano. Nunca receberia os prisioneiros em tais condições e assim iria ter de justificar tal atitude perante o Comando de Bissau, que ele alertaria de imediato através do seu Subdirector.
Mal o Agente abandonou as instalações encarreguei o Sargento de Informações de preencher as Guias de Entrega e levar os prisioneiros para o edifício da Administração, com ordens expressas de só os entregar se o Agente assinasse as respectivas guias. Caso contrário trazia-os de volta. Passados 15 minutos o referido Furriel voltou com a indicação de o Agente se manter intransigente e só aceitar os dois homens sem Guia.
Perante esta situação falei com o Comandante a quem expliquei a relutância em prescindir do formalismo, porque em tempos o referido Agente se gabara de ter feito desaparecer prisioneiros sem deixar rasto. Mais tarde poderíamos ser responsabilizados se eventualmente a PIDE os fizesse desaparecer.
O Comandante mandou chamar o Agente e tentou fazer-lhe compreender a situação e que o meu procedimento estava de acordo com as normas em vigor. O Agente hesitou mas como já tinha enviado um rádio para a Subdirectoria em Bissau, decidiu não voltar atrás na sua decisão.
Embora criando uma situação insólita, sugeri ao Comandante o envio dos prisioneiros por via aérea para Bissau à ordem do Comando Chefe, com a indicação dos motivos, ou seja, a recusa do agente da PIDE em assinar a respectiva Guia de Entrega, que mereceu a sua concordância.
Passadas duas semanas o Agente desapareceu, deixando o recado de que alguém iria pagar caro pela sua saída. Dois meses após o regresso da Guiné, em Julho de 1967, e já desmobilizado, requeri o passaporte no Governo Civil de Lisboa, a fim de regressar a Paris, para continuar a minha vida profissional.
Para grande surpresa foi-me recusado. Ao fim de varias diligências, consegui que me dissessem que o motivo tinha sido a informação negativa da PIDE!
Não queria acreditar! Quatro anos antes, já apurado para todo o serviço militar, tinham-me autorizado a ir estudar no estrangeiro e agora, depois de o ter cumprido, negavam-me esse direito. Era a tal vingança anunciada pelo Agente! Revoltado com a injustiça, um dia resolvi ir à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, pedir explicações.
O Agente porteiro depois de me perguntar o que pretendia mirou-me de alto a baixo, foi a uma casota telefonar e mandou-me subir ao andar superior onde outro Agente me encafuou numa pequena sala interior, mandando-me esperar.
Ao fim de mais de trinta longos minutos apareceu um inspector perguntando-me qual a razão da vinda ali. Expliquei que pretendia saber a razão da informação negativa relativamente ao meu pedido de passaporte. O Inspector olhou-me com ar de sobranceria e perguntou-me:
— É a primeira vez que vem aqui?
— É sim.
— Então fique a saber: aqui só vem quem nós chamamos! E foi-se embora.
Meio aparvalhado, desci as escadas e o porteiro, com ar trocista, deu-me as boas tardes. Na rua ia pensando como eram grandes os tentáculos de uma organização, decidindo sobre o futuro das pessoas, mesmo quando se limitavam a cumprir as leis que o próprio sistema criara.
(Adaptado, pelo Autor, do seu livro O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro - 2005)
________
(1) Vd. post de A. Marques Lopes, de 18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)
(2) O autor frequentou o Curso de Rangers e fez parte do BCAÇ 1856 (1965/67). Como Alferes Mil foi Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações.
O BCAÇ 1856 esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli; , em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
Obrigado pelas referências ao livro Uma campanha na Guiné, que, como é explicado na Introdução, destinava-se fundamentalmente a antigos combatentes que integraram o BCAÇ 1856 (1).
No entanto acabou por interessar outros segmentos, o que para um trabalho sem qualquer suporte de divulgação ou promoção é sempre motivador.
Confesso que fiquei surpreendido pelo trabalho e abrangência do vosso blogue e, por desafio do Cor. Marques Lopes, junto envio um primeiro texto, baseado numa vivência pesssoal, que adaptei do meu livro recém publicado de Estórias Etnográficas "O Pegureiro e o Lobo - Estórias de Castro Laboreiro".
A finalidade é apenas chamar a atenção para um sistema de controlo das vidas dos jovens de então, mesmo quando não eram "revolucionários " nem comunistas e se limitavam a cumprir as normas estabelecidos pelo regime (RDM). É uma amostra do conflito latente entre os militares,sobretudo os profissionais que temiam, mais do que respeitavam, a influência da PIDE, cujo controlo poderia influenciar as respectivas carreiras profissionais.
Não bastava ser bom militar. Era também necessário estar nas boas graças da PIDE.
A maior parte dos oficiais milicianos, que não aspiravaa ser funcionário público, podia encontrar refúgio na sua condição temporária de militar, mas à saída, a PIDE esperava por ele para acertar contas!
Com os melhores cumprimentos
Manuel Domingues (2)
A Vingança da PIDE
Como oficial de informações todas as manhãs, às 07h00, a primeira tarefa era analisar as actividades operacionais e de informações ocorridas nas últimas 24 horas no Batalhão e na Zona, e elaborar o relatório diário, SITREP, a enviar ao Comando em Bissau, como aliás todas a unidades estacionadas na Guiné. O Comando sintetizava os aspectos considerados mais importantes, e distribuía a todas as unidades, semanalmente, uma síntese dos factos através do PERINTREP.
O SITREP, relatório diário, assentava nas informações recolhidas pelas subunidades do Batalhão no terreno, e no sistema de informações instituído. Era prática, recomendada pelo Comando Chefe de Bissau, a partilha de informação com a subdelegação da PIDE existente em Nova Lamego [Gabu], funcionando na Administração do Concelho, e apenas com um Agente.
Através dos relatórios semanais do Comando Chefe constatei a existência de muitas referências e informações sobre a região Leste, onde o Batalhão actuava, como sendo originárias da PIDE, quando afinal eram de origem militar e que o referido Agente obtinha-as mediante o acesso ao centro nevrálgico do Comando do Batalhão, transmitindo-as como sendo resultantes do seu trabalho, influenciando a actividade do Batalhão, pois era com base em informações que o Comando sugeria ou determinava operações no terreno.
Perante tal abuso, e obtido o acordo do Comandante, transmiti ao Agente que dada a situação do território, sob comando militar, e o facto de ele pertencer a uma instituição civil, não poderia ter acesso directo à referida Sala, sem prejuízo de ser informado dos factos com interesse para a sua actividade. Perante a eminência de ver a sua fonte secar fez várias ameaças, mais ou menos veladas, mas de facto a situação mudou, e a contribuição do referido Agente ficou reduzida ao seu trabalho próprio, quase nulo, dada a realidade existente na região.
Já neste contexto, uma manhã deparei com uma mensagem de uma das companhias, estacionada em Buruntuma, informando ter capturado dois prisioneiros, identificados como estrangeiros, e que iria remeter nessa tarde para o Comando do Batalhão para interrogatório mais detalhado. Assim aconteceu. Ao princípio da tarde e com recurso a um militar nativo, fula, como intérprete, porque dominava bem o português e a língua dos prisioneiros, concluiu-se o interrogatório.
Ainda o Relatório não estava feito quando o agente da PIDE irrompeu pela Sala de Operações reclamando a entrega imediata dos prisioneiros por se tratar de mestrangeiros, cuja competência era exclusivamente dos seus serviços. Calmamente tentei explicar-lhe que, pelo facto de a Província estar sob domínio militar, competia a este, em primeiro lugar, averiguar do interesse dos capturados e só depois decidir o seu destino
No caso concreto já concluíra pela entrega à entidade civil porque não apresentavam grande interesse militar. No entanto e apesar de escassos 50 metros separarem as instalações do Quartel e da Administração Civil, os prisioneiros seriam entregues segundo as normas militares, ou seja com uma Guia de Entrega.
O Homem mandou-se ao ar dizendo nunca tal ter acontecido, passando a constituir um precedente grave de desconfiança num elemento da PIDE, ainda para mais da parte de um oficial miliciano. Nunca receberia os prisioneiros em tais condições e assim iria ter de justificar tal atitude perante o Comando de Bissau, que ele alertaria de imediato através do seu Subdirector.
