Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Guiné 61/74 - P20009: Agenda cultural (696): Apresentação do livro do nosso camarada Joaquim da Silva Jorge, "Ferrel através dos tempos", 9 de agosto de 2019, 6ª feira, às 17h00, no salão de festas do Jardim Infantil de Ferrel, "a capital da luta contra o nuclear"
Capa do livro do Joaquim da Silva Jorge, "Ferrel através dos tempos", edição de autor, 2019, 391 pp. Índice da obra e ficha técnica
1. Mensagem de Joaquim [da Silva] Jorge, régulo da Tabanca de Ferrel / Peniche, ex-alf mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66, BCAÇ 619, Catió, 1964/66), bancário reformado, ex-autarca e ativista comunitário:
Enviado: 8 de julho de 2019 19:43
Assunto: convite
Agradeço a tua presença na apresentação do meu livro "Ferrel através dos Tempos" que se realizará no dia 9 de Agosto (6ª feira) às 17h00, no salão de festas do Jardim Infantil de Ferrel.
Obrigado!
Joaquim Jorge.
2. Há 43 atrás, em 15 de março de 1976, a população de Ferrel levantou-se em peso contra a planeada construação de um central nuclear no concelho de Peniche.
Ficou desde então conhecida como a Capital da Lutra contra o Nuclear. Joaquim Jorge, membro da comissão de moradores de Ferrel, e posteriormente da CALCAN – Comissão de Apoio à Luta Contra a Ameaça Nuclear, teve na altura um papel destacado nesta luta, aqui evocada no seu livro (pp. 61-80), tal como a participação dos jovens de Ferrel quer na I Grande Guerra quer na guerra colonial (pp. 45-60).
A efeméride, o 43º Aniversário da Luta Contra o Nuclear, em Ferrel, foi devidamente assinalado, com diversas atividades, no passado dia 15 de março de 2019. Foi descerrada uma placa com o marco da "Capital da Luta Contra o Nuclear". Destaque para a intervenção do nosso camarada e amigo Joaquim Jorge.
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Nota do editor:
Último poste da série > 20 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19996: Agenda cultural (695): o fabuloso grupo musical Galandum Galundaina, 4 vozes, 20 instrumentos, os sons únicos, ancestrais, das Terras de Miranda, Nordeste Transmontano, hoje, às 24h00, na "Batalha do Vimeiro, 1808", Vimeiro, Lourinhã
quarta-feira, 24 de julho de 2019
Guiné 61/74 - P20008: Historiografia da presença portuguesa em África (169): “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço; Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2018:
Queridos amigos,
Jorge Vellez Caroço, filho do Governador Vellez Caroço, deu provas de competência e rigor enquanto foi Diretor dos Assuntos Indígenas, e numa das suas atividades procedeu a um inquérito no Gabú. Reúne elementos à luz dos conhecimentos da época, do que se sabia ou discutia quanto às origens das populações africanas, grandes invasões, impérios do Gana e Mali, reinos Fulas.
A investigação avançou muito e a todos os que se interessam por estas matérias não se pode deixar de recomendar a tese de doutoramento de Carlos Lopes com o título "Kaabunké - Espaço, Território e Poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance Pré-Coloniais", editado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999. Iremos apreciar a restante obra até ao período do régulo Monjur e posteriormente far-se-á referência ao trabalho de Eduardo Costa Dias sobre o regulado do Gabú entre 1900 e 1930.
Um abraço do
Mário
Monjur, o Gabú e a sua História, por Jorge Vellez Caroço (1)
Beja Santos
Em 1948, o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicava o trabalho “Monjur, o Gabú e a sua História” por Jorge Vellez Caroço. Jorge Vellez Caroço, filho de Jorge Frederico de Vellez Caroço, governador da Guiné entre 1921 e 1926, fora diretor de um departamento ligado aos assuntos indígenas, o seu nome aparece num conjunto de relatórios que tiveram a ver com um incidente de uma aeronave francesa que se teria despenhado em chão Felupe, nos anos 1930, esta vasta documentação, bem curiosa por sinal, está a ser estudada pela investigadora Lúcia Bayan, razão pela qual aqui não se faz referência ao seu conteúdo. Diga-se em abono da verdade que o título da obra não corresponde completamente ao conteúdo. Em 1933, no exercício das suas funções, Jorge Vellez Caroço conduziu um inquérito sobre o estado da política indígena na circunscrição civil do Gabú, mexeu em muitos papéis, fez muitas consultas, ouviu populações e consultou mesmo autoridades da África Ocidental Francesa.
Arranca a sua investigação sobre os autóctones da raça negra, fala dos negrilhos, seres de estatura abaixo da mediana, tudo mudou com as invasões dos Bantos ao Sul e os Indo-arianos ao Norte, ficaram poucos vestígios destes autóctones. Refere a seguir os negros invasores, negros da Índia, Filipinas e Oceânia, afirma claramente que os negros de África vieram de Oceânia. Constituíram uma civilização primitiva, tinham um fundo acentuadamente religioso, são-lhes atribuídos monumentos em pedra de origem bastante misteriosa que se têm descoberto em várias regiões da África Negra, caso dos edifícios do Zimbabué e das rochas gravadas da Gâmbia. Segue-se outra invasão e os negros eram já miscigenados com negrilhos e Bantos, formou-se um terceiro grupo, o dos negros sudaneses. Seria esta a origem da África Negra. Tece depois referências aos Hicsos e aos Árabes, seguem-se os Berberes. E assim se chega ao Império do Gana, que teve o seu período florescente entre os séculos IX e X, entrando em declínio no século XI sob a pressão conquistadora dos Almorávidas, que conquistaram a capital do Império em 1203. Na continuação da miscigenação apareceram os Songais, os Sereres, os Gangara e os Mandingas propriamente ditos ou Malinqués. Em novos cruzamentos aparecem dois grupos populares importantes: os Saracolés ou Soninqués e os Fulas. Estes povoaram a região do Futa-Toro e Futa-Djalon, chegando até à região do Chade. Assim se vão definindo os dois principais povos que habitaram o Gabú. O autor tem a hombridade de esclarecer que o trabalho fora elaborado 14 anos antes, formular hipóteses sobre a origem dos Fulas, faltavam-lhe estudos mais recentes.
Segue-se a influência do Islamismo na constituição de vários Estados. São essencialmente os Almorávidas, a um tempo guerreiros e missionários que se lançaram na Guerra Santa, um grupo foi para o Norte, fundou um poderoso império em Marrocos, que se estendia até à Argélia e ao Ebro e o outro desenvolveu a sua ação nas regiões sudanesas, atacou todos os agrupamentos étnicos das margens do Senegal e do Níger, lançando-se sobre o Império do Gana, que dominou. Após esta conquista, o Islão foi aceite pacificamente pelos reis Mandingas, senhores do Alto Senegal e Alto Níger, estendendo a sua ação até aos Djolas e muito mais. Quem não quis abraçar o Islamismo sujeitou-se a penosas migrações, dando origem a novos Estados. Foi o que aconteceu com os Sereres, os ancestrais dos Fulas, os Soninqués que se estabeleceram além-Senegal, no Futa-Toro.
O Império Mandinga entrara em declínio no século XVI, a hegemonia passou para os Songai ou Songoi. Quando, na segunda metade do século XVII, sucumbiu o poder marroquino, os Mandingas tentaram recuperar o seu predomínio, encontraram as maiores dificuldades, povos como os Bambaras fizeram-lhes frente. É dentro destas migrações que os Fulas avançam para as regiões de Firdu e Kabou, hoje aproximadamente a área do Gabú.
Jorge Vellez Caroço procede ao registo do Império Mandinga Malinqué ou de Mali entre os séculos XI a XVII, dizendo que este império fundado por Malinqués ou Mandingas foi o mais poderoso dos impérios indígenas que se constituíram no Sudão Ocidental. No século XIII, este império esteve submetido por pouco tempo ao poder de um rei Sôsso, depois recuperou autonomia, o império atingiu o seu apogeu e entra em declínio no século XV. É neste período, mais propriamente em 1481 que o Mansa ou Rei, vendo-se ameaçado pelas investidas dos seus inimigos, aproveitou-se da vizinhança das feitorias dos portugueses e pediu auxílio a D. João II. O monarca português procurou estabelecer amistosas relações com o Império Mandinga, estas operações de boa vontade continuarão. Os Bambaras destruíram o Império do Mali em 1670.
Procurando equacionar a presença Mandinga e Fula na região do Gabú, o autor refere-se ao reino Fula, cheio de vicissitudes. E entramos numa matéria nova, o Futa-Djalon, o Firdu e o Gabú, a correlação entre estas regiões e os seus habitantes. Fala-se novamente no Futa-Toro, que se estendia do rio Senegal e de regiões da Gâmbia até às montanhas e que teve um Estado fundado em meados do século XV por um Fula pagão, Coli Tenguela. O Futa-Djalon situa-se numa região montanhosa, ao tempo em que o autor escreveu era habitado por população da África Ocidental Francesa e constituía a maior parcela da Guiné Francesa. Dada a fertilidade do solo, das magníficas pastagens, foram atraídos Saracolés, Mandingas, Fulas e Sôssos. Desse cruzamento resultaram os Fulas do Futa que na Guiné-Bissau são conhecidos por Futa-Fulas. O Estado do Futa-Djalon foi fundado em meados do século XVIII, eram guiados por Marabús, homens de letras e estudiosos, sob a forma de um reino feudal.
Falemos agora de Firdu e Gabú. A vasta região conhecida por Kabu é contornada ao norte pelo rio Gâmbia, estende-se a oeste até às vizinhanças da embocadura do rio Casamansa, compreendendo quase todo o território do mesmo nome – rio Geba e rio Grande. Na então Guiné Portuguesa, abrangia o território que era a terra dos Djolas e Beafadas a que os Fulas chamaram Forreá, a terra dos Nalus e as atuais circunscrições de Farim, Bafatá e Gabú. É um caleidoscópico étnico difícil de assimilar, com Fulas-Cativos, Fulas-Pretos, Fulas-Forros, Soninqués, Mandingas, Djolas ou Beafadas. Importa esclarecer que a designação de Soninqués, atribuída aos Saracolés, parece ter origem no facto de professarem a religião do Deus Soni, constituíam uma força resistente ao Islamismo a que não se converteram.
