terça-feira, 8 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15833: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (41): Estação de Tomar, 28 de Julho de 1983 e Uma White cansada da guerra

1. Em mensagem do dia 5 de Março de 2016, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma das suas Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

41 - Estação de Tomar, 28 de Julho de 1983 – (quinta-feira)

Decorridos 10 anos e cinco meses, revejo hoje o local de embarque, rumo a Lisboa e à África desconhecida, de umas centenas de jovens condenados à guerra colonial, que no RI 15 desta cidade se constituíram como Batalhão. Sento-me numa das enormes esferas de pedra que ornamentam e ladeiam a escadaria de acesso a este terminal ferroviário e por mim passam, indiferentes, em correrias despreocupadas, magotes de jovens que se apressam a ir comprar bilhete para as suas viagens de fim-de-semana. Nos seus semblantes não pairam as nuvens que ensombravam os jovens de há dez anos atrás.

Foto 1 - Estação de Tomar [Foto tirada de gelasbrfotografias, com a devida vénia]

O facto de estar novamente aqui, hoje, faz-me sentir uma estranha serenidade. Vêm-me à memória, com impressionante nitidez, as imagens do meu embarque, aqui mesmo nesta gare. E posso imaginar também como teria sido a enorme confusão do embarque do meu Batalhão, a que eu não assisti por ter partido dois dias antes para Lisboa com a missão de inspeccionar e aceitar o navio que nos levaria para a Guiné. Imagino ainda o movimento das viaturas militares neste largo da estação, as gares a transbordar de jovens angustiados, as vozes de comando, os comboios apinhados a partir. Foi assim que os recebi no Cais da Rocha do Conde de Óbidos em Lisboa umas horas depois.

Para tranquilizar os pais, e num gesto atencioso, o Comandante do Batalhão, Ten-Cor Inf César de Andrade e Sousa, enviou-lhes uma longa carta pouco antes do embarque. Transcrevo algumas partes:

REGIMENTO DE INFANTARIA N.º 15 

Tomar, 27 de Fevereiro de 1973 

Exmo. Senhor, 

Desejaria ter escrito por meu punho e individualmente aos familiares mais próximos e muito particularmente aos Pais, de tantos quantos comigo vão partir para o Ultramar constituindo o Batalhão de Caçadores 4513. (...).

É meu único e firme propósito, dado a vossa qualidade de Pais, tentar minorar-lhes o desgosto da próxima separação do vosso filho, procurando com todos os meios ao meu alcance descansá-los em tudo e em tanto, quanto os meus préstimos possam alcançar e ser-lhes útil. (...). 

Primeiro que tudo e a partir deste preciso instante, podem ficar certos, que neste Batalhão tudo se fará para que o vosso filho se sinta dentro dele como numa sã e autêntica família, que a todo o custo procurará substituir os senhores – os seus próprios PAIS – (...). O vosso filho e meu soldado, será a meus olhos alguém que me diz muito e a quem oferecerei com todo o entusiasmo, o melhor que seja capaz de encontrar em mim, incluindo claro, a minha amizade, a que já tantos direitos tem. (...). 

Outro ponto que desejo focar, é que os Senhores não necessitarão, seja de quem for para saberem ou para que melhor se cuide do vosso filho, pois estarei sempre pronto a atendê-los e servi-los, logo que se me dirijam. Ele próprio lhes dirá como escrever-me para o Ultramar onde ficarei à vossa inteira e absoluta disposição. (...).

Para terminar desejo ainda informá-los que todos os Senhores Oficiais e Sargentos que comigo orientarão a Unidade e as suas Companhias estão animados dos mesmos propósitos, (...), que o vosso filho encontrará sempre à sua volta um grupo de graduados que muito o estimam, e que tudo vão fazer para o devolver ao vosso lar como um homem de carácter, são e brioso, e um SOLDADO que soube servir PORTUGAL honrando o nome que usa e o dos Pais que tão bem o souberam criar e educar. (...). 

Que aos Senhores e ao vosso filho tudo corra bem e que dentro em pouco tempo seja ele próprio que junto de vós comprove tanto quanto acabo de vos afirmar. 

Por Portugal, para todos nós e especialmente para vós, as maiores felicidades. 

O Comandante do Batalhão 
CÉSAR EMÍLIO BRAGA DE ANDRADE E SOUSA 
Tenente-Coronel de Infantaria 
SPM - 7088 

[O Ten-Cor Andrade e Sousa abandonaria a Guiné, por doença, logo no início da comissão, sendo substituído pelo Ten-Cor Carlos Alberto Simões Ramalheira].

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Agora tudo está calmo aqui no largo, nesta quentíssima tarde de Verão. Olho em redor e tudo parece estar rigorosamente na mesma, e está, mas tudo é diferente. O grande relógio no frontispício da estação é o mesmo, marca as mesmas horas, mas de um tempo novo. Na minha frente, no largo fronteiriço, o Monumento à Grande Guerra é o mesmo, mas o soldado que o encima já não é: antes, para os jovens de futuro incerto que passavam a seu lado ao dirigirem-se à Estação, era um marco de pesadelo por representar outras gerações que a guerra ceifou. Era um fantasma e uma premonição. Hoje, embora ainda corcovado sob o peso do equipamento, lembra apenas os que tombaram na Primeira Grande Guerra, sem qualquer outra conotação. Daqui a alguns anos quem se lembrará dos que tombaram na Guerra Colonial?

Foto 2 - Monumento aos Mortos da Primeira Grande Guerra (1914-18), junto à estação de Tomar. [Tirada de olhares.com, com a devida vénia].

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Histórias marginais (8): Uma White cansada da guerra

A imagem que sempre me ficou ligada à White, desde que um dia a vi à distância a deslizar de mansinho numa picada com um vulto em pé, foi a de um desfile numa parada com Hitler, hirto nela, de braço estendido. O nosso cérebro tem destas coisas. Ainda mais, um perfeito disparate, porque o Hitler não gostava muito de viaturas americanas. Mas associei-a sempre à Segunda Guerra Mundial, está claro. Porém, quando a conheci mais de perto sem que pudesse disfarçar as suas fraquezas, percebi que estava redondamente enganado. Afinal, devia ter sido numa White, e não a cavalo, que o D. Afonso Henriques em 1169 partiu a sua perna ao passar as portas de Badajoz na sua fuga precipitada. No que resultou ter ficado prisioneiro do seu genro D. Fernando II de Leão. O caso ficou conhecido por desastre de Badajoz, não pela derrota militar ou pela fractura da perna do nosso rei, mas sim porque lhe ficaram com a White, obrigando-o mais tarde a ir a cura de águas nas termas de Lafões sentado numa cadeira de rodas, diminuído e vexado aos sessenta anos de idade.