Mal o Agente abandonou as instalações encarreguei o Sargento de Informações de preencher as Guias de Entrega e levar os prisioneiros para o edifício da Administração, com ordens expressas de só os entregar se o Agente assinasse as respectivas guias. Caso contrário trazia-os de volta. Passados 15 minutos o referido Furriel voltou com a indicação de o Agente se manter intransigente e só aceitar os dois homens sem Guia.
Perante esta situação falei com o Comandante a quem expliquei a relutância em prescindir do formalismo, porque em tempos o referido Agente se gabara de ter feito desaparecer prisioneiros sem deixar rasto. Mais tarde poderíamos ser responsabilizados se eventualmente a PIDE os fizesse desaparecer.
O Comandante mandou chamar o Agente e tentou fazer-lhe compreender a situação e que o meu procedimento estava de acordo com as normas em vigor. O Agente hesitou mas como já tinha enviado um rádio para a Subdirectoria em Bissau, decidiu não voltar atrás na sua decisão.
Embora criando uma situação insólita, sugeri ao Comandante o envio dos prisioneiros por via aérea para Bissau à ordem do Comando Chefe, com a indicação dos motivos, ou seja, a recusa do agente da PIDE em assinar a respectiva Guia de Entrega, que mereceu a sua concordância.
Passadas duas semanas o Agente desapareceu, deixando o recado de que alguém iria pagar caro pela sua saída. Dois meses após o regresso da Guiné, em Julho de 1967, e já desmobilizado, requeri o passaporte no Governo Civil de Lisboa, a fim de regressar a Paris, para continuar a minha vida profissional.
Para grande surpresa foi-me recusado. Ao fim de varias diligências, consegui que me dissessem que o motivo tinha sido a informação negativa da PIDE!
Não queria acreditar! Quatro anos antes, já apurado para todo o serviço militar, tinham-me autorizado a ir estudar no estrangeiro e agora, depois de o ter cumprido, negavam-me esse direito. Era a tal vingança anunciada pelo Agente! Revoltado com a injustiça, um dia resolvi ir à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, pedir explicações.
O Agente porteiro depois de me perguntar o que pretendia mirou-me de alto a baixo, foi a uma casota telefonar e mandou-me subir ao andar superior onde outro Agente me encafuou numa pequena sala interior, mandando-me esperar.
Ao fim de mais de trinta longos minutos apareceu um inspector perguntando-me qual a razão da vinda ali. Expliquei que pretendia saber a razão da informação negativa relativamente ao meu pedido de passaporte. O Inspector olhou-me com ar de sobranceria e perguntou-me:
— É a primeira vez que vem aqui?
— É sim.
— Então fique a saber: aqui só vem quem nós chamamos! E foi-se embora.
Meio aparvalhado, desci as escadas e o porteiro, com ar trocista, deu-me as boas tardes. Na rua ia pensando como eram grandes os tentáculos de uma organização, decidindo sobre o futuro das pessoas, mesmo quando se limitavam a cumprir as leis que o próprio sistema criara.
(Adaptado, pelo Autor, do seu livro O Pegureiro e o Lobo – Estórias de Castro Laboreiro - 2005)
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(1) Vd. post de A. Marques Lopes, de 18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)
(2) O autor frequentou o Curso de Rangers e fez parte do BCAÇ 1856 (1965/67). Como Alferes Mil foi Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação, tendo desempenhado as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações.
O BCAÇ 1856 esteve no Leste, Sector L3, com o Comando e CCS sediados em Nova Lamego [Gabu]; e as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli; , em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá); e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
Guiné 63/74 - P317: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B. Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Legenda: "Jantar em San Vicente, nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C. Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques" . © Luís Graça (2005)
1. Em 11 de Novembro passado, recebi um e-mail de Mic Dax, tendo por assunto: Fotos de S.Vicente, Cabo Verde
Bom dia: Eu sou o Mic Dax, eu sou francès e não falo portuguès muito bem, falo só crioulo caboverdiano. Morando em Cabo Verde desde 5 anos, abri um site na Internet sobre Mindelo (Mindelo Infos ) e sobre o arquipelago em geral.
Encontrei vosso blog e as fotografias do vosso pai em São Vicente. Se o senhor permite-me, desejaria instalar-os no album de meu site.
Obrigado, até logo,
Mic Dax.
http://www.cesaria.info/
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".
© Luís Graça (2005)
2. Eis a minha resposta:
Enchanté, Mic Dax! Je parle français et je voudrais bien parler le créole du Cap-Vert… Salut, copain ! Tu peux utiliser les photos sur le Cap-Vert, que tu as trouvé dans mon blog (un blog colective sur la guerre coloniale en Guinée-Bissau, 1963/74).
Mon père a fait le service militaire dans l’île de Saint Vincent, pendant le période de 1941/43. Heuresement, il est encore vivant. Il aime beacoup les îles mas il n’est jamais retourné lá-bas. Il ya au moins trois textes sur mon père, avec des vieux photos de ce temps-là… Mais j’en irai publier plus…
Je ne connais pas ton île. J’y irais un autre jour, en vacances. Alors, tu me paies un verre de grogue (..).
________
(1) 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império
(2)26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores
(3) 22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques ".
© Luís Graça (2005)
3. Embora não conhecendo as ilhas (estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.
De facto, o meu pai foi expedicionário na ilha, no auge da II Guerra Mundial (1941/43). Falava-me da ilha e da sua gente com ternura e saudade. Aliás, ainda me fala, porque felizmente está vivo.
Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. Alguma das tantas autoambulâncias e outras viaturas. Mindelo. S. Vicente".
© Luís Graça (2005)
São Vicente é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemora-se este ano, a 3 de Dezembro, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.
Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que o meu pai, que na época prestava serviço militar na ilha. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial.
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: " As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ". Segundo informação do meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...
© Luís Graça (2005)
Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).
Publico hoje mais umas fotos do velho álbum do meu pai.
1. Em 11 de Novembro passado, recebi um e-mail de Mic Dax, tendo por assunto: Fotos de S.Vicente, Cabo Verde
Bom dia: Eu sou o Mic Dax, eu sou francès e não falo portuguès muito bem, falo só crioulo caboverdiano. Morando em Cabo Verde desde 5 anos, abri um site na Internet sobre Mindelo (Mindelo Infos ) e sobre o arquipelago em geral.
Encontrei vosso blog e as fotografias do vosso pai em São Vicente. Se o senhor permite-me, desejaria instalar-os no album de meu site.
Obrigado, até logo,
Mic Dax.
http://www.cesaria.info/
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".
© Luís Graça (2005)
2. Eis a minha resposta:
Enchanté, Mic Dax! Je parle français et je voudrais bien parler le créole du Cap-Vert… Salut, copain ! Tu peux utiliser les photos sur le Cap-Vert, que tu as trouvé dans mon blog (un blog colective sur la guerre coloniale en Guinée-Bissau, 1963/74).
Mon père a fait le service militaire dans l’île de Saint Vincent, pendant le période de 1941/43. Heuresement, il est encore vivant. Il aime beacoup les îles mas il n’est jamais retourné lá-bas. Il ya au moins trois textes sur mon père, avec des vieux photos de ce temps-là… Mais j’en irai publier plus…
Je ne connais pas ton île. J’y irais un autre jour, en vacances. Alors, tu me paies un verre de grogue (..).
________
(1) 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império
(2)26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores
(3) 22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques ".
© Luís Graça (2005)
3. Embora não conhecendo as ilhas (estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.
De facto, o meu pai foi expedicionário na ilha, no auge da II Guerra Mundial (1941/43). Falava-me da ilha e da sua gente com ternura e saudade. Aliás, ainda me fala, porque felizmente está vivo.
Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: "Depois da parada, o desfile das viaturas. No dia 14 de Agosto de 1942 [, Dia da Infantaria Portuguesa]. Alguma das tantas autoambulâncias e outras viaturas. Mindelo. S. Vicente".
© Luís Graça (2005)
São Vicente é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemora-se este ano, a 3 de Dezembro, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.
Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que o meu pai, que na época prestava serviço militar na ilha. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial.
Cabo Verde > São Vicente > Legenda: " As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ". Segundo informação do meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...
© Luís Graça (2005)
Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).
Publico hoje mais umas fotos do velho álbum do meu pai.
sábado, 3 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P316: Antologia (30): A Província Portuguesa da Guiné (1961) (Jorge Santos)
Por mão do nosso incansável Jorge Santos, autor da página sobre A Guerra Colonial, chega-nos um este texto sobre a geogrfia e a demografia da Guiné Portuguesa (Dados informativos, 1961).