Dado, na lógica do autor, o mosaico étnico da África Negra, a constituição de sucessivos impérios, o reino do Kabu, faz-se uma referência a Firdu e ao seu grande régulo Alfa Moló, estamos numa época em que o Tenente Francisco Marques Geraldes, da circunscrição de Geba, é obrigado a reprimir uma invasão de Mussá Moló, filho de Alfa, e com grande sucesso, acabara-se o grande território do Firdu. E agora o autor vai falar-nos sobre o povoamento do Gabú, a partir da ocupação Mandinga.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19985: Historiografia da presença portuguesa em África (167): “A Cultura do Poder, a propaganda nos Estados autoritários”, com coordenação de Alberto Pena-Rodríguez e Heloísa Paulo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P20007: In Memoriam (344): António Duarte Parente, 2º srgt inf, Pel Caç Nat 53, falecido no HMP, em Lisboa, em 12/7/1970, vítima de acidente com canhão s/r, russo, 82 B-10, no Saltinho, em 13 de maio de 1970, ao tempo da CCAÇ 2701... Era natural do Fundão, foi inumado na Covilhã (Paulo Santiago / José Martins)
Guiné > Região de Gabu > Piche > Setembro de 1968 > Canhão s/r M40 106 mm, de origem americana, montado em jipe... Era uma arma pesada de infantaria.. Foto do álbum do artilheiro João Martins (ex-alf mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69), que só lidava com os obuses 14...
Caraterísticas da armas (**):
Origem: EUA;
Ano: 1954;
Calibre: 105 mm (,embora fosse comhecido pelo 106, para se distinguir da versão anterior, M27, que se revelou um fiasco, também de calibre 105 mm);
Comprimento: 3,040 m;
Peso: 209,5 kg;
Altura: 1, 12 m;
Alcance máximo: 6870 m;
Alcance prático: 1350 m;
Capacidade de fogo: : 1 granada por minuto;
Alinhamento do aparelho de pontaria:: Colocado do lado esquerdo da arma, ao lado da espingarda M8.
Funcionamento: O projéctil está ligado ao cartucho perfurado, como numa munição de arma ligeira, para um melhor alinhamento, carregamento e extracção do cartucho. O cartucho está perfurado para melhor saída dos gases, após o disparo, evitando o recuo da arma.
Munição: Granada explosiva HEAT 106 x 607 mm
Velocidade de saída: 503 m por segundo (podendo penetrar 400 mm de blindagem)
Calibre: 105 mm (,embora fosse comhecido pelo 106, para se distinguir da versão anterior, M27, que se revelou um fiasco, também de calibre 105 mm);
Comprimento: 3,040 m;
Peso: 209,5 kg;
Altura: 1, 12 m;
Alcance máximo: 6870 m;
Alcance prático: 1350 m;
Capacidade de fogo: : 1 granada por minuto;
Alinhamento do aparelho de pontaria:: Colocado do lado esquerdo da arma, ao lado da espingarda M8.
Funcionamento: O projéctil está ligado ao cartucho perfurado, como numa munição de arma ligeira, para um melhor alinhamento, carregamento e extracção do cartucho. O cartucho está perfurado para melhor saída dos gases, após o disparo, evitando o recuo da arma.
Munição: Granada explosiva HEAT 106 x 607 mm
Velocidade de saída: 503 m por segundo (podendo penetrar 400 mm de blindagem)
Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos oas direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. Resposta do Paulo Santiago, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70) que conhecia o 2ºsargento A. Duarte Parente, justamente do Saltinho, e que faz parte da guarnição do heli AL III que fez a sua evacuação para o HM 241, em Bissau (" talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné: desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado); pelo seu estadoemocional, com a sua lúcida compreensão da sua situação clínica; finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções") (*):
Caro Jorge Narciso:
Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho", 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca].
A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg [António Duarte] Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970.
O trágico acidente resultou de um disparo ocasional do Canhão S/R 82 B10 [, de fabrico russo,] naquele dia instalado no Saltinho, mais tarde foi comigo para o reordenamento de Contabane. (Por curiosidade: também nos primeiros dias de novembro de 1970, foi um heli ao Saltinho buscar, por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri, Op Mar Verde, soubemos à posteriori.)
Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.
Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, o cap [Carlos] Clemente [, cmdt da CCAÇ 2710], o alf mil [Martins] Julião, o srgt Demba, da Milícia, 2º srgt Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma, para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho, acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...
O 2º srgt Parente estava logo atrás do canhão s/r, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM 241-
Como dizes,o Parente morreu passado um mês [, em 12 de junho de 1970, no HMP, em Lisboa].
1. Resposta do Paulo Santiago, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70) que conhecia o 2ºsargento A. Duarte Parente, justamente do Saltinho, e que faz parte da guarnição do heli AL III que fez a sua evacuação para o HM 241, em Bissau (" talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné: desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado); pelo seu estadoemocional, com a sua lúcida compreensão da sua situação clínica; finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções") (*):
Caro Jorge Narciso:
Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, "Os Tigres do Saltinho", 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca].
A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg [António Duarte] Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo alf mil António Mota que eu fui substituir em outubro de 1970.
O canhão s/r 82 B-10, de fabrico soviético, usado em muitas guierras civis, uma arma hoje obsoleta mas que foi o "canhão dos pobres" (caso da luta de guerrilha do PAIGC). Exemplar existente no museu Batey ha-Osef, Tel Aviv, Israel. Cortesia de Wikipedia. |
Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.
Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, o cap [Carlos] Clemente [, cmdt da CCAÇ 2710], o alf mil [Martins] Julião, o srgt Demba, da Milícia, 2º srgt Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma, para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho, acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...
O 2º srgt Parente estava logo atrás do canhão s/r, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM 241-
Como dizes,o Parente morreu passado um mês [, em 12 de junho de 1970, no HMP, em Lisboa].
Já como comandante do Pel Caç Nat 53, recebi uma carta da viúva, pedindo-me ajuda na resolução de um qualquer problema que agora não recordo.
Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...
Por sua vez, o alf mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF ]. Guarda Fiscal]. O Sarg Demba da Milícia irá morrer, dois anos mais tarde, no Quirafo, em abril de 72...
Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...
Por sua vez, o alf mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF ]. Guarda Fiscal]. O Sarg Demba da Milícia irá morrer, dois anos mais tarde, no Quirafo, em abril de 72...
Será que o Parente ainda viu a filha antes de morrer? Apesar de não o ter conhecido, é-me penoso falar desta tragédia.
Abraço
Paulo Santiago (***)
2. Dados recolhidos em tempos pelo nosso colaborador permanente, José Martins (*):
Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74) (**):
Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo: 4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
(...) O PAIGC utilizava essencialmente o CSR para defesa das suas instalações, mas também para flagelações aos nossos aquartelamentos e, por vezes, em emboscadas às nossas tropas, seja a colunas auto, seja a elementos apeados.
O CSR B-10 era uma excelente arma e relativamente manobrável para aquele tipo de cenário, daí o recurso ao seu uso por parte dos guerrilheiros. As forças portuguesas também utilizaram estes CSR (apreendidos) mas sempre no sentido defensivo.
Não esquecer que o uso deste tipo de armamento requeria os cuidados semelhantes aos que se tinham com os LGF, ou seja, aquando do disparo da arma, ninguém podia estar atrás da mesma, por causa do cone de fogo que lançava à retaguarda. (...)
Abraço
Paulo Santiago (***)
(i) António Duarte Parente, 2º Sargento do Infantaria nº 50698311;
(ii) natural da freguesia de Vale de Prazeres, concelho do Fundão;
(iii) filho de LuÍs Moreira Parente e Conceição Nascimento Duarte;
(iv) casado com Maria da Conceição EmÍlia da Silva Parente,
(v) mobilizado no Regimento de Infantaria nº 14 em Viseu;
(vi) pertenceu ao Pelotão de Caçadores Nativos nº 53 do CTIG;
(vii) faleceu em 12 de junho de 1970 no Hospital Militar Principal (hmp), em Lisboa, vitima de acidente cm arma de fogo, no Saltinho, tendo sido atingido pelo sopro de canhão sem recuo em 13 de maio de 1970;
(viii) foi inumado no Cemitério Municipal da Covilhã.
3. CANHÃO SEM RECUO (CSR) 82 B-10
3. CANHÃO SEM RECUO (CSR) 82 B-10
Características desta arma segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74) (**):
[Em inglês, B-10 recoilless rifle]
Tipo: Canhão Sem Recuo (CSR) B-10;
Origem: União Soviética:
Ano: 1954:
Calibre: 82 mm;
Comprimento: 1,660 m;
Peso: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas):
Elevação: -20º / +35°;
Alcance máximo: 4500 m;
Alcance prático: 400 m;
Capacidade de fogo : 5 granadas por minuto;
Guarnição: 4 elementos;
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo, BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saíde: 320 metros por segundo);
Alinhamento por aparelho de pontaria: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico;
Funcionamento: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra;
Munição: Vários tipos de granada explosiva: por exemplo, BK-881 HEAT FS de 3,87 kg ou BK-881M HEAT-FS 4.11 kg (, velocidade de saíde: 320 metros por segundo);
Velocidade de saída: dependia do tipo de granada (que podia penetrar até 240 mm de blindagem);
Observações:
(...) Quanto ao CSR 10,6 cm, esse era usado [, pelas NT,] , no tempo em apreciação, em situação defensiva, montado em jipes, assegurando a defesa de alguns aquartelamentos. Era uma excelente arma e montado no jipe poderia ser deslocado para acorrer a zonas do quartel que estivessem a sofrer um ataque. Poderia também ser usado em escoltas, em situações operacionais que o seu uso fosse ponderado (no entanto, nas zonas por onde andei, nunca vi nenhum ser utilizado desse modo). Sei que em aquartelamentos maiores a arma montada no jipe era transportada, às vezes debaixo de fogo, para a zona de onde o IN estava a lançar o ataque, por quem era responsável pela arma.
