quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

Antonio  [Duarte de] Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70 

  1. Mensagem do nosso novo camarada António Paiva, com data de 17 de Novembro de 2008: 

 Caro Luis Graça, 

 Há pouco tempo descobri na Internete o blog dos Camaradas da Guiné, se me permite, com intenção de fazer parte do mesmo, me vou apresentar. António Duarte de Paiva, ex-Sold Cond no Hospital Militar 241 em Bissau, de Junho de 1968 a Junho de 1970. 

 Fiquei surpreendido ao ver que, 40 anos passados, os jovens daquele tempo, alguns, se voltaram a reencontrar e entre eles poderem trocar impressões, histórias e ideias, dos tempos longínquos que nos vieram dar a volta à juventude, com a incerteza no amanhã.

 Senti alegria e satisfação ao ver no blog os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras, e nele estar o ex-Alf Mil Piloto Aviador Jorge Félix (*). Não nos conhecemos, mas de certeza que muitas vezes nos encontrámos, mais que não fosse, naquela triste missão de… toma lá, dá cá. Mandei-lhe um e-mail, dois dias atrás, talvez ele me possa ajudar a compor melhor os tempos reais do passado. Prometo Voltar 

 Um abraço António Paiva

Hospital Militar 241 de Bissau.

2. Mensagem enviada ao António [Duarte de] Paiva, hoje mesmo, dia 19 de Novembro de 2008: 

 Caro António Paiva:

Em nome dos editores e restantes tertulianos do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, estou a receber-te na nossa Tabanca Grande (**), como é conhecido entre nós o nosso Blogue. Nós já nos conhecemos, por troca de mensagens anteriores à tua entrada na Tabanca, pelo que estou mais à vontade contigo. 

Já percebeste que gosto de brincar, jamais com intenção de ofender. Tive já oportunidade de te dizer que tinhas uma missão em Bissau muito meritória. Concerteza que contribuiste para a manutenção da vida de muitos feridos que chegavam do mato, na maioria das vezes em estado lastimoso. Provavelmente as tuas palavras foram, vezes sem conta, o conforto daqueles que viam o espectro da morte perto de si e que mais do nunca precisavam de uma palavra e de uma mão amigas. Deves ter assistido a momentos muito trágicos, e a momentos de muita alegria quando acompanhavas a recuperação de algum camarada mais de perto. 

 Hás de contar-nos algumas dessas histórias, porque também elas fazem parte da realidade que vivemos. No teu caso não te peço fotos, porque pessoalmente sou avesso à exibição gratuita de imagens chocantes, evitáveis e até desnecessárias. Ressalvo que falo por mim. Há quem goste. Na certeza de que esta tua apresentação é o início de uma colaboração profíqua no nosso Bogue, deixo-te um abraço de boas-vindas. 

_______________ 

 Nota de CV: 


Guiné 63/74 - P3485: Gloriosos malucos das máquinas voadoras (13): Os MAN - Mecânicos de Material Aéreo e o outro lado da guerra (Manuel João Coelho)

Foto do João Coelho (ou Manuel João Coelho), membro da nossa Tabanca Grande, Especialista MMA, 3ª/63, AB1, Terceira - Açores:

Fonte: Blogue dos Especialistas da BA12, Guiné 1965/74 (Com a devida vénia ...)

1. Mensagem, com data de 7 de Janeiro de 2008 (*):

Felicitações pelo excelente blogue!

Voluntário na Força Aérea, de 1963 a 1966, fui colocado no então AB 1- Aeródromo Base n.º 1 no Aeroporto da Portela, em Lisboa, de 1964 até final do tempo de tropa.

Escapei à mobilização para África, mas tornei-me, com outros camaradas, testemunha de episódios que poucos conheceram. Refiro-me à chegada dos aviões de evacuação, DC-4, Skymaster e DC-6, dos Transportes Aéreos Militares, que traziam para Lisboa, os feridos e acidentados da guerra.

Os vôos normais desembarcavam os passageiros a par dos aviões civis, no estacionamento frente ao Terminal... os de evacuação chegavam à noite, por vezes de madrugada, e eram deslocados para a placa no interior do AB1, longe dos olhos da população.

Como Cabo Especialista MMA (Mecânico de Material Aéreo) fazia parte da equipa que recebia o avião: reboque com tractor, ajuda na abertura da porta e colocação da escada de saída, para além de outras tarefas.

Este momento de abertura era sempre de tensão, a porta abria-se e saía um bafo terrível, mistura de suor, éter, sangue, restos de comida, as macas sobrepostas, os feridos de todos os tipos... rebentamento de minas, amputados, cegos, queimados, cacimbados, feridos à bala, com estilhaços.

E depois a confusão da saída das macas, levanta à frente, baixa, baixa atrás, aguenta, segura!...o despacho e presteza das enfermeiras-páras que, por vezes, acompanhavam o pessoal, o ar pálido/horrorizado das madames da Cruz Vermelha, com as suas capas cinzentas, e que com os seus belos penteados eram um anacronismo ali, pese a sua boa vontade.

Nestes vôos eram particularmente difíceis os que vinham da Guiné. A viagem era mais curta, tínhamos a sensação de que alguns daqueles desgraçados tinham ferimentos ainda frescos: camuflados rasgados, ligaduras empapadas em sangue, um ar esgazeado mostrando a surpresa, a incredulidade face ao sucedido.

Recordo-me, como se hoje fora, de uma noite em que chegaram dois aviões quase em simultâneo. Não havia capacidade de transporte para o Hospital da Estrela e anexos, de tanta gente, as ambulâncias não chegavam e lá vieram os autocarros da Academia Militar para transportar os feridos que pudessem viajar sentados.

Tenho dois amigos, açorianos como eu - Ponta Delgada, S. Miguel - ambos furriéis milicianos, que estiveram na Guiné, julgo que a partirde 66 até 68 ou 69. Um, o Tibério Branco, andou por Catió e Buba, tanto quanto recordo, o outro, Álvaro Lemos, em Aldeia Formosa.

Os dois contavam, no regresso, como tinha sido a vida deles naquele território e, anos depois, já com o país independente, visitei a Guiné: Bissau, Nhacra, Bafatá, Cacheu e, na carrinha que percorria a estrada, olhando em redor, para aquela vegetação, as bolanhas, os rios e as jangadas, as tabancas - numa delas a inscrição numa parede "Viva o Benfica" - pensei neles, nos meus amigos de adolescência, no seu sacrifício. E nalguns colegas que morreram na guerra em África: o Martins, o Norberto, o Amaral, o João Manuel Cordeiro e outros cujo nome esqueci.

Ao mesmo tempo interrogava-me: se eu tivesse vindo aqui parar, teria conseguido, será que aguentava isto?

Um abraço e continuação do bom trabalho

Manuel João B. Ferreira Coelho

2. Comentário de L.G.:

Fiz questão de voltar a publicar esta mensagem do nosso amigo e camarada João Coelho que foi poupado à guerra do Utramar mas não aos seus horrores, ao espectáculo deprimente dos feridos graves que chegavam, nos aviões dos TAM, quase às escondidas, a caminho do Hospital Militar Principal, na Estrela.

Decidi, por outro lado, recuperar essa mensagem, inserindo-a nesta série Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras. Pilotos, Especialistas Melec, Especialistas MMA e e tantas outras categorias de especialistas da Força Aérea que eu nem sei descodificar (Marme, Opc, etc.), todos eles cabem nesta expressão, que eu quero que seja bem-hmorada mas também solidária, honrosa e generosa, de Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras...

Não faço distinção entre camaradas do ar, terra e mar... Estive fisica e emocionalmente mais próximo de uns do que de outros, mas também usei a LDG e também agradeci aos deuses o bendito heli que veio, várias vezes, com as enfermeiras pára-quedistas, fazer evacuações Ypsilon, nas matas do Xime ou do Corubal, em operações em que participei...

O saudoso capitão Zé Neto, o nosso primeiro bloguista ou tertuliano a deixar-nos, por traição do seu coração que deixou de bater, costumava contar-me com graça, que havia, na Guiné, três ramos das Forças Armadas (**), começados por Ch: (i) a tropa de choque (o Exército); (ii) a tropa de chique (a Marinha); (iii) e a tropa de cheque (a Força Aérea)... São/eram velhos estereótipos que hoje apenas nos fazem sorrir, e que não retiram nada à nobre condição dos homens (e de algumas mulheres) que fizeram a guerra da Guiné, nos rios e braços de mar, no ar e na terra, com a G-3, com a caneta, com a pica, com o estojo de primeiros-socorros, com o heli, com a LDG...

O João Coelho, que é um leitor atento e apaixonado do nosso blogue, e membro da nossa Tabanca Grande, é daqueles camaradas das Força Aérea que, nunca tendo estando em serviço na BA 12, Bissalanca, Guiné, esteve perto de nós, dos nossos feridos graves, recambiados para Lisboa, para esse outro inferno que era (imagino!) o Hospital Militar Principal, à Estrela, mais os seus anexos...