Estes dados são mais do que um simples curiosidade, para os nossos amigos e camaradas de tertúlia. Têm também interesse histórico: basta compararmos a população de hoje da Guiné-Bissau (que mais do que duplicou) e termos em conta as dramáticas mudanças climáticas que estão afectar a África subsaariana. Por exemplo, quem conhece a Guiné-Bissau de hoje diz que já não chove como há quarenta anos atrás... Enfim, não sei se há dados históricos da metereologia da Guiné-Bissau para confirmar esta tendência.
Situação geográfica e superfície
A província da Guiné acha-se situada na costa ocidental do continente africano, entre o território do Senegal, que lhe serve de fronteira ao norte, e a República da Guiné, que a delimita a leste e a sul.
O seu litoral fica compreendido entre as latitudes 12º 20’ N (Cabo Roxo) e 10º 59’ N (Ponta Cagete).
Além da parte continental e das ilhas de Jeta, Caro, Pecixe, Bissau, Areias, Bolama, Carar, Como e Melo, que lhe ficam contíguas, compreende ainda a província o fronteiro arquipélago de Bijagós, formado por dezenas de ilhas e ilhéus, entre as quais sobressaem as de Caravela, Canhabaque, Formosa, Une, Cavalos e Poilão.
No seu conjunto ocupa a Guiné Portuguesa uma superfície total de 36.125 Km2.
Relevo e hidrografia
Se exceptuarmos algumas pequenas zonas do Leste da província, na região de Boé, onde os últimos contrafortes do maciço do Futa Djalon elevam o terreno até alturas que só raramente atingem os 300 metros, não se encontram na Guiné elevações dignas de menção.
A falta de relevo é especialmente assinalável numa larga faixa litoral, cuja planura, permitindo a invasão profunda, pelo mar, dos antigos cursos dos rios, dá origem às conhecidas «rias» que sulcam grande parte dessa zona da província.
Podem considerar-se na Guiné, no que respeita a cursos de água, duas zonas que a linha limite das marés divide: a zona litoral e a zona interior.Na primeira, os antigos cursos dos rios, ao serem invadidos pelo mar, dão origem às chamadas «rias», das quais as mais importantes, de norte para sul, são as de Sucujaque, Cacheu, Bissau, Grande ou de Buba e Cacine.
Na zona interior, que abrange as regiões situadas para além do limite das marés, assinala-se já a existência de cursos de água doce, com um regime de cheias relacionadas com as variações climatéricas, os quais, devido aos rápidos que cortam os seus percursos, são apenas navegáveis em pequenas extensões.
As principais bacias hidrográficas que se encontram nesta zona são as do rio Cacheu ou Farim, navegável em cerca de 100 Km do seu percurso por navios até 2000 toneladas, do Geba, que constitui a principal via de comunicação fluvial da Guiné, e a do Corubal, que tem a sua origem no Futa Djalon e vai desaguar no estuário do rio Geba, sendo navegável em cerca de 150 km.
Clima
Situada sensivelmente a meia distância entre o Equador e o trópico de Câncer, a Guiné tem o clima quente e húmido característico das regiões tropicais, em que apenas se assinalam duas estações: a quente ou das chuvas, que começa em meados de Maio e se estende até meados de Novembro, e a estação seca e fresca, que cobre o restante período do ano.
Na época das chuvas a humidade atmosférica é bastante elevada e a temperatura média, à sombra, oscila entre 26º e 28º C.
A pluviosidade é superior em média a 2000 mm, sendo os meses de Julho e Agosto os que registam maior número de dias de chuva.
As temperaturas médias da época seca não vão além de 24º C, sendo os meses mais frescos os de Dezembro e Janeiro.
No que respeita às temperaturas, consideram alguns autores a possibilidades de dividir o ano nos seguintes quatro períodos:
a) período fresco - no qual se verificam as maiores amplitudes térmicas, e que abrange os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
b) 1º período quente – durante os meses de Março, Abril e Maio, em que as variações térmicas são ainda de certo vulto, especialmente nos meses de Março e Abril.
c) Período das chuvas – que se estende pelos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro.
d) 2º período quente – abrangendo os meses de Outubro e Novembro.
Com as suas características acentuadamente tropicais, o clima da Guiné tem sido considerado como insalubre, devido às suas altas temperaturas, densa humidade, baixa pressão atmosférica e emanações das regiões alagadiças das zonas planas.
É exagerado, no entanto, generalizar a toda a província as más condições climatéricas, visto que em certas regiões, como no Boé, Bafatá e outras, se encontram grandes áreas em que a adaptação do europeu se faz com bastante facilidade e em que o clima não é mais pernicioso do que o de muitos outros lugares do território português.
População
A população total da província da Guiné, segundo o censo de 1950, era de 510.777 habitantes, distribuídos da seguinte maneira:
- 2263 brancos
- 11 indianos
- 4568 mestiços
- 503.935 negros.
Por estimativa realizada em 31 de Dezembro de 1958 a população total da província era de 568.300 habitantes.
FONTE: Províncias Ultramarinas Portuguesas: dados informativos. Volume 1. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1961.
Guiné 63/74 - P315: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes
Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > Paulo Salgado, integrado numa equipa de cooperantes. Infelizmente, o seu PC portátil não apareceu e a nossa tertúlia ressente-se disso... © Paulo Salgado (2005)
Meu Caro Luís!
Conclusão apressada. Gostaria de ter contado estórias belas que aconteceram aqui no HNSM [Hospital Nacional Simão Mendes] (este hospital, como escreve o Jorge nem parece um hospital; mas estão lá doentes; às vezes em condições miseráveis, e lá trabalham pessoas, umas que trabalham e outras que fazem que trabalham... como me interessa o que é positivo, o que é bom, então o feio, o maldito, o negativo, eu os esqueço e então tentamos: djitu ten ki ten).
Gostaria de vos falar do Sani, viúvo, adoentado, que passava horas e horas a tratar do saneamento e limpeza na zona da cólera (um dia destes morre e não se sabe a razão); gostaria de vos falar do amor do motorista guineense malandro e da engenheira italiana dos Médicos Sem Fronteiras que se enamoraram (quem sabe se um dia lá em Itália não nasce um mulatinho!). Gostaria de vos falar do entusiasmo dos bons profissonais que querem mudar a face de segmentos do Hospital: o Carlitos, o Armando e o velho técnico Armindo do RX que gosta dos portugueses com quem trabalhou e que fica aflito com as propostas que o Carlitos (financeiro) e a Conceição (do grupo dos quatro que aqui vão estar durante um ano) apresentam para mudar as rotinas do serviço de RX.
Gostaria de vos falar dos dois velhotes engajados neste projecto, Eng.º João Faria e Dr. Vítor Seabra, que suam as camisas três vezes ao dia. Gostaria de vos falar da menina N'nha (que trouxemos de Portugal onde o Prof. Horácio a operou a uma mão queimada (fez-me lembrar a bela história da bajudinha
Catotinha) que nos vem visitar e que não nos larga.
Gostaria de vos falar do serviço (!!!) de estomatologia que tem um técnico que aprendeu quatro anos em Cuba a arte de arrancar dentes e o que o faz, com muito carinho, quase inexplicavelmente, pelos materiais que usa, pois mais parece um conjunto de ferros que lava e põe num autoclave mal funcionante e ferrugento.
Gostaria de vos mostrar imensas fotos de meninos de Uaque que fabricam os assobios (está la na foto que veio no blogue) e fazer-nos pensar a todos que os nossos filhos e netos só pensam nas playstations). Enfim muita coisa ficou por vos contar. Desgraçadamente, o computador não apareceu...e tanto traballho que tive que refazer ou mesmo reformular.
Conclusão quente. Quentes são estes dias(desde as onze até às cinco). O movimento não pára: desde o Hotel de Bissau (à saída de Bissalanca) até à mãe de água (por detras lá está o Palácio do Povo, quer dizer a Assembleia Nacional Popular construída pelos chineses.. toca-toca, taxis, transportes mistos, jeeps grandes, poderosos, e pessoas num vai-vai que não acaba (para onde vão?). No Hospital, quentes são os dias e noites para as parturientes que vão parindo às três de cada vez.