(...) Quanto ao CSR 10,6 cm, esse era usado [, pelas NT,] , no tempo em apreciação, em situação defensiva, montado em jipes, assegurando a defesa de alguns aquartelamentos. Era uma excelente arma e montado no jipe poderia ser deslocado para acorrer a zonas do quartel que estivessem a sofrer um ataque. Poderia também ser usado em escoltas, em situações operacionais que o seu uso fosse ponderado (no entanto, nas zonas por onde andei, nunca vi nenhum ser utilizado desse modo). Sei que em aquartelamentos maiores a arma montada no jipe era transportada, às vezes debaixo de fogo, para a zona de onde o IN estava a lançar o ataque, por quem era responsável pela arma.
(...) O PAIGC utilizava essencialmente o CSR para defesa das suas instalações, mas também para flagelações aos nossos aquartelamentos e, por vezes, em emboscadas às nossas tropas, seja a colunas auto, seja a elementos apeados.
(...) Em 17 de Abril de 1972, os guerrilheiros do PAIGC, comandados por Paulo Malu, emboscaram uma coluna da CCAÇ 3490 (Saltinho), na zona do Quirafo, recorrendo nessa acção à utilização de um CSR e foi o que já muito foi falado, uma das mais duras emboscadas, em termos de perdas de vidas, de toda a guerra na Guiné.
O CSR B-10 era uma excelente arma e relativamente manobrável para aquele tipo de cenário, daí o recurso ao seu uso por parte dos guerrilheiros. As forças portuguesas também utilizaram estes CSR (apreendidos) mas sempre no sentido defensivo.
Não esquecer que o uso deste tipo de armamento requeria os cuidados semelhantes aos que se tinham com os LGF, ou seja, aquando do disparo da arma, ninguém podia estar atrás da mesma, por causa do cone de fogo que lançava à retaguarda. (...)
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)
(**) 16 de junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8428: Armamento (5): Morteiros e canhões em recuo (Luís Dias)
(***) Último poste da série > 11 de junho de 2019 > ãGuiné 61/74 - P19882: In Memoriam (343): Mário Gualter Rodrigues Pinto (1945-2019), ex-fur mil art, CART 2519 (Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71)... Era chefe de cozinha, e vivia no Barreiro... O corpo já seguiu para a capela mortuária da igreja do Lavradio, Barreiro, e o seu funeral realiza-se esta tarde pelas 16h15 (Herlânder Simões / Luís Graça)
(**) 16 de junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8428: Armamento (5): Morteiros e canhões em recuo (Luís Dias)
(***) Último poste da série > 11 de junho de 2019 > ãGuiné 61/74 - P19882: In Memoriam (343): Mário Gualter Rodrigues Pinto (1945-2019), ex-fur mil art, CART 2519 (Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71)... Era chefe de cozinha, e vivia no Barreiro... O corpo já seguiu para a capela mortuária da igreja do Lavradio, Barreiro, e o seu funeral realiza-se esta tarde pelas 16h15 (Herlânder Simões / Luís Graça)
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terça-feira, 23 de julho de 2019
Guiné 61/74 - P20006: Estórias avulsas (97): quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão s/r, 82-B10, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal, ainda não tinha chegado a minha hora! (Martins Julião, ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
por Martins Julião
(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)
Estórias avulsas > Quando ia ficando soterrado no abrigo do canhão sem recuo, de fabrico russo... Salvei-me por um triz... Afinal,. ainda não tinha chegado a minha hora!
Brasão da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) |
[ex-alf mil, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72), membro da nossa Tabanca Grande desde 23 de julho de 2006 (*), e um dos "históricos" do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo; empreário em Oliveira de Azeméis; espantosamente, ainda não temos nenhuma foto dele, à civil ou à militar, como mandam as NEP do blogue]
O almoço decorreu, como habitualmente, na nossa messe de oficiais e sargentos, onde o ambiente de camaradagem e de bom convívio era exemplar.
Após a refeição normalmente bebia-se um café com uma(s) dose(s) generosa(s) de whisky, mas era ao jantar que as libações eram superiores.
Como sempre estava o calor infernal da Guiné, abafado, húmido, dificultando a respiração e, entre as 12 e as 15 horas ninguém, em seu perfeito juízo, se atrevia a expor-se às suas violentas carícias, excepto quando as operações o exigiam.
Resolvi fazer uma sesta procurando fugir a este período de enorme desgaste.
Dirigi-me a um abrigo pequeno, chamado abrigo do canhão, onde na anterior companhia passava a noite a equipa que tinha por responsabilidade manusear um canhão sem recuo de fabrico russo, que fazia parte das nossas armas mais pesadas de defesa do aquartelamento e, que, provavelmente, participou no ataque a Conacri, pois durante um período de alguns meses foi-nos retirado, exactamente, no mesmo período em que decorreu a preparação e o referido ataque à capital da República da Guiné-Conacri.
Embora nos tenha deixado bastante apreensivos, durante esse período, uma vez que o armamento mais pesado era muito escassos , quando o recebemos ele vinha reparado e em muito melhor estado do que anteriormente. O canhão tinha imensas folgas o que tornava perigoso as operações de fogo, uma vez que provocavam fugas de chamas laterais, obrigando a sua guarnição a rigorosos cuidados de posicionamento.
O abrigo era pequeno: descia-se uma escada de cerca de 2 a 3 metros e no seu interior havia um beliche duplo e uma outra cama, ficando todo o espaço quase totalmente ocupado. O tecto era uma cobertura com troncos de árvores, flexíveis, duras e resistentes (cibes: um tipo de palmeira), terra e cimento a fechar o exterior.
Havia a pretensão de se afirmar que estes abrigos resistiam ao impactos das granadas inimigas, mas dificilmente se poderia acreditar nessa total segurança. Eu nunca acreditei , sobretudo após a terrível experiência por que passei.
Tirei a parte superior do camuflado e, em tronco nu, estiquei-me na cama paralela ao beliche ( 2 camas militares sobrepostas).
Lá dentro a temperatura não era tão fresca e agradável como se possa supor, mas era melhor estar debaixo de terra do que estar noutro local mais exposto. Talvez por esta razão não adormeci ou então não estava marcada a minha morte para esse dia.
Mantive-me acordado mas procurando relaxar e deixando a minha imaginação a vaguear por caminhos longínquos.
Num dado momento, ao passar a mão pelo peito nu, verifico que tinha uma muito pequena camada de areia sobre a pele. Passei a um estado vigilante e compreendi que caia uma fina camada de areia e terra sobre o meu peito, mas uma camada muito fina e intermitente.
Reagi de imediato; saltei da cama, peguei na parte superior do meu camuflado e corri para as escadas. Estava quase a chegar aos últimos degraus quando uma pancada violenta me atirou contra as escadas, ficando de barriga para baixo, quase esmagado, pelo peso da terra e dos troncos em cima das minhas costas. Apenas fiquei com a cabeça de fora e o braço esquerdo meio coberto.
Senti as primeiras dores sobre uma das pernas, que estava a ser submetida a uma pressão muito violenta, comprimidas entre os degraus, suportando o peso pressionante dos escombros.
Tentei ver no exterior se alguém aparecia, mas seria muito difícil haver deslocações de soldados àquela hora, pois toda a gente disponível teria providenciado uma solução de abrigo do calor.
Não valia a pena gritar por socorro, pois ninguém me iria ouvir, dadas as distâncias entre a posição em que me encontrava e outros abrigos. Optei por esperar e ver se alguém passaria no meu campo de visão ou se dariam pelo colapso do abrigo.
Nesse período em que me encontrava imobilizado, naquela dolorosa posição, dei por mim a pensar se teria havido um milagre que levou à minha reacção ou se teria sido o meu rápido raciocínio a prever a derrocada em curso e me teria permitido escapar, no limite dos limites, para aquela posição, qual purgatório antes de uma libertação final.
Quando já não acreditava numa ajuda e as dores subiam de intensidade, eis que surge uma soldado mecânico, homem bom, de físico possante, mas francamente para o pesado. Quando me viu entrou em pânico e disse que ia procurar ajuda. A custo, consegui acalmá-lo e pedir-lhe para não chamar ninguém e fosse buscar uma pá, pois se aparecesse muita gente, na ânsia de ajudarem e de me tirarem debaixo dos escombros podiam partir-me a perna que se encontrava no limite da resistência e do sofrimento.
Lá o convenci e ele cumpriu escrupulosamente o meu pedido. Pouco tempo passado, estava de regresso com a pá e, para cumulo da situação, passou sobre mim e posicionou-se sobre a terra e os escombros que me esmagavam.
Dei um berro valente, umas tantas asneiradas e gritei-lhe para sair de cima de mim. Expliquei-lhe que, com muito cuidado, procedesse à remoção da terra que cobria uma parte do meu braço esquerdo.
Concluído esse trabalho e libertado o meu braço, pedi-lhe que me desse a pá. Retirei cautelosamente uma parte da terra que me cobria permitindo assim poder-lhe dar indicações para ele, agora de novo com a posse da pá, me ir destapando e aliviando da terra e dos escombros.
Passado um bom bocado, fiquei a salvo e pude-me levantar. Nessa altura deu para ver que a minha perna esquerda estava muito maltratada e com ferimentos diversos, embora, felizmente, não muito profundos.
Agradeci ao meu salvador e dirigi-me ao balneário onde no chuveiro me limpei da terra agarrada à pele e de algum sangue. Depois dirigi-me ao posto médico, meio nu, e onde o nosso médico Drº Faria, bem como o furriel enfermeiro trataram das escoriações.