Isto vem a propósito de uma visita que ela, a White, nos fez em Nhala já muito derreada. Melhor: quem nos visitava eram duas fogosas Chaimites, essas sim, visitas importantes, cabendo-lhe a ela fazer a sua protecção, mas que acabaria por ser o alvo das atenções relegando para segundo plano o resto da Cavalaria e acompanhantes, nada menos que o Comandante do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e o Capitão da CCAV 8350 António dos Santos Vieira que viria a comandar o destacamento de Colibuia e que um dia fora meu instrutor em Mafra com a alcunha de Ferro-bico, por qualquer coisa que tinha a ver com o seu nariz.

Tarde belíssima em Nhala, aproximam-se as visitas e eu corro a buscar a máquina fotográfica, pois não eram todos os dias que a Cavalaria nos visitava com todo o seu esplendor. Passo pelas duas Chaimites já paradas e avanço para ir cumprimentar o pessoal, mas fico de frente para a White que se aproxima na minha direcção. Eis senão quando, estupefacto, vejo sair um dos rodados da frente que, adiantando-se à White, vem oscilando, cai-não-cai, até se encostar mansamente a um poste providencial. A White ainda andou uns metros no encalço da roda rebelde, mas depois estacou e inclinou-se sobre ela numa reverência, parecendo dizer-lhe: “Deixa-te de amuos, rodinha... Volta para o teu lugar”. Fotografei tudo com a frieza possível, para mais tarde digerir o episódio insólito a que acabava de assistir. Muito mais tarde, quando de Espanha me chegaram os slides, não tive dúvidas de que tudo acontecera assim mesmo. A comprovar, deixo a reportagem a seguir.

Foto 3 – Nhala, 1974 – A White e a sua roda rebelde.

Foto 4 – Nhala, 1974 – Militares da Cavalaria (?) avaliam a delicada situação.

Foto 5 – Nhala, 1974 – Dois meninos de Nhala observam à distância a assembleia à volta da White.

Foto 6 – Nhala, 1974 – Enquanto se aguarda a evolução dos acontecimentos, o Alf Mil Murta faz uma pose junto de uma das Chaimites.

Foto 7 – Nhala, 1974 – As visitas, sem outro remédio, aguardam a reparação da White junto à messe de oficiais. Em primeiro plano na foto e fixando-se na objectiva, um militar que não recordo. Por trás dele olhando o chão, é o Alf Mil Tibério Barros de Nhala; no alpendre e de camuflado novo, o Cap. Santos Vieira, tendo à sua esquerda o Cap. Mil Brás Dias de Buba e o Alf Mil Carlos Lopes de Nhala; à direita na foto e de mãos nas ancas, o Cap. Mil Braga da Cruz tendo à sua direita, meio encoberto, o Comandante do BCAÇ 4513, Carlos Ramalheira. Em audiência, um soldado de Nhala com um problema qualquer.

Foto 8 – Nhala, 1974 – Finalmente, a partida dos camaradas da Cavalaria, escolta e ilustres visitas.

Foto 9 – Nhala, 1974 – Grupo de escolta que julgo ser da CCAÇ 18 de Aldeia Formosa. Alguns habitantes da tabanca assistem à partida, talvez decepcionados, creio, a avaliar pela mercadoria no chão que ficou sem boleia desta vez. Não se vislumbra a White nesta partida, mas não recordo se ficou em Nhala, ainda desconseguida de seguir viagem.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 1 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15814: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (40): A moeda relíquia e as mães dos combatentes

Guiné 63/74 - P15832: Controvérsias (130): O "nosso Cabo Miliciano", que em 1965 ganhava 90 escudos de pré (34,24 euros, hoje), fazendo o serviço de sargento... (Mário Gaspar)


Artigo do nosso camarada Mário Gaspar, publicado na revista da ADFA, "Elo", de 15 de janeiro de 2016. Foi-nos na mesma altura também enviado para publicação no blogue. Ficou em lista de espera... 

Achámos por bem publicá-lo agora, na nossa série Controvérsias (*)... Por curiosidade, o 1.º Cabo Miliciano em meados dos anos 60, no tempo do Mário Gaspar, ganhava 90 escudos de pré... Ficam os nossos leitores a saber quanto equivalia essa importância hoje, em euros, conforme o ano: em 1960, 38,72 €; em 1965, 34,24€; em 1970, 25,64 €; e 1974, 14,58 €... Já em tempos recuados o nosso camarada Libério Lopes escreveu um poste semelhante (**), nesta série (que tem tido pouco uso, ultimamente) ...

1. Mensagem,  com data de 20 de janeiro de 2016,  do Mário Gaspar,

[Foto à esquerda: Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; lapidor de diamantes, reformado; cofundador e antigo dirigente da APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra]

Camaradas,

Enviei este texto para o Jornal ELO, e foi publicado. Se considerar ser de publicar no Blogue podem fazê-lo

Mário Vitorino Gaspar
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12402: Controvérsias (129): Pequena reflexão (António Matos)

(**) 26 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4584: Controvérsias (26): Cabo Miliciano: Cabo, Sargento ou Soldado? (Libério Lopes)
(...) Dizia o Manuel Maia, há alguns dias, que o único país do Mundo onde existiu o posto de Cabo Miliciano foi em Portugal. E tem razão. Só em Portugal isso podia acontecer e foi devido à lucidez brilhante de um Ministro do Exército do Governo de Salazar que isto podia acontecer. Se não me engano foi o Santos Costa. Se não for, e se alguém souber ao certo quem foi, é bom transmitir a todos os camaradas para lhe prestarmos as nossas homenagens…

Foi um indivíduo inteligente ao tomar esta atitude, poupou milhões ao Estado, só que criou inúmeros problemas.

