quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > Um das famosas imagens da guerra da Guiné, a saída do obus 14, de noite, tirada com a máquina rente ao chão, pelo então Alf Mil Médico Amaral Bernardo (hoje médico do Hospital de Santo António, Porto, e membro da nossa Tabanca Grande) (1).

Foto: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.

1. Texto enviado pelo Cor Art, na reforma, Costa Matos:

Agora que Guileje está, por motivos vários, na ordem do dia, envio-lhe, por sugestão do meu camarada de curso Coronel Nuno Rubim, um extracto de uma conferência proferida em 2004, na Liga dos Combatentes, pelo Tenente General Belchior Vieira (2).

Era bom que tantos episódios reveladores de rara corgem e abenegação protagonizados por humildes e esquecidos Portugueses (com letra grande), fossem trazidos ao conhecimento dos seus concidadãos e, em sua memória, fossem exaltados como merecem. Talvez com isso se minimizasse a injustiça com que têm sido omitidos da História.

É pena que não saibamos merecê-los e é triste que se tenham sacrificado em vão!

Bem haja pelo trabalho que vem realizando e pelo contributo que tem conseguido dar à História que, um dia, alguém virá a a contar com rigor,verdade e isenção.

Com os meus cumprimentos.
Costa Matos,
Coronel de Artilharia na reforma


2. Comentário do editor L.G.:

Agradecemos ao Cor Costa Matos esta gentileza. Tomamos a liberdade de publicar, com a devida vénia, o texto agora recebido na série Estórias de Guileje (3)

3. Estórias de Guileje > O irmão artilheiro

Extracto de uma conferência sob o título “O IRMÃO ARTILHEIRO”, proferida em 2004, pelo Tenente General Belchior Vieira, na Liga dos Combatentes, e publicada nesse mesmo ano na Revista Combatente, editada pela Liga.

(...) Do episódio, Guileje 1969, tive conhecimento quando, em 1982, como Director da Revista de Artilharia, me foi facultada pelo então Brigadeiro Ricardo Durão, Director do Serviço de Justiça e Disciplina, a consulta do processo sobre ele elaborado.

A Revista de Artilharia obteve ainda o depoimento do então Major Barbosa Henriques (4), que fora Comandante da Companhia de Caçadores 2316.

Com a retracção do nosso dispositivo na Zona Sul do TO da Guiné, desenvolvida desde 1968, o aquartelamento de Guileje, sede da Companhia de Caçadores 2316, passou a estar, em 1969, isolado, a oito quilómetros da fronteira Leste com a Guiné-Conacri.

As acções desencadeadas pelo PAIGC, até então repartidas pelos aquartelamentos evacuados (Cacoca, Sangonhá, Gandembel e Mejo), vieram a concentrar-se, a partir daí, sobre Guileje, de tal modo que, desde 28 de Janeiro de 1969 (data em que ficou concluída a evacuação do Mejo) até 14 de Fevereiro, se registaram 59 flagelações.

Na noite de 14 de Fevereiro, o aquartelamento foi submetido a um violento bombardeamento de morteiros e de canhões S/R, precedido de uma regulação de tiro e prolongando-se por cerca de duas horas.

Com os postos guarnecidos de acordo com o plano de defesa e referenciadas, pelos clarões dos disparos, as posições das armas inimigas, imediatamente a única boca de fogo de artilharia, um obus de 10,5 do 6° Pelotão da Bataria de Artilharia de Campanha n°1 (o outro obus fora evacuado para reparação) e um morteiro de 10,7 abriram fogo, quer sobre as posições referenciadas, quer sobre posições donde, do antecedente, o inimigo desencadeara as suas acções.

Verificava-se, entretanto, uma crescente intensidade do fogo inimigo, o que obrigou ao empenhamento dos dois morteiros de 81 disponíveis. 0 Alferes José Manuel de Araújo Gonçalves, Comandante do Pelotão de Artilharia, e o Furriel António da Conceição Dias Baptista, Comandante de Secção, que eram sempre os primeiros a guarnecer a boca de fogo, aperceberam-se da intensidade de fogo e da violência do ataque.

De imediato, ordenam aos serventes, na sua maioria guineenses, que se abrigassem numa trincheira junto da posição, permanecendo os dois junto do obus, carregando, apontando e disparando, indiferentes ao bombardeamento que atingia, com excepcional precisão, o aquartelamento. Um impacte directo de uma granada de canhão S/R numa das conteiras do obus provoca-lhes a morte imediata.

0 Alferes Araújo Gonçalves, natural de Lisboa, terminou o Curso de Oficiais Milicianos na Escola Prática de Artilharia em Junho de 1968 e desembarcara em Bissau em Novembro do mesmo ano, destinado à Bataria de Artilharia de Campanha n° 1. Foi condecorado, a título póstumo, com a Medalha de Prata de Valor Militar, com Palma.

0 Furriel Dias Baptista, natural de S. Domingos de Rana, terminou o Curso de Sargentos Milicianos na Escola Prática de Artilharia em Dezembro de 1967 e desembarcara em Bissau em Abril do mesmo ano. Foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe. (...).

_________________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)

(2) Há dias o Nuno Rubim tinha-nos mandado a seguinte mensagem sobre "os materiais de artilharia de Guileje":

Caro Luís Graça: Este é apenas um email para te elucidar sobre a problemática da utilização de bocas de fogo de artilharia em Guileje, questão ainda em aberto no que concerne às datas de serviço.Julgo que não vale a pena colocá-lo no blogue.

A 1ª referência que tenho é a de que foram atribuídos a Mejo (então um destacamento de Guileje) dois obuses de 8, 8cm, em data ainda não averiguada (possivelmente 1967, segundo uma foto do Cap Neto). No meu tempo, 1966, não foi.

Aquando do abandono de Mejo (Janeiro de 1969) foram recolhidos em Guileje. Em data ainda indeterminada foram substituídos por 2 (?) obuses de 10,5 cm e posteriormente (possivelmente em 1972 ) vieram 3 peças de 11,4 cm (daí teres as fotos do Casimiro Carvalho com o 10,5 e depois com o 11,4, em Guileje) [Em Gadamael, esclareceu posteriormente o José Casimiro Carvalho: é que em Guileje ele não andava em calções de banho...].

E, como sabemos, em 16 de Maio de 1973 estes [, as peças 11,4,] foram substituídos por 2 obuses de 14 cm. Continuarei as pesquisas (...).

(3) Vd. postes anteriores desta série Estórias de Guileje:

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(4) Sobre Barbosa Henriques, nascido em Cabo Verde, e que também foi instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos, em Fá Mandinga, em 1970, vd. postes de:

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

1 comentário:

Anónimo disse...

Em Maio de 1967 foram quatro Obuses 8,8cm, (6º e 7º pelotões de artª)deslocados de Cufar. à época estava em Mejo a Cª do Cap. Cadete que em Junho, do mesmo ano, foi substiuída pela CCaç 1622, Cap. Loja, vinda de Aldeia Formosa. Esta companhia foi substiuída pela CCaç 2316, que passado pouco tempo foi para Guileje.
Fiz parte do 6º pelotão de artªe, permaneci em Mejo cerca de dez meses. Fui substiuído em Mejo pelo Furriel Batista que, infelizmente, havia de morrer em Guileje, suponho que a 14 de Fevereiro de 1969, dia em que embarquei no Uije para Lisboa - terminus da "comissão".
Agradeço aos autores deste espaço a possibilidade que me têm dado, e a muitos outros, de reviver tempos idos que só sairão da memória quando morrer.
Alguma informação que possa darnão obstante os anos que já lá vão, podem contactar-me:
Tm - 965238594
e-mail - amribeiro44@sapo.pt
Um abraço solidário.
Anónio Ribeiro, ex-fur. mil.