É estranho que ao fim de 3 anos e meio de blogue ainda não tenhamos aqui o testemunho, na primeira pessoa do singular, de um camarada que tenha passado pela Estrela...

Onde estás, camarada Marques, grande herói, que foste projectado comigo por uma brutal mina anticarro, na nossa velhinha GMC, em Nahbijões, em 13 de Janeiro de 1971, e que depois conheceste o pesadelo dos hospitais militares, o de Bissau e o de Lisboa, e onde também fizeste amizade com o meu amigo Patuleia e teu vizinho de cama, futuro dirigente da ADFA, e que continua a ser hoje, para mim, um dos exemplos mais tenazes e surpreendentes da capacidade humana de lutar contra o infortúnio e contra as marcas horrorosas da guerra...

_______

Notas de L.G.:

(*) Originalmente publicado em 10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2425: O Nosso Livro de Visitas (1): Manuel João Coelho, Cabo Especialista da FAP (Aeroporto da Portela)

(**) Vd. poste de 4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P933: Pensamento do dia (2): as três tropas (Zé Neto)

(...) O Zé Neto escreveu-me há dias a protestar, e com razão, por lhe mandar a correspondência para o SPM errado... Aproveitou para se queixar das mazelas do corpo e da alma. Ele tem sido um herói, resistindo estoicamnente à tentação do cigarro... Mas agora vem a factura: o organismo a libertar-se da nicotina, os sintomas da síndroma da abstinência, etc.

(...) "Continuas a usar o meu endereço inicial da Clix, o tal dos poucos megas, embora em tempo oportuno eu te tivesse pedido para mudar para este, ou seja, para js.neto@clix.pt".

Mas o bom humor vem felizmente ao de cima neste homem - o nosso veterano - com quem tive o privilégio, há dias, de falar, pelo telefone, permitindo-me conhecê-lo um pouco melhor.

Diz o Zé:

"Agora que a poeira já assentou quero apenas dizer-te que fiz três comissões em África e sempre convivi com a dura realidade das três tropas, a saber: Tropa de Cheque (a FA e seus subsídios), Tropa de Chique (a Marinha e as suas vaidades) e a Tropa de Choque (os Zés da macaca). Tenho, nas minhas memórias, passagens de rir e chorar que vivi com essa gente. Pela minha parte não valem as cinco ou seis batidas no teclado que estou a gastar com eles.

"Já vai longa a birra.

"Um abração do
Zé Neto"

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3484: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (6): Relatório de treino operacional

1. Mensagem do nosso camarada Ferreira Neto, ex-Cap Mil da CART 2340, (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69), com data de 15 de Novembro de 2008:

Caro Vinhal:
Continuando a rebuscar as minhas coisas, eis que topo o meu relatório de 17 de Dezembro de 1967, referente ao treino operacional antes da partida para a Guiné.
Cumprimentos generalizados
F. Neto


RELATÓRIO

1. Especialidade da Escola de Recrutas

1 - Deficiências notadas

1.1 - Má preparação dos recrutas apresentados para frequentar a parte da especialidade. Esta má preparação da parte geral notou-se até na simples marcha e ordem unida, factores estes que indicam a falta de disciplina.

1.2 - A instrução da especialidade não pode ser dada em boas condições, pelo facto de não haver instalações adequadas no quartel, mormente nas primeiras semanas em que houve sobreposição com o batalhão da escola anterior. Por este motivo o pessoal só pode dispor de armamento e das instalações, depois da partida do pessoal do batalhão.

1.3 - Houve prejuízo na instrução motivada pela festa de despedida do pessoal do batalhão.

1.4 - A falta de locais apropriados para a instrução, principalmente no que se refere a parte da táctica, foi compensada embora tardiamente nas duas últimas semanas, pelo facto de passar a ser ministrada no campo, fora do quartel.

1.5 - A falta do armamento (metralhadoras, lança-granadas, morteiros), motivou perturbações na instrução, que se resolveu, alterando os horários de instrução das companhias, de forma a todas se poderem servir do armamento disponível.

2 - Instrução de aperfeiçoamento operacional – IAO

Após a semana de preparação com vista à deslocação para o campo onde se fariam os exercícios, e em que se fez o tiro na pista de combate, deslocou-se a companhia para a zona de estacionamento a cerca de 10km do quartel. Foram postos à disposição da companhia os seguintes materiais: Material de acampamento que foi suficiente, cozinha rodada, rádios, munições, viaturas e explosivos. As deficiências foram notórias, mormente no que respeita:

2.1 - Viaturas
3 GMC sem cobertura, uma das quais funcionando em más condições. A viatura para reconhecimento não esteve totalmente à disposição da companhia o que motivou que não se pudessem fazer a maior parte dos reconhecimentos para os exercícios. Não foi fornecido um autotanque para a companhia, sendo o abastecimento de água durante a maior parte do tempo feito por uma só viatura para as três companhias. No entanto o abastecimento foi bem planeado ao ponto de não se fazer sentir a falta de água.

2.2 – Armamento
A parte de armamento pesado (lança granadas, morteiros, metralhadoras, etc.) não foi fornecida, sendo as razões alegadas a sua possível deterioração durante os exercícios. Todos os soldados foram armados de espingarda Mauser, tendo os graduados espingarda automática G3.

2.3 – Munições
Foram recebidas instruções para evitar ao máximo o seu consumo.

2.2 – Explosivos
Foram fornecidos em quantidade razoável.

2.3 – Rádios
Foram fornecidos três rádios, um THC, um NA/PRC e um outro de tipo desconhecido para os operadores.
É certo que todos eles podiam fazer a ligação entre si, mas até uma distância não superior a 2km.
Por este motivo não foi possível tirar rendimento dos exercícios mormente na parte de ligação, como também não foi possível manter o aquartelamento (PC) informado acerca das operações efectuadas pelos pelotões empenhados nos exercícios.
Todos os exercícios foram planeados de véspera, bem como criticados após a sua execução.

No dia 27, fez-se o deslocamento para a zona de estacionamento n.º 1, a 10km do quartel, fez-se a instalação e montagem do dispositivo de segurança. Durante a instalação houve flagelação ao acampamento, tendo o pessoal actuado em conformidade. Durante a refeição houve novos ataques.

Dia 28, deslocamento de dois pelotões para o contacto com o inimigo e o consequente ataque.

Dia 29, montou-se uma série de emboscadas, tendo duas delas funcionado, a 1.ª com êxito, uma segunda foi um fracasso devido à má posição das forças empenhadas. Neste mesmo dia, dois pelotões fizeram o patrulhamento de itinerários, dentro da zona de acção da companhia.

Dia 30, foram efectuados dois golpes de mão distintos, o pessoal empenhado nas acções foram dois pelotões, tendo duas secções de um terceiro pelotão simbolizado o inimigo.
Neste mesmo dia iniciou-se a nomadização à base de dois pelotões, esta nomadização prolongou-se até ao dia seguinte. Este exercício não teve um carácter real, uma vez que devido a dificuldades logísticas não foi possível deslocar a cozinha rodada a fim de alimentar o pessoal empenhado na acção. Desta forma o pessoal às horas da refeição regressava ao acampamento, sendo o exercício neutralizado durante este período. Se houvesse rações de combate distribuídas, seria possível tirar maior rendimento do exercício.

Dia 2 de Dezembro, organizou-se a protecção de pontos sensíveis, sendo o ponto escolhido a fábrica de pimentão, próxima da estação de Torres Novas. Foi talvez o exercício melhor executado no aspecto técnico. Duas secções simbolizando o inimigo não conseguiram danificar o objectivo. As forças empenhadas na defesa foram dois pelotões.

Dia 3, foi destinado a limpeza do material e descanso do pessoal. Aproveitou-se para fazer crítica construtiva acerca dos exercícios efectuados durante a semana.

Dia 4, a companhia deslocou-se para o local de estacionamento n.º 2, a 20km do quartel. Fez a sua instalação e montou o seu dispositivo de segurança.

Dia 5, iniciou-se a nomadização da companhia que foi guiada pelo Cmdt respectivo. Este exercício foi de bastante utilidade. Devido às mesmas dificuldades logísticas, este exercício foi interrompido a fim do pessoal se alimentar.
Devido à alteração do horário, os exercícios de limpeza de uma zona e limpeza de uma povoação não se efectuaram. O pessoal continuou a sua nomadização durante toda a noite de dia 5 para o dia 6, regressando cerca das 8H00 ao acampamento.
Cerca das 16H00, houve uma demonstração sobre a forma de o pessoal se aproximar a um helicóptero.
Seguindo-se pelas 18H30, o deslocamento da companhia para o GACA 2.

Dia 7, durante a manhã, na serra do Aire, o pessoal do pelotão de acompanhamento, fez fogo real com morteiro e lança granadas foguete.
Durante a tarde estava previsto o lançamento de granadas, ofensivas e defensivas, devido ao adiantado da hora não se pode realizar.
Todos os exercícios no campo foram completados com acções do inimigo.

Quartel em Torres Novas, 17 de Dezembro de 1967

O Cmd da Cia. 2340
Joaquim Lúcio Ferreira Neto
Cap mil Art.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P2101: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (5): Punições e Louvores

Guiné 63/74 - P3483: Tabanca Grande (97): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné 1970/71




Rogério Ferreira (*)
ex-Fur Mil Inf MA
CCAÇ 2658/BCAÇ 2905
Guiné 1970/71



1. Mensagem do nosso novo camarada Rogério Ferreira, com data de 23 de Outubro de 2008:

Junto segue em anexo, a foto de furriel mliliciano pertencente a Rogério Felix Ferreira - Guiné 1970/71 C. CAÇ. 2658 - Bat. Caç. 2905.

Os meus melhores cumprimentos,
Rogério Ferreira

2. No dia 5 de Novembro foi enviada uma mensagem a este novo camarada, pedindo o envio de uma foto actualizada:

Caro Rogério
Os meus cumprimentos
Se tivesses por aí uma foto mais ou menos recente, era engraçado publicá-la junto com a antiga.

Desculpa a demora na resposta, mas há muita correspondência para pôr em dia.

Já agora se tiveres alguma coisa para contar sobre a tua estadia na Guiné, podes também mandar. Pode ser por exemplo a viagem de ida ou de volta, a ida para o mato, etc.

De que turno és das Caldas da Rainha e do Curso de Minas? Eu sou do segundo nas Caldas (Abril de 1969) e do XXXIII Curso de Minas em Tancos (Outubro a Dezembro de 1969). Somos quase contemporâneos. A minha Companhia era a 2732 que esteve na Guiné de ABR70 a MAR72

Um abraço
Carlos Vinhal

3. Comentário de CV

Caro camarada, até hoje não deste resposta à minha mensagem, mas já que tens colaborado no Blogue, ficas oficialmente apresentado.
Já agora, renovo o pedido para enviares a tua foto actual para alternarmos com a antiga.

Bem-vindo ao nosso Blogue. Pelo que sabemos da tua estadia na Guiné, correste Seca e Meca, logo terás muito para nos contar. Manda fotos, se tiveres, para ilustrar as tuas histórias.

Recebe um abraço da Tertúlia.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3255: O Nosso Livro de Visitas (31): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné (1970/71)
e
18 de Novembro > Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)

Guiné 63/74 - P3482: Histórias engraçadas (António Matos) (4): Quando os serviços de oficial de dia passaram a ser feitos pelos oficiais da CCS...


Um arrear da bandeira diferente, em Bula



Acabei de jantar.

Estou em Lisboa.

Preparo-me para uma corrida de karting amanhã, pela manhã, na Batalha. É a penúltima corrida do campeonato de 2008 onde tento desesperadamente segurar o 1º lugar de que neste momento disfruto. Terei que me deitar um pouco mais cedo para que as forças não falhem na hora da verdade.

Vi o telejornal a referenciar a crise financeira mundial, ainda que Sócrates esboce aquele sorriso seráfico perante o crescimento do país de 0,1% com aquela verborreia de que há piores ....Como se com o mal dos outros não pudéssemos nós bem ...Os secretários de estado da educação foram brindados com ovos nas ventas ....Os putos cantam os "alunos! unidos! jamais serão vencidos !" ...Deu-me vontade de rir....

Vim ao computador espreitar se havia novos posts no blog ...Havia a sondagem sobre as histórias e as estórias...Façam o que fizerem, estou como o Saramago, não abdico do meu grafismo! Assim como assim, já estou velho para essas mudanças....
Verifiquei que estava a fazer força com a boca e dou comigo a sorrir...Estava a recordar uma cena passada em Bula.

Certo dia, depois de mais um acidente no mato, os alferes da companhia resolveram solicitar ao comando do batalhão que os dispensasse dos serviços de oficial de dia, oficial de piquete, etc. e que tal fosse atribuído aos oficiais da CCS. Curiosamente fomos atendidos e a cena passa-se num arrear da bandeira.
Seriam 7, 8 horas da tarde...O oficial de dia era, então, o alferes tesoureiro do batalhão.
Era um indivíduo com uma graça extraordinária se bem que fazia lembrar o actual "super conde" Castelo Branco.
Ao nosso camarada nunca lhe passara pela cabeça algum dia vir a dar vozes de comando para uma cerimónia com a simbologia da da continência à bandeira e nem sequer sabia a sua sequência.
O comandante aparecia muitas vezes a essa hora para assistir ao acto. Nesse dia também.

Preparado o pelotão, o nosso camarada, com a boina posta de modo muito pouco ortodoxo, e com voz de falsete, vira-se para os homens e diz:

-"Meninos! sentidópe !

Num rasgo de oportunidade, e vendo o descontrolo do pelotão que, entretanto, se desmanchara à gargalhada, diz:

- "Oh credo que me esqueci do firme!"

Deixo à imaginação de todos qual teria sido a conversa de caserna durante os 2 meses seguintes....

E assim ia a nossa guerra....


António Matos


PS - uma vez que referi aquela figura execrável do Castelo Branco, lembro-me dum programa da série "bigbrother", a 1ª companhia, onde ele tem que fazer ordem unida e a páginas tantas vira-se para os outros e diz:

- "7, 8 !!"

O militar de serviço naquela altura vira-se para ele e pergunta-lhe o que é que ele estava a dizer? Castelo Branco responde:

- " 7, 8 !!

Curiosamente, os outros punham-se em sentido àquela ordem!

O militar pegunta se ele estava a gozar ao que lhe responde que "aquilo" era o que ele pensava que ouvia quando os profissionais diziam "SÉOP"!

__________

Notas: artigos da série em

Guiné 63/74 - P3481: Blogoterapia (74): Mais do que o número de atabancados, interessa-nos ouvir e contar as nossas histórias (J. Mexia Alves)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > CART 3492 > 1972 > "No jipe, frente para trás: Alf Canas, Alf Novais, Alf Lima (Secretaria?), Alf Rodrigues (meu camarada de curso, também que era da CCS e veio depois para o Xitole, por troca com o Alf Gonçalves Dias se não me engano), Alf Martins (CART 3493, Mansambo) e eu [, assinalado cum círculo a amarelo]".

Foto e legenda: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados.


1. Outro senador da República, outro homem (duplamente) grande da nossa Tabanca Grande, Joquim Mexia Alves:

Caros Luís, Virgínio e Carlos

Ora bem, lá venho eu tentar dar o meu contributo para a acusa comum.

Assim, e pegando no texto do Victor Junqueira (*) faço as seguintes considerações.


1 - Atrasos na publicação dos textos, algumas vezes por extravio, outras porque se estabeleceram certas prioridades, que não raramente, lhes retiram toda a oportunidade.

Absolutamente de acordo!

Com tudo, sobretudo com o elogio ao vosso trabalho!

Infelizmente esta coisa dos blogues tem alguns "senãos" quando há muita publicação seguida, no mesmo dia. Ou seja há uma tendência para quem acede aos blogues ler apenas o último e talvez o penúltimo texto, (não gosto de post, "prontos"), publicado.

Claro que me parece que este particular problema não terá solução no nosso caso, pois teríamos de ter anos de 500 dias para conseguirmos publicar todos os textos que vos devem ser enviados.

A publicação/postagem directa, sendo uma possível solução para a publicação em tempo ideal, pode vir a ser um acrescentar deste problema, porque pode muito bem acontecer que vários publiquem textos no mesmo dia, o que levará a uma saturação de leitura, para além de haver com certeza "mistura" de temas, que seriam melhor "digeridos" se tivessem uma continuidade.

O tal "conselho de ética" já foi falado, portanto é provavelmente tempo de avançar com o mesmo.


2 - Textos fortemente "editados".

Concordo que muitas vezes os textos muito elaborados e por vezes de difícil interpretação para quem não estiver preparado, podem desmotivar alguns menos à vontade com a escrita.


3 - Transcrições longas e enfadonhas de manuais ou seus excertos.

Total e absolutamente de acordo!

Devo confessar que raramente as leio na íntegra e a maior parte das vezes lhes passo adiante. Faça-se referência à obra, para posterior consulta, ou abra-se novo site, umbilicalmente ligado à Tabanca, onde poderão ser colocados tais textos para consulta dos interessados, cuja referência poderá vir com um link directo da Tabanca Grande.

4 - O controverso, o contraditório e a polémica são o sal e a pimenta dos nossos cozinhados literários. Ultimamente tem-se notado uma certa falta destes temperos.

Mais uma vez de acordo!

Que caraças, mesmo que haja aqui ou acolá uma picardia, será que não somos capazes de nos entendermos?