Com o vencimento de um soldado, tinha um Cabo a fazer um serviço de Sargento. É claro que alguns comandantes usavam e abusavam do seu poder discriminatório para rebaixar os Cabos Milicianos.

Fui Cabo Miliciano no Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, desde Janeiro de 62 a Abril de 63. Dei salvo erro três recrutas e, por falta de aspirantes muitas vezes comandámos pelotões de 100 recrutas.

Neste quartel aconteceram, com o comandante de então, coisas interessantes. Ao Cabo Miliciano era proibido frequentar o bar dos soldados, porque faziam serviço de Sargento. Só que os sargentos do QP não nos deixavam entrar no seu Bar.

Houve, inclusivamente, um Cabo Miliciano de Sargento de Dia ao Batalhão que, ao querer tomar café no Bar de Sargentos, durante a noite, foi posto na rua por um 1.º Sargento. Isto serviu para que os Cabos Milicianos se juntassem e conseguissem uma pequena sala onde se reuniam e tinham uma máquina de café.

Como defesa da classe, deliberamos só responder quando nos tratassem por Cabo Miliciano e não por cabo. Ainda estou a ver o Comandante a chamar o Silva… gritando: ó nosso cabo… ó nosso cabo - e o Silva… não lhe respondia. O comandante aproxima-se dele e pergunta-lhe se não o tinha ouvido chamar. O Silva retorquiu-lhe: O meu comandante desculpe mas chamou nosso cabo e eu sou Cabo Miliciano. O Comandante engoliu e calou. Serviu de exemplo para todo o quartel.

Esse mesmo senhor quis aplicar-me como castigo, de me ver à civil na rua, uma carecada (”écada” no meu tempo).

Em Março de 1963 fomos promovidos a Furriéis Milicianos. Nunca nenhum de nós entrou alguma vez no Bar de Sargentos. (...)

Guiné 63/74 - P15831: Prova de vida (2): Ainda cá estou e continuo de pé!... Mas ainda não resolvi se este ano vou estar presente no XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real, dia 16 de abril (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Ilha do Sal - Cabo Verde, Outubro de 1963 a Julho de 1964, e Olossato - Guiné, Julho de 1964 a Outubro de 1965)

1. Mensagem de 5 do corrente,  do nosso camarada José Augusto Miranda Ribeiro [ex-fur mil da CART 566, Ilha do Sal - Cabo Verde, Outubro de 1963 a Julho de 1964, e Olossato - Guiné, Julho de 1964 a Outubro de 1965; professor do ensino básico, reformado, que vive em Condeixa]

Olá, camarada Luís Graça, eu ainda cá estou e continuo em pé.

Obrigado pela tua mensagem que certamente vai dando ânimo a todos. De vez em quando vou à Tabanca Grande, mas nem sempre tenho tempo para responder. Já sou um pouco velhote para estar atento a tudo. 

Cá em casa continuo a ser o taxista de três netas e da minha patroa que deixou de conduzir e anda sempre doente. Cheguei a convencê-la a ir comigo este ano ao Encontro de Monte Real mas, de repente, teve que fazer uma cirurgia e logo a seguir outra. Por isso ainda não resolvi se este ano vou estar presente.
Em Dia Internacional da Mulher,
mandamos um beijinho para a Adriana,
com votos de boa recuperação. 

Não vamos falar em coisas tristes porque tristezas não pagam dívidas.

No domingo passado fui à Serra da Lousã, que disseste um dia que conheces. Que maravilha! Fui só com a mulher. Vimos neve com abundância e almoçámos num restaurante típico em plena Serra.
Ainda me recordo que ali era um moinho. A moleira dava-nos broa de milho amarelo. As minhas férias eram passadas a caminhar pela serra. O meu pai era professor e com 6 filhos não nos podia levar para a praia. Só me lembro no ano em que acabou a II Guerra Mundial, em 1945, tinha eu 6 anos, que o meu pai foi fazer exames na escola primária da Figueira da Foz e fomos todos para Buarcos durante um mês ou mais.

Noutra ocasião tentarei contar algumas histórias da Guiné.

Bem, Luís Graça, vão aqui dois grandes abraços, um para ti e outro para o camarada Carlos Vinhal, por quem também tenho muita estima.

JRibeiro
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15596: Prova de vida (1): Fantasias de Natal... (Manuel Luís R. Sousa)

Guiné 63/74 - P15830: Parabéns a você (1043): António Marques Lopes, Cor Art Ref (DFA), ex-Alf Mil Art da CART 1690 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15803: Parabéns a você (1041): José Rodrigues, ex- Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 7 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15829: Agenda cultural (467): Apresentação dos livros "O Combate de Naulila", da autoria de Pedro Esgalhado e "Farda ou Fardo", da autoria de Carlos Jorge Mota, dia 10 de Março de 2016, pelas 15 horas, na Messe do Militar do Porto, Praça da Batalha (Manuel Barão da Cunha)

 

Em mensagem de hoje, 14 de Março de 2016, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, deu-nos conta da apresentação de mais dois livros da colecção Fim do Império, sobre Angola, a levar a efeito no próximo dia 10 de Março na Messe Militar do Porto.





O Núcleo do Porto da Liga dos Combatentes vem, por este meio, enviar o convite para a tertúlia de lançamento e apresentação dos livros: “O Combate de Naulila” de Coronel Pedro Esgalhado, e “Farda ou Fardo?”, de Carlos Jorge Mota, que terá lugar na Messe de Oficiais, Praça da Batalha, no dia 10 de Março de 2016, pelas 15 Horas. 