Conclusão húmida. Húmidas as noites. Começam agora a ser mais frescas. Fazem-me lembrar as muitas estórias que os camarigos contam, e, especialmente, as que eu vivi em Olossato. Mas estas pertencem ao passado que desejo revisitar e fazer relembrar mas sempre pensando que do passado se tiram lições.
Conclusão conclusão: Estamos a chegar ao Natal. Que natal poderámos nós dar - em qualquer momento do ano - às crianças da pediatria (do serviço de Pediatria)?
Mas um momento belo: vede a canoa navegando, com jovem ao leme, no canal do rio Geba em direcção ao rio Mansoa.
Meu caro Luís. Arruma as três fotos como tu sabes fazer. Mas que seguem pelo outro endereço... Até logo, até sempre. Um abraço a todos os camaradas.
Paulo Salgado
Meu Caro Luís!
Conclusão apressada. Gostaria de ter contado estórias belas que aconteceram aqui no HNSM [Hospital Nacional Simão Mendes] (este hospital, como escreve o Jorge nem parece um hospital; mas estão lá doentes; às vezes em condições miseráveis, e lá trabalham pessoas, umas que trabalham e outras que fazem que trabalham... como me interessa o que é positivo, o que é bom, então o feio, o maldito, o negativo, eu os esqueço e então tentamos: djitu ten ki ten).
Gostaria de vos falar do Sani, viúvo, adoentado, que passava horas e horas a tratar do saneamento e limpeza na zona da cólera (um dia destes morre e não se sabe a razão); gostaria de vos falar do amor do motorista guineense malandro e da engenheira italiana dos Médicos Sem Fronteiras que se enamoraram (quem sabe se um dia lá em Itália não nasce um mulatinho!). Gostaria de vos falar do entusiasmo dos bons profissonais que querem mudar a face de segmentos do Hospital: o Carlitos, o Armando e o velho técnico Armindo do RX que gosta dos portugueses com quem trabalhou e que fica aflito com as propostas que o Carlitos (financeiro) e a Conceição (do grupo dos quatro que aqui vão estar durante um ano) apresentam para mudar as rotinas do serviço de RX.
Gostaria de vos falar dos dois velhotes engajados neste projecto, Eng.º João Faria e Dr. Vítor Seabra, que suam as camisas três vezes ao dia. Gostaria de vos falar da menina N'nha (que trouxemos de Portugal onde o Prof. Horácio a operou a uma mão queimada (fez-me lembrar a bela história da bajudinha
Catotinha) que nos vem visitar e que não nos larga.
Gostaria de vos falar do serviço (!!!) de estomatologia que tem um técnico que aprendeu quatro anos em Cuba a arte de arrancar dentes e o que o faz, com muito carinho, quase inexplicavelmente, pelos materiais que usa, pois mais parece um conjunto de ferros que lava e põe num autoclave mal funcionante e ferrugento.
Gostaria de vos mostrar imensas fotos de meninos de Uaque que fabricam os assobios (está la na foto que veio no blogue) e fazer-nos pensar a todos que os nossos filhos e netos só pensam nas playstations). Enfim muita coisa ficou por vos contar. Desgraçadamente, o computador não apareceu...e tanto traballho que tive que refazer ou mesmo reformular.
Conclusão quente. Quentes são estes dias(desde as onze até às cinco). O movimento não pára: desde o Hotel de Bissau (à saída de Bissalanca) até à mãe de água (por detras lá está o Palácio do Povo, quer dizer a Assembleia Nacional Popular construída pelos chineses.. toca-toca, taxis, transportes mistos, jeeps grandes, poderosos, e pessoas num vai-vai que não acaba (para onde vão?). No Hospital, quentes são os dias e noites para as parturientes que vão parindo às três de cada vez.
Conclusão húmida. Húmidas as noites. Começam agora a ser mais frescas. Fazem-me lembrar as muitas estórias que os camarigos contam, e, especialmente, as que eu vivi em Olossato. Mas estas pertencem ao passado que desejo revisitar e fazer relembrar mas sempre pensando que do passado se tiram lições.
Conclusão conclusão: Estamos a chegar ao Natal. Que natal poderámos nós dar - em qualquer momento do ano - às crianças da pediatria (do serviço de Pediatria)?
Mas um momento belo: vede a canoa navegando, com jovem ao leme, no canal do rio Geba em direcção ao rio Mansoa.
Meu caro Luís. Arruma as três fotos como tu sabes fazer. Mas que seguem pelo outro endereço... Até logo, até sempre. Um abraço a todos os camaradas.
Paulo Salgado
Guiné 63/74 - P314: Projecto Guileje (6): Carlos Schwarz ou, melhor, Pepito
Vista aérea da povoação e aquartelamento de Guileje na "época colonial".
Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledj (2005)
São apontados como autores das fotos desta época, inseridas neste sítio, o Capitão José Neto e Abílio Pimentel. A um e a outro, bem como à AD, os nossos agradecimentos pela permissão da reprodução deste valioso documento.
1. Lensagem de L.G. para o Carlos Schwarz:
Já descobrimos um homem da última companhia que esteve no Guileje: a Companhia Independente de Cavalaria 8350, composta maioritariamente por açorianos. Trata-se do ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Vê as fotos no post, inserido no blogue, com data de 2 de Dezembro de 2005 [Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) ].
O Sadibo [Dabo] diz-me que tu és mais conhecido aí pelo teu nome de guerra, Pepito… Posso divulgar essa informação ?
2. Resposta do nosso amigo e director da AD - Acção para o Desenvolvimento:
Luis:
De facto não tinhamos ninguém conhecido dessa Companhia. Obrigado. As fotos ajudam muito a situar as placas e a refazer o contexto onde vamos reabilitá-las.
Mais fotos serão bem vindas. Um novo amigo meu que esteve em Guiledje, em 1967/68, tem cerca de 150 slides de Guiledje que estamos a procurar digitalizar na ESE [Escola Superior de Educação] de Leiria [que é um dos pareciros da AD em matéria de cooperação].
Na próxima semana acaba o levantamento topográfico do antigo quartel e arredores (6 ha) e a 12 de Janeiro de 2006 chega a Bissau o arquitecto para apoiar a sua reconstrução.
Quanto ao meu nome: de facto, só na Tapada da Ajuda, [no Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa], aí em Lisboa, onde fiz agronomia, é que sou conhecido por Schwarz. Aqui em Bissau, é só Pepito, desde que me conheço. Usa à vontade o nome e para ajudar assino-o a partir de agora.
abraços
pepito
Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guiledj (2005)
São apontados como autores das fotos desta época, inseridas neste sítio, o Capitão José Neto e Abílio Pimentel. A um e a outro, bem como à AD, os nossos agradecimentos pela permissão da reprodução deste valioso documento.
1. Lensagem de L.G. para o Carlos Schwarz:
Já descobrimos um homem da última companhia que esteve no Guileje: a Companhia Independente de Cavalaria 8350, composta maioritariamente por açorianos. Trata-se do ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Vê as fotos no post, inserido no blogue, com data de 2 de Dezembro de 2005 [Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) ].
O Sadibo [Dabo] diz-me que tu és mais conhecido aí pelo teu nome de guerra, Pepito… Posso divulgar essa informação ?
2. Resposta do nosso amigo e director da AD - Acção para o Desenvolvimento:
Luis:
De facto não tinhamos ninguém conhecido dessa Companhia. Obrigado. As fotos ajudam muito a situar as placas e a refazer o contexto onde vamos reabilitá-las.
Mais fotos serão bem vindas. Um novo amigo meu que esteve em Guiledje, em 1967/68, tem cerca de 150 slides de Guiledje que estamos a procurar digitalizar na ESE [Escola Superior de Educação] de Leiria [que é um dos pareciros da AD em matéria de cooperação].
Na próxima semana acaba o levantamento topográfico do antigo quartel e arredores (6 ha) e a 12 de Janeiro de 2006 chega a Bissau o arquitecto para apoiar a sua reconstrução.
Quanto ao meu nome: de facto, só na Tapada da Ajuda, [no Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa], aí em Lisboa, onde fiz agronomia, é que sou conhecido por Schwarz. Aqui em Bissau, é só Pepito, desde que me conheço. Usa à vontade o nome e para ajudar assino-o a partir de agora.
abraços
pepito
Guiné 63/74 - P313: O juramento dos guerrilheiros do PAIGC (João Parreira)
Camarada Luís Graça
Acabo de ler o documento "O Código de Conduta", reproduzido pelo camarada Jorge Santos, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique 68/70 (1).
