quinta-feira, 10 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

1. Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau


Bilhete? Ida e Volta

A ida

Sem fugir aos factos concretos, vou procurar dar um pouco de cor ao texto para não se tornar uma coisa chata e enfadonha. Pode servir para intercalar com relatos mais dolorosos que chocam e colocam no local aqueles que os viveram.
As guerras não são feitas por homens sábios, são feitas por bestas, apoiadas por interesses de pessoas sem escrúpulos e alimentadas com juventude.

Não posso começar a dizer, fui para o aeroporto …
Decorridos 14 meses de serviço militar e quando, pensava eu, estavam já habituados à minha presença, eu por mim estava habituado a estar por cá, ofereceram-me como prenda de aniversário, presumo, tinha completado 22 anos havia uma semana, uma ida para a Guiné. Propuseram-me que estivesse no aeroporto, no terminal militar, eu e mais 14 ou 15, não me recordo com exactidão se éramos 15 ou 16 no total, mas adiante, pelas 22H00 do dia 15 de Junho de 1972, para embarcarmos num voo às 00H00.
Como nunca tinha andado de avião aceitei.

Não foi lá ninguém levar-nos, nem apareceram a ver se tínhamos comparecido, tal era a confiança que tinham em nós, só fazíamos parte da lista de passageiros. Ainda hoje continuo sem saber o que teria acontecido se não aparecêssemos. Mas não, fomos todos exemplares, o nosso exército sabia-o, embora sem presidentes na despedida, nem o do meu clube, ou ministros de estado ou mesmo só de nome, lá estivemos acompanhados pelas famílias.

Passada a hora das lágrimas e depois de acomodados dentro do DC6 (?), para quem queria ter sido piloto, uma prenda de aniversário destas era o máximo, ir de avião passar dois anos numa terra que ainda não conhecia, que diziam ser ecológica devido à muita vegetação, portanto boa para o ambiente, com cama mesa e roupa lavada (desde que alguém a lavasse), quem é que recusava?

Mas, o avião que levado do terminal militar para a pista da TAP decidiu não levantar

Volta tudo para trás e há que esperar, ninguém sai do avião, são só 15 minutos para ver uma coisa e vamos já seguir. Passada meia hora começámos a ver desmantelar o avião, a impaciência dos 65 ou 75 ocupantes, oficiais, sargentos e praças todos em rendições individuais, a crescer e a vontade de fumar etc., veio a ordem de podermos descer à pista para desentorpecermos as pernas, fumar e aguardarmos, que estava quase.

Passada mais meia hora na pista, era só vir a peça que tinham ido buscar a Alverca e embarcávamos. Claro que já começávamos a ver que indo naquele objecto tínhamos certo o embarque, só não sabíamos era quando e onde íamos desembarcar e de que maneira.

Pelas 02H00 horas da manhã, ou a peça não chegou ou o mecânico já não sabia de onde eram as peças e como o avião tivesse a carcaça cada vez mais à vista, foram levar-nos ao terminal civil do aeroporto com a indicação para estarmos de volta nesse dia à noite, pelas 00H00.

Às 02H00 da manhã só de táxi podíamos ir para o centro de Lisboa. Além de gastarmos o pouco que tínhamos voltávamos para casa e dizíamos o quê à família, que já tinham passado dois anos? No dia seguinte dizíamos ir fazer nova comissão? Ficávamos um dia inteiro em Lisboa a andar de um lado para o outro até às 00H00?

O certo é que assim aconteceu e cada um desenrascou-se como quis e no dia seguinte lá estávamos todos de novo para ver se era mesmo verdade. E não é que foi mesmo?

Que maravilha, ver despontar o dia pelas janelas do avião.

Eram aproximadamente 08H00 quando aterrámos e se abriu a porta. Perante a baforada de ar quente, ficámos todos molhados, parecia termos aterrado no Alentejo em pleno sol de Agosto, não fosse alguém ter gritado "eh pá, é só grilos", o que como alentejano habituado a anedotas não estranhei. E os cheiros? Incómodos mas só até os interiorizarmos. Não serão eles que inconscientemente recordamos hoje e nos ligam e aproximam daquela terra?