O Presidente do Núcleo do Porto 
José Manuel da Glória Belchior 
Cor. Inf. CMD

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15801: Agenda cultural (466): Integrada no 15.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 2 de Março de 2016, pelas 15 horas, apresentação dos livros "Mousse de Manga", da autoria de Helena Pinto de Magalhães e "Moçangola", da autoria do Coronel Castro Figueiredo, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P15828: Notas de leitura (814): “Crónica de Uma Viagem à Costa da Mina no Ano de 1480", por Eustache de La Fosse (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
A todos recomendo que saboreiem esta obra, editada em 1992, pela Vega, hoje editora Nova Vega, adquiri recentemente a tradução portuguesa.
Manda a verdade que se diga que conheci este relato de Eustache de La Fosse quando li "Lá Découverte de L'Afrique", de que a seu tempo se fez a competente recensão.
Estas desventuras de um mercador na Mina, com tráfico de escravos, pilhagens, a descrição das ilhas Encantadas, uma condenação à morte em Lisboa e as peripécias da fuga até regressar a Flandres são um verdadeiro assombro, e com a Guiné ao fundo.
Não percam.

Um abraço do
Mário


Crónica de uma viagem à Costa da Mina no ano de 1480: 
A narrativa assombrosa de Eustache de La Fosse

Beja Santos

As desventuras de um mercador flamengo nas costas da Guiné no século XV é um cativante relato que se aprecia melhor quando se conhece o ambiente em que tudo ocorreu. Nestas costas que iam sendo progressivamente descobertas, na sequência do projeto henriquino, afoitavam-se alguns comerciantes que conheciam a tentativa do monopólio português. Estes mercadores vinham municiados de verdadeira pacotilha como pratos de cobre e estanho, latoaria, com que procuravam trocar por ouro ou escravos. Recorde-se que o primeiro mercado de escravos fora estabelecido em 1448 na baía de Arguim. Um dos pontos altos deste mercado ocorrerá no século XVI quando as plantações se desenvolveram na América; no século XV havia escravos que iam para a Madeira para o cultivo da cana-de-açúcar, o grosso deste tráfico era feito entre reinos africanos que pagavam com ouro.

É uma verdadeira economia de troca, com combates, pilhagem e a deslealdade sem limites. O reino português sentia-se legitimado pelas bulas pontifícias que prefiguraram a partilha do mundo feita em 1493 pelo papa Alexandre VI entre Espanha e Portugal (Tratado de Tordesilhas).

Eustache de La Fosse, mercador flamengo natural de Tournai, intermediário de um rico mercador de Bruges, chegou a Sevilha em 1479 e subiu para uma caravela carregada de mercadorias de troca. Irá viajar até à Serra Leoa, será preso pelos portugueses e a sua mercadoria apresada, trazido para Portugal, onde será condenado à morte por fazer contrabando, e descreve as peripécias da sua fuga. O texto foi publicado em 1897, e o responsável pela publicação R. Fouché-Delbosc tece os seguintes comentários:
“O navegador aporta a Espanha por mar; desembarca em Laredo, e atravessa Burgos, Toledo, Córdova e Sevilha. Aqui toma conta das mercadorias que deveria transportar até à Costa do Ouro. Visita Safi, as Canárias, o Rio do Ouro, o Cabo Branco, Cabo Verde, a Serra Leoa, a então chamada Costa das Sementes, e, finalmente, a Costa do Ouro. Aqui, e quando principiava a relacionar-se com os indígenas, quatro caravelas portuguesas assediam a sua embarcação, metralham-na, apossam-se dela e pilham-na. Feito prisioneiro, é obrigado a ajudar os portugueses a vender as suas próprias mercadorias.
Depois de terem capturado em diversos locais indígenas de todas as etnias, de La Fosse é levado para Portugal. Aqui, e sem mais delongas, o rei condena-o a ser enforcado por ter estado na Costa do Ouro sem a sua autorização. Consegue fugir para Espanha. Muitas aventuras mal sucedidas até que, por fim, consegue chegar a Corogne, na Flandres.
Um dos principais atrativos desta narrativa reside no facto de ter sido escrita pelo próprio navegador. Da mesma época, e referindo-se, se não às mesmas regiões, mas pelo menos a regiões próximas, só temos, como termo de comparação, nela avultando idênticas particularidades, a obra de Cadamosto (1455)”.

É uma empolgante narrativa de aventuras em que se fala da semente do Paraíso (a pimenta), as descrições geográficas, pela sua vivacidade, recordam-nos André Álvares de Almada, Eustache de La Fosse vinha para mercadejar e tudo conta ao detalhe:
“E também eles nos traziam mulheres e crianças para venda, que nós comprávamos, e depois revendíamos nos mesmos sítios ou onde nos aprouvesse. Custavam-nos mãe e filho uma navalha de barbear e ainda três ou quatro anéis de latão no ato da compra. Depois quando estávamos já na Mina, vendíamos mulheres e crianças por uns bons doze ou catorze pesos de ouro, e cada peso valia três estrelinos de ouro”.

Fala dos diferentes linguajares da Mina, do seu aprisionamento por Diogo Cão, o mesmo que chegara ao rio Combo. Refere os negócios da mourama na Mina. Garante que viu leprosos a besuntarem o seu corpo com sangue de tartarugas, assim ficavam curados. Aportaram a Cabo Verde e mais adiante falam-nos das ilhas Encantadas:
“Fizemo-nos de vela para Portugal, e tivemos vários dias de vento não favorável mas outros dias vieram em que o vento soprava de boa feição, e enquanto assim navegávamos vimos algumas aves a voar. E os marinheiros diziam que essas aves eram das Ilhas Encantadas, ilhas essas que nunca surgiam sobre as águas, tal se devendo a um bispo de Portugal que, com todos quantos o quiseram seguir, se sublevou e se apresentou a Carlos Magno, dizendo que todas as Espanhas tinham sido conquistadas pelos Sarracenos, como Aragão, Granada, Portugal, Galiza. E então o tal bispo, mais os seus sequazes, fizeram-se ao mar e foram até às ditas ilhas. E foi o caso que o dito bispo, que era um grande clérigo, e conhecendo a arte da negromância, encantou as tais ilhas, declarando que elas nunca se mostrariam a ninguém enquanto todas as Espanhas não passassem para a nossa boa-fé católica. E os marinheiros viam sempre as aves já ditas e reditas, mas nunca aos seus olhos viram as tais ilhas”.