Apesar de ter embarcado [para a Guiné] em 8/10/64, esse impresso não me foi distribuído, nem tive conhecimento que tivesse circulado no Batalhão Arilharia 733 (2).
Por me parecer oportuno transcrevo o juramento feito pelos guerrilheiros da Guiné diante dos seus companheiros de luta.
Este excerto, em letra maiúscula, faz parte de um livro que foi editado pela Imprensa do PAIGC.
O livro, datado de 13-II-964, em que era usado frequentemente o termo partisan, foi entregue por Nino Vieira a um dos seus homens, em Santambato, em 11 de Março de 1964.
JURAMENTO
"EU, FILHO DO MEU POVO, JURO LUTAR POR TODOS OS MEIOS PARA A LIBERTAÇÃO TOTAL E INCONDICIONAL DA MINHA PÁTRIA, DAR TODAS AS MINHAS FORÇAS E, SENDO NECESSÁRIO, A MINHA VIDA PARA QUE VIVA O POVO GUINEENSE LIVRE E FELIZ, NUNCA TRAIR A REVOLUÇÃO GUINEENSE, O SEU POVO E OS MEUS COMPANHEIROS DE LUTA, MESMO QUE SEJAM EMPREGADOS CONTRA MIM AS MAIORES VIOLÊNCIAS E TERRORES.
"CONSINTO QUE, EM CASO DE TRAIÇÃO, ME ATINJA A JUSTIÇA REVOLUCIONÁRIA".
João Parreira
ex-Furriel Miliciano Comando
(Brá, 1964/66)
________
(1) Vd post de Jorge Santos, de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: O Código de Conduta do Combatente da Guerra do Ultramar.
(2) Vd. post anterior > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
Acabo de ler o documento "O Código de Conduta", reproduzido pelo camarada Jorge Santos, da 4ª Companhia de Fuzileiros, Niassa, Moçambique 68/70 (1).
Apesar de ter embarcado [para a Guiné] em 8/10/64, esse impresso não me foi distribuído, nem tive conhecimento que tivesse circulado no Batalhão Arilharia 733 (2).
Por me parecer oportuno transcrevo o juramento feito pelos guerrilheiros da Guiné diante dos seus companheiros de luta.
Este excerto, em letra maiúscula, faz parte de um livro que foi editado pela Imprensa do PAIGC.
O livro, datado de 13-II-964, em que era usado frequentemente o termo partisan, foi entregue por Nino Vieira a um dos seus homens, em Santambato, em 11 de Março de 1964.
JURAMENTO
"EU, FILHO DO MEU POVO, JURO LUTAR POR TODOS OS MEIOS PARA A LIBERTAÇÃO TOTAL E INCONDICIONAL DA MINHA PÁTRIA, DAR TODAS AS MINHAS FORÇAS E, SENDO NECESSÁRIO, A MINHA VIDA PARA QUE VIVA O POVO GUINEENSE LIVRE E FELIZ, NUNCA TRAIR A REVOLUÇÃO GUINEENSE, O SEU POVO E OS MEUS COMPANHEIROS DE LUTA, MESMO QUE SEJAM EMPREGADOS CONTRA MIM AS MAIORES VIOLÊNCIAS E TERRORES.
"CONSINTO QUE, EM CASO DE TRAIÇÃO, ME ATINJA A JUSTIÇA REVOLUCIONÁRIA".
João Parreira
ex-Furriel Miliciano Comando
(Brá, 1964/66)
________
(1) Vd post de Jorge Santos, de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: O Código de Conduta do Combatente da Guerra do Ultramar.
(2) Vd. post anterior > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
Guiné 63/74- P312: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros (Virgínio Briote)
Guiné > Brá, Outubro de 1975.
O Governador, General Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Saraiva (atrás) passam revista ao Grupo de Comandos Vampiros.
© Virgínio Briote (2005)
É um privilégio reunir nesta tertúlia três veteranos da guerra da Guiné. E mais do que isso, três mosqueteiros dos "velhos comandos" dos primeiros anos de guerra (1963/66). Estou referir-ne, por ordem cronológica de chegada a esta tertúlia, aos milicianos Virgínio Briote (alferes), Mário Dias (2º sargento) e, agora, João Parreira (furriel). Este é o mais recente membro da nossa tertúlia. Pedi aos dois primeiros para o apresentarem. Aqui ficam as palavras destes três sábios guerreiros que, contrariamente a muitos de nós, foram voluntários e conheceram a Guiné, de lés a lés. O Mário, inclusive, participou na mítica batalha da Ilha do Como (1964).
1. Mensagem do Virgínio Briote:
Caro Luís,
O Diário da Guiné do Abel Rei, uma visão da guerra em Porto Gole, no Xime, no Enxalé, escrita por uma alma lavada. Os elementos sobre a Guerra, do Jorge Santos, tão úteis para melhor compreender aqueles tempos. E a professora de Samba Culo, na "visita" que o Coronel Marques Lopes lhe fez!
E, de súbito, uma explosão, Luís! E tantas mais histórias escritas, muitas com sangue, nosso e deles, um desperdício de vida. Uma guerra só com uma saída, o arriar da bandeira em Mansoa, pelo Magalhães Ribeiro.
E agora pede para entrar o João Parreira, uma das lendas vivas dos velhos comandos de Brá. Andou pela Guiné toda, viu camaradas a morrer mesmo ao lado dele, foi evacuado no mesmo heli que transportou para Bissau o corpo do Furriel Morais. E tanta coisa que o João pode contar, se quiser!
Guiné > Brá > Outubro de 1965 > a 16ª Companhia de Comandos em parada.
© Virgínio Briote (2005)
Luís, parabéns pela obra que estás a erguer. Ninguém ainda a tinha feito desta forma, sem recriminações, sem bons e maus. Apenas combatentes, de um lado e doutro. Com mais ou menos vontade, uns e outros cumpriram a missão de que os encarregaram.
Um abraço a todos os camaradas, vb.
Nota de L.G. - Há dias, em finais de Novembro, o V.B. mandou-me "mais algumas fotos daqueles tempos de 65 a 67". E mais disse: "Estou a juntar os papéis e a passar para português algumas memórias que estavam emaladas. À medida que estejam ordenadas, vou enviando para o fora-nada". São mais outras prendas de Natal para os nossos tertulianos!
2. O Mário Dias, por sua vez, diz-me que "a história da batalha Como [em 1964] está em andamento. Faltam apenas algumas datas exactas em que os factos ocorreram e a elaboração de um croquis com o máximo de pormenores que ainda consiga recordar. Ainda vai ser este ano". Camarada Mário, a nossa tertúlia não podía ter melhor prenda de Natal!
3. Por fim, o João Parreira:
Portugal - Guiné – 1963/66
Camarada Luís Graça
Como o tempo passa, e é bem certo!
Ainda hoje, já velhote, recordo, como se os acontecimentos tivessem sido ontem. Também não tenho outra alternativa pois as marcas com que fiquei no corpo não me fazem esquecer.
Sou de opinião que todos nós, que passámos pelo Ultramar naqueles tempos conturbados, tem a sua própia estória para contar, e é bom que assim seja.
Guiné > Brá, Outubro de 1975.
O Governador, General Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Rubi (atrás) recebendo honras militares dos comandos em parada.
© Virgínio Briote (2005)
Eu não sou um bom exemplo, pois demorei 40 anos a decidir-me, e talvez por isso me tenha excedido um pouco, quer em pormenores pessoais, quer em descrições, algumas delas (e tanto quanto é do meu conhecimento), julgo serem as primeiras a ser divulgadas no que se referem ao Comandos formados na Guiné, mas se não fosse o excelente blogue do Camarada Luís Graça, talvez nunca o tivesse feito.
Decorria o ano de 1964, e tendo acabado de tirar o Curso de Operações Especiais em Mafra e em Penude (Lamego), sob o Comando do Tenente-Coronel Flamínio Machado da Silveira, fui um dos primeiros militares, em 6 de Setembro de 1964, a apresentar-se ao Ten. Cor. José da Glória Alves, Comandante do Batalhão de Artilharia 733, que se estava a formar no RAL 1, em Lisboa.
Como os praças estavam a começar a chegar, vindos das várias unidades do país, deu-me a oportunidade de os escolher e dar treino, para assim serem integrados na Secção que mais tarde iria liderar nas matas de uma das nossas Províncias.
