O Lema Santos de ontem (1º tenente da marinha em 1972, que serviu como Imediato na NRP Orion, na Guiné, entre 1966 e 1968) e o de hoje (2004), empresário, residente em Massamá.
Julgo que é o Lema Santos é o primeiro oficial da classe de marinha que nos contacta e pede licença para entrar na nossa caserna... de tropa-macaca. É óbvio que o vamos receber de braços abertos: estamos todos de acordo que a história da guerra da Guiné só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas Portugueses mais os nossos queridos turras. Até à data, e nas vésperas de completarmos um ano de existência, as tropas especiais, bem como a malta da marinha e da força aérea, está ainda subrepresentada na nossa tertúlia. Seria interessante tentar saber porquê...
Ao falar com este camarada pelo telefone, constatei que ele conhece todos os rios da Guiné, é um excelente contador de histórias, tem uma memória fotográfica e possui uma vasta rede de contactos pessoais e sociais... Welcome to board, captain!
© Lema Santos (2006)
1. Texto do Manuel Lema Santos, que me foi enviado em 5 de Abril de 2006 e que só agora, por razões de agenda (leia-se: engarrafamento de tráfego...), chega ao conhecimento dos nossos tertulianos (com o pedido de desculpas ao próprio, com quem já tinha tido uma longa e agradável conversa ao telefone).
Prezado Luis Graça,
Tenho seguido com atenção cuidada a descoberta do Blogueforanada e tenho de te cumprimentar porque, com esforço e determinação, conduzes naquele andamento tão espinhosa tarefa.
Estão satisfeitos, por certo, todos os bloguistas pela disponibilidade que lhes facultaste de se exprimirem livremente, sobre tão sensíveis quanto subjectivos temas, criticando, opinando, partilhando, mas também revivendo épocas tão conturbadas como controversas.
Também eles estão de parabéns porque o fazem por vontade própria, sem reservas, servindo uma causa comum: pesquisa e regresso ao passado, com esclarecimento e sem fantasmas.
Resumidamente, escreve-se história. Muitas vezes, tão do foro intímo de cada um que a exposição pública se torna penosa e de difícil conciliação pessoal.
Para mim não é diferente e daí o ter procurado o teu - quão difícil é assumir este teu - contacto pessoal telefónico para me apresentar previamente, no rigoroso respeito da ideia de quem, sabendo que pode partilhar igualmente informação interessante, sente alguma inibição em levar essa colaboração à prática.
Diga-se, em abono da verdade, que passei a estar em dívida contigo, pelo teu tempo pessoal disponibilizado à nossa conversa e simultaneamente à minha apresentação.
Guiné é tema único e também lá estive, envolvido naquela dramática vivência!
Não consigo compreender, no meu modesto entendimento e sem noções concertadas de estratégia militar, como é possível escrever a estória da Guiné sem estar a ela associada a própria história da Marinha de Guerra, conjuntamente com a história dos outros dois ramos das Forças Armadas.
Fui oficial da Marinha de Guerra da Reserva Naval, o que equivalia, em termos práticos, aos seus pares congéneres milicianos do exército. Não mais do que universitários, licenciados ou em vias disso, que, tendo de cumprir num horizonte próximo e ao serviço da cidadania o serviço militar obrigatório, optavam pela inscrição nesse ramo das Forças Armadas, vindo posteriormente a ser seleccionados ou não, de acordo com as exigências e os resultados dos testes prestados no ramo.
Fui apenas um entre os quase 3000 oficiais da Reserva Naval que, entre 1958 e 1982, desfilaram naquela Instituição; daqueles, cerca de um milhar terão desempenhado missões de serviço nas antigas colónias portuguesas, entre 1961 e 1975.
No meu caso, depois de um curso de seis meses na Escola Naval, a viagem de instrução de cadete e o juramento de bandeira com promoção a Aspirante (Outubro de 1965 a Maio de 1966) marcaram, em sucessão, instrução e formação, camaradagem, também crescimento.
Depois, já promovido a Subtenente, o destacamento para uma unidade naval na Guiné, o NRP Orion - P362 (LFG - Lancha de Fiscalização Grande) onde fui oficial Imediato de Maio de 1966 a Abril de 1968; uma unidade naval de 42 metros, com 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças entre outras 6 idênticas (Argos, Dragão, Hidra, Lira, Cassiopeia e Sagitário).
Seguiram-se inúmeras operações, apoios à navegação (LDG's, LDM's, LDP's, TT's, embarcações e batelões) e oceanografia, escoltas, fiscalização, transportes, ataques e respostas, evacuação de feridos, prisioneiros e até transporte de agentes da PIDE.
Na memória que o tempo em mim não apaga, esfumam-se relatos, acontecimentos, documentos, registos, afinal também História. Em tudo idêntica no tempo à que tenho vindo a ler no Blogueforanada mas, muito mais do que idêntica, complementando-se mutuamente.
Do Cacheu a Norte ao Cacine no Sul, com o Mansoa, Geba, Corubal, Grande de Buba, Tombali e Cumbijã pelo meio.
Numa enorme bolanha em que as marcas radar, a sonda e algumas vezes a sorte, nos serviam de anjos anti-encalhe.
Bijagós, mais um nome, mas num mundo à parte! Cabo Verde nas obrigatórias e periódicas docagens nos estaleiros.
Sem grande possibilidade de lhes soletrar os nomes que a memória aí não chega, o meu cumprimento a todos os militares do exército com quem convivi, especialmente no Cacheu, Barro, Ganturé (Bigene), Farim, Caió, Bissau, Nhacra, Mansoa, Bolama, Cacine, Cabedú e muitos outros locais, sem esquecer uma aventura radical na forma de uma ida a Cameconde, a 8 km de Cacine.
Foi ainda possível, vejam só, em 13 de Setembro de 1966 (alguém presente?) embarcar, em Cabedú, a companhia ali estacionada e, na LDM 307, transportá-la até à Ilha de Melo, efectuar um desembarque - nome de operação: SOL -, aguardar a praia-mar, voltar a reembarcar a companhia, levá-la de volta ao aquartelamento e regressar ao patrulha.
Éramos nómadas, mas nunca teria sido possível por o pé em terra em alguns locais sem lá estar o exército ou levarmos fuzileiros. Noutros, não teria sido possível lá passar, quem sabe?... sem o apoio dos T6 ou dos Fiat da FA. Na memória o som (a soundblaster possível na época) dos diferentes tipos de "instrumentação" utilizada nos "jogos de guerra", aquando das escoltas que efectuávamos nos abastecimentos ao aquartelamento de Bedanda (tenho material de som gravado).
Cafine, Cadique, Cufar, canhão sem recuo incluídos ou as peças anti-carro 57 mm com que éramos brindados na barra do Cacine, podiam ser bons exemplos mas os RPG's no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar.
Depois de 2500 horas de navegação e dois anos decorridos, o regresso ao Continente, já como 2º tenente. Família constituída e a necessidade de completar a minha formação académica e profissional levaram-me a prorrogar, por mais algum tempo, a minha permanência na Velha Escola. Em 1972, promovido a 1º tenente, pedi a passagem à disponibilidade.
Num passado comum a preservar, a minha homenagem pessoal a todo o enorme grupo de marinheiros da Marinha de Guerra que, ao longo de 13 anos, mantiveram bem alto a fasquia de valores pessoais e militares naquele território, lembrando especialmente aqueles para os quais, a implacável lei da vida, tornou o percurso mais curto.
Estarão sempre connosco.
Disponham do meu modesto conhecimento para qualquer colaboração entendida como útil.
Um abraço,
Lema Santos
Anexo: 2 fotos pessoais (1972 e 2004) - o facto de gostar de fotografia desde muito novo leva a que, de mim, a família tem poucas fotos.
2. Ficha pessoal do novo membro da nossa tertúlia, que me foi enviada nestes termos: "Na sequência da nossa conversa telefónica e para evitar complicações de apresentação, tomo a liberdade de te enviar uma ficha descritiva do meu perfil pessoal bem como os meus contactos. Grato pela disponibilidade e abertura que demonstraste. Um abraço e dispõe,
Manuel Lema Santos"
Nome > Manuel Lema Pires dos Santos (normalmente omito o Pires pelo facto de o não utilizar desde há muito)
Idade > 63 anos
Estado civil > Casado com Maria João Lema Santos, economista, com dois filhos de 21 e 17 anos respectivamente; 2 filhas de 1º casamento (37 e 36 anos respectivamente)
Formação académica:
(i) Liceu Pedro Nunes de 1952 a 1959; (ii) Curso de engenharia mecânica do IST, incompleto na licenciatura (6º ano da antiga reforma); (iii) Escola Naval (Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval - 8 º CEORN) de Outubro de 1965 a Maio de 1966; (iv) Viagem de Instrução no NRP Corte Real em Abril de 1966, juramento de bandeira e promoção a Aspirante.
Formação Militar:
- Nomeado Imediato do NRP ORION - P 362 (guarnição de 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças), com promoção a SubTenente, em serviço na Guiné.
- Embarque para a Guiné em 31 de Maio de 1966.
- Permanência naquele lugar até 24 de Abril de 1968, cumpridas cerca de 2500 horas de navegação e algumas idas a Cabo Verde (Mindelo) para alagem (docagem).
- Promoção a 2º Tenente em 31 de Maio de 1967.
- No regresso e até Agosto de 1968, formador no Grupo nº 1 de Escolas da Armada (Vila Franca).
- De Agosto de 1968 a Maio de 1970, ajudante de Ordens do Comandante Naval do Continente e Base Naval de Lisboa
Formação Profissional:
- De Maio de 1970 a Novembro de 1972 dirigi, a pedido e como adjunto, o Serviço de Publicações do Estado Maior da Armada, primeiro estágio profissional na indústria gráfica, ramo que abracei até hoje.
- Promovido ao posto de 1º Tenente em Novembro de 1972, tendo pedido a passagem à disponibilidade.
- Final de 1972 - Admitido como Director de Produção da Livraria Bertrand (parque industrial da Venda Nova - Amadora); pedida a demissão em Fevereiro de 1977.
- Março de 1977 - Admitido como Chefe de Produção da Avery Portugal - B. Nascimento, Lda.; diversos estágios realizados na Alemanha, Dinamarca, Suécia e Espanha no âmbito da mesma indústria gráfica (serigrafia e etiquetagem). Pedida a demissão em Março de 1983.
- Entre 1984 e 1987 ainda passei em duas outras empresas em lugar equivalente (Selegrafe, Litografia Amorim e Copinaque);
Formação complementar:
- Desde aquela altura e até agora, primeiro como empresário em nome individual e depois em sociedade com a mulher, em M. Lema Santos - Comunicação Gráfica, Lda., pequeno estúdio gráfico, de índole familiar, na área digital/pré-impressão/Internet.
Actividades diversas:
- De 1969 a 1981, presidente da Direcção de uma associação cultural e desportiva (Clube Arte e Sport).
- Desde 1997 sócio e colaborador na AORN (Associação dos Oficiais da Reserva Naval) tendo aceite o lugar de vogal neste último elenco directivo; por divergências em questões de fundo afastei-me no final de 2004.