A perna inchou bastante nos dias seguintes e chegou-se a pensar que teria de ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, uma vez que, naquele clima as infecções , causadas por qualquer tipo de ferimentos, tendem a fazer perigosas patologias mas acabou por não ser necessário e passado alguns dias estava pronto para o meu dia a dia habitual.
Não tinha chegado a minha hora!
NOTA: O nosso capitão, na companhia do aguerrido e ilustre alferes ranger, chegaram um pouco depois, regressados do Xitole.
Notas do editor:
O almoço decorreu, como habitualmente, na nossa messe de oficiais e sargentos, onde o ambiente de camaradagem e de bom convívio era exemplar.
Após a refeição normalmente bebia-se um café com uma(s) dose(s) generosa(s) de whisky, mas era ao jantar que as libações eram superiores.
Como sempre estava o calor infernal da Guiné, abafado, húmido, dificultando a respiração e, entre as 12 e as 15 horas ninguém, em seu perfeito juízo, se atrevia a expor-se às suas violentas carícias, excepto quando as operações o exigiam.
Resolvi fazer uma sesta procurando fugir a este período de enorme desgaste.
Dirigi-me a um abrigo pequeno, chamado abrigo do canhão, onde na anterior companhia passava a noite a equipa que tinha por responsabilidade manusear um canhão sem recuo de fabrico russo, que fazia parte das nossas armas mais pesadas de defesa do aquartelamento e, que, provavelmente, participou no ataque a Conacri, pois durante um período de alguns meses foi-nos retirado, exactamente, no mesmo período em que decorreu a preparação e o referido ataque à capital da República da Guiné-Conacri.
Embora nos tenha deixado bastante apreensivos, durante esse período, uma vez que o armamento mais pesado era muito escassos , quando o recebemos ele vinha reparado e em muito melhor estado do que anteriormente. O canhão tinha imensas folgas o que tornava perigoso as operações de fogo, uma vez que provocavam fugas de chamas laterais, obrigando a sua guarnição a rigorosos cuidados de posicionamento.
O abrigo era pequeno: descia-se uma escada de cerca de 2 a 3 metros e no seu interior havia um beliche duplo e uma outra cama, ficando todo o espaço quase totalmente ocupado. O tecto era uma cobertura com troncos de árvores, flexíveis, duras e resistentes (cibes: um tipo de palmeira), terra e cimento a fechar o exterior.
Havia a pretensão de se afirmar que estes abrigos resistiam ao impactos das granadas inimigas, mas dificilmente se poderia acreditar nessa total segurança. Eu nunca acreditei , sobretudo após a terrível experiência por que passei.
Tirei a parte superior do camuflado e, em tronco nu, estiquei-me na cama paralela ao beliche ( 2 camas militares sobrepostas).
Lá dentro a temperatura não era tão fresca e agradável como se possa supor, mas era melhor estar debaixo de terra do que estar noutro local mais exposto. Talvez por esta razão não adormeci ou então não estava marcada a minha morte para esse dia.
Mantive-me acordado mas procurando relaxar e deixando a minha imaginação a vaguear por caminhos longínquos.
Num dado momento, ao passar a mão pelo peito nu, verifico que tinha uma muito pequena camada de areia sobre a pele. Passei a um estado vigilante e compreendi que caia uma fina camada de areia e terra sobre o meu peito, mas uma camada muito fina e intermitente.
Reagi de imediato; saltei da cama, peguei na parte superior do meu camuflado e corri para as escadas. Estava quase a chegar aos últimos degraus quando uma pancada violenta me atirou contra as escadas, ficando de barriga para baixo, quase esmagado, pelo peso da terra e dos troncos em cima das minhas costas. Apenas fiquei com a cabeça de fora e o braço esquerdo meio coberto.
Senti as primeiras dores sobre uma das pernas, que estava a ser submetida a uma pressão muito violenta, comprimidas entre os degraus, suportando o peso pressionante dos escombros.
Tentei ver no exterior se alguém aparecia, mas seria muito difícil haver deslocações de soldados àquela hora, pois toda a gente disponível teria providenciado uma solução de abrigo do calor.
Não valia a pena gritar por socorro, pois ninguém me iria ouvir, dadas as distâncias entre a posição em que me encontrava e outros abrigos. Optei por esperar e ver se alguém passaria no meu campo de visão ou se dariam pelo colapso do abrigo.
Nesse período em que me encontrava imobilizado, naquela dolorosa posição, dei por mim a pensar se teria havido um milagre que levou à minha reacção ou se teria sido o meu rápido raciocínio a prever a derrocada em curso e me teria permitido escapar, no limite dos limites, para aquela posição, qual purgatório antes de uma libertação final.
Quando já não acreditava numa ajuda e as dores subiam de intensidade, eis que surge uma soldado mecânico, homem bom, de físico possante, mas francamente para o pesado. Quando me viu entrou em pânico e disse que ia procurar ajuda. A custo, consegui acalmá-lo e pedir-lhe para não chamar ninguém e fosse buscar uma pá, pois se aparecesse muita gente, na ânsia de ajudarem e de me tirarem debaixo dos escombros podiam partir-me a perna que se encontrava no limite da resistência e do sofrimento.
Lá o convenci e ele cumpriu escrupulosamente o meu pedido. Pouco tempo passado, estava de regresso com a pá e, para cumulo da situação, passou sobre mim e posicionou-se sobre a terra e os escombros que me esmagavam.
Dei um berro valente, umas tantas asneiradas e gritei-lhe para sair de cima de mim. Expliquei-lhe que, com muito cuidado, procedesse à remoção da terra que cobria uma parte do meu braço esquerdo.
Concluído esse trabalho e libertado o meu braço, pedi-lhe que me desse a pá. Retirei cautelosamente uma parte da terra que me cobria permitindo assim poder-lhe dar indicações para ele, agora de novo com a posse da pá, me ir destapando e aliviando da terra e dos escombros.
Passado um bom bocado, fiquei a salvo e pude-me levantar. Nessa altura deu para ver que a minha perna esquerda estava muito maltratada e com ferimentos diversos, embora, felizmente, não muito profundos.
Agradeci ao meu salvador e dirigi-me ao balneário onde no chuveiro me limpei da terra agarrada à pele e de algum sangue. Depois dirigi-me ao posto médico, meio nu, e onde o nosso médico Drº Faria, bem como o furriel enfermeiro trataram das escoriações.
A perna inchou bastante nos dias seguintes e chegou-se a pensar que teria de ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, uma vez que, naquele clima as infecções , causadas por qualquer tipo de ferimentos, tendem a fazer perigosas patologias mas acabou por não ser necessário e passado alguns dias estava pronto para o meu dia a dia habitual.
Não tinha chegado a minha hora!
NOTA: O nosso capitão, na companhia do aguerrido e ilustre alferes ranger, chegaram um pouco depois, regressados do Xitole.
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(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)
(**) Último poste da série > 16 de junho de 2019 > Guiné 61/74 – P19896: Estórias avulsas (96): Numa tarde e noite de copos onde tudo acabou à “molhada”. Uma cena que fez tremer o meu amigo Otílio. (José Saúde)
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Guiné 61/74 - P20005: (Ex)citações (357): para um fula, bom muçulmano, crente, como o pai do Cherno Baldé, o homem nunca chegou à lua (nem poderia chegar)... Do mesmo modo, só as mulheres grandes, como a Fatumatá, de Sinchã Sambel, chegavam às 100 luas ou mais (Cherno Baldé, Bissau / Hélder Sousa, Setúbal)
Guiné-Bissau > Sinchã Sambel > 2005 > Duas fotos da dona Fatumatá, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, aliado de Spínola... Era já viúva, quando morreu, em 2010, com 114 luas, dizem uns, ou 100 anos, dizem outros. A foto de cima, a primeira, é do José Teixeira, a outra é do Paulo Santiago, dois "tugas" com uma enorme sensibilidade sociocultural, que honram a Tabanca Grande: um e outro conheceram a senhora Fatumatá, ainda em vida, o Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, que voltou à Guiné em 2005, 2008 e 2010), e o José Teixeira (ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; tem mais de 340 referências no nosso blogue; régulo da Tabanca de Matosinhos)
Fotos: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Fotos: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
(i) Cherno Baldé (*):
Caros amigos Luis e Mário Migueis,
O nome correcto deve ser "Fatumata" (*), que é a versão fula do árabe Fátima ou Fátmah, todas as outras formas serão variantes abreviadas do mesmo nome, por exemplo: Fátu/Fáru, Máta/Mára, Fatumá/Farumá, Matâel/Marâel (diminuitivos), no meio fula.
Isto afinal não é nada estranho...
Hélder Sousa
(*) Vd. poste de 21 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20001: (In)citações (136): Fatemá (ou Fatumatá), a mulher grande, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do atual régulo, Suleimane Baldé, que foi soldado do exército português... Morreu em 2010, centenária... Um exemplo espantoso da arte de bem envelhecer (Paulo Santiago / José Teixeira / José Brás / Cherno Baldé / Mário Miguéis da Silva)
Vd. também poste de 22 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20004: (De)Caras (110): Fatumatá, esposa do régulo Sambel, de Contabane. Fotografada em 2005, com 96 anos (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)
O nome correcto deve ser "Fatumata" (*), que é a versão fula do árabe Fátima ou Fátmah, todas as outras formas serão variantes abreviadas do mesmo nome, por exemplo: Fátu/Fáru, Máta/Mára, Fatumá/Farumá, Matâel/Marâel (diminuitivos), no meio fula.
Fatemá deverá ser uma versão portuguesa do mesmo nome, acho eu.
Voltando a questão da idade, acrescentaria que a minha mãe era da mesma geração que a Fatumata, talvez um pouco mais nova e, facto curioso, na opinião de muitos familiares, ela ja tinha mais de 100 anos, antes da sua morte ocorrida em 2017.