"Homem que é homem" não tem problemas em pedir desculpa quando se excede nas palavras e nos gestos.

5 - Quase todas as semanas se apresenta mais um camarada, atraído para o nosso convívio. Isso agrada-me. Mas cadê a historiazinha a contar o drama, a peripécia, a barracada de que foi protagonista ou de que teve conhecimento enquanto membro das gloriosas FA de Portugal?

E outra vez de acordo!

O número de "atabancados" interessa mas não é esse, julgo eu, o fim último da Tabanca Grande, mas sim estarmos sentados à volta da fogueira a ouvir e contar as histórias da "nossa" guerra.


Quanto à parte da solidariedade, já o referi várias vezes e outros como o Torcato também.

Se o Estado, que tem essa obrigação, não o faz verdadeiramente, nós teremos sempre de o fazer em ordem a cumprirmos voto de camaradagem feito no sangue, suor e lágrimas, e algumas gargalhadas também.

E se isto é verdade ao nível material, ainda o é mais ao nível emocional e psíquico, porque quem melhor do que aqueles que lá estiveram para entenderem as dificuldades, as frustrações, as noites de insónia, daqueles que por desenraizamento da vida, ainda sofrem os traumatismos da guerra?

E "prontos", por aqui me fico nesta primeira abordagem ao tema, "que tem muito pano, para muitas mangas"...

Abraço camarigo sempre do vosso
Joaquim Mexia Alves

_______

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Novembro de 2008> Guiné 63/74 - P3479: Blogoterapia (73): O blogue do nosso contentamento, às vezes descontente (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P3480: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (2): IAO, Bolama, Outubro de 1970

1. Mensagem do nosso camarada Luis Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, datada de 9 de Novembro de 2008, com a segunda viagem às suas memórias (*).

Caros Luís e Vinhal
Em anexo segue mais um capítulo da Viagem...
Um abraço e parabéns extensivo a toda a Equipa
Bem hajam
Luis S Faria




BOLAMA - IAO (Instrução Aperfeiçoamento Operacional)

Ao largo, no Pijiguiti, após 12 dias de viagem no luxuoso Paquete inclinado - em que o passatempo era mergulhar na piscina imaginária, jogar ao atira garrafas bebidas borda fora, mentalização à soldadagem, umas leituras e recordações – dou uma escapada a Bissau. Os Praças não tiveram essa sorte. Umas voltitas, umas cervejolas (à altura ainda não sabia que eram bazucas) acompanhadas com uns tremoços que, coisa esquisita, mais me pareceram camarões! Gasto o chamado patacão e tomado o contacto com a nova realidade, há que regressar ao Paquete… para pernoitar, pois o tempo esgotou-se e não estava ali para férias.

Na manhã seguinte, a minha CCaç 2791 (FORÇA) rumaria à ilha de Bolama a bordo de uma LDG, para início do IAO.

Após a confusão ordenada de embarque na dita LDG e depois de uns tiros da sua arma pesada - se foi para porem os periquitos à rasca, conseguiram-no - chegamos à que se dizia sossegada ilha de Bolama.

Instalado e ao fazer os primeiros reconhecimentos à zona de comes e bebes e outros… tive oportunidade de sentir a que teria sido uma agradável estância de férias, - com a sua boa piscina, com aquelas praias, aquele mar, a vegetação com aqueles palmares, aquela fauna (a macacada, as aves do paraíso, as iguanas…) - e os primeiros contactos com a população local, olhando com alguma desconfiança os homens que, sabia lá (?!), podiam ser turras, e com olhos de ver, lindas Bajudas com as suas mamitas (?) ao léu e que não seriam turras com certeza (!!)

Enfim…

Mas a guerra estava lá, dura e impiedos, e eu queria que o 4.º Grupo, que comandava, coadjuvado pelo J. Fontinha (Op Esp) e o M. Chaves (açoriano), estivesse à altura de a enfrentar sem baixas, ou com as menos possível. Não queria que famílias chorassem por esse motivo.

Para isso era preciso trabalhar a sério com a rapaziada (Jericada como dizia/diz com ternura o meu grande amigo Fur Op Esp Castro, do 2.º Gr) nas técnicas de combate, assalto, progressão, observação e outras.

Ordem unida? Nessa matéria (detestada) necessária à disciplina, autocontrolo, unidade de grupo e mais… a rapaziada fez dela uma bandeira para mostrar ao resto da Companhia que o 4.º Grupo, o mais recente, mais pequeno (salvo erro, 20 elementos) e comandado por Furriéis tinha uma garra do caraças, e não ficava atrás dos outros, antes pelo contrário! (Eh Pessoal… e na parada de apresentação ao Gen Spínola? O General até se passou com aqueles Ombro-arma e batimentos recordam? Isto para não falar no nosso Cap Mil Mamede de Sousa. Foi demais! Quase que rachávamos a parada (!!!)

Com esta passagem não quero dizer que houvesse rivalidades ou equiparados na 2791. Pelo contrário, era uma Companhia muitíssimo unida. Para isso contribuíram os seus Quadros operacionais iniciais, que se davam muito bem e interagiam muito com o pessoal.

Como dizia, havia que trabalhar no duro e mentalizar a rapaziada de que o esforço dispendido podia fazer a diferença entre viver e …!

Atendendo a que o Fontinha e eu tínhamos treino especial e o Chaves nos acompanhava, o IAO foi realmente puxado, especialmente em Treino de combate, progressão, observação e auscultação do meio envolvente e outras. Tudo foi treinado até atingirmos a autoconfiança individual e de grupo. E a morfologia da ilha prestava-se bastante a esse treino.

Durante este período e para nos lembrar que havia guerra, que nem em Bolama se estava 100% seguro e não se podia facilitar, fomos brindados com um míssil numa hora de refeição, que nos fez abrigar por baixo das mesas e onde possível. Caiu perto e felizmente sem consequências.

Claro que também houve muitos momentos de descontracção. Convívios, cerveja, uísque, vinho, camarão e outros manjares, como provam as fotos. E esses eram momentos em que libertávamos o nosso Eu numa sã camaradagem e amizade, com conversas afiadas em que as estórias e as réplicas levavam por norma à gargalhada. Aquela do Alf Quintas, Op Esp do 1.º Grupo, conduzir um Unimog carregado de guineenses a toda a velocidade pela picada, ter chegado ao destino e ficar espantado por não estar mais ninguém na viatura (tinham saltado ou caído, felizmente sem problemas), ainda por vezes hoje é recordada.

E havia também os momentos em que se desabafava com os mais chegados, dos amores e desamores, das saudades, de situações vividas, dos anseios, dos medos e receios, normal na Juventude, que nos estava a fugir muito depressa.

E assim se foi esgotando o tempo na paradisíaca ilha e, a 30 de Outubro de 1970, embarcámos de novo numa LDG com destino a Bissau, de onde partimos em coluna auto para Bula.

Um abraço a todos
Luís S Faria


Bolama > Outubro de 1970 > Luís Faria

Bolama > Luís Faria na marginal

Furrielada com Oficiais e Sargentos > Ao fundo com cigarro Faria; ao lado e por ordem decrescente, de alturas Fontinha; Urbano (enfermeiro); Alf Quintas; Sarg Guerreiro; Mesquita; Ferreira. À minha frente, sentado, o Cap Mamede, à esqerda o Castro, Lourenço (TRMS), Alf Barros (?); Mealha (?) (Mecânico) e Belchiorinho (Vaguemestre)

Furrielada > Da esquerda: Madaleno, Belchiorinho; Mealha; Ferreira; Lourenço Fontinha; eu; Urbano; ? ; Marques; 1.º Cabo Trms Ribeiro
______________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau

Guiné 63/74 - P3479: Blogoterapia (73): O blogue do nosso contentamento, às vezes descontente (Vitor Junqueira)

Pombal > 2º Encontro Nacional da Tertúlia bloguística Luís Graça & Camaradas da Guiné > O nosso amigo, camarada e anfitrião, Dr. Vitor Junqueiro, servindo de cicerone na parte velha da cidade.



Foto:© Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2º Encontro Nacional da malta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > Restaurante O Manjar do Marquês.

Antes do almoço, o Vitor Junqueiro, na sua qualidade de nosso anfitrião e organizador do encontro, fez o discurso de boas vindas. Homem de princípios e de valores, mas também verdadeira caixinha de surpresas, preparou-nos uma cena que nos sensibilizou a todos: rodeado, à sua direita, por uma das suas três filhas e por uma das suas duas netas, e à esquerda, por mim e pelo A. Marques Lopes, fez questão de ser condecorado, com o atraso de... trinta e três anos. A condecoração, que tem a ver com a sua brilhante folha de serviços como oficial miliciano na Guiné, fora-lhe atribuído pelo Chefe do Estado Maior do Exército, estando prevista sua entrega no dia 10 de Junho de 1974, o que não chegou a acontecer por o 25 de Abril de 1974 ter vindo a alterar o curso dos acontecimentos...

Com escrevi na altura, a entrega da condecoração por dois camaradas seus da Guiné foi um gesto muito bonito num dia muito bonito, em que realizámos, mais uma vez, o sentido da palavra camarada... O Xico Allen estava lá para bater o instantâneo. O que ele seguramente não pôde registar foram as palavras do Vitor para mim:
- Eh!, pá, ó Luís, vê-se mesmo que não tens jeito para esta merda!

(L.G.)

Foto: © Xico Allen (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 22 de Outubro de 2008, do Vitor Junqueira, médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso 2º Encontro Nacional, de saudosa memória, pai e avô babado, portentoso contador de histórias (com H), ex-garboso oficial da nossa ex-gloriosa marinha mercante, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá ,1970/72)...

Prezado camarada e amigo Carlos Vinhal,

Há já algum tempo que ando a adiar uma modestíssima e singela troca de impressões contigo a propósito da nossa comunidade virtual, o Blogue. Porque a outra, a dos amigos de carne e osso, está bem, recomenda-se e anda a pedir mais uma almoçarada e uns abraços de quebra-costelas.

Eu já sinto a vossa falta! Tenho andado um pouco mais ocupado do que o costume. Hoje, porém, tive uns minutos para passar uma vista de olhos pelos últimos posts, onde encontrei um comentário teu, aliás, dois, que achei do maior interesse. Num deles expressas a ideia de que devemos congratular-nos por um tão elevado número de visitas que, certamente, se deve à boa qualidade do material "afixado" e à grande categoria dos respectivos autores. Concordo! O outro, transportava nas entrelinhas, pareceu-me, uma subliminar "descasca" ao pessoal por estar a tornar-se preguiçoso. Uma espécie de toque a reunir, com o qual também concordo! Mas, o que está em causa, não é com toda a certeza uma dose exagerada de salutar preguiça. Até porque, os temas que tomaste como exemplo de uma certa hiporreactividade bloguista, são dos mais interessantes, e deveriam ter suscitado uma onda de colaborações.

Entendo por isso que será oportuno fazer uma análise do fenómeno e, partindo de um diagóstico fundamentado, introduzir as alterações que se revelarem mais consistentes com o propósito de manter toda a nossa gente on line. Porque, não reste qualquer dúvida, a escrita é o cimento que nos matém unidos. Para concretizar esse objectivo, nada melhor que cada um de nós assumir claramente as razões da própria desmotivação, chamemos-lhe assim. Se é que ela existe. E como não sou de arcas encouradas, passo a enumerar alguns tópicos de que não sou grande apreciador:

1 - Atrasos na publicação dos textos, algumas vezes por extravio, outras porque se estabeleceram certas prioridades, que não raramente, lhes retiram toda a oportunidade.

Um texto no momento certo pode ser uma pérola, descontextualizado não passará de uma parvoíce ainda que produzido por autor de boa cepa. Tem calma, Carlos, que eu bem vi como te torceste todo na cadeira. Isto nada tem a ver contigo ou com o Briote! Eu conheço muito bem o vosso empenho a favor da causa e o número incontável de horas do vosso lazer que lhe dedicais. O que terá de ser eventualmente alterado é a metodologia. Para issso podemos ter de vir a considerar a postagem directa, com a responsabilização pessoal e jurídica, explícita, dos escribas, e a retirada imediata de um texto, som ou imagem, sempre que se constate existir ofensa à carta de princípios criada pelo Luís. E que tal a criação de um conselho de ética?

2 - Textos fortemente "editados".

Se por um lado podem esconder a alma de quem os concebeu, não terão também o inconveniente desencorajar ou inibir aqueles que se sentem menos à vontade com a escrita?

3 - Transcrições longas e enfadonhas de manuais ou seus excertos.

Aqui incluo a pré-apresentação de livros sob a forma de folhetim que, conjecturo eu, não atrairá o interesse geral. Confesso que nunca tive pachorra para ler nem uns nem outros e não devo ser caso único. A este respeito, o blog apresenta com demasiada frequência muitas parecenças com o site de uma qualquer editora.

4 - O controverso, o contraditório e a polémica são o sal e a pimenta dos nossos cozinhados literários. Ultimamente tem-se notado uma certa falta destes tempêros.

E lá porque um ou outro tem ataques de azia, não será por isso que nos devemos resignar ao desenxabido consensual. Como homens de guerra que somos (fomos), honremos a guerra, agora com a língua e a caneta!

5 - Quase todas as semanas se apresenta mais um camarada, atraído para o nosso convívio. Isso agrada-me. Mas cadê a historiazinha a contar o drama, a peripécia, a barracada de que foi protagonista ou de que teve conhecimento enquanto membro das gloriosas FA de Portugal?

Muitos têm-se esquecido. Mas isto não é o clube dos amigos de Alex, há que apresentar serviço!

Para finalizar, um curto relato. Fui contactado há uns meses por um homem por quem tive sempre muito respeito. E para além do respeito, afeição. O Manuel dos Santos, antes e depois da tropa, dedicou-se sempre à indústria da restauração. Como empregado. Encontrámo-nos pela última vez há-de haver para aí uns cinco anos, em Santa Comba Dão. Sempre muito respeitoso e educado, quase tímido, viu-se que ficou feliz por ter podido reencontrar-se com os seus antigos furriéis e alferes. Prometeu que estaria presente no encontro seguinte, nos Açores, mas não compareceu.

Agora, gravemente doente, abandonado pela mulher, rejeitado pelos amigos da onça, posto de lado por uma filha que formou, estava sem recursos para enganar o estômago e pagar a renda de um barraco que lhe servia de habitação ali para os lados de Leça. Muito envergonhado, pedia-me um pequeníssimo empréstimo que tencionava devolver quando recebesse a prestação seguinte da Segurança Social.

Nunca mais tive notícias suas, nem sequer tive possibilidade de saber se ainda está entre nós.

Durante mais de dois anos, o 1º cabo corneteiro Manuel dos Santos zelou pelo nosso bem-estar. Como responsável pela messe e despenseiro servia-nos, no prato, as melhores refeições que podiam ser cofeccionadas com os parcos meios de que dispunha, procurando sempre que estivessem a nosso contento, tudo fazendo para que estivessem.

Como o do Manuel, haverão imensos casos de camaradas nossos em maus lençois. Dentro ou fora da esfera profissional, será que ainda vamos a tempo de fazer o gesto que se impõe? Em que medida é que através do blog poderíamos chegar a alguns aflitos?

Continuação de um excelente serão.

VJ

2. Mensagem do Carlos Vinhal, com data de 27 de Outubro, remetida aos editores LV e VB:

Caros companheiros:

Para vosso conhecimento e reflexão, já que o Vitor é um excelente crítico. Aguardo as vossas doutas opiniões.
Ab
Carlos

OBS:-Este reenvio tem, como é logico, aprovação do autor, já que não é um mail pessoal.


3. Comentário dos editores LG/CV/VB:

Querido Vitor:

(i) Como há dias escrevia o Luís Graça, tu já tens, no nosso blogue e na nossa Tabanca Grande, o estatuto de senador... Tal significa o direito a algumas prerrogativas (ou, como diziam os romanos, privi + legiu > lei privada);

(ii) Tens, por exemplo, o privilégio de poder falar alto e bom som, enquanto a gente baixa a bolinha (para melhor te poder ouvir);

(iii) Estás isento de horário de trabalho, tens licença ilimitada de entrar e sair a qualquer hora; e de passar, inclusive, longas temporadas fora da nossa Tabanca Grande (temos ciúmes mas não o podemos demonstrar em público...):

(iv) Tens todo o direito de mandar bitaites a estes teus pobres e humildes editores; estás a exercer a tua soberaníssima e inalienável liberdade de expressão;

(v) As cinco críticas que nos fazes, acertaram na mouche: são pertinentes, contundentes, oportunas, etc. ;

(vi) Sem termos a veleidade de te responder nem muito menos contestar, deixamos-nos apenas alegar em nossa defesa o seguinte:

(a) o blogue cresceu demasiado, depois de Pombal, a partir de meados de 2007, e nem sempre, nós, os três, conseguimos dar boa conta do recado; no máximo, podemos publicar 5 postes por dia, com muita coordenação, trabalho, inspiração, transpiração; em média, 2 a 3 por dia; nas férias, 1 a 2 por dia; compare-se, a seguir, a nossa produção bloguística no mês das férias (Agosto) e nos meses de Outubro e Novembro de 2008: no gráfico de barros, pode-se ver a nossa produção semanal (em número de postes), produção essa que depende não só dos textos enviados aos editores como da capacidade de edição destes últimos...




Fonte: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008)


(b) a correspondência recebida (e expedida) é volumosa, a ponto de ficarmos por vezes afogados em mails; estamos, agora, por exemplo, a fazer a limpeza (periódica) à nossa caixa de correio;

(c) há atrasos que, por vezes, podem ser irremediáveis, tirando oportunidade e sentido aos textos que nos são enviados (sobretudo em questões que estão encadeadas, que têm perguntas e respostas, etc.);

(d) procuramos quase sempre manter o espírito da mensagem quando, por mor do português de lei, somos obrigados a corrigir a forma; não queremos o mau exemplo que vai por aí, por essa blogosfera fora; não somos um blogue literário, mas queremos entender-nos... em bom português, entre portugueses e outros lusófonos, incluindo os nossos amigos, camaradas e irmãos da Guiné;

(e) vamos ter em conta o teu reparo sobre o excesso de transcrições (de livros, relatórios, etc.) e de outros sinais exteriores de eventual novo riquismo literário;

(f) não queremos ser um clube dos amigos de Alex (muito menos de poetas mortos...), vamos manter a tarifa 1 homem, 1 história, como preço de ingresso na Tabanca Grande; quem quer entrar, pede licença, apresenta-se e conta história;

(g) e, claro, estamos de acordo: o contraditório, a exposição de pontos de vista contraditórios, a crítica, a discussão de pontos de vista, o debate, a saudável polémica, etc. são o sal da vida bloguística, são o que (também) dá pica à vida e ao blogue; mas, tal como o stress, tem de ser q.b.;

(h) Por fim, e não menos importante, quanto ao conselho de ética... Está prometido há meses, temos que cumprir a promessa... O que tu, no fundo, estás a fazer é o papel de provedor do blogue, uma figura que pode ser individual ou de pequeno grupo de senadores (ou, melhor homens grandes) como tu...

E a solidariedade entre camaradas, sobretudo nas más horas, como no nosso tempo, na Guiné ? Como vamos manifestá-la ? Publicamente, discretamente, efectivamente ? Casos como o António Batista ou do Manuel dos Santos não podem deixar-nos indiferentes...

E pronto. Temos dito. E, com um atraso de quase um mês, publicado. Não cremos que o texto tenha perdido acuidade e actualidade. Mas tu dirás da tua justiça. Aliás, é uma excelente oportunidade para outros camaradas e amigos se pronunciarem também sobre o blogue do nosso contentamento, às vezes descontente, parafraseando o nosso grande lírico, o nosso Luís de Camões, o maior e o melhor de todos nós...

Um Alfa Bravo destes três cavaleiros andantes, nos seus cavalos já velhos, cansados, ronceiros, mas ainda voluntariosos, Luís, Carlos e Virgínio.

PS - Obrigados pelo privilégio de voltarmos a ler as tuas Histórias (com H). Estamos a pensar também em... próximo livro, teu, ou colectivo, de antologia (por exemplo, com as nossas melhores 25 histórias), brochado, de preferência, de capa dura, como deve ser, a um preço razoável, acessível a todos (ou à maior parte de nós)... E, claro, com direito a festa rija, de lançamento, que o texto é também pretexto para a festa da amizade e da camaradagem, festa que o nosso blogue procura celebrar todos os dias... Se nem sempre o consegue, é por culpa dos oficiantes, da comissão de festas, e dos... artistas (que afinal de contas somos todos nós).

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3478: Bibliografia de uma guerra (37): Cacimbados, de Manuel Correia Bastos: CART 3503, Mueda, Moçambique, 1972




Cacimbados – A vida por um fio.
Autor: Manuel Correia de Bastos
Editora: Babel
Pgs.: 192
Preço: 14,00 €
O livro está à venda na FNAC e na Bertrand.


A sessão de apresentação ocorreu na Casa Municipal da Cultura de Coimbra, em 15 Novembro, perante uma assistência de cerca de 100 pessoas.

1. Apresentação pela Dra. Inês Campos (1)


O livro Cacimbados: A vida por um fio, de Manuel Correia Bastos foi lançado pela editora Babel dia 15 de Novembro. Através de uma prosa cativante, onde o humor e a tragédia se cruzam espontaneamente, os Cacimbados transportam-nos 35 anos atrás para a realidade brutal de luta e sobrevivência de milhares portugueses a combater na Guerra Colonial.

Como refere o autor na introdução, “este Portugal com dez milhões de habitantes fez um esforço de guerra em África nove vezes superior ao que os Estados Unidos fizeram no Vietname, com os seus duzentos e cinquenta milhões.”

Narrando alguns episódios de guerra e da vida da sua Companhia posicionada em Mueda, Manuel Bastos reconstrói um tempo e um espaço carregados de acção, que nos prende desde a primeira linha até ao desfecho final. Com as suas palavras permite-nos testemunhar acontecimentos reais que, tendo ocorrido não há muito tempo atrás, pertencem a um momento histórico quase desconhecido das novas gerações.

A obra afirma-se por isso contra uma História que tende a esquecer os 13 anos em que a Guerra se entrosou nas vidas de jovens homens e mulheres, e cujas consequências pairam sobre o Portugal pós-25 de Abril, de um modo circunspecto mas tremendamente poderoso.

Com uma expressividade minuciosa, o autor vai ao encontro do pormenor para transformá-lo num mundo gigantesco de significados, sentimentos e reflexões filosóficas. A história da experiência da Guerra chega-nos através de um soldado capaz de se abstrair dos acontecimentos em curso, da urgência de cada instante, debaixo do fogo ou em campos minados, para ponderar sobre aquilo que o rodeia. Reflecte sobre os outros, camaradas e inimigos, sobre a vida na selva africana, mas sobretudo sobre a condição humana quando se é atirado para o metal e o fogo, que matam sem consciência.

A força repressiva que se impusera aos soldados recrutados, e a ausência do direito de liberdade de escolha, é um facto expresso pelo autor logo nos primeiros textos, quando relata a viagem no navio Niassa, de Lisboa a Moçambique:

“Útil também é avisar a quem isso interessar, que um cidadão que se entrega aos desvelos de uma instituição militar de um país governado por uma minoria de tiranos sem escrúpulos, tem que estar preparado para não poder recorrer às leis que protegem os animais quando são transportados. Digo isto, porque estou certo que se a GNR multou um vizinho meu por transportar mais porcos do que a carga permitida para o seu camião, decerto não deixaria sair o 'Niassa' do Cais de Alcântara.”

Quando os soldados são transportados para a Guerra em África e os motores do navio Niassa param, Manuel recorda-se por momentos que realmente ninguém faz a pergunta mais óbvia: Porquê?

Na época da Guerra Colonial era uma verdade inquestionável para todos esses homens que uma data de terras no continente africano faziam parte de Portugal. Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde eram terras portuguesas, não eram nações distantes do lado de lá do Equador.

Nessas terras portuguesas viviam milhares de Portugueses iguais aos que viviam nas suas aldeias, vilas ou cidades europeias. Nessas terras encontravam-se milhares de pessoas que falavam português, que possuíam cidadania portuguesa, e que nunca tinham sequer conhecido a metrópole. Assim via o mundo uma geração inteira de jovens homens e mulheres.

No entanto, mesmo em 1973, do lado de lá do Equador, o Furriel Miliciano Bastos começa a questionar a sua relação de pertença com aquelas terras que lhe cabe defender:

“Deito-me de costas no chão a ver subir o fumo do cigarro e sinto a grande bola do mundo debaixo de mim. Lembro-me de que todas as pessoas que amo estão ao contrário do outro lado, vivendo as suas vidas, e lá estão também as pessoas que odeio. Deste lado, no chão está um grupo silencioso de fantasmas preparando-se para passar a noite. Ficámos do lado errado do Equador, as estrelas que nos cobrem não nos conhecem, e a Lua, complacente, ilumina-nos apenas o suficiente para tomarmos consciência da nossa pequenez em confronto com a monumentalidade da vegetação.”

Existia um Portugal grande, com fronteiras delineadas de África à Ásia chinesa, indiana, timorense...Um Portugal pobre, mas gigante. Um Portugal que lhes exigia o pagamento de uma dívida que eles nem sabiam que tinham contraído: a divida da cidadania, a impossibilidade de escolher entre ir ou não ir combater pelas fronteiras dilatadas de um Império gigantesco.

A sensibilidade do autor permite fazer chegar até nós uma descrição verídica de factos e acontecimentos, assumindo de certo modo o papel de um repórter de guerra. Mas é também uma reflexão profunda, de carácter filosófico e antropológico, sobre o que significa a guerra para um soldado, e ainda mais para um que deixou em Moçambique uma parte física de si e prosseguiu com coragem, a reconstruir a sua vida no novo Portugal que emergia.

Manuel Bastos revela um discernimento capaz de reflectir sobre a sua grande perda: o seu próprio desmembramento numa selva minada. Os textos finais arrastam-nos com imagens poderosas que nos unem à mente do autor, absorvidos pela sua narração dos minutos, dos sentimentos, da dor e do medo atroz e insuperável ao cair numa mina, que lhe desfaz a perna esquerda.

Não existe nada mais que a verdade nas palavras de Bastos, a vida pura e sentida no campo de batalha e a interpretação filosófica de um homem capaz de injectar novos sentidos às realidades mais difíceis de aceitar. Um homem que vive com a coragem de quem dá pleno valor à vida e à integridade da condição humana, e que acima de tudo conhece a obscenidade de todas as guerras. A guerra é para Manuel “obscena” e só deve suscitar em nós um propósito: evitá-la.

Quando lerem o livro, recomendo uma atenção especial às fotografias originais que foram incluídas. Manuel incumbiu-se a si próprio a tarefa de fotografar as operações da sua Companhia e o autor provou ser um excelente fotógrafo. As suas imagens falam tanto como as palavras, transportam-nos para a selva africana e para episódios da guerra de guerrilha com uma veracidade documental.

Acredito que este livro será igualmente um relato valioso para qualquer historiador da Guerra Colonial, redigido em primeira mão por quem viveu a história e foi tremendamente marcado por ela.

Por todas estas razões e pelo simples facto de que ler esta obra é ser tocado por uma prosa muito especial, quase poética, ainda que documental, fico muito feliz pela aposta da Editora Babel nos Cacimbados, e acima de tudo muito feliz por ter tido o prazer de conhecer a obra e a pessoa de Manuel Bastos.
Deixo-vos com votos de uma boa leitura.


2. O improviso do Manuel Bastos

Este livro que agora vos apresentamos, este pequeno livro, precisou de muita coisa para ser feito. Precisou de uma guerra, de uma revolução para terminar a guerra, precisou de mortos, feridos e traumatizados. Precisou de cerca de um milhão de portugueses em armas, o que fez de Portugal um dos países mais belicistas do mundo, provavelmente logo a seguir a Israel. Alguns desses ex-combatentes encontram-se aqui, os meus companheiros da mata e das picadas de Mueda. Eles são os protagonistas deste livro, às vezes com os seus nomes verdadeiros, às vezes com nomes fictícios. Sem eles este livro não teria sido feito.


Manuel Bastos


Este livro não existiria se não tivesse existido, também, uma primeira leitora, a mulher de todos os meus dias, aquela que primeiro me disse: "Estas palavras merecem ser publicadas." Alguém que possui o dom especial e muito raro de conseguir ver beleza nas coisas que os outros fazem, o que é uma forma de generosidade. Na verdade, para encontrarmos beleza no mundo, temos que possuir beleza dentro de nós. Também como ela, a Inês Campos tem esse dom. Encontrou as minhas palavras na Internet e transformou-as numa obra literária. É a ela também que se deve este livro.

É evidente que depois precisamos de pessoas que consigam concretizar o sonho que as palavras transportam, para isso precisamos de um editor – que pertence àquele grupo de pessoas sem as quais, tudo o que nós conhecemos, automóveis, computadores, catedrais, ou livros, nunca existiriam, eles é que concretizam os sonhos alheios; é também uma forma de generosidade – sem ele também, este livro não existiria.

Mas este livro que usa as minhas palavras… Ou melhor: as palavras que eu utilizo, as palavras não são minhas, as palavras não têm dono. Eu imagino-me como um simples apanhador de palavras, eu apanho-as por aí e depois tento, como neste livro tentei, espero que encontrem isso; tento desenhar a impossível forma dos sentimentos e dos afectos. Gosto de me imaginar como uma criança que apanha conchas à beira mar e com elas faz construções na areia, ou como uma velha senhora que apanha rosas no seu jardim e faz centros de mesa, ou… talvez melhor ainda um camponês que apanha seixos no seu quintal para limpar o terreno e para enfeitar a beira do caminho. É isso só que eu sou, um apanhador de palavras, por isso é preciso que haja pessoas assim, que descubram beleza nessas palavras.

Mas este livro não está completo, é um objecto físico só. Precisa de um leitor, é por isso que vocês, e eu vos lanço este apelo: alguns já o adquiriram; que o divulguem. Sem um leitor não há livro nenhum, nem há autor, só os leitores farão de mim um escritor, ainda não sou um escritor. Quando vocês lerem, quando alguém ler e convencerem o meu editor que talvez valha a pena editar mais algum. É preciso lerem este, foi para isso que os chamámos aqui, e para o divulgarem na medida que vos for possível.

Mas este livro não tem interesse nenhum se não tiver ao menos um ensinamento, por modesto que seja, e eu quero acreditar que tem. Este livro pode servir de alguma forma para que os nossos filhos arranjem uma maneira qualquer para evitar que os nossos netos vão para a guerra. Porque a guerra só tem uma virtude, só uma: a guerra pode ser evitada.




Cerca de uma centena de Camaradas e Amigos assistiram à apresentação.
Fotos: Cacimbo (2008) (Com a devida vénia..)
3. Comentário de VB:
Os nossos duplos parabéns ao nosso camarada Manuel Correia Bastos, membro da nossa Tabanca Grande: (i) pela publicação do seu livro, que é uma acto de coragem, de partilha, de camaradagem; (ii) pelo seu blogue, o Cacimbo, que faz cinco anos de existência, e é seguramente o mais antigo dos blogues dedicados à guerra colonial. O Bastos foi Fur Mil da CART 3503/BART 3876, esteve em Mueda, em 1972, quatro meses (de Fevereiro a Junho). Foi evacuado devido a ferimentos por mina antipessoal.
__________

Notas de vb:
1. Inês Campos é Jornalista e mestre em Relações Internacionais. Actualmente faz parte da equipa da Editora 7Dias 6Noites e da Babel, tendo sido responsável pela proposta de edição do livro “Cacimbados: A Vida por um Fio” de Manuel Correia Bastos.
2. Artigo relacionado em

Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)


1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 14 de Novembro de 2008:

Carlos, meu amigo,
Com a desaceleração do Beja Santos, tens beneficiado de algum descanso na edição do blogue. Pus-me em cogitações, de que a preguiça é a mãe de todos os vícios, e esforcei-me nesta croniqueta que te mando, não vá acontecer que te tornes um madraço, e qualquer dia não temos quem te substitua no papel de competente editor. Assumo que temos de te garantir trabalho. Oxalá eu seja capaz. Outra vez, muito obrigado pela acção que vocês desempenham, de catalizadores da família Tabancal.
Para o pessoal todo, aquele abraço fraterno.
José Dinis

Quotidianos

Sob o sol ardente da tarde, saímos de Piche em direcção a um ponto no Corubal, em passo estugado, pois o Comando referira ter informações de que o IN estaria atravessando o rio numa suposta área, e nós devíamos interceptá-los em caso afirmativo. Caminhava sedento. A dose para matar a sede, era de uma tampinha do cantil em cada vez, mas a frequência, alertava-me para o esgotamento da água.

Tínhamos regressado de uma coluna matinal e o almoço já ocorrera para além do serviço normal, pelo que a refeição requentada, não fora agradável. Ainda sentados à mesa, fomos avisados da saída iminente e o Guerra chamado ao Comando. Estas acções inopinadas que nos roubavam o descanso, também fustigavam a moral.

Sempre prontos, como bombeiros, abalámos mata fora. Respondíamos ao transpirardo corpo, com um caminhar automatizado, ora por trilhos, ora a corta mato, ou atravessando bolanhas com a superfície ressequida, por efeito da forte cacimbada. O calor era imenso. A sede aumentava com a correria durante a digestão. A zuada persistente dos mosquitos, envolvia-nos em tortura desgastante e complicava a progressão.

Chegados à margem do rio, que percorremos em alguma extensão, silenciosos e alerta, não encontrámos sinais de qualquer actividade do IN. Instalá-mo-nos, e fizemos a ligação por rádio. Enquanto aguardámos instruções, um a um, cautelosamente, enchemos os cantis, bebericámos despreocupadamente e demos descanso aos corpos, nas sombras das árvores, com pouca conversa, já que mantínhamos uma formação alongada. No silêncio da mata, ouvia-se uma ou outra ave que dava sinal da nossa presença. O cenário da quase selva africana abatia-se sobre nós e todas as possibilidades da guerra podiam atraiçoar o remanso. Até que o rádio transmitiu indicações para alcançarmos um trilho identificado na carta, prosseguirmos na direcção norte até outro ponto, onde seríamos recolhidos por viaturas,

Chegámos a Piche quando o horizonte incendiava a poente, numa mancha de fogo que anunciava para breve o pôr-do-sol.

Pelas 22h00 dormia profundamente, fui acordado com abanões. Filho da puta - reagi chateado. Desculpe, senhor padre - aquiesci ao identificar o capelão.

- Está ali uma mesa tão bonita, não queres vir juntar-te a nós? - perguntou-me com doçura o enviado de Deus.

Não precisou de gastar muitos argumentos, para que me juntasse aos parceiros da batota. Jogava o pocker de cartas com um rendimento notório, pois saíra a ganhar de todas as sessões em que participara. Só que, agora, havia uma certa diferença no valor das caves. Enquanto com os meus amigos, quando alguém apostava dois e quinhentos, ou fazia bluff, ou tinha jogo, agora, ganhava-se e perdia-se aos contos de reis. O padre, esse, devia usar dinheiro milagroso, pois perdia consecutivamente, sem perder a compostura. Era, aliás, um excelente parceiro, bem disposto, que transmitia alegria e dava lenitivo aos espíritos, quando nos referia que, indo a Bissau, se nos dirigíssemos à igreja de Brá, ali poderíamos dispor, quer do Volkswagen, quer da Fatinha, a bajuda deliciosa.

E o whisky corria pelas gargantas em catadupas enebriantes, que nem sempre combinavam com o discernimento para a jogatana.
Todavia, a mão invísivel de Deus conduzia o meu destino com sucesso e sempre arrecadei umas notitas nas noites de perdição.

Guerra, é Guerra!

Aconteceu a minha primeira vez com o paludismo.

De um modo geral, à boa maneira portuguesa, não fazíamos qualquer prevenção anti-palúdica. Como, também, não fazíamos qualquer prevenção , quando recolhíamos água da bolanha ou das poças que resistiam ao sequeiro sahariano. E, em abono da verdade, o Victor era depositário de comprimidos adequados, que queria impingir-nos e nós regeitávamos. Dessem-nos gin com fartura e julgávamos nós, a saúde corresponderia eficazmente.

Talvez por isso, fui uma vítima do paludismo, prostrado na cama com imensos febrões, sem energia, nem vontade para comer, nem para receber a luz solar, para ali estava, derrotado pelos minusculos mosquitos transmissores do vírus. Bem quisto, bem quisto, era o Vitor, que me espetava resochinas, e transmitia-me a esperança de sobreviver e arribar. Foram dias de descanso penoso e obrigatório.

Uma dessas noites, estava o Foxtrot escalado para uma emboscada nocturna, quando à passagem pela última linha de arame, vá-se lá saber porquê, o Guerra decidiu ficar por ali, num abrigo periférico, o pessoal em confraternização com os que ali viviam e defendiam a posição, nas tintas para os fingidores que, de tanto inventarem a guerra, moíam o juízo e o corpo da malta e ainda dividiam os louros e honrarias entre si. De rompante, entrou o Drácula e o nosso capitão.

Alguém bufara pelo telefone do abrigo, provavelmente quem o comandava, enquanto se fazia cúmplice na finta à emboscada nocturna. Ainda faltava muito para a obra do Alberto Pimenta, Discurso sobre o filho da puta, inspirada nessas manifestações sórdidas e cobardes:

... é o pequeno
filho da puta
que dá ao grande filho da puta
tudo aquilo de que o grande filho da puta
precisa
para ser o grande filho da puta
diz o pequeno filho da puta...


É histórico o exercício ou o jogo do poder, assenta na divisão dos pequeninos que, de tanto se sacanearem, vão perpetuando as divisões e a subserviência.

Daquela ocorrência resultou a transferência do nosso alferes, um tipo porreiro, gracioso na linguagem desbragada que ofuscava o adolescente ingénuo, completamente desalinhado com a obediência cega e os imperativos do RDM, marginal aos quesitos e tradições do exército, querido do pessoal, que o estimava acima de tudo, tinha a maneira peculiar de estimular, desdizendo do sistema e das regras que o sustentam. Língua afiada, boa disposição permanente, tolerante, mas decidido, o Eduardo Guerra antecipava, assim, as despedidas do pelotão.

A homenagam viria a acontecer pela consolidação e orgulho do Foxtrot que o recordava frequentemente.

O Martins

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa

Foto e legenda: © José M. Matos Dinis (2008). Direitos reservados


De seu nome completo, José da Ressurreição Martins, foi o primeiro Foxtrot a levar uma porrada, porque, quando deambulava distraído pelo aquartelamento, em Piche, não bateu a pála ao Drácula, que se lhe atravessou ao caminho.

Indignado, o homem interrogou o ingénuo militar, manifestamente atarantado, que mais se enterrou com a resposta desajeitada.

Punido com 10 dias de detenção, pelo Exmo. Comandante do BArt 2857, em 07Mar70. Pena agravada em 21Abr70, pelo Exmo. Comandante do Agrupamento 2957, para 10 dias de prisão disciplinar".

Toma! O inimigo não dorme.

O coitado do Martins, companheiro, esforçado e respeitador, um tipo que fez a comissão sem levantar ondas, quase despercebidamente, não fora lidarmos todos os dias, alcandorado a bandalho provocador, pela sanha persecutória de duas bestas: uma, que governava pelo terror; outra, que agravava para se afirmar. Assim, simplex, sem cuidarem de saber as qualidades do soldado. Dois heróis que, seguramente, bem podiam passear-se medalhados, face aos inúmeros riscos que correram.

O Martins constará mais tarde da lista dos louvados, pelas boas práticas e qualidades pessoais, no âmbito das tarefas que competiram ao Foxtrot.

Deixou uma marca bem positiva no relacionamento com camaradas e superiores que lhe dispensaram grande confiança.

JMMD
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Nota de CV:

Vd. poste de 7 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3420: História da CCAÇ 2679 (6): Piche, novamente (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3476: Humor de caserna (6): Paiama, Paunca, Natal de 1970: o lapso do Caco Baldé (Rogério Ferreira)

1. Mensagem para o "amigo Vacas" e demais tertulianos... Enviada, em 1 de Outubro de 2008, pelo Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, e esperemos, em breve, novo membro da nossa Tabanca Grande (*):


Quando da minha passagem por Paunca, estive num destacamento chamado Paiama [, na margem esquerda do Geba Estreito, a noroeste de Paunca,] e alguns dias após o Natal de 70 tivemos a visita do heli..

Mandados os soldados de piquete para a orla da mata a fazer seguranço, o heli aterrou. Apareceu-nos então um sr. Capitão em passo de corrida, dizendo que era uma visita do nosso general (Caco Baldé), e que os soldados formassem como estavam nem que fosse em cuecas.

Logo instantes depois aparece o nosso General no seu camuflado de manga curta e seu monóculo. Olha em volta e, dando indícios de não conhecer o sítio, diz:
- Eu nunca aqui estive, isto quer dizer que não vos dei os votos de Boas Festas.

E virando-se para um dos nossos soldados, o José Jeremias - natural da torre da Gadanha e cuja mãe lhe enviava umas ricas Boias, ou seja, pedaços de lombo de porco em banha numas latas tipo Cerélac, o qual hoje é carteiro na zona da Amadora - disse:
- Isto foi um lapso... Sabes o que é um lapso?
- Sei sim, meu general, é uma coisa para escrever.

Grande risota geral, até do general.

Manga de mantenhas para todo o pessoal .

2. Comentário de L.G.:

Enquanto o Carlos Vinhal está a tratar da tua entrada para a nossa Tabanca Grande, eu aproveito para pôr em linha esta tua deliciosa história (**)... Vejo que tens sentido de humor e de observação. É um apontamento original sobre o nosso quotidiano, os nossos camaradas e sobre o nosso (meu e teu) Comandante-Chefe (***)... Só se contam anedotas de quem a gente gosta, aprecia, valoriza, respeita, teme, e às vezes ama e odeia ao mesmo tempo...

Havia, por parte da maior parte da malta do nosso tempo, do Zé Soldado, mas também dos milicianos, um sentimento algo ambivalente em relação ao Caco Baldé... Não sei se ele era adorado: mas respeitavam e admiravam a sua maneira de ser e de estar, de comandar, de aparecer onde menos se esperava, a sua coragem física, o seu paternalismo autoritário, o seu populismo, o seu carisma, o seu perfil prussiano, o monóculo, o pingalim, a sua demagogia... O Caco Baldé, como todos os grandes chefes militares, era secretamente amado por muita gente...

Espero, Rogério, que o teu exemplo seja seguido por outros camaradas. O anedotário da spinolândia é muito maior que os escassos textos que já aqui publicámos sobre o humor de caerna... No meu tempo, toda a gente contava anedotas do Spínola... Passados estes anos, parece que até as anedotas do Homem Grande de Bissau se nos varreram da memória...

O humor de caserna é um antídoto contra a crise, a depressão, o mau-estar, o azedume que a idade também traz consigo...

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3255: O Nosso Livro de Visitas (31): Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 2658/BCAÇ 2905, Guiné (1970/71)


(**) Vd. postes anteriores desta série:

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2986: Humor de caserna (5): Siga a Marinha para Nhamate, mais abarracamento que aquartelamento (António José Pereira da Costa)

9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2337: Humor de caserna (4): Cancioneiro do Niassa: O Turra das Minas (Luís Graça)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2321: Humor de caserna (3): Hino de Gandembel: hino de guerra ou música pimba ? (Manuel Trindade)

26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

(***) Vd. postes de:

30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1132: Spínola e os seus 'Cães Grandes' na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)

4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)