Chegados a Lisboa, começam as novas tribulações de Eustache de La Fosse, uma fuga ousada com mil expedientes, peripécias mil, até os seus manuscritos desapareceram, e um dia aporta a Bruges, e deste modo dá fim o seu relato: e assim terminou a minha viagem, de corpo salvo, mas com todos os bens perdidos. Graças a Deus, ámen. Um documento precioso que traz um excelente contributo para o conhecimento de uma época ainda mal conhecida. Aqui se misturam a precisão das descrições geográficas, à luz dos conhecimentos da época, e se fala do encantamento, na crença das Ilhas Encantadas.

Que maravilha!
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15821: Notas de leitura (813): “A revolução portuguesa e a sua influência na transição espanhola”, tese de doutoramento de Josep Sánchez Cervelló, Assírio e Alvim, 1993; e Revista Africana, publicada pela Universidade Portucalense, número de Março de 1992 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15827: (De)caras (35): Quem nunca apanhou um pifo, de caixão à cova, que levante o primeiro copo!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)





Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70)  > Nova Lamego > c. 1969/70 >  O Valdemar Queiroz, de ter "dado de beber à dor"...

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz  (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de anteontem, do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Assunto: Quem nunca apanhou uma bebedeira, que levante o primeiro copo.

Em Nova Lamego, depois de receber notícias, embebedei-me.

Já estava na varanda do  refeitório (oficiais e sargentos) a beber uns uisques, à espera de notícias (aerogramas).

Beber uns uisques é diferente de beber uma garrafa de Antiquary (*)... E foi uma grande bebedeira.

- Então, Queiroz? Passa-se alguma coisa? - perguntou-me o 1.º Sargento Ferreira Júnior.
- Meu primeiro, isto passa com mais uns copos, isto passa  - respondi, mas já com uma lágrima no olho.

Foi a garrafa toda e que mais houvesse.

Depois levaram-me a tomar banho à fula, num bidão que  havia na nossa casa de banho e deitaram-me dormir, até de manhã.

De manhã, estávamos escalados para irmos a Cabuca levar víveres e munições. E lá fomos, numa manhã fresca do cacimbo... Nada como o cacimbo do leste da Guiné para curar um pifo de caixão à cova...  A caminho de Cabuca senti que já me estava a passar a imagem da Ilda... a minha namorada. (**)

Valdemar Queiroz
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)

domingo, 6 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15826: Atlanticando-me (Tony Borié) (9): Aguarela de Miami

Nono episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Aguarela de Miami

Quando se menciona o nome Flórida, logo se associa a Miami, dizem logo, “ho, sim Miami”, é talvez o efeito da publicidade de Hollywood, cidades como São Francisco, Los Angeles, Miami, Nova Iorque, Washington, Las Vegas, Paris, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Colónia, mesmo Lisboa, quase todos as conhecem, embora nunca lá tivessem ido.

Quando se menciona o nome Miami, quase todos nós lembramos os edifícios a sair da água da baía, os barcos de recreio, as praias locais, os corpos de jovens bronzeados, o seu clima quente durante todo o ano, os barcos de cruzeiro a saírem o canal, enfim um certo número de coisas e factos que nos foram vendidas pelas agências de informação, com a colaboração dos média, que todos os dias nos entram pela casa adentro.

A verdade é um pouco diferente, se caminharmos pelas ruas de Miami, encontramos muitas coisas, mesmo muitas, que qualquer pessoa comum, a viver numa cidade, encontra ao sair de sua casa, existem alguns “sem-abrigo”, empurrando todos os seus haveres num carrinho do supermercado, áreas debaixo de pontes e outras infraestructuras, não muito recomendáveis para se caminhar por lá, carros de polícia ou de bombeiros, ambulâncias a toda a velocidade, com sirenes em funcionamento, avisando para que os deixem passar, algumas ruas fechadas ao trânsito, só para comércio e frequentadas por muitas pessoas, de todas as idades, curiosas, algumas fazendo perguntas a que ninguém sabe responder, alguns bairros típicos, que nós, vindo de outras paragens, temos curiosidade em conhecer, portanto, talvez pela curiosidade, como já mencionamos, gostamos de caminhar por lá, como por exemplo, única e simplesmente parar em frente a uma “tasca”, no bairro da “Little Havana”, (Pequena Havana), a que também chamam de “Calle Ocho”, (Rua 8), que é um bairro social, cultural e de actividade política, de refugiados que em tempos vieram de Cuba, onde se pode comer um pão com carne assada de “cerdo”, que nós chamamos porco, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, adoçado com açúcar da verdadeira cana de açúcar.

Ao saborear esse “tinto”, se fecharmos os olhos, se pararmos de olhar em redor, podemos, na nossa imaginação, lembrar os “Tequestas”, que era uma tribo de Nativos Americanos que já viviam por aqui há mais de mil anos, mesmo antes da era Cristã, que tiveram a infeliz sorte de ser um dos primeiros povos a ter contacto com os europeus, depois deste facto, claro, foram a pouco e pouco desaparecendo. Por volta do ano de 1566, Pedro Menéndez de Avilés, ao serviço do reino de Espanha, navegou por aqui reivindicando toda esta área, chamando-lhe Florida Espanhola e, muitos anos e muitos combates depois, tanto no mar como nas dunas de areia, quando o reino de Espanha fez um tratado com a Inglaterra cedendo-lhe toda esta área, já pouco restava deste povo, tinham desaparecido quase por completo, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.


Se caminharmos pela Miami Beach Boardwalk, que é uma avenida em frente ao oceano Atlântico, em “Miami Beach”, deparamos com uma equipa de fotógrafos que estão protegidos pelos célebres ”guarda-costas”, à espera que a equipa de maquilhadores prepare o rosto de determinada “vedeta”, a preparem-na para ser fotografada, com gestos de aparência, como sendo uma paragem normal, em qualquer esplanada de café, que depois vai correr mundo, dizendo que fulano ou fulana está de férias em Miami, passando uns dias, aí podemos lembrar que aquele local foi onde esteve erguida uma Missão Espanhola, que Pedro Menéndez de Avilés, quando aqui desembarcou, deu ordens para ser erguida, davam-lhe o nome de Missão, mas na verdade era um pequeno forte, armado, habitado por alguma população treinada para combate, pois toda esta área a que hoje chamam Miami, naquele tempo foi sempre um lugar de combate, não só frequentado por corsários, vulgo “piratas”, onde até mais tarde foi palco durante muito tempo da “Segunda Guerra Seminole”, que colocava frente a frente um povo que por aqui vivia em paz, usufruindo do que a natureza lhe oferecia, com o governo de então, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