Não havendo forma de os contradizer, aceitava pacificamente este dado, mas por um feliz acaso, um dia, ela contou-me que quando o pai voltou da guerra de Canhabaque, ela ainda era uma miudinha dos seus 9/10 anos, mais ou menos. Sabendo que a última guerra de Canhabaque, que tinha contado com a participação de auxiliares de Sancorlã (nosso regulado), tinha sido em 1935/36, fiz as contas e conclui que a sua idade estava muito exagerada e que, na verdade, se em 1936 estava com 9/10 anos, entao em 2010 deveria andar, mais ou menos, à volta dos 83/84. Contudo, as minhas conclusões muito rigorosas, muito europeias, baseadas num marco histórico bem conhecido, simplesmente, foram rejeitadas e deitadas ao lixo da nossa memória colectiva.
Da mesma forma que em 1969/70 tinham rejeitado a ideia da chegada do homem à Lua (**), considerada uma ideia maluca dos brancos. Acontece que aceitar esta afirmação, para eles, era aceitar a ideia de que o céu não era o habitat de Deus. O meu pai nem sequer admitia que houvesse discussão acerca disso, corria com todos, grandes e pequenos. Aquilo punha o mundo por eles conhecido e aceite de pernas para o ar, o que era inadmissivel.
Cherno Baldé
(ii) Hélder Sousa (*):
Caros amigos,
Tenho acompanhado este caso com alguma curiosidade e acho que tem sido abordado com correcção e bom senso.
Não havendo forma de os contradizer, aceitava pacificamente este dado, mas por um feliz acaso, um dia, ela contou-me que quando o pai voltou da guerra de Canhabaque, ela ainda era uma miudinha dos seus 9/10 anos, mais ou menos. Sabendo que a última guerra de Canhabaque, que tinha contado com a participação de auxiliares de Sancorlã (nosso regulado), tinha sido em 1935/36, fiz as contas e conclui que a sua idade estava muito exagerada e que, na verdade, se em 1936 estava com 9/10 anos, entao em 2010 deveria andar, mais ou menos, à volta dos 83/84. Contudo, as minhas conclusões muito rigorosas, muito europeias, baseadas num marco histórico bem conhecido, simplesmente, foram rejeitadas e deitadas ao lixo da nossa memória colectiva.
Da mesma forma que em 1969/70 tinham rejeitado a ideia da chegada do homem à Lua (**), considerada uma ideia maluca dos brancos. Acontece que aceitar esta afirmação, para eles, era aceitar a ideia de que o céu não era o habitat de Deus. O meu pai nem sequer admitia que houvesse discussão acerca disso, corria com todos, grandes e pequenos. Aquilo punha o mundo por eles conhecido e aceite de pernas para o ar, o que era inadmissivel.
Cherno Baldé
(ii) Hélder Sousa (*):
Caros amigos,
Tenho acompanhado este caso com alguma curiosidade e acho que tem sido abordado com correcção e bom senso.
Falando em "bom senso" acho que ele está quase sempre presente nas oportunas intervenções, solicitadas ou não, do Cherno.
Apenas acho que a expressão "Fatemá" não tem obrigação de ser uma "versão portuguesa", no sentido de se ter superiormente arranjado uma grafia para o nome. Acho mais provável que portugueses, isso sim, ao ouvirem referir-se à senhora e sem conhecer essas nuances dos nomes que o Cherno refere, passaram a grafar tal como lhe soava e depois foi passando de uns para outros
.
O que acho mesmo uma delícia são aqueles dois aspectos que o Cherno conta: ao tentar determinar com o "rigor dos brancos" a idade de sua mãe, isso foi "rejeitado e deitado ao lixo da nossa memória colectiva", o que mostra como as comunidades normalmente se fecham e defendem as "suas verdades".
O outro aspecto, aliás no seguimento do anterior mas muito mais implicante, foi a discussão/posição sobre a "ida à Lua", pois isso, como o Cherno diz, "punha o mundo por eles conhecido e aceite de pernas para o ar o que era inadmíssvel". (***)
Isto afinal não é nada estranho...
Hélder Sousa
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 21 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20001: (In)citações (136): Fatemá (ou Fatumatá), a mulher grande, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do atual régulo, Suleimane Baldé, que foi soldado do exército português... Morreu em 2010, centenária... Um exemplo espantoso da arte de bem envelhecer (Paulo Santiago / José Teixeira / José Brás / Cherno Baldé / Mário Miguéis da Silva)
(***) Último poste da série > 18 de julho de 2019 > ões (357): Guiné 61/74 - P19988: (Ex)citações (356): A Exposição Colonial do Porto, 1934: a balanta Rosinha, com os seus seios ao léu, foi capa de revista, num tempo e lugar em que nenhum jornal ou revista se atreveria a mostrar uma mulher branca de mamas à mostra... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972-74)
segunda-feira, 22 de julho de 2019
Guiné 61/74 - P20004: (De)Caras (134): Fatumatá, esposa do régulo Sambel, de Contabane. Fotografada em 2005, com 96 anos (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)
Guiné-Bissau > Sinchã Sambel > 2005 > Fatumatá, esposa do Régulo Sambel de Contabane. Tinha então 96 anos. Morreu aos 100, em 2010.
Enviado: 21 de julho de 2019 23:30
Assunto: Fatumata, a esposa do Sambel, régulo de Contabane.
Meus caros:
Junto uma foto da Fatumata, esposa do Régulo Sambel de Contabane que lhe tirei em 2005 quando ela tinha 96 anos, segundo me disse a Meta Baldé (Naná), esposa do Sulimane, eu filho e atual régulo.
Assunto: Fatumata, a esposa do Sambel, régulo de Contabane.
Meus caros:
Junto uma foto da Fatumata, esposa do Régulo Sambel de Contabane que lhe tirei em 2005 quando ela tinha 96 anos, segundo me disse a Meta Baldé (Naná), esposa do Sulimane, eu filho e atual régulo.
À data estava perfeitamente lúcida. A imagem que me ficou dela foi o seu abraço prolongado enquanto me dizia com emoção "Branco e na volta, Branco e na volta".
Quando faleceu em 2010, tinha efetivamente 100 anos. (***)
Fraternal abraço do Zé Teixeira
Fraternal abraço do Zé Teixeira
____________
Notas do editor:
(**) Último poste da série > 12 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19971: (De)Caras (109): Faz hoje um ano que morreu um dos "bravos do Cachil", o ex-alf mil José Augusto Rocha (1938-2018), destacado dirigente estudantil (em 1962) e depois advogado, defensor de muitos presos políticos sob o Marcelismo. Tinha uma posição radical sobre a guerra colonial, a da denúncia ativa, razão por que declinara, em 2015, delicadamente, o nosso convite para integrar a Tabanca Grande.
Guiné 61/74 - P20003: (In)citações (137): Obrigado, amigos/as e camaradas, pelos votos de parabéns que me deram ao km 73 da minha "picada da vida" (Jaime Silva)
Angola > Leste > O alf mil paraquedista Jaime Silva, do BCP 21 (1970/72), em 1970. a norte do Rio Cassai.
Foto (e legenda): © Jaime Silva (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do nosso amigo e camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva, natural de (e residente em) Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande:
Data: segunda, 22/07/2019 à(s) 00:39
Assunto: Mensagem de agradecimento
Caro Luís,
Muito obrigado pelo teu texto: Palavras amigas e sentidas, como só tu consegues transmitir!
Muito obrigado pela oferta do livro "Os passos em volta", do Herberto Hélder. Vai ajudar-me, seguramente, "a tonificar o músculo do coração", como tu dizes. (*)
Muito obrigado pela Vossa amizade, tua e da Alice.
Gostaria, se fosse viável, que fizesses o favor de publicar, também no Blogue, na página do Facebook da Tabanca Grane e ainda na página do Facebook da Magnífica Tabanca da Linha, a mensagem que escrevi para tanta e boa gente que se lembrou de mim na passagem destes meus 73 anos. (**)
Os camaradas do blogue, por terem sido combatentes como eu em África, pertencem a esse grupo de "Gente Boa".
Abraço meu e da Dina, para ti e a Alice.
73 ANOS! TANTA E TANTA GENTE BOA!
No passado dia 17 de Julho recebi de muitas das minhas amigas e amigos votos de felicidades e de parabéns pelo facto do tempo me ter privilegiado e permitido progredir na "picada" da vida ao longo destes 73 anos!
Não percorri sozinho este percurso! Tanta e tanta gente boa com quem me cruzei! Tantas e tantos foram os que me ajudaram a chegar aqui, hoje, e ser a pessoa que sou!
Durante este percurso guardo em mim aquelas e aqueles que me acompanharam e me incentivaram a calcorrear o caminho mais seguro nesta "picada" da vida e me estenderam a sua mão:
(…) " Não te rendas, ainda estás a tempo
de alcançar e começar de novo, (…)
Não te rendas que vida é isso,
Não te rendas que vida é isso,
continuar a viagem,
perseguir os teus sonhos, (…)
Não te rendas, por favor, não cedas (…).
Não te rendas, por favor, não cedas (…).
[Mário Benedetti (1920-2009), "Não te rendas"]
A eles, a minha gratidão. Nunca os esquecerei!
A vós, meus amigos, o meu muito obrigado. (***)
Jaime
A eles, a minha gratidão. Nunca os esquecerei!
A vós, meus amigos, o meu muito obrigado. (***)
Jaime
_____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 18 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19987: Manuscrito(s) (Luís Graça (157): Andamos à volta com os fantasmas de sempre, que, desde meninos, nos ensombram, uns, ou nos encantam, outros... Para o Jaime, ao km 73 dos passos em volta...
Guiné 61/74 - P20002: Notas de leitura (1200): “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho; Edições Colibri, 2019 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2019:
Queridos amigos,
Não se pode ficar insensível a este documento, a vários títulos singular, não é um diário nem um repositório de notas avulsas sobre peripécias de um fuzileiro da Guiné, é um jovem que aderiu ao comunismo, que aos 22 anos aparece como fuzileiro, a sua mulher aparecerá depois como professora em Bissau, fala dos rios da Guiné, de barcos encalhados, de incêndios e de abalroamentos, de muita tensão e de picos de camaradagem. Regressa e vive na subversão até ser preso. Na Guiné, tirou imensas fotografias e cinquenta anos depois voltou com duas exposições.