Entretanto, um parente meu, Oficial do Exército, decidiu que eu não devia ir para o Ultramar (talvez por o filho ter sido ferido na Pedra Verde, em Angola) e que, quando chegasse a altura, teria um lugar à minha disposição na Secretaria do respectivo Ministério.
Ouvidos moucos, pois só lhe comuniquei a minha mobilização no dia do embarque (8 de Outubro de 1964).
Algumas semanas em Bolama com a minha Companhia, a [CART] 730, cerca de um mês no K-3 e ainda em Bissorã, com nomadizações e operações com algumas peripécias, apesar de tudo achei que não foram maus. O pior veio depois.
Em 6 de Janeiro 1965, cerca das 03H00, numa operação em Catancó (Olossato)(1), fui ferido com estilhaços de granada, bem assim como três outros camaradas, entre eles um praça e o meu Comandante de Pelotão que devido à gravidade tiveram que ser evacuados.
Na presença do Capitão, que tinha ficado com 3 pelotões em Cancongo a aguardar o nosso regresso, atribui-lhe as culpas, pois antes tinha discordado com a ordem que nos tinha dado, mas não quis ver a imprudência e puxou pelos galões.
Assim, rodeado por labaredas às quais fui alheio, decidi que devia sair da Companhia e, sem olhar a possíveis consequências, comuniquei-lhe de imediato que ia tomar as devidas providências para ir para Brá, para os Comandos.
Tinha já tomado conhecimento que em 28 de Novembro de 1964 no regresso de uma operação uma viatura do Grupo "Fantasmas" tinha sofrido o rebentamento de uma engenho explosivo na estrada de Madina do Boé – Contabane (1), perto do pontão do Rio Gogibe, tendo-se incendiado, o que originou a morte de oito Comandos, entre eles o Furriel Artur Pereira Pires (a quem fui substituir) e dois feridos graves.
Tal como era a minha intenção, e com a devida autorização segui em Fevereiro para Brá, onde me apresentei ao respectivo Comandante, Major Inf Cmd. António Dias Machado Correia Dinis que me comunicou que ia ser desde logo integrado no Grupo “Fantasmas”,que se encontrava reduzido, e nele participei em todas as operações até à sua extinção.
No mesmo Grupo fui ferido em mais duas operações, uma em 20 de Abril [de 1965], cerca da 01H00 após o regresso de uma operação na zona de Incassol (3)
O Grupo encontrava-se estacionado junto à CCAV 703 que se encontrava a guardar o perímetro, quando repentinamente fomos atacados.
Deste ataque a Companhia sofreu oito feridos (três deles graves) e os “Comandos” quatro feridos sem gravidade.
Noutra operação, a 6 de Maio, efectuada a um acampamento situado na mata a SW de Catungo (Cacine), em que foi capturado grande quantidade de material de guerra e sanitário, o Grupo (reduzido a 22 homens) teve 10 feridos, entre eles o Capitão de Artilharia Nuno José Varela Rubim que mais tarde ficou a comandar a Companhia de Comandos.
Em virtude de ter sido ferido com alguma gravidade fui evacuado de heli para o Hospital Militar em Bissau, bem assim como um grande amigo e camarada, o Furriel Joaquim Carlos Ferreira Morais, que, infelizmente, faleceu a meu lado e do qual ouvi a última palavra.
Como era amparo de mãe, e não tinha meios financeiros, teve que ser feita uma subscrição a fim de se angariar fundos para que o corpo pudesse regressar a Portugal.
Com a extinção do meu Grupo, que estava reduzido a pouco mais do que meia dúzia de homens fui integrado num dos dois restantes, os "Camaleões", os quais também acabaram por desaparecer, tal como o outro, os "Panteras", devido a muitos dos seus elementos terem terminado a comissão e estarem a aguardar o embarque.
Deste modo deixaram de existir os três primeiros Grupos de Comandos formados no 1º Curso e tornou-se necessário criar o 2º. Curso, no qual participei.
Tendo terminado o Curso deslocou-se a Brá, o Governador da Guiné, o Comandante-Chefe General Arnaldo Schultz, a fim de, em cerimónia oficial, nos colocar no peito os respectivos crachás.
Na mesma altura foram-nos entregues os restantes distintivos. Fui integrado então num dos quatro novos Grupos, os "Apaches".
Com o regresso a Portugal do Capitão Rubim, em Fevereiro 1966 ficou a Comandar a
Companhia de Comandos o Capitão de Artilharia José Eduardo Martinho Garcia Leandro, que até à data estava a comandar a Companhia 640, estacionada em Sangonhã.
Em Março de 1966 deu-se ainda início ao 3º. Curso, destinado a completar os Grupos existentes que já se encontravam desfalcados.
Para este Curso apresentaram-se um 2º Sargento, um Furriel e 18 praças. Fiquei nos "Apaches" também até à sua extinção, uma vez que chegaram a Brá, em 30 de Junho de 1966, os primeiros Comandos formados em Portugal, comandados pelo Capitão de Infantaria Comando Álvaro Manuel Alves Cardoso.
Apesar de todas as vicissitudes por que passei, em 19 de Agosto de 1966, pisei finalmente o solo da nossa Pátria.
Muitas vezes dou por mim a pensar se teria valido a pena o sacrifício e o sangue derramado, e se não teria sido melhor ter aceite a oferta e ter ficado na Secretaria, em Lisboa.
João Parreira (ex-Furriel Miliciano Comando)
(Sassoeiros-Carcavelos)
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Notas de L.G.
(1) Catancó, a noroeste de Olossato, 015°20'W 12°22'N,vd. carta da Guiné, 1961.
(2) Em Contabane, no sudoeste da Guiné, a estrada que vinha de Madina do Boé, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, fazia depois a ligação com Xitole (a norte) e a Aldeia Formosa (
(3) Incassol, na margem esquerda do Rio Corubal,em frente a Candoea Beafada (na margem direita), entre o Xitole (a leste) e Fulacunda (a oeste). Vd. a Carta da Guiné e a Carta do Xitole: 14° 55' 60W 11° 43' 60N
sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Guiné 63/74 - P311: E de súbito uma explosão (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970: Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos Marques e Henriques da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor).
Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (do 4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, a 13 de Janeiro de 1971, a um mês e meio da sua rendição individual.
O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de conhecido comerciante na cidade de Cascais (1).
© Luís Graça (2005).
Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
13 de Janeiro de 1971.
E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…
A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.
Foi então que se produziu um curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem entra num mundo desconhecido.
Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada uma mina. Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finete, regulado do Cuor > 1969 ou 1970: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete (na margem direita do Gerba Estreito, entre Bambadinca e Missirá)
Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) Samba Só e o Soldado Umarú Baldé, o puto, apontador de morteiro 60 (na foto, de pé, fumando o seu inseparável cachimbo; na época teria 16 anos).
© Luís Graça (2005)
Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.
- Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru, o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo de fula, filho de régulo. A primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar de homem grande.
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Bissorã> Estrada Bissorã-Olossato > Elemento da CCAÇ 13 levantando uma mina
Segundo o nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página dedicada à CCAÇ 13 - Os Leões Negros, trata-se de "uma mina anti-pessoal/anti-carro (as minas exclusivamente anti-pessoal eram muito mais pequenas e a sua explosão provocava normalmente a perda de um pé)".
Pelo contrário, esta, com uma carga de cerca de 5 kgs de TNT, "se detonasse o que restaria do infeliz, caberia numa caixa de fósforos, e a sua explosão colocaria uma viatura em cima de uma árvore"...
Foi "detectada por um elemento da população que quase a fez detonar". Como se pode ver na foto, a mina está montada numa caixa de madeira e utiliza um sistema de detonação em que parte dos componentes é feita em plástico. A madeira permitia "fazer minas de custo mais baixo e com maior facilidade", embora com o risco de "apodrecer se ficar na terra muito tempo". Tinha ainda "a vantagem de ser mais difícil de encontrar pelos detectores de metal (o exercito português tinha poucos detectores de metal, o seu detector era um ferro afiado que se espetava no chão com cuidado, se batesse em algo sólido era provavelmente uma mina)" (...). "Provavelmente tratava-se de uma anti-carro S 47/53, de origem russa".
© Carlos Fortunato (2005).
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O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.
Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.
Trágica ironia a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, havíamos disputado amigavelmente o "lugar do morto".
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...
Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob o um dos rodado duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel. Outra puta de mina, não detectada pelos nossos picadores, fora accionada, na berma da estrada, às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos metros da anterior.
Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa que ia buscar, a Bambadinca, o almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. O Furriel Fernandes ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade (2).
Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.
As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e sob o matraquear das costureirinhas e das kalash.
Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós…
É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder mais um segundo, para logo seguir de imediato para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.
Talvez mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover é o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra. É uma corrida louca, esta, na fronteira indefinida que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos...
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(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
(2) Trata-se do mesmo Luís Moreira, que é membro da nossa tertúlia. O ex-alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817, é hoje professor de matemática do ensino secundário, "à beira da reforma".
Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (do 4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, a 13 de Janeiro de 1971, a um mês e meio da sua rendição individual.
O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de conhecido comerciante na cidade de Cascais (1).
© Luís Graça (2005).
Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
13 de Janeiro de 1971.
E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…
A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.
Foi então que se produziu um curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem entra num mundo desconhecido.
Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada uma mina. Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finete, regulado do Cuor > 1969 ou 1970: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete (na margem direita do Gerba Estreito, entre Bambadinca e Missirá)
Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) Samba Só e o Soldado Umarú Baldé, o puto, apontador de morteiro 60 (na foto, de pé, fumando o seu inseparável cachimbo; na época teria 16 anos).
© Luís Graça (2005)
Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.
- Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru, o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo de fula, filho de régulo. A primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar de homem grande.
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Bissorã> Estrada Bissorã-Olossato > Elemento da CCAÇ 13 levantando uma mina
Segundo o nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página dedicada à CCAÇ 13 - Os Leões Negros, trata-se de "uma mina anti-pessoal/anti-carro (as minas exclusivamente anti-pessoal eram muito mais pequenas e a sua explosão provocava normalmente a perda de um pé)".
Pelo contrário, esta, com uma carga de cerca de 5 kgs de TNT, "se detonasse o que restaria do infeliz, caberia numa caixa de fósforos, e a sua explosão colocaria uma viatura em cima de uma árvore"...
Foi "detectada por um elemento da população que quase a fez detonar". Como se pode ver na foto, a mina está montada numa caixa de madeira e utiliza um sistema de detonação em que parte dos componentes é feita em plástico. A madeira permitia "fazer minas de custo mais baixo e com maior facilidade", embora com o risco de "apodrecer se ficar na terra muito tempo". Tinha ainda "a vantagem de ser mais difícil de encontrar pelos detectores de metal (o exercito português tinha poucos detectores de metal, o seu detector era um ferro afiado que se espetava no chão com cuidado, se batesse em algo sólido era provavelmente uma mina)" (...). "Provavelmente tratava-se de uma anti-carro S 47/53, de origem russa".
© Carlos Fortunato (2005).
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O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.
Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.
Trágica ironia a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, havíamos disputado amigavelmente o "lugar do morto".
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...
Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob o um dos rodado duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel. Outra puta de mina, não detectada pelos nossos picadores, fora accionada, na berma da estrada, às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos metros da anterior.
Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa que ia buscar, a Bambadinca, o almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. O Furriel Fernandes ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade (2).
Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.
As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e sob o matraquear das costureirinhas e das kalash.
Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós…
É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder mais um segundo, para logo seguir de imediato para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.
Talvez mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover é o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra. É uma corrida louca, esta, na fronteira indefinida que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos...
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(1) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)
(2) Trata-se do mesmo Luís Moreira, que é membro da nossa tertúlia. O ex-alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817, é hoje professor de matemática do ensino secundário, "à beira da reforma".
Guiné 63/74 - P310: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)
Guileje, no tempo da CCAV 8350, 1972/73.
Foto amavelmente cedida pelo ex-furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho.
© Magalhães Ribeiro (2005)
1. Texto do Magalhães Ribeiro (ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais, CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné).
Boa tarde amigo Luís Graça,
A resposta quanto ao título Cancioneiro de Mansoa e tu seres meu padrinho literário é, como diziam os militares, num só termo: Afirmativo! (1)
Penso que o blogue é um óptimo ponto de encontro do pessoal, que viveu na Guiné, com um sempre renovado interesse, já que todos os dias, ou quase, lhe acrescentas novas narrações, quer de factos quer de estórias.
Eu, pelo menos, todos os dia vou ver as novidades. Costumo dizer nestas coisas, apenas uma curta frase: Fiquei cliente!
Desde muito novo que sou um curioso de tudo quanto se relacione com a História de Portugal e, esta paixão agudizou-se, mais profundamente, no capítulo que concerne à Guerra da Guiné, porque é indiscutível e inequívoco que todos nós, os ex-combatentes, fomos os seus protagonistas no terreno.
Assim, tenho reunido no meu tudo o que consigo apanhar para o meu museu pessoal, quer documentos quer peças.
Tenho aqui algumas fotos (1973/74) do povo, das suas actividades, de Bissau, do quartel de Mansoa e de Guileje.
Guileje > O furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho.
Foto amavelmente cedida pelo próprio.
De 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amilcar Cabral), obrigando as NT (CCAV 8350, 1972/73), a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis (2) .
© Magalhães Ribeiro (2005)
A este email, anexo o texto de que já te havia falado. Está concluído, e é uma pequena estória do Casimiro Carvalho [ex-furriel miliciano de operações especiais da Companhia Independente de Cavalaria 8350], que esteve naquele que ficou conhecido pelo corredor da morte, entre Guilege e Gadamael [, entre Outubro de 1972 e Junho de 1973].
Com um abraço amigo do M.R.
Guileje > Monumento de homenagem aos mortos da CCAÇ 3325 > Pormenor da lápie:
"Vencer sem perigo é triunfar sem glória.
"Homenagem da CCAÇ 3325 aos seus mortos e feridos e aos portugueses de todasa« as cores, raças e credos que tombaram em defesa da Pátria"
© Magalhães Ribeiro (2005)
2. Na minha simples análise pessoal, entre os meus conhecimentos sobre a Guerra do Ultramar, creio que entre todos os verdadeiros infernos de chumbo e metralha, o mais terrível de todos, era aquele pedaço de terra entre Guileje e Gadamael.
Também entre as mais castigadas unidades, ficou célebre a Companhia Independente de Cavalaria 8350/72, que ali prestou serviço entre Outubro de 1972 e Julho de 1973, e
que viu morrerem em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.
Foi seu Comandante o Capitão Abel dos Santos Quelhas Quintas, que escreveu numa carta dirigida ao Senhor Chefe do Estado Maior do Exército, sobre o Furriel Miliciano de Operações Especiais, José Casimiro Pereira Carvalho, que não resisti a enviar-vos e que diz o seguinte:
"Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:
"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.
"Com o relato que vou fazer a Vª Exª e, porque este furriel continuou ligado a uma força militar, ou seja, a Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, onde é considerado um bom militar com vários louvores por coragem, tenacidade, destreza e um elogiável espírito de missão, adquiridos na sua formação militar, espero, depois de Vª Exª mandar averiguar os factos referidos, pois, em minha opinião, merecerá que uma homenagem pública lhe seja prestada.
"Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.
Guileje > O furriel miliciano de operações especiais Casimiro Carvalho. Foto amavelmente cedida pelo próprio.
© Magalhães Ribeiro (2005)
"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.
"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar.
"Abel dos Santos Quelhas Quintas,
"Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária
Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas".
Guiné- Bissau > Antigo aquartelamento de Guileje (2005).
Na foto, vêm-se dois membros da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, junto aos restos do brazão da Companhia de Cavalaria que defendia Guileje: a CCAV 8350, (19)72/74, Piratas de Guileje (as inscrições ainda são perfeitamente legíveis)...
© AD - Acção para o Desenvolvimento > Projecto Guileje (2005)
PS - O referido militar [J. Casimiro Carvalho] soube mais tarde que a proposta de Louvor correu várias Repartições até ser arquivada, tendo sido ordenado que se desse conhecimento do seu teor ao mesmo.
Autoria do texto e créditos fotográficos:
© Magalhães Ribeiro (2005)
____
Notas de L.G.
(1) Eu tinha-lhe enviado a seguinte nota:
Grande ranger: obrigado, e parabéns pelos teus escritos. De facto, és um homem com talento literário. Vê o blogue: hoje, dia 1 de Dezembro de 2005, comecei a publicar o teu... Cancioneiro de Mansoa. Concordas com o título ? Baptizei os teus cadernos com este título, por analogia com o Cancioneiro do Niassa. Se aceitares, sou o teu ... padrinho [literário]. Um abraço. Luís.