A Segunda Guerra Seminole foi o resultado de um Tratado assinado por um pequeno número de Seminoles, por volta do ano de 1832, que exigiu aos índios que abandonassem as suas terras na Florida dentro dos próximos três anos, movendo-se para oeste. Claro que os Índios, considerando-se os verdadeiros donos das suas terras, não as abandonaram e, três anos depois, portanto por volta de 1835, o Exército dos Estados Unidos chegou para fazer cumprir o tratado, nessa altura os Índios estavam prontos para a guerra. Um tal Major Francis Dade marchou com o seu Destacamento de Exército, de Fort Brooke para Fort King, não esperando que apenas 180 guerreiros Seminoles, liderados pelos chefes Micanopy, Alligator e Jumper os atacasse, onde apenas um militar sobreviveu à emboscada, talvez para poder contar como tudo aquilo aconteceu, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Voltando a Miami Beach Boardwalk, mais um pouco à frente está um grupo de fotógrafos, com as suas máquinas apontadas a determinada varanda, pois pela tardinha vai haver lá “festa um pouco extravagante”, onde vão aparecer de vez em quando algumas caras conhecidas, que podem ser do desporto ou de Hollywood, quase sem roupa, debruçando-se na referida varanda, com poses estudadas, também para que essas imagens corram mundo, mas não vamos esquecer a tal “vedeta” que se preparava para ser fotografada, de que já falámos, talvez com um copo na mão, cheio de bebida, com pedras de gelo, muito florido, com uma rodela de limão ou laranja, em cima, pendurada de lado no copo, aí, vendo o limão ou laranja, temos que lembrar, na nossa imaginação, Julia Tuttle, que era uma rica produtora de citrinos, nativa de Cleveland e que ainda hoje mantém a distinção de ser a única mulher fundadora de uma grande cidade, onde os primeiros relatos descrevem a zona como um promissor deserto, que nos primeiros anos do seu crescimento chamavam "Biscayne Bay Country", e hoje é Miami, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Já nos estávamos a desviar da guerra, não vamos cortar o fio à meada, como se dizia no nosso tempo, as campanhas da “Segunda Guerra Seminole” foram uma demonstração notável da guerra de guerrilha Seminole. Os chefes Micanopy, Alligator, Jumper e mais tarde Osceola, dirigindo menos de 3000 guerreiros, pelos pântanos e areias desta área da Flórida, lutaram contra quatro generais norte-americanos e mais de 30.000 soldados. A Segunda Guerra Seminole durou 7 anos, foi a guerra mais feroz travada pelo governo dos Estados Unidos contra os Índios americanos, que gastou mais de 20 milhões de dólares, deixando mais de 1500 soldados mortos, não contando as baixas na população civil, que foi incontornável, assim como a relação para gerações futuras, que ficaram marcadas, entre o branco e o Índio Americano, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Tirando toda esta guerra do pensamento, pelo menos por momentos, Miami também pode ser apreciada e fotografada cá de cima, viajando no seu moderno sistema de metropolitano, com pontes sobre os canais e infraestruturas ao longo das ruas e avenidas, deste modo podemos lembrar, na nossa imaginação, Henry Flagler, um magnata dos caminhos de ferro, a quem posteriormente Julia Tuttle convenceu, não se sabe com que meios, a expandir os seus comboios até à região, talvez para transporte para o exterior do produto das suas plantações de citrinos.

Voltando à guerra, Julia Tuttle e Henry Flagler eram amigos, trabalhavam em conjunto, não como muitos anos antes, durante a “Segunda Guerra Seminole”, à medida que as hostilidades se arrastavam, as forças dos Estados Unidos, talvez frustradas, voltavam-se para medidas, algumas desesperadas, para ganhar a guerra, como por exemplo o chefe Osceola que foi capturado e preso quando se reuniu com as tropas dos Estados Unidos para pedir uma trégua, reivindicando e querendo falar de paz.

Com este procedimento, os Estados Unidos, com o chefe Osceola preso, estavam confiantes que a guerra terminaria em breve, mas isso não aconteceu, embora o chefe Osceola tivesse morrido na prisão no ano de 1838, outros líderes Seminoles continuaram a batalha, por mais alguns anos, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Uf, tanta guerra e tanto Miami, vamos caminhar para oeste, parar na “Calle Ocho”, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, temperado com açúcar, da verdadeira cana de açúcar.

Tony Borie, Março de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

Guiné 63/74 - P15825: Inquérito 'on line' (40): Num total de 126 respostas, quatro razões principais são apontadas em termos de "problemas" das NT logo no início da guerra: (i) Deficiente instrução (73%); (ii) Deficiente equipamento (63%); (iii) Cansaço (62%); e (iv) Instalações inadequadas (61%)


Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > A LDM 300, encalhado em terra, à espera da maré-cheia. Foto do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65).


Foto (e legenda): © José Colaço (2014). Todos os direitos reservados.



OPINIÃO: LISTA DE PROBLEMAS NO TO DA GUINÉ, LOGO EM 1963 (COM-CHEFE, BRIG LOURO DE SOUSA)... 


Resultados finais do nosso inquérito 'on line' [ou 'em linha] 

1. Deficiente instrução das tropas e quadros  > 92 
(73.0%)

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno  > 79 
(62,7%)

7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole  > 78 (61,9%)

6. Instalações inadequadas  > 77 
(61,1%)

4. Abastecimento (material, munições, víveres e água)  49 
(38,9%)

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos  > 35 
(27,8%)

5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses  > 34 
(27.0%)


8. Outros problemas não referidos acima (pelo Com-chefe Louro de Sousa)  > 24 
(19,0%)

Votos apurados: 126
Sondagem fechada, 4/3/2016, 17h36

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15819: Inquérito 'on line' (39): Camarada, qual a tua opinião sobre os três a cinco principais problemas das NT no TO da Guiné ? 112 de nós já respondemos...E tu ? Podes responder até 6ª feira, dia 4, 17h36

sábado, 5 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15824: (De) Caras (34): Bla, bla, bla .... e o almoço de 16 de Abril (António Matos)

1. O nosso camarada António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem.

Bla, bla, bla... e o almoço de 16 de Abril

Não me é fácil inscrever numa confraternização onde perto de 100% dos confrades me são desconhecidos pese embora o facto de termos partilhado, pessoalmente ou por interposta pessoa, um território que, sendo hostil por missão, se tornou o nosso poiso e onde partilhámos experiências agridoces desde lutas e tiroteios, doenças ou amores, correspondidos uns, nem tanto outros ...