Recomendo vivamente a leitura destas saborosíssimas e vívidas "Crónicas de um Tenente".
Um abraço do
Mário
Será que o Tenente Redondo passou por Mato de Cão entre 1968 e 1970?
Beja Santos
O livro dá pelo nome de “Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau, 1968-2018”, o autor é Fernando Penim Redondo, o prefácio é de Mário de Carvalho, Edições Colibri, 2019. Antes de mais, é um livro completamente fora do que conhecemos. São memórias de um jovem que bateu à porta da Reserva Naval, foi aceite e desembarcou em Bissau como fuzileiro. Era membro do PCP, casara há pouco, adorava a fotografia, poetava de vez em quando. Vamos vê-lo numa fotografia bem perto da LDP 301, talvez no rio Cacheu. São notas confessionais redigidas com imensa serenidade e ternura, é um texto desafetado, a tentar a impessoalidade, felizmente não conseguida. Integrou a 6.ª Companhia de Fuzileiros. Diz ter navegado no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no rio Grande de Buba. Quando vi a sua fotografia, em 1968, fiquei inquieto, conhecia a pessoa, e depois de muitas voltas à memória, tenho a impressão que acertei com uma manhã em Mato de Cão, uma lancha seguia à frente de um comboio de embarcações civis em direção a Bambadinca. Num passadiço, fiz sinal de pedir boleia, a minha malta resguardada, não queria que houvesse qualquer equívoco de um grupo ousado do PAIGC com o descaro de flagelar na orla do rio. Assomou um oficial barbudo, pedi-lhe boleia, era quase uma antemanhã, teria tempo de requisitar umas carradas de material, uns sacos de arroz para a população civil, requisitar outros abastecimentos para a tropa arranchada. O oficial disse que sim, perguntou onde estava a minha gente, assobiei, o magote veio a correr, na primeira embarcação civil ouviu-se um murmúrio de terror, alguém terá pensado que se iniciara uma operação de pirataria. Desfeito o equívoco, a malta espalhou-se por vários barcos e chegados a Bambadinca agradeci ao gentil oficial barbudo. Posso estar enganado, mas creio tratar-se deste tenente que passou ao papel as recordações da sua adolescência, da sua formação política, conta-nos histórias bizarras, também momentos de grande camaradagem e solidariedade, vamos mesmo vê-lo a ser liberto da prisão em Caxias, estão aqui plasmados alguns dos seus poemas, é um fotógrafo de mão cheia e para abonar aqui se publicam um pescador Felupe e um lutador, provavelmente Balanta.
Do seu passado, percebe-se a importância que atribui à verve cineclubista, foi neste meio que conheceu a sua futura mulher, recorda com saudade o café Chaimite, na Praça Paiva Couceiro, local de cumplicidades e onde soube que estavam abertas as candidaturas para oficial da Reserva Naval. Depois despontam as recordações, já estamos numa subida do Cacheu e ele lembra como se encontrou com um camarada de armas e ouviu o concerto para violino de Tchaikovsky.
O que importa reter é a prosa do marinheiro:
“As lanchas encarreiravam rio acima, quase paradas quando apanhavam a corrente pela proa. O resto do comboio de batelões ainda não os alcançara e decidiram fazer uma paragem para pernoitar, fundeando num local onde as outras embarcações pudessem mais tarde juntar-se-lhes. Escolheram uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir das raízes inclinadas e escorregadias do tarrafo. Lançaram o ferro e a corrente virou-lhes a proa para a foz. Assim ficaram no silêncio, que só as aves cortavam, e sem acender gambiarras. Na estação das chuvas, o céu, quase sempre nublado, não dava margem ao luar. Desligados os motores, sinal que passavam ao inimigo contra vontade, a sua presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tinham o cuidado de esconder as pontas dos cigarros”.
As recordações incluem diabruras, desacatos, sinistros, com homens e máquinas. Guardou a agenda cultural, o que lia e que era motivo de conversas, os filmes que passavam no UDIB, dá mesmo informações elementares a pensar em leitores não-iniciados nas artes da marinhagem, é primoroso a explicar-nos as lanchas de desembarque:
“As lanchas de desembarque, rectangulares, tinham a forma de uma caixa de sapatos. Numa das extremidades, à polpa, situava-se a casa do leme, muito singela, e na outra, à proa, encontrava-se uma porta que, ao abater, permitia o acesso a veículos ou pessoal directamente da praia. Existiam em três tamanhos mas mesmo as maiores, por causo do seu fundo chato, tinham calado que pouco ultrapassava um metro.
No seu bojo podiam transportar dezenas, ou mesmo centenas, de fuzileiros com todo o seu material. Ou então um ou vários jipes e Unimogs, conforme a tipologia.
Foram usadas profusamente no teatro de operações da Guiné. Quando se formavam comboios de batelões, para abastecimentos do interior isolado pela guerra, eram sempre escoltados por uma ou duas lanchas médias, armadas com as suas peças Oerlikon de 20mm e duas metralhadoras MG 42, uma em cada bordo.”
A mulher do tenente vive em Bissau, é professora no Liceu Honório Barreto. Toca-nos as suas recordações do cinema, há por vezes situações muito tensas, os marinheiros e grumetes exigiram levar as suas mulheres para o balcão, que estava reservado a oficiais e sargentos, tudo se amenizou.
Nessa noite foi com a mulher ver o “Apache” de Robert Aldrich, recordação inesquecível:
“Como de costume, no espaço que medeia entre as primeiras cadeiras da plateia e o ecrã, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.”
No regresso da Guiné, voltou à militância política, e um dia a PIDE veio buscá-lo, esteve escassos dias em Caxias, tudo se passou muito perto do 25 de Abril. Tirou imensas fotografias na Guiné, cinquenta anos depois veio expô-las e oferecê-las ao Museu Etnográfico. Antes disso, esteve na Quinta do Mocho e descobriu um aluno da mulher, o Osvaldo, ditosa alegria. Como ele diz, “Este não é um livro biográfico mas conta certas estórias que mostram o sentido de uma vida”.
Um livro que a todos toca, a intensidade de luz e sombra que ele põe em cada um dos seus registos fotográficos é uma evidência de que há cinquenta anos, imprevistamente, ele estava a preparar esta maravilhosa velada de armas, esta insofismável prova de amor pela Guiné.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19993: Notas de leitura (1199): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (15) (Mário Beja Santos)
domingo, 21 de julho de 2019
Guiné 61/74 - P20001: (In)citações (136): Fatumatá, a mulher grande, viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do atual régulo, Suleimane Baldé, que foi soldado do exército português... Morreu em 2010, centenária... Um exemplo espantoso da arte de bem envelhecer (Paulo Santiago / José Teixeira / José Brás / Cherno Baldé / Mário Miguéis da Silva)
Guiné-Bissau > Sinchã Sambel > 2005 > Fatumatá e Paulo Santiago, ladeados por familiares e amigos. Por de trás, João Santiago, filho do Paulo, que também quis sentir as emoções de seu pai ao voltar à Guiné da sua juventude.
Fotos (e legendas): © Paulo Santiago (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]
1. A propósito da mulher grande, Fatumatá, de Contabane (*), volta-se aqui a reproduzir mensagem de Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, que voltou à Guiné em 2005, 2008 e 2010), com data de 8 de Novembro de 2010 (*)
Telefonema que recebi, às 23.00 horas de ontem, do Zé Teixeira, que recebera a mesma notícia do Carlos Nery [, ex-cap mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que, por sua vez, a recebera de um antigo milícia: "Morreu a Fatemá"!
Fatumatá, Mulher Grande, Grande Senhora, que conheci há 40 anos, tendo-a visitado em 2005 e 2008, era viúva do régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do actual régulo, Suleimane Baldé, ex-1.º cabo do Pel Caç Nat 53, que tive a honra de comandar.
A Fatumatá ficou na memória de inúmeros militares que foram passando por Contabane, Aldeia Formosa e Saltinho, onde, na outra margem do rio Corubal, nos anos de 1970-71, foi construído o reordenamento de Contabane, hoje chamado Sinchã Sambel. O meu convívio, mais intenso, com a Fatemá decorreu no período em que vivi naquele reordenamento, de maio a agosto de 1972. Nos dias em que não havia saídas para o mato, quase sempre, a seguir ao jantar, tinha longas conversas com o Sambel e a Fatemá.
Ela lembrava-me a minha avó Clementina que me enviou o bolo-rei mais delicioso que até hoje comi, apesar de muito duro quando o recebi em Bambadinca, história que já contei aqui no blogue.
A Fatumatá era dotada de grande jovialidade e simpatia. Ainda hoje quando encontro algum ex-militar da CCAÇ 2701, a que estive adido, sabendo que estive recentemente na Guiné, em 2008, vem a pergunta : "E a Fatemá ainda é viva? Como é que ela está?"
Em fevereiro de 2005, acompanhado pelo meu filho João, apareci de surpresa em Sinchã Sambel, a Fatumatá fez-nos uma recepção que jamais esqueceremos. Sem o saber desencontrara-me do Suleimane que tinha vindo, dias antes para Lisboa, e a Fatemá, naquele dia foi régulo e chefe de tabanca. Ela mobilizou toda a aldeia para receber os visitantes. Foi uma tarde, prolongou-se pela noite, de fortes emoções onde pontificava aquela figura matriarcal que no final nos ofereceu um cabrito.
Na Guiné, onde a esperança de vida é muito baixa, a Fatumatá era uma excepção notável, e com certeza única, tempos atrás ultrapassara os cem anos. O Suleimane, ontem, quando lhe telefonei, disse-me que a mãe tinha 114 anos (?!), e, sendo assim, nasceu no séc XIX, passou pelo séc XX e vem morrer no séc XXI.