(2) Há quem defende (por exemplo, o General Almeida Bruno) que o quartel de Guileje, tal como o de Gadamael, nunca chegou a ser abandonado pelas NT e ocupado pelo PAIGC. Teria sido de imediato reocupado pelas NT, após a polémica saída da CCAV 8350. Vd. o livro de José Freire Antunes, A Guerra de África (1961-1974), editado pelo Círculo de Leitores, 2 volumes (1995).
No seu depoimento sobre a sua acção na Guiné, diz Almeida Bruno: "Nós só abandonámos Madina Boé e Beli, não abandonámos os quartéis portugueses. Houve, no Sul, uma debandada de um quartel que depois foi reassumido com a colocação lá do capitão Manuel Monje, graduado em major. Foi em Gadamael. Guilege, por exemplo, nunca foi abandonado e o PAIGC nunca entrou no Guileje" (in: Antunes, J. F. - A guerra de África: 1961-1974. Volume II. s/l: Círculo de Leitores. 1965. 722).
Seria bom o Magalhães Ribeiro pdedir ao seu camarada e amigo Casimiro Caravalho para esclarecer este ponto (polémico): Guileje foi ou não abandonado pela CCAV 8350 em 22 de Maio de 1973, juntamente com a respectiva população ? (3)
No meu tempo (1969/71) Guileje e Gadamael, no sul, já eram nomes míticos, a par de Madina do Boé, entretanto evacuada uns dias antes de eu chegar ao território... Havia canções sobre Guileje e Gadamael. A nossa memória colectiva também passa por aqui, por estes lugares onde todos morremos um pouco, tugas e turras. Um dia os historiadores poderão finalmente ter acesso aos arquivos militares da guerra colonial, mas até lá muitos dos que por lá passaram já terão morrido...
É sempre boa altura para exorcizarmos os fantasmas da guerra colonial, disse eu uma vez ao jornalista Afonso Praça, que tinha sido alferes miliciano em Angola e que já morreu e a quem se deve a primeira grande recolha, no início dos anos 80, no extinto semanário O Jornal, de testemunhos e documentos sobre estes anos trágicos da nossa história contemporânea...
(3) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael
Neste post reproduziu-se a reportagem do jornalista Serafim Lobato "Estamos Cercados por Todos Os Lados". Público. Domingo, 28 de Dezembro de 2003.
Comentário do nosso leitor Abreu dos Santos:
Comments: 8/03/2007 5:32 PM
Magalhães Ribeiro
ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais
CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné
Relativamente à 2ª parte de um e-mail remetido para Luís Graça, e por este publicado em 02Dez05, na página
http://blogueforanada.blogspot.com/2005/12/guin-6374-cccxxviii-no-corredor-da.html
pode ler-se:
– «Na minha simples análise pessoal, entre os meus conhecimentos sobre a Guerra do Ultramar, creio que entre todos os verdadeiros infernos de chumbo e metralha, o mais terrível de todos, era aquele pedaço de terra entre Guileje e Gadamael. Também entre as mais castigadas unidades, ficou célebre a Companhia Independente de Cavalaria 8350/72, que ali prestou serviço entre Outubro de 1972 e Julho de 1973, e que viu morrerem em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.»
Duas breves notas:
1. Aquela CCav 8350 não prestou serviço, em Guileje, entre Outubro de 1972 e Julho de 1973: de facto, embarcou no AB1 em 25Out72, mas só ficou colocada em Guileje em 21Nov72 e dali saiu na manhã de 22Mai73.
2. Até final da comissão (desembarque em Lisboa em 27Ago74), a CCav 8350 sofreu efectivamente as seguintes 9 baixas mortais:
1 em 05Mar73 -
- Victor Paulo Vasconcelos Lourenço (nat Torre de Moncorvo; mobilizado pelo RC3), Alf ml Cav, falecido "por acidente"; (na actual base-de-dados on-line da Liga dos Combatentes, está registado "combate")
1 em 18Mai73 -
- José Francisco Dias Rabaço (nat freg Galveias, conc. Ponte de Sôr; mobilizado pelo RC3), 1Cb Cav, ferido grave durante emboscada IN lançada cerca das 07:00 a ±2km nne da tabanca do Guileje, no habitual itinerário para reabastecimento de água, vindo a falecer cerca das 11:00 por ausência de helievacuação.
2 em 01Jun73 -
- João Pires Hipólito (nat freg.Tinalhas, conc Castelo Branco), e Mário Coelho da Silva (nat Oliveira de Azeméis), ambos Sld Cav (mobilizados pelo RC3), atingidos por estilhaços cerca das 10:00 no aquartelamento de Gadamael-Porto, quando de flagelação IN com armas pesadas.
5 em 04Jun73 -
- Artur José de Sousa Branco (nat freg São Sebastião da Pedreira, conc Lisboa; mobilizado pela EPA para recompletamento da CCav 8350 - óbito do alferes Lourenço em 05Mar73), Alf ml Art chegado a Gadamael no dia anterior; Joaquim Travessa Martins Faustino (nat freg Amiais de Baixo, conc Santarém; mobilizado pelo RC3); António Mendonça Carvalho Serafim (nat Cartaxo), Fernando Alberto Reis Anselmo (nat freg Socorro/Lisboa) e José Inácio Neves (nat Venda das Raparigas, freg Benedita, conc Alcobaça), todos Sld Cav (mobilizados pelo RC3), mortos quando em regresso de patrulha e a menos de 1km do aquartelamento, durante emboscada IN lançada perto do arame-farpado de Gadamael-Porto.
No que respeita ao BCac 4612/72, mobilizado pelo RI16 e colocado em Mansoa em Set72, tem registadas as seguintes 6 baixas mortais:
3 em 14Set73 -
- Fernando Manuel Correia Rodrigues (nat Sobrado, freg Mire de Tibães, conc Braga), José de Almeida (nat freg Ucanha, conc Tarouca), e Miguel de Sousa Vieira (nat do Arrepiado, freg Carregueira, conc Chamusca), todos Soldados da 1ª/BCac 4612 (aquartelada em Porto Gole, ±24km se Mansoa), mortos em combate.
1 em 01Nov73 -
- António Emídio Ribeiro da Silva (nat da Póvoa do Cadaval, freg Lamas, conc Cadaval), Soldado da CCS/BCac4612 aquartelada em Mansoa, falecido por acidente.
1 em 11Mai74 -
- José Fernando Felisberto Pinheiro (nat freg Santo Condestável/Lisboa), Fur ml da 3ª/BCac4612 (de novo aquartelada em Mansoa)¹, morto em combate.
¹ (nota: esta subUn tinha estado em Jul-Out73 deslocada do COP04-Mansoa (COT9) para o S3-Catió, onde reforçou no sudoeste fronteiriço a desfalcada e desmoralizada guarnição do COP5-Gadamael).
1 em 18Out74 - Oldegário Alberto da Cruz Libório (nat freg Sé/Faro), Soldado da 3ª/BCac4612; falecido por acidente em «18 de Outubro de 1974», cf se mantém registado na actual base-de-dados on-line² da Liga dos Combatentes.
² (nota: sendo certo que às 01:00 de 14Out74 – momento em que na BA12-Bissalanca o brigadeiro graduado Carlos Fabião embarcou de regresso (definitivo) a Lisboa –, já não existiam naquele território quaisquer efectivos do Exército Português, esta data «18Out74» será efectivamente a do óbito? Em caso afirmativo, ter-se-á o mesmo verificado no HMP-Estrela e assim, seguindo critério idêntico ao adoptado para todos os outros inúmeros casos (militares evacuados dos 3 TO's para Lisboa e aqui posteriormente falecidos), deverá a sua referência ser apartada da listagem geral dos mortos em campanha (ou, de outro modo, todos os outros não-mencionados haveriam de ser, também, incluídos). Em caso negativo, a data está truncada e merece rectificação.
Nesta oportunidade, exorta-se o ex-Fur ml 'Rgr' Magalhães Ribeiro a que esclareça os visitantes deste blog, sobre o que houver por conveniente sobre estes assuntos... e outros que mereçam a sua atenção.
Queiram aceitar cordiais cumprimentos,
de
João Carlos Abreu dos Santos
(civil ex-miliciano)
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