Tendo contribuído há alguns anos atrás com uma participação muito activa neste nosso blogue, a verdade é que optei por o seguir com interesse mas do lado de cá, de fora, e com uma assiduidade, no mínimo, duvidosa.

Todos os anos me apercebo do habitual almoço mas hoje fui possuído por uma certa vontade de estar presente em Abril.

Sem com isto estar a formalizar uma inscrição,vou deixar passar o tempo de amadurecimento da ideia e aguardar o entendimento dos neurónios para depois decidir em conformidade.

Haverá, quiçá, quem alvitre que eu esteja a fazer-me de caro, ao(s) qual(ais) e sem qualquer intuito de justificação ( parafraseando o Tenente Coronel Mexia Leitão que tive o prazer de conhecer nos Arrifes, no BII 18 em 1970 ) direi apenas : evita-te, homem !

Estando a jogar num fifty / fifty, vou aproveitar a ocasião para, admitindo a minha ausência e na pessoa do Luís Graça, desejar a todos um grande almoço e um saudável fim de semana.

Admitindo a presença, um até 16 de Abril !

Abraços,
António Garcia de Matos
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Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 4 DE MARÇO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15820: (De) Caras (33): Somos a Tabanca Grande, com 711 elementos, dos quais 669 vivos, 602 camaradas, mais 67 amigos/as... Voltamos a juntar-nos no dia 16 de abril em Monte Real, pelo menos uns 200 (que é a lotação máxima)... "Oxalá / Inshallah / Enxalé que Deus e os bons irãs nos protejam"...

Guiné 63/74 - P15823: In Memoriam (246): Evocação de minha mãe. Dois meses depois da sua morte. (Jorge Alves Araújo)



Lisboa (Marvila) - eu e os meus pais em 08.08.1952



1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos uma mensagem em memória da sua saudosa e querida mãe. 

EVOCAÇÃO DE MINHA MÃE
- DOIS MESES DEPOIS DA SUA MORTE -

– INTRODUÇÃO 

Evocar é lembrar, trazendo à memória o que podemos recordar daquela que, com amor, nos deu a vida – a nossa mãe, sendo este o objectivo supremo da presente narrativa.

O acto da sua morte foi, por mim, vivido com uma sensação estranha difícil de descrever e de aceitar por ser uma experiência única, pessoal e irrepetível, e que certamente, com mais ou menos dificuldade, o tempo me ajudará a superar… teoricamente. 

Passados que estão dois meses após nos ter deixado fisicamente, quero neste momento reforçar o quão grato vos estou, camaradas ex-combatentes e tertulianos deste espaço plural e solidário, por todas as palavras amigas e de conforto que me fizeram chegar das mais diversas formas (contactos pessoais, telefónicos, mensagens, emails, blogue, velório e funeral), as quais foram oxigénio que me ajudaram a respirar durante o período mais febril e problemático. (a foto é de 1946).

Ao desmontar o espaço onde viveu e conviveu durante sessenta anos, pois a sua habitação em Moscavide era arrendada, e onde através dos tempos foi ordenando os seus bens, singulares e colectivos, revivi memórias antigas, desde a infância até à adolescência, e outras mais recentes, nas quais se incluem também memórias da Guiné (umas bem presentes, outras nem tanto), testemunhos que ela guardou religiosamente durante quarenta e cinco anos, e que oportunamente serão utilizados na elaboração de novos textos.


1. – ANTECEDENTES (cronologia)

Depois de ter estado no fim-de-semana de 7-8NOV2015, na Figueira da Foz, onde aproveitei essa estadia para investigar, em parceria com o camarada António Bonito (ex-Furriel da CART 3494), o paradeiro versus situação do Mário Nascimento (ex-soldado da nossa companhia), que fora ferido na Ponta Coli, em 01DEC1972, e cujas notícias anteriores nos davam conta de que se encontrava na qualidade de «sem abrigo», mas que, por via dos nossos contactos, viemos a saber que falecera em 08JUN2014, no Lar de Santo António, naquela cidade. [P-15.390].

De regresso a Almada, o dia seguinte foi dia do meu aniversário [verdadeiro] e o que se seguiu (3.ª feira) o oficial [nasci a 9 e fui registado a 10NOV], tendo almoçado com a minha mãe, aquela que seria a nossa última refeição juntos e o último contacto físico, rumando depois para o Algarve (Portimão) no cumprimento da minha actividade profissional ou académica no ISMAT, onde permaneci até ao final da tarde de 4.ª feira, dia 11NOV.

Na 5.ª feira (12), telefonou-me pela manhã, como era habitual, para saber como tinha decorrido a viagem e se tudo/todos estava(m) bem, ao que lhe respondi afirmativamente. Prometi ligar-lhe mais tarde, após concluir as tarefas académicas a que estava obrigado na sequência das aulas da véspera.

A meio da tarde ligou-me, em desespero, dizendo: “filho… estou a ficar paralisada. A minha cabeça vai rebentar. Vou morrer”, desligando-me o telefone de imediato, sem uma palavra minha. Acabou por ser a última frase que dela gravei.

Por efeito dos seus gritos, as vizinhas do prédio foram alertadas prestando-lhe os primeiros cuidados, incluindo o contacto com o INEM, que a transportou para o Hospital de S. José – Serviço de Urgência, onde deu entrada pelas 17h42, tendo transitado para a Unidade de Neurocirurgia no dia 13, pelas 01h34 (conforme consta no boletim clínico informatizado).

Nesse mesmo dia de manhã (6.ª feira) depois de a ter localizado no referido hospital e na sequência de uma reunião com os médicos que a assistiram, foi-me dito que a minha mãe tivera uma ruptura de aneurisma e que entre as 16/18 horas iria ser intervencionada. Aguarde pelo nosso contacto… disseram-me.