Soube envelhecer com dignidade, para quem nunca soube o que era botox ou pilling, a Fatumatá tinha uma pele lisa, com muito poucas rugas, e, para além deste aspecto exterior, possuía uma cabeça cheia de memórias. Em 2005, falou-me dos militares portugueses que foi conhecendo ao longo dos anos da guerra, uns que eu conhecia, outros não. Curiosamente, esqueceu o comandante da CCAÇ 3490, ou fez por bem não o mencionar.
Em Março de 2008, encontrei-a já muito prostrada, muito apática, e já não me reconheceu
Ontem à tarde, segundo o Suleimane, "ficou-se"... morreu de velhice. Hoje, às 10.00 horas, seria enterrada. Que Alá a tenha em descanso.
Águeda, Aguada de Cima, 8 de novembro de 2010
2. Comentários ao poste P7249:
Paulo: A ternura com que falas desta mulher, que bem podia ter sido tua avó ou bisavó... Os laços de afecto que deixaste por onde passaste... Eu não sei se isto é muito "português", só sei que é de um grande português, cidadão e homem, de sue nome Paulo Santiago e cuja presença, entre nós, muito honra a Tabanca Grande...
Há mais postes onde evocas a Fatumatá... Por exemplo, fui buscar este excerto:
"Jamil [ Nasser, comerciante libanês do Saltinho,] desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a 'pendurar-se' ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos."(...) (**)
Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.
Por isso Fatumatá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel. tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra. Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.
Lembro também do posto rádio que montei em sua casa, com AN-GRC9, para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, uma cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.
E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.
Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.
(iii) José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; tem mais de 340 referências no nosso blogue; régulo da Tabanca de Matosinhos) (**)
Não me lembro da Fatumatá (...), quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70].
Recordo o régulo Sambel, seu marido, e a sua dedicação e fidelidade a Portugal. O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algumas... aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada, que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!
Há mais postes onde evocas a Fatumatá... Por exemplo, fui buscar este excerto:
"Jamil [ Nasser, comerciante libanês do Saltinho,] desistiu da abertura de uma casa em Mampatá, mas a ideia foi aproveitada por um outro comerciante do Xitole, o Rachid. Passou-se para o reordenamento de Contabane, na outra margem do rio, e estou a ver a Fatemá, mulher do régulo Sambel, mãe do meu 1º Cabo Suleimane, a 'pendurar-se' ao pescoço do Spínola e a cobri-lo de beijos."(...) (**)
(ii) José Brás (**):
[ex-fur mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68); nasceu em Alenquer; trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997; foi sindicatista e autarca; mora em Montemor-o-Novo; tem mais de 130 referências no nosso blogue; é autor de “Vindimas no Capim”, 2.ª Edição, Lisboa, Publicações Europa América, 1987, e também de "Lugares de Passagem", Chiado Editora, Lisboa, 2010].
[ex-fur mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68); nasceu em Alenquer; trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997; foi sindicatista e autarca; mora em Montemor-o-Novo; tem mais de 130 referências no nosso blogue; é autor de “Vindimas no Capim”, 2.ª Edição, Lisboa, Publicações Europa América, 1987, e também de "Lugares de Passagem", Chiado Editora, Lisboa, 2010].
A minha memória sobre a Fatumatá não é tão objectivamente clara como a que aqui aparece do camarada Santiago.
Há coisas da Guiné que me escapam hoje e penso mesmo que me escaparam sempre, para minha desgraça pessoal, porque tenho isso como uma lástima que não me aumenta razões para a consideração de outros nem de mim por mim próprio.
Tentando entender porque terá sido isso, quero crer que se deve a uma certa rejeição pela guerra e pelas razões da guerra e, nesse tempo, mesmo pelos seus intérpretes no terreno, apesar de também eu a ter assumido.
Por isso Fatumatá era apenas a mais prestigiada das mulheres de Sambel. tenente de segunda linha, homem que permaneceu a nosso lado, creio que até ao fim da guerra. Dele, lembro cartas que escrevi para um seu filho que estava em Lisboa e que ele queria em Contabane para casar com uma mulher "negociada" pelo pai, coisa que gerou conflito de posturas porque o filho, tendo escolhido mulher, outra, já não aceitava a decisão do pai.
Lembro também do posto rádio que montei em sua casa, com AN-GRC9, para apoiar uma incursão da minha companhia na estrada que ligava a Madina do Boé, operação que deu apenas uma vítima, uma cobra com mais de 4 metros apanhada pelos soldados e cozinhada em Aldeia Formosa.
E também me lembro do embaraço desse dia, obrigado a partilhar o arroz de chabéu com galinha na mesma malga de madeira onde comiam Sambel e as suas mulheres da forma tradicional da Guiné.
Sei que muito soldado português partilhou experiências destas sem quaisquer dificuldades, mas para mim não foi agradável, coisa que, como disse já, sinto hoje como postura verdadeiramente lamentável na medida em demonstra a pouca adaptação que terei tido nesta experiência.
(iii) José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; tem mais de 340 referências no nosso blogue; régulo da Tabanca de Matosinhos) (**)
Não me lembro da Fatumatá (...), quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70].
Recordo o régulo Sambel, seu marido, e a sua dedicação e fidelidade a Portugal. O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algumas... aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada, que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!
Tal como o Paulo Santiago, tive a felicidade de conviver com a Fatumatá em 2005, quando a Adada (...) me reconheceu, passados trinta e cinco anos (que belo e feliz momento!).
Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e, com as lágrimas nos olhos, me pedir "Branco na volta, branco na volta !"
Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia "Branco na volta!"... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos, que queriam brincar comigo ao fotógrafo.
Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e, sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.
Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e, com as lágrimas nos olhos, me pedir "Branco na volta, branco na volta !"
Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia "Branco na volta!"... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos, que queriam brincar comigo ao fotógrafo.
Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e, sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.
Com a sua morte perdeu-se um forte elo de ligação, com os portugueses que pisaram aqueles trilhos do regulado de Contabane.
3. Comentários ao poste P19995 (*)
(i) Mário Miguéis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72; bancário reformado, cartunista, vive em Esposende)
(i) Mário Miguéis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72; bancário reformado, cartunista, vive em Esposende)
Na entrevista (pág. 10 e 11) feita por mim e pelo ex-alferes Rocha ao respeitável Sambel Baldé, régulo de Contabane (pai do atual régulo, Suleimane Baldé) [, e publicada no jornald e caserba, "O Saltitão"], perguntávamos, a certa altura, ao entrevistado "quantas chuvas tinha"...."Cinquenta e sete", respondeu Sambel, com convicção.
Ora, tendo sido referido aqui no blogue, aquando do falecimento da Fatumatá (senhora de uma simpatia e gentileza inexcedíveis, mulher mais velha de Sambel e mãe do atual régulo) que esta deveria ter a proveta idade de 114 anos e, tendo ainda em atenção que a Fatumatá, para quem a conheceu e ao Sambel, não era mais velha que este, antes pelo contrário, das duas uma: ou o Sambel tinha mais que 57 anos em 1971 (data da entrevista) ou a Fatumatá não tinha assim tantas chuvas quando faleceu [, em 2010]... (Experimentem fazer as contas).
Para os menos familiarizados com a guerra no sul e leste da Guiné, o Sambel alude, na entrevista, ao ataque do PAIGC à tabanca de Contabane (nas proximidades de Aldeia Formosa), que destruiu completamente (disso se falou já abundantemente aqui no nosso blogue).
Para os menos familiarizados com a guerra no sul e leste da Guiné, o Sambel alude, na entrevista, ao ataque do PAIGC à tabanca de Contabane (nas proximidades de Aldeia Formosa), que destruiu completamente (disso se falou já abundantemente aqui no nosso blogue).
Madina-Contabane foi edificada na margem esquerda do Corubal, junto ao Saltinho, pelas tropas da CCAÇ 2701, em 1971, para recolher, em definitivo, a população, algo dispersa durante dois anos, da antiga Contabane.
O capitão André, a certa altura da entrevista referido pelo Sambel, era o comandante da CCAÇ 2406 ("Os Tigres"), que precederam a CCAÇ 2701 no Saltinho (já publiquei uma foto no blogue, montando o tigre da CCAÇ 2406, "escultura" que tem na sua base uma lápide alusiva aos vários mortos da Companhia).
(ii) Cherno Baldé, Bissau (*):
(...) A segunda hipótese deve ser a mais provável, pois 114 anos são "muitas chuvas" para as condições reais em que nós vivemos, mesmo sendo uma mulher. O método da contagem (chuvas) e a ausência de registos escritos fazem mais que complicar a contagem. E, para piorar, no meio tradicional fula, a idade não era importante senão no momento e em função do beneficio que dai poderia resultar. Convinha ser jovem e forte nos momentos de recrutamento para tarefas mais ou menos bem remuneradas, e mais velho quando isso permitia beneficiar de alguma herança ou deixar de pagar impostos.
Gostei muito da lenda sobre a origem do cavalo e da entrevista ao Régulo Sambel Baldé. A lenda do cavalo retrata a epopeia das guerras com o reino Bambará de Segou, de onde é originária a maior parte dos primeiros fulas que povoaram o actual territorio da Senegambia (Guiné, GBissau, Senegal e a Gâmbia).
O verbo "firmar" é uma tradução directa da lingua fula, o mesmo que dizer "estar vs morar". Fez-me lembrar o meu velho pai que falava igualzinho, e bem vistas as coisas, com muito mérito e inteligência se tivermos em conta as suas origens e histórias de vida. Queria ver qualquer um de vocês a falar fula com a mesma desenvoltura de espirito e clareza no sentido. Caso para dizer: Mesmo se nunca mereceram o devido respeito e confiança da parte de muitos portugueses, mormente administradores coloniais e comandantes de companhias do exercito, os nossos pais e avôs foram extraordinários e dignos de admiração. (...)
(iii) Paulo Santiago (*):
Foi o Suleimane que me falou nos 114 anos da mãe, pode haver exagero, talvez...Ela teria uns sessenta e picos quando por lá andámos, mais os quarenta que ainda viveu. O Suleimane,é mais velho que eu doze anos,tem agora oitenta e três.
(ii) Cherno Baldé, Bissau (*):
(...) A segunda hipótese deve ser a mais provável, pois 114 anos são "muitas chuvas" para as condições reais em que nós vivemos, mesmo sendo uma mulher. O método da contagem (chuvas) e a ausência de registos escritos fazem mais que complicar a contagem. E, para piorar, no meio tradicional fula, a idade não era importante senão no momento e em função do beneficio que dai poderia resultar. Convinha ser jovem e forte nos momentos de recrutamento para tarefas mais ou menos bem remuneradas, e mais velho quando isso permitia beneficiar de alguma herança ou deixar de pagar impostos.
Gostei muito da lenda sobre a origem do cavalo e da entrevista ao Régulo Sambel Baldé. A lenda do cavalo retrata a epopeia das guerras com o reino Bambará de Segou, de onde é originária a maior parte dos primeiros fulas que povoaram o actual territorio da Senegambia (Guiné, GBissau, Senegal e a Gâmbia).
O verbo "firmar" é uma tradução directa da lingua fula, o mesmo que dizer "estar vs morar". Fez-me lembrar o meu velho pai que falava igualzinho, e bem vistas as coisas, com muito mérito e inteligência se tivermos em conta as suas origens e histórias de vida. Queria ver qualquer um de vocês a falar fula com a mesma desenvoltura de espirito e clareza no sentido. Caso para dizer: Mesmo se nunca mereceram o devido respeito e confiança da parte de muitos portugueses, mormente administradores coloniais e comandantes de companhias do exercito, os nossos pais e avôs foram extraordinários e dignos de admiração. (...)
(iii) Paulo Santiago (*):
Foi o Suleimane que me falou nos 114 anos da mãe, pode haver exagero, talvez...Ela teria uns sessenta e picos quando por lá andámos, mais os quarenta que ainda viveu. O Suleimane,é mais velho que eu doze anos,tem agora oitenta e três.
(iv) Mário Miguéis da Silva:
Caro Cherno Baldé, as tuas palavras alusivas aos vossos pais e avôs conseguiram comover-me. Tive com as populações de etnia fula, com as quais convivi ao longo dos dois anos da minha comissão de serviço, uma relação da maior cordialidade. Percebi, desde cedo, as carências de que padeciam e a delicadeza da sua posição. Embora suportassem tudo com elevação, com a maior das dignidades, não me passava ao lado o seu sofrimento, a sua preocupação com o futuro dos seus. Isto, apesar do seu passado de guerreiros altivos e indomáveis.
De um modo geral, procurei ser muito amigo de todos, acarinhando as crianças e fazendo o que estava ao meu alcance para ajudar pais e mães. Mas, os Homens-Grandes, gente humilde no seu comportamento exterior, mas sábia e altiva como nenhuma outra no território, sempre me infundiram o maior respeito e mereceram grande amizade. Quando, como agora, dou comigo a recordar algumas vetustas personalidades, que tive a honra de conhecer no seio das suas tabancas disseminadas pelo leste e sul da Guiné, e embora não tenha quaisquer problemas de consciência quanto ao meu comportamento em relação às mesmas, não deixo de me sentir algo entristecido por não ter podido ser tão generoso com elas quanto desejaria.
Obrigado pelo teu comentário ao poste e um grande abraço. (*****)
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(*****) Último poste da série > 11 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19968: (In)citações (135): Achega II - E o PAIGC exaltou o Comandante Guerra Mendes a substituto de Salazar, na toponímia de Bissau (Manuel Luís Lomba)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)
(*) Vd. poste de 19 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19995: Os nossos seres, saberes e lazeres (342): "O Saltitão", Jornal da CCAÇ 2701 (2) (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf)
(**) Vd. poste de 9 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7249: In Memoriam (60): Morreu Fatemá, Mulher Grande de Sinchã Sambel (ex-Contabane), mãe do Régulo Suleimane Baldé (Paulo Santiago)
(***) Vd. poste de 13 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago)
(****) Vd. poste de 9 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatemá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)
(***) Vd. poste de 13 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6150: O Spínola que eu conheci (8): O Militar que foi meu Comandante-Chefe (Paulo Santiago)
(****) Vd. poste de 9 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatemá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)
(*****) Último poste da série > 11 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19968: (In)citações (135): Achega II - E o PAIGC exaltou o Comandante Guerra Mendes a substituto de Salazar, na toponímia de Bissau (Manuel Luís Lomba)
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Guiné 61/74 - P20000: Blogpoesia (629): "Papel almaço", "A voz..." e "A ajuda...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:
Papel almaço
Minhas provas em papel almaço.
O arrematar da escola primária.
Um acontecimento importante para quem nascera havia 10 anos.
Nunca mais esquece.
Uma vitória pública da nossa capacidade para enfrentar o futuro
e a bagagem para vencer na vida.
As regras da língua com que nos entendemos.
O domínio dos números para dimensionar bem as medidas e quantidades.
A visão global do ambiente em que nos movemos.
A nossa Terra e os astros que, de longe, nos acompanham.
O pedaço dela que nos tocou da História.
Os heróis sem nome que a construiram.
O que tem de bom e belo.
Mar e rios. Campos e serras.
As vias férreas que eram as veias onde corria o sangue da riqueza.
E, sobretudo, os valores morais da natureza humana organizada em sociedade.
O alicerce sólido do que somos hoje...
Mafra, Bar 7 Momentos, 19 de Julho de 2019
9h46m
Jlmg
********************
A voz...
Nossa voz é impetuosa.
Vibra oculta e incontrolada.
Reagindo aos seres que nos circundam.
São eles que no-la modulam e regem como maestros.
Sua afinação foi trabalho de muita dedicação.
Entre sorrisos e olhares ternos.
Se tornou vibrante e musculada.
Tem o timbre das canas verdes quando o vento silva.
Poisa nos sons com os pés descalços.
Solta palavras com sua mensagem.
Se diverte em ondas sonoras de harmonia.
Entoando o sentimento que vai na alma.
Chama cada ser vizinho pelo seu nome.
Diz sim e não segundo a vontade.
Ouca se envergonha e tosse...
Bar, 7 Momentos, 20 de Julho de 2019
10h57m
Jlmg
********************
A ajuda...
É nobre e exigente a arte de ajudar.
Adequada a cada caso.
Nunca como se quer ou apetece.
Não se pode diminuir quem precisa do nosso auxílio.
Hoje, sou eu por ti.
Um dia, será o inverso.
Porque ninguém é auto-suficiente.
Hoje, estou bem.
Amanhã, poderei não estar.
Quanto mais tenho ou sou, maior é a obrigação de ajudar.
Só tenho direito ao essencial.
Esse é inviolável.
O resto é secundário.
Seu valor, onde for mais útil.
A reciprocidade não faz parte do ajudar.
Muito menos se pode comerciar.
Não tem cotação na bolsa e em nenhum lado.
Porque ajudar assenta na igualdade e na solidariedade de quem nasceu igual.
Mafra, 20 de Julho de 2019
18h27m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 14 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19978: Blogpoesia (628): "Na minha rua...'", "Rachmaninov" e "Reflexões minhas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Papel almaço
Minhas provas em papel almaço.
O arrematar da escola primária.
Um acontecimento importante para quem nascera havia 10 anos.
Nunca mais esquece.
Uma vitória pública da nossa capacidade para enfrentar o futuro
e a bagagem para vencer na vida.
As regras da língua com que nos entendemos.
O domínio dos números para dimensionar bem as medidas e quantidades.
A visão global do ambiente em que nos movemos.
A nossa Terra e os astros que, de longe, nos acompanham.
O pedaço dela que nos tocou da História.
Os heróis sem nome que a construiram.
O que tem de bom e belo.
Mar e rios. Campos e serras.
As vias férreas que eram as veias onde corria o sangue da riqueza.
E, sobretudo, os valores morais da natureza humana organizada em sociedade.
O alicerce sólido do que somos hoje...
Mafra, Bar 7 Momentos, 19 de Julho de 2019
9h46m
Jlmg
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A voz...
Nossa voz é impetuosa.
Vibra oculta e incontrolada.
Reagindo aos seres que nos circundam.
São eles que no-la modulam e regem como maestros.
Sua afinação foi trabalho de muita dedicação.
Entre sorrisos e olhares ternos.
Se tornou vibrante e musculada.
Tem o timbre das canas verdes quando o vento silva.
Poisa nos sons com os pés descalços.
Solta palavras com sua mensagem.
Se diverte em ondas sonoras de harmonia.
Entoando o sentimento que vai na alma.
Chama cada ser vizinho pelo seu nome.
Diz sim e não segundo a vontade.
Ouca se envergonha e tosse...
Bar, 7 Momentos, 20 de Julho de 2019
10h57m
Jlmg
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A ajuda...
É nobre e exigente a arte de ajudar.
Adequada a cada caso.
Nunca como se quer ou apetece.
Não se pode diminuir quem precisa do nosso auxílio.
Hoje, sou eu por ti.
Um dia, será o inverso.
Porque ninguém é auto-suficiente.
Hoje, estou bem.
Amanhã, poderei não estar.
Quanto mais tenho ou sou, maior é a obrigação de ajudar.
Só tenho direito ao essencial.
Esse é inviolável.
O resto é secundário.
Seu valor, onde for mais útil.
A reciprocidade não faz parte do ajudar.
Muito menos se pode comerciar.
Não tem cotação na bolsa e em nenhum lado.
Porque ajudar assenta na igualdade e na solidariedade de quem nasceu igual.
Mafra, 20 de Julho de 2019
18h27m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19978: Blogpoesia (628): "Na minha rua...'", "Rachmaninov" e "Reflexões minhas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
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