Desembarcado e a caminho do quartel, Regimento de Transmissões, situado dentro da parte que englobava também o QG, julgava eu ter uma suite à minha espera, mesmo que o não fosse ou não fosse só para mim, já calculava, pelo menos devia ter ar condicionado e outras mordomias para estarmos sempre prontos e em forma.

Surpresa das surpresas, pelo calor que estava devia ser período de férias, como no Algarve, estava tudo superlotado e tivemos que fazer campismo. Deram-nos três tendas cónicas e mandaram-nos para um sítio ainda por construir e nem nos avisaram que se não tivéssemos cuidado, durante a noite, éramos comidos pelos mosquitos. Como bons militares, sempre prontos e preparados para tudo descobrimos depressa.

Passámos 5 ou 6 dias naqueles aposentos até sermos despachados cada um para seu sítio.
Eu fui para Mansoa, outros para Bafatá, Nova Lamego e os outros não me recordo para onde.

A estada ou estadia, já que também andei de barco e estive a bordo de patrulhas como o "Orion" ou do Navio Hidrográfico "Pedro Nunes", onde tinha colegas de secundário, e os comes e bebes eram diferentes e melhores que na unidade. O meu abraço e agradecimento para o Francisco Correia dos Santos e para o Etelvino Ribeiro Alves.


O regresso

O regresso, esse foi mais simples e sem complicações, tranquilo diria mesmo, passavam 20 dias de ter completado os 24 meses quando embarquei, num 707 ou 727 da Força Aérea. Como não trazia bagagem, apenas aquele saco tipo chouriço que a TAP utilizava para os seus passageiros que tinha guardado das últimas férias à Metrópole, haviam passado apenas três meses, foi sair do aeroporto com destino a Odivelas e aparecer em casa a dizer agora já vim definitivamente, não volto mais, acabou-se. Mas confesso ter sonhado várias vezes, durante algum tempo, que tinha voltado a ser chamado e estava a fazer uma outra comissão.

Depois do regresso tem sido a conversa de ocasião, até que este Blog veio reavivar tudo de novo, mas ainda bem, está vivo e tem sido a forma de os relembrar a todos, sem excepção, embora com muita emoção. Afinal tínhamos apenas vinte e poucos anos e a esperança de toda uma vida pela frente. O que dói e corrói não é o exterior.

Um abraço para todos,
Belarmino Sardinha
__________

Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

1 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

3 comentários:

Anónimo disse...

Hermenegildo Capelo ?
cumpri o meu serviço militar obrigatorio na marinha de guerra portuguesa em 98/99 primeiro na escola de fuzileiros e depois na base naval do alfeite, e essa fragata da nossa marinha ainda era "viva" lembro-me bem dela, e segundo me parece ainda não "morreu" , só não sabia é que ainda tinha andando pelo ultramar , mas enfim , para quem nasceu em 78 e tinha uma G3 de fabrico de 74 :) que já nem puxava a culatra atrás(provavelmente ainda andou no ultramar )não é de admirar :)

Anónimo disse...

Pois é, camarigo (como diz o Mexia Alves) Belarmino Sardinha. Quando lá chegaste estava a caminhar para o fim da minha "comissão" na "Escuta" do Agrupamento de Transmissões mas é pouco provável que nos tivéssemos cruzado. Quanto ao teu relato é bem interessante e revelador do que se passou com muitos de nós.
Sublinho essencialmente o que referes como sendo o comportamento típico, comum a muitos, logo após o regresso e o "apagar" da nossa mente a Guiné (que ingénuos, como se isso fosse possível... a prova é todo este aparente revivalismo que nos tem feito alimentar este blogue e não só) e a genuina alegria e emoção com que finalmente voltámos a falar, a relembrar e a historiar aqueles tempos.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Ao camarada anónimo e ao Hélder Sousa, que comentaram o meu texto, desde já agradeço. Desculpem só hoje ter reparado, mas como dizia Ary dos Santos "... um povo quando acorda é sempre cedo..." neste caso apenas eu.
Espero estar desculpado.
Um abraço
BSardinha