No sábado, pela manhã, voltei ao hospital para saber como ela estava a evoluir. Foi com espanto que recebi a notícia de que, afinal, a minha mãe não tinha sido intervencionada, uma vez que a operação anterior à sua se tinha prolongado até próximo da meia-noite, e já não existiam condições objectivas para uma nova intervenção cirúrgica. Acresce dizer, ainda, que no âmbito desse contacto acabei por ser “enganado”, ao justificarem-me a não intervenção cirúrgica da minha mãe, no sábado 14, devido à equipa médica de serviço estar de prevenção na sequência dos atentados em Paris, na véspera. 

Como se veio a confirmar algumas semanas mais tarde, o acima referido não era verdadeiro, como foi divulgado/denunciado pelos diversos órgãos de Comunicação Social, como prova o exemplo referido no Jornal «Público» (passe a publicidade).

Deste modo, a minha mãe só seria operada na segunda-feira 16, entre as 9h30 e as 18h30, num total de 9 horas, o que diz bem da situação de altíssimo risco de vida em que se encontrava. Entre a sua entrada no hospital e o início da cirurgia decorreram oitenta e sete horas, deixando antever que eram mínimas as esperanças de sobreviver, situação que acabou por se verificar no dia 27 de Dezembro de 2015, domingo, quarenta e cinco dias após aí ter sido hospitalizada.

Lamentavelmente não foi caso único, como comprovam as estatísticas existentes no Ministério da Saúde, o de morrer por falta de apoio hospitalar ao fim-de-semana, sendo mais uma vítima justificada por razões economicistas. 

Espero que esta situação se alter em nome da VIDA, que tantos responsáveis apregoam, mesmo tendo perdido minha MÃE. 

2. – EVOCAÇÃO DE MINHA MÃE

Depois da morte de meu pai [1923.09.29-1995.03.11], com quem casou em 21DEC1947, minha mãe tinha então sessenta e sete anos, passando por esse facto a viver só. No início, ou seja há vinte anos, tinha um suporte social de alguma dimensão por via da relação de proximidade que existia entre a vizinhança, que aos poucos se foi reduzindo por razões de doença.

Em 2002 encontrou uma companhia – a poesia – que não mais a deixou, declamando os seus trabalhos (sempre com novidades) em convívios familiares ou quando surgia uma oportunidade fora deste contexto.

E uma das oportunidades que lhe surgiu tinha como possibilidade a participação no projecto «Encontro de Poesia», iniciado em 1996 pela Câmara Municipal de Loures, este inserido num programa mais vasto de outras actividades a que deram o nome de «Viver Outubro – Mês do Idoso». 

A sua primeira participação ocorreu no ano de 2002, tinha então setenta e quatro anos de idade. Desde essa data, e durante catorze edições [2002-2015], manteve a sua ligação ao projecto enviando os seus trabalhos para publicação e declamando-os em cerimónias públicas organizadas anualmente por esse Município. 

O seu primeiro poema conta o itinerário da sua vida de mais de oito décadas, e por ser verdade aqui o reproduzimos, como reconhecimento e tributo público do quanto estou grato e orgulhoso dela.


2003.10.11 - António Pereira (Vereador) e Georgina Araújo (minha mãe) durante o VIII Encontro de Poesia realizado na Sala Polivalente da Biblioteca José Saramago, em Loures.


Pedaços da Minha Vida

Visitei a minha terra,
E vi que nada mudara,
Estava tudo como dantes,
Até as pedras da calçada.
--
As casas eram as mesmas,
Tudo era triste e vazio,
Ao recordar o passado,
Senti-me cheia de frio.
--
A vida que lá passei,
Deixou muito a desejar,
Sem amparo do pai,
Lutei até me casar.
--
O casamento me trouxe
Um bem-estar aparente,
Vieram dois filhos queridos
E a luta foi bem diferente.
--
Fui pai, fui mãe e mulher,
Com orgulho escrevo aqui,
São recordações que ficaram,
De uma vida que vivi.
--
Trabalhei de sol a sol,
Para o sustento do lar,
Mas o destino teimava,
Em não me querer ajudar.
--
Aos filhos não se deu muito,
Pois não chegava p’ra mais,
Só o pão nosso de cada dia,
Tudo o resto era de mais.
--
Numa altura bem penosa,
O marido quis partir,
Para a vida ser melhor,
E nela poder subir.
--
Imigrante por seis meses,
Jamais consegue vencer,
Volta para a sua terra,
E vê os filhos crescer.
--
Tudo passou com os anos,
Foram bons e maus momentos,
Estava ainda por chegar,
O maior dos meus tormentos.
--
Sem esperar tudo mudou,
Nessa hora derradeira,
Meu marido adoeceu,
Fiquei sempre à sua beira.
--
Foram três anos de luta,
Entre a vida e a morte,
Confesso que esperava,
Que ele tivesse mais sorte.
--
Se foi feliz numa coisa,
Ninguém o pode negar,
Teve sempre uma esposa,
Que nada lhe deixou faltar.
--
Mas o destino cruel,
Antecipou-lhe a partida,
Levando tudo de mim,
Na hora da despedida.
--
Minha vida não foi fácil,
Para encontrar a solução,
Pois tinha que sarar a ferida,
Que ficou no meu coração.
--
Pensei bem e fui p’ra frente
Do combate… combater,
Hoje já estou bem diferente,
Lutando para vencer.
--
Em frente eu quero ir,
E não perder a esperança,
Quando acaba a tempestade,
Vem a seguir a bonança.
--
Sou teimosa e persistente,
Quero chegar à vitória,
Viver melhor o presente,
Dos fracos não reza a história.

Georgina Araújo
2002.04.04


2015.10.18 - Reunião do XIX Encontro de Poesia realizado no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, em Loures (que seria a sua última participação, três semanas antes de adoecer). No círculo a amarelo está a minha mãe.

Eis uma singela evocação de minha mãe e o merecido tributo que lhe é devido, dois meses depois da sua morte.

Obrigado pela vossa atenção.

Um forte abraço e muita saúde.
Jorge Araújo.
05DEC2015.
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: