quinta-feira, 19 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4056: Da Suécia com saudade (10) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (10): Um certo CMDT de Batalhão nas margens do Cacheu

Câmara de Estocolmo, vista do lago


1. Mensagem de José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Reformado, com data de 17 de Março de 2009:

Era Comandante de um Batalhão nas margens do Cacheu.

Por milhares de ridículas razões, e muitas perpotências, não usufruía, realmente, da estima dos subordinados.

Em certa noite, não fora a intervenção "divina" do Capelão teria vindo a tropeçar em armadilha com granada de mão, montada por descontentes, no itinerário entre a messe de oficiais e o seu quarto. Safou-se dessa, não fosse o português o povo dos tais brandos costumes. Mas, em escura noite em que o inimigo resolvera flagelar com armas pesadas a sede do Batalhão, ao deslocar-se em busca de abrigo por entre viaturas parqueadas, foi atingido por violenta paulada que lhe partiu a cabeça.

Ferimento por certo doloroso (ao autor não lhe faltaria vontade!), mas não grave. No entanto, mal o ataque terminou, exigiu o envio de mensagem prioritária para Bissau pedindo a sua imediata evacuação por ferimento grave. O nosso Coronel, depois de aterragem do avião em pista dramaticamente iluminada pelos faróis de viaturas, foi evacuado para o hospital de Bissau.

Aí, ao verificarem que a ferida de guerra se tratava com panos quentes e pouco mais, parece que não tiveram... sentido de humor! O nosso Coronel regressou ao Batalhão, mas a ocorrência foi participada ao Comando Chefe.

Do ComChefe foi enviada mensagem que, em linguagem clara de Cavalaria era "menos compreensiva" quanto ao ferimento do sr. Coronel. E, terminava em irónico P.S: - Sugere-se ao Sr. Comandante do Batalhão o uso do capacete regulamentar nas deslocações no INTERIOR do aquartelamento.

Seria o mesmo nosso Coronel, o tal das escovas de dentes para os porcos à carga do Batalhão? A rapaziada contava que existiam soldados faxinas encarregados da lavagem diária das dentaduras suínas a bem da higiene, e por certo dentro do espírito da campanha... por uma Guiné melhor!

Estava-se então em fins dos anos sessenta.

Estocolmo 17/3/09
José Belo.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3985: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (9): Por que não fui desertor

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Pois é verdade, amigo José Belo, uma bela história, como tantas outras que ainda não foram contadas mas que revelam claramente as diferenças que existiam entre os que "viviam da guerra", ou seja, aqueles a quem a existência da mesma era a sua razão de ser, a via para a progessão da sua carreira, e aqueles que "estavam na guerra" porque "cumpriam o dever", independentemente da profundidade da consciência com que o faziam.
Um abraço
Hélder Sousa

Santos Oliveira disse...

Pois, meus Amigos

O José Belo descreve o resultado e as consequências do Corporativismo que era o “orgulho” duma minoria dos Castros do Exército da época. Foi uma acção leve, mas fez muito bem (a este e a outros) porque que foi humanizando as relações entre Oficiais, Sargentos e Praças.

Foram aprendendo que a “Exclusiva Classe Social única” que lhes era incutida na Academia, não perduraria em situação de Guerra onde o Espírito de Grupo se sobrepunha á importância do ser-se (demagogicamente) o Poder. Convenhamos que, felizmente, esta não era a regra, mas que era a mais notória e provocava muita “mossa”.

No meu caso, ao ser convidado a primeira vez a frequentar o COM, pretendi a transferência para a FA, onde este “comportamento” era desconhecido. Foi-me negado tal, porque, alegavam que após os três meses de Recruta na EPI (Instrução Básica) “um Infante será Infante até morrer”. Recusei, como recusei nos anos subsequentes mesmo para além do final da Comissão, os COM’s, os Convites (com todas as facilidades e equivalências) para a Academia, etc. Não foi por estarmos em Guerra que recusei, (que eu adorava o Serviço Militar) mas pelo modo desumano e humilhante com os Homens (COM E CSM) eram tratados pelos Castros que nos Formavam e dirigiam, sempre com o espezinhar e humilhar por base de formação.

Guerra, sim. Desumanidade, não. Isso não servia para mim. O Exército perdeu um profissional, ou não ganhou um rebelde.

Pessoalmente, fico feliz e presto Homenagem justa aos Ten. Duarte (Instrutor exemplar) e Directores de Instrução Majores Dias da Gama (1º Ciclo-Inst.Básica) e Jasmins de Freitas (2º Ciclo-Especialidades) porque sempre foram o exemplo que procurei no meu percurso Militar.

O José Belo conta um facto real, extremamente relevante, em prosa leve e agradável, mas que reflectia uma realidade muito comum que funcionava sempre no sentido do despertar de revoltas interiores e mal-estar entre os Homens. Desta vez, as consequências foram visíveis. Noutras, (a maioria) não.

Bem hajam Homens com dignidade e aprumo… que já começam a rarear.

Força José Belo, tens um admirador.

Abraços, do
Santos Oliveira

Anónimo disse...

Caro José,
Em Catió, houve um caso semelhante, só que a traulitada foi com um bacalhau.
Julgo já ter sido falado no blogue este caso do Com. Bat. que foi aconselhado por Bissau a andar de capacete no quartel. Mas este caso tinha outras causas. O Com. Bat. tinha a lingua grande, e abria-se com o Administrador, que passava a mensagem para o PAIGC.
Um abraço como sempre do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Ainda bem que aparecem camaradas como o Joseph Belo a injectar no blogue a adrenalina necessária para a boa disposição.
Eu posso-me dar por feliz porque tive um comandante que sempre usou a norma do dialogo,por esse motivo criou um conjunto de amigos entre oficiais sargentos e praças.
É a excepção que confirma a regra,
Ou não há regra sem excepção?
Um alfa bravo